analise de Pepe Escobar, em Asia Times Online
Há samba de um – mas se se samba em grupo a coisa é mais contagiosa e divertida. O Brasil apresentou proposta para desbloquear o dossiê nuclear iraniano, a qual, de fato, manifesta a posição de todos os países BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o contrapoder emergente que cresce frente à hegemonia dos EUA.
O Irã concordou com que o Brasil seja o mediador entre Teerã e a ONU – em vez do eixo de EUA, Grã-Bretanha e França – dentro do Conselho de Segurança da ONU + a Alemanha– para afinar acertar a questão do dossiê nuclear iraniano. Segundo a agência de notícias Fars, depois da visita a New York no início da semana, o presidente do Irã Mahmud Ahmadinejad, em conversa telefônica, disse ao presidente Hugo Chavez que o Irã concorda com a proposta do Brasil, de troca de combustível nuclear para alimentar o reator de pesquisas de Teerã, que produz isótopos para uso médico no tratamento do câncer. Detalhes da proposta serão discutidos quando o presidente Luiz Inacio Lula da Silva do Brasil visitar Teerã no fim da próxima semana.
O governo do Brasil – em rota de colisão “soft” com o governo de Barack Obama – já há algum tempo tem atuado como mediador. A troca nuclear foi proposta pela primeira vez pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) no final do ano passado em Viena. A ideia foi que o Irã transferiria a maior parte de seu urânio enriquecido para outro país e receberia combustível nuclear fornecido pela França.
A negociação emperrou quando Teerã propôs que a troca acontecesse no Japão, Brasil ou Turquia. Lula do Brasil, ao final de abril, sugeriu que melhor seria que a troca acontecesse em país vizinho do Irã. Teerã então decidiu-se pela ilha de Kish, em território iraniano. A troca em território do Irã passou a ser considerada pelo Irã questão de soberania nacional. Os EUA e os europeus rejeitaram a ideia.
A posição de Ahmadinejad sobre a troca – que é também a posição do Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei e do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos – foi desenvolvida ao mesmo tempo em que, em New York, o presidente do Irã denunciava a tática de EUA/União Europeia, de sempre associarem e aproximarem na mesma discussão , como se fossem um mesmo conceito, os conceitos de “armas nucleares” e “uso de energia nuclear”. Em discurso que ecoou em todo o mundo em desenvolvimento, Ahmadinejad não economizou palavras. Denunciou o Conselho de Segurança e a Agência Internacional de Energia Atômica, por estarem atuando contra os Estados não-nucleares; e expressamente conclamou o mundo a suspender completamente o desenvolvimento de armas nucleares, e a banir completamen te a produção, o armazenamento, a proliferação e a manutenção de armas nucleares.
Aparentemente, a ONU estava prestando atenção. Aparentemente. Na 4ª.-feira, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, em declaração conjunta, apoiaram a ideia de converter o Oriente Médio em Zona desnuclearizada. A ideia ajudaria a arrancar o gato (nuclear) da toca – obrigando Israel a declarar-se potência nuclear e a assinar o Tratado de Não-proliferação Nuclear (NPT). As chances de que isso venha a acontecer em tempos de governo de Benjamin Netanyahu são mínimas.
De fato, Washington só fez abrir espaço midiático para seu discurso de ocasião, sobre mundo “sem armas atômicas”, porque está na luta para conquistar o voto árabe a favor de uma quarta rodada de sanções contra o Irã. Ainda falta ver se os Estados árabes, sobretudo os clientes dos EUA, serão conversados por esse tipo de manobra. A eles só interessa um Oriente Médio desnuclearizado às veras, com Israel desnuclearizada.
O Egito – que está na presidência do poderoso Movimento dos Não-Alinhados, de 118 nações – fez circular entre os 189 signatários do Tratado de Não-proliferação Nuclear convite para conferência, em 2011, sobre a ideia de converter o Oriente Médio em zona livre de armas nucleares. Inevitavelmente, os EUA já estão tentando convencer o Egito a “suavizar” o tom e, de fato, a nada fazer e esperar para ver o que acontece.
Os países não-alinhados no mundo desenvolvido e os BRICs podem já ter entendido o ‘perigo’ que haveria por trás da inexistente bomba iraniana: a verdadeira ameaça de ataque nuclear que pesa sobre o Oriente Médio há décadas são as bombas atômicas de Israel (que existem), não alguma bomba atômica iraniana (que não existe).
Além disso, há também o sempre mutável front das sanções. O que já se sabe é o que já se sabia mês passado: não haverá qualquer sanção até julho, se houver alguma sanção. Em movimento conjunto, Rússia e China estão convertendo em pó o pacote de sanções inventado pelos EUA. O Brasil dos BRICs e a Turquia, membros atualmente do Conselho de Segurança sem poder de veto, tampouco querem sanções.
Os olhos do mundo já estão focados na reunião Brasil-Irã que acontecerá semana que vem. Se há líder global competente para superar a cisão entre a agressividade de EUA/Europa e a ditadura militar do mullahariato, é o presidente Lula do Brasil: é ocidental, é do Sul global e é o mais competente, sedutor e confiável negociador em ação hoje no mundo. Chegou a hora de um verdadeiro samba atômico.
Tradução publicada em primeira mão aqui
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