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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Finanças Verdes - um novo caldeirão de bruxarias



NOTA PRELIMINAR DOS ÍNDIOS AQUI DO TOLDO - mesmo que consideramos todos os mecanismos da economia verde muito viciados de origem, pela cupidez de seus criadores, o mercado financeiro rentista, entendemos que sem ferramentas de suporte econômico, qualquer esforço na direção de políticas mais amigáveis à natureza não se sustentam. Embora as linhas de análise contidas no artigo reproduzido abaixo necessitem de ponderações adicionais, o apresentamos como forma de se dar conhecimento do que se cozinha no panelão das bruxas (genérico - sem relação pejorativa às autoras,  por favor). Os  links originais do texto foram mantidos para os que se interessam nessa temática.





por Amália Safatle e Magali Cabral, no Página 22

Mapeamos algumas das fronteiras no que se refere a finanças sustentáveis. São campos que geralmente se encontram em estágio inicial de desenvolvimento, mas se mostram promissores e apontam tendências, como o mercado de Cota de Reserva Ambiental, os green bonds, a incorporação do capital natural nas contas nacionais e o ROI sociomabiental, entre outros. Navegue aqui pelas finanças do futuro.



Mercado de Cota de Reserva Ambiental (CRA)

O dono da maior floresta tropical do mundo e da segunda maior área florestal do planeta certamente deve prestar atenção a este nascente e promissor mercado: o de Cota de Reserva Ambiental (CRA). Como o nome sugere, trata-se de um mecanismo pelo qual é possível negociar excedentes de Reserva Legal: proprietários de terra que conservam mais do que a lei obriga podem, respeitando determinados critérios, vender o excedente a quem não cumpriu a área mínima exigida.

A lógica é similar à de negociações de crédito de carbono no mercado europeu (leia mais aqui): definido um limite (um cap), negociam-se os excedentes (trade) entre as partes.

Só que o Brasil das vastas florestas também é o Brasil do agronegócio, que responde por quase um quarto do PIB nacional. Historicamente, conciliar a atividade agropecuária com o aumento da cobertura vegetal tem sido um desafio e tanto.

O desenvolvimento de mecanismos financeiros que viabilizem a atividade produtiva em meio à conservação ambiental é uma das saídas. O mercado de CRA representa uma oportunidade única de atrair, em larga escala, o capital privado para o agronegócio ao mesmo tempo que endereça agenda de conservação florestal e de fortalecimento dos serviços ecossistêmicos.

Como a CRA surgiu?

O Novo Código Florestal, que revisou o anterior mediante a Lei nº 12.651 (25 de maio de 2012), trouxe, entre outras inovações, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) – programa para dar suporte e encorajar a recuperação e a conservação ambiental – e a Cota de Reserva Ambiental (CRA).

A nova legislação prevê não só a negociação das cotas entre os proprietários de terra que precisam se regularizar perante a lei e os que têm excedentes de Reserva Legal, mas também permite que essas cotas se transformem em valores mobiliários negociados por investidores no mercado de capitais.
Para que as CRA seja mais que um instrumento de regularização ambiental e atraia o interesse de investidores como valor mobiliário, o primeiro passo é que o CAR seja implementado no território nacional (hoje atinge 60% da área cadastrável no País; a estimativa é chegar a 100% em maio de 2016). Somente assim será possível dimensionar a demanda e a oferta desses títulos e saber se essa relação está em equilíbrio.

Nesse contexto, será fundamental que a sociedade abrace o Novo Código Florestal, exigindo que seja efetivamente cumprido, sob pena da lei. O cumprimento do Código é até mesmo chave para que o Brasil consiga atender suas metas de redução de emissões de carbono anunciadas na COP 21, a Conferência das Partes sobre Mudança do Clima, realizada em Paris neste início de dezembro de 2015.

O que isso traz de bom?

Os benefícios de incorporar a CRA ao mercado de capitais estão em usar os instrumentos econômicos a serviço da conservação. A exemplo de outros mercados criados para fins ambientais, sua liquidez aumenta quando se possibilita a entrada de investidores, direcionando recursos financeiros para promover bons resultados ambientais.

No caso da incorporação da CRA ao mercado de capitais, os potenciais ganhos para a sociedade são expandir a base de interessados na manutenção, recuperação e crescimento das áreas de Reserva Legal; atrair investidores para um nascente mercado de ativos florestais; e fazer com que o proprietário dilua no mercado os riscos causados por eventuais variações bruscas no valor de suas terras.

Mas, para chegar ao ponto de a CRA ser atraentes aos olhos do investidor, há algumas etapas a cumprir. Serão necessárias informações claras que baseiem o cálculo das expectativas de risco e retorno; o retorno deverá ser compatível com outros investimentos de risco similar; será preciso haver liquidez e um mercado secundário no qual os investidores possam vender os títulos; os custos de transação não poderão prejudicar o desenvolvimento do mercado; e será preciso contar com segurança jurídica e um ambiente regulatório confiável.

De modo a assegurar que os objetivos ambientais (redução de poluição, redução de gases de efeito estufa, aumento de estoques pesqueiros, entre outros exemplos) sejam alcançados, esses mercados são fortemente regulados ao mesmo tempo que oferecem oportunidade de rentabilidade para o investidor.

Para fortalecer este promissor mercado, o FGVces sugere alguns estudos em profundidade. Um deles é mapear o potencial de mercado de CRA assim que o CAR for integralmente implantado no País. Outro é mapear os fundamentos econômicos e legais de um mercado de ativos florestais associados à CRA, incluindo elementos-chave que encorajem a formação de oferta e demanda por parte dos investidores.

Green bonds

Uma das formas tradicionais de uma empresa captar recursos é emitir títulos de dívida, como as debêntures. No vencimento do título, a empresa restitui o capital investido e, ao longo desse período, remunera o investidor mediante o pagamento de juros. Mas uma novidade vem trazer cores “verdes” a essa modalidade de captação: são os green bonds.

É como se fosse um título “carimbado” para a Economia Verde: por meio desses títulos, organizações, bancos ou governos conseguem captar recursos para projetos necessariamente voltados para a sustentabilidade, tais como energia renovável, eficiência energética, gestão de resíduos, transporte de baixo carbono, projetos florestais.

Os títulos também podem ser usados para financiar projetos com benefício social, como a melhora da saúde e dos serviços sociais. E, quando visam mitigar especificamente as emissões de gases de efeito estufa, são chamados de climate bonds.

Mas, para garantir que os recursos sejam efetivamente investidos dentro desse perfil, os green bonds pedem a participação de um verificador antes da emissão e de um auditor, que acompanhará a aplicação do recurso. São os chamados agentes second opinion. Embora a presença não seja obrigatória, confere maior credibilidade à operação.

Mercado em expansão

Os green bonds crescem rapidamente no mundo: seu potencial já é estimado em US$ 100 trilhões. De 2007 a 2014, as emissões somaram US$ 57,9 bilhões, com um ápice no ano de 2014 de US$ 36,5 bilhões, devido principalmente a uma crescente participação de corporações e de bancos, que se somaram aos governos e instituições supranacionais.

As primeiras emissões estruturadas de green bonds ocorreram em 2007, por iniciativa do European Investment Bank (EIB) e do World Bank. Foram emitidos 600 milhões de euros em resposta à demanda de fundos de pensão por projetos com adicionalidades socioambientais, que geram benefícios compartilhados com a sociedade.

Para o emissor, os maiores ganhos são reputacionais, uma vez que não se trata de uma emissão com taxas mais baixas. Lançar títulos verdes indica o comprometimento da organização com aspectos socioambientais e ajuda a construir uma boa imagem, ampliando o acesso a uma gama maior de investidores que inclui os engajados em questões socioambientais.

Do lado do investidor, as vantagens estão em diversificar a carteira de investimentos e em acessar projetos rentáveis com adicionalidades socioambientais e maior transparência na aplicação dos recursos financeiros. Por meio dos green bonds, os investidores também conseguem cumprir diretrizes do Socially Responsible Investment (SRI) e dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI).

Trata-se, enfim, de uma modalidade de investimentos que gera ganhos para todos os lados – emissores, investidores, sociedade e meio ambiente.

Brasil: obstáculos e propostas

No Brasil, entretanto, o mercado de títulos verdes enfrenta muitas limitações. As razões são basicamente estruturais, como a maior atratividade dos títulos públicos em relação aos privados, baixa liquidez do mercado secundário, mercado de investidores concentrado e baixa participação de investidores pessoas físicas e de estrangeiros. Isso é agravado por uma conjuntura atual desfavorável de recessão econômica, juros altos e inflação persistente.

Acrescentem-se os fatos de que lançar green bonds no mercado requer um processo extenso e com custos adicionais referentes aos agentes second opinion; faltam incentivos para o underwriter (responsável pelo desenvolvimento da estrutura, preço e emissão do título no mercado) estruturar uma operação de títulos verdes na comparação com a de um título de dívida tradicional; e projetos alinhados com a sustentabilidade muitas vezes trazem tecnologias novas que são encaradas pelo investidor como um risco adicional.

Diante disso, Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e o FGVces listaram propostas para viabilizar o desenvolvimento do mercado de títulos verdes no Brasil. Confira no quadro abaixo:



Acesse essas propostas na íntegra nas páginas 7 e 8 deste estudo.

Incorporação do capital natural nas contas nacionais

Para facilitar a compreensão do mecanismo de incorporação do capital natural nas contas nacionais, o ideal é dar dois passos atrás e resgatar o significado de capital natural e a sua relação com o setor financeiro.

“Capital natural é o estoque de ecossistemas [solo, ar, água, flora e fauna] que produz um fluxo renovável de bens e serviços absorvidos na economia para fornecer insumos e benefícios diretos e indiretos para empresas e sociedade.”

A definição é da Declaração do Capital Natural (NCD, na sigla em inglês), uma iniciativa do setor financeiro apresentada durante a Conferência Rio+20, cujo objetivo é dar materialidade ao capital natural a fim de conservar não apenas os ativos naturais da Terra, mas a saúde das instituições financeiras.

“Não se trata de estabelecer um valor monetário para o hectare de floresta tropical ou para um recife de coral”, esclarece a NCD. “Mas de demonstrar compromisso para integrar considerações sobre o capital natural aos produtos e serviços financeiros para o século XXI.”

Em outras palavras, se os produtos e serviços ecossistêmicos provenientes do capital natural são essenciais à vida, não parece justo que o seu uso diário passe despercebido pelo sistema econômico. A incorporação do capital natural nas contas nacionais públicas e privadas é, grosso modo, uma prestação de contas desse uso. Ou, ainda, o reconhecimento de um custo real na base do crescimento econômico (Produto Interno Bruto), até aqui não valorado – portanto, não incorporado às contas nacionais.

Tal quadro começa a mudar lentamente e a escassez de água tem muito a ver com isso. O risco desse ativo natural já é reconhecido por governos e empresas em todo o mundo. O aumento populacional e a mudança climática seguramente contribuirão para o agravamento da competição por água, impactando o desempenho de muitas empresas.

Os custos das empresas muito dependentes de água e que mantêm operações em regiões de estresse hídrico podem subir e afetar a sua rentabilidade, competitividade e capacidade de arcar com compromissos.

Na busca de um entendimento mais profundo sobre as implicações financeiras desses riscos, a NCD, em parceria com a Associação para a Gestão Ambiental e Sustentabilidade em Instituições Financeiras (VFU) e outras sete instituições financeiras da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina, desenvolveu um novo modelo financeiro que integra estresse hídrico nas análises de crédito das obrigações das empresas.

Ao combinar dados sobre a quantidade de uso de água de uma unidade de produção com custo do abastecimento e o grau de demanda e oferta, a ferramenta Corporate Bonds Water Credit Risk quantifica o risco hídrico e avalia o potencial impacto financeiro na empresa.

À primeira vista, iniciativas como estas atendem exclusivamente a interesses privados, mas os indicadores que esse tipo de ferramenta produz são essenciais à transição para a economia verde, pois refletem o grau de sustentabilidade dos respectivos setores produtivos avaliados.

Assim como essa, outras metodologias estão sendo construídas e testadas. “Por ser muito intensivo em capital natural, o Brasil pode despontar como um país com grande vantagem competitiva no que diz respeito a minimizar riscos que podem impactar as instituições financeiras”, afirma a pesquisadora em finanças sustentáveis do FGVces, Paula Peirão de Oliveira. “Há pela frente um longo caminho a ser construído na relação entre instituição financeira e capital natural.”

Acesse aqui mais informações sobre a Corporate Bonds Water Credit Risk Tool.

Climate finance

Existem duas linhas para se enfrentar o aquecimento global: fazendo o controle das emissões de gases de efeito estufa para tentar minimizar seus efeitos e criando resiliência contra os impactos atuais e futuros da mudança climática.

Tudo isso custa dinheiro e o climate finance (financiamento climático) refere-se justamente a todos os recursos financeiros, públicos e privados, em circulação destinados a cobrir os custos da transição para uma economia global de baixo carbono e de adaptação à mudança do clima. Esses financiamentos são essenciais, sobretudo para os países em desenvolvimento, em geral grandes emissores com limitação de recursos para investimentos de longo prazo.

Todos os anos, a Climate Policy Iniciative (CPI) – organização sem fins lucrativos apoiada por parceiros globais públicos e privados – realiza um inventário em climate finance que mostra o comportamento dos investimentos em economia verde. E, apesar de um aumento registrado em 2014 depois de quedas sucessivas desde 2012, ainda são pouco animadores.

Em 2011 somaram US$ 364 bilhões, no ano seguinte caíram para US$ 359 e, em 2013, para US$ 331. Em 2014 subiu para US$ 391. Embora pareça ser bastante dinheiro, a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) – um programa internacional de cooperação energética entre os 29 países-membros (todos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE) – calcula que, para frear o aquecimento global até 2020, sejam necessários investimentos superiores a US$ 5 trilhões apenas no setor de energia limpa.

Para tirar o planeta dessa enrascada, os especialistas em clima creem que a precificação do carbono é uma das formas mais rápidas e eficientes de abastecer o caixa do climate finance (sobre precificação de carbono saiba mais aqui).

Outro contraponto importante para se ter uma ideia da dimensão desses valores está no business as usual. Do total de investimentos em climate finance em 2013, cerca de 40%, ou US$ 137 bilhões, foram investimentos públicos. E, segundo dados da IEA, nesse mesmo período os governos apenas de países emergentes e em desenvolvimento investiram US$ 544 bilhões de recursos públicos em fontes de energia fóssil.

Outra dificuldade é que as maiores fatias de investimento ficam nos próprios países onde se originam. Menos de 30% do climate finance estão circulando globalmente. Como as emissões de gases-estufa ignoram fronteiras políticas, não basta aos países desenvolvidos fazerem a lição de casa. É preciso também que contribuam com os “vizinhos” mais pobres que, em tese, são menos responsáveis pela gravidade atual da situação climática. Dos recursos circulantes entre países, cerca da metade sai de países-membros da OCDE e segue para países não membros.

No caso específico do Brasil, o estudo do FGVces e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma, ou Unep, na sigla em inglês) – Financiamentos Públicos e Mudança do Clima – destaca que as soluções para adaptação e vulnerabilidade à mudança do clima são oportunidades pouco exploradas pelas instituições até o momento: “As iniciativas promovidas pelas instituições financeiras públicas mapeadas neste estudo estão, em sua maioria, associadas à mitigação dos desafios climáticos. Foram identificadas poucas experiências de apoio à adaptação e às vulnerabilidades que o Brasil apresenta para fazer frente em face dos impactos da mudança do clima”.

Em todo esse cenário, salvam-se pelo menos duas boas notícias: a de que praticamente todos os países têm alguma ação em redução de emissões e adaptação e a de que existe um fluxo de dinheiro, mesmo que insuficiente, saindo dos países desenvolvidos em direção a outros. No mais, os investimentos estão aquém do necessário, o que significa que estamos nos distanciando da meta de limitar em 2 graus o aumento da temperatura média global até o fim deste século.

ROI (return on investment) socioambiental

A taxa de retorno é um cálculo básico no mundo financeiro. Mostra a relação entre o montante que foi investido e o quanto esse investimento rendeu. Também conhecida como return on investment (ROI), essa taxa pode ganhar contornos socioambientais ao analisar a relação custo-benefício de se investir em temas e projetos ligados à sustentabilidade.

O “ROI socioambiental” é hoje objeto de estudos de casos da FGV, partindo-se da premissa de que a inclusão de práticas de sustentabilidade nas operações das empresas pode gerar vantagens competitivas. Um relatório que analisa casos de 12 organizações deverá vir a público em fevereiro de 2016.

Práticas de sustentabilidade podem proporcionar as seguintes vantagens: facilidade de contratar melhores talentos e de retê-los, aumento da produtividade dos funcionários, redução de custos de produção, redução de custos em pontos comerciais, aumento de receita, redução de risco e maior facilidade de financiamento.


Finanças alternativas

A revolução digital trouxe em seu conjunto de mudanças a possibilidade de abolir o intermediário: nas relações peer-to-peer (P2P), membros de uma rede podem fazer negócios diretamente entre si, sem passar por uma instância central. É um fenômeno capaz de afetar a economia, o mundo empresarial e, claro, o mundo financeiro.

Estudos realizados pela Nesta, uma organização britânica de apoio à inovação, mapearam as tendências em “finanças alternativas”. São finanças que englobam uma variedade de modelos fora do sistema financeiro tradicional, capazes de conectar quem empresta e quem toma dinheiro por meio de plataformas on-line ou websites. Muitas vezes, as finanças alternativas valem-se de criptomoedas, como as bitcoins.

Para se ter ideia do potencial disso, a organização informa que o mercado de finanças alternativas no Reino Unido emprestou 1,74 bilhão de libras esterlinas em 2014 a pequenos e médios empreendedores, além de pessoas físicas. E estima que esse montante deve dobrar em 2015. O crescimento vem sendo exponencial nos últimos anos, provavelmente como reflexo da crise financeira eclodida em 2008.

O relatório Understanding Alternative Finance (Entendendo as finanças alternativas), realizado pela Nesta com a Universidade de Cambridge, mostra o impacto socioeconômico desse tipo de finanças, ao ampliar possibilidades de captação e de financiamento, especialmente entre empreendedores individuais, pequenas e médias empresas. Em pesquisa realizada com empreendedores no Reino Unido, parte significativa declarou que não teria conseguido captar recursos para crescer e se desenvolver se não fosse por meio dessas modalidades.

As finanças alternativas são um guarda-chuva com diversos modelos de financiamento, entre os quais o P2P business lending (transação em que muitos indivíduos, por meio de uma linha de financiamento, emprestam a empresas, em geral pequenas e médias); o P2P consumer lending (por meio de plataforma on-line, indivíduos tomam dinheiro emprestado de outros indivíduos); o crowdfunding como doação (em que os recursos são doados por diversos indivíduos ); o crowdfunding com recompensa (o doador recebe um produto ou recompensa tangível); entre outros.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A velha pátria distraida!...

por Geniberto Paiva Campos, no blog dos Desenvolvimentistas


Em seu livro “A tolice da inteligência brasileira”, o sociólogo e presidente do IPEA, Jessé de Souza, denuncia as falácias sociológicas utilizadas na perpetuação da enorme desigualdade social brasileira.


“Todos os dias indivíduos normalmente inteligentes e classes sociais inteiras são feitos de tolos para que a reprodução de privilégios injustos seja eternizada entre nós”. (Jessé Souza, “A tolice da Inteligência Brasileira” – Ed. Leya, 2015)


  1. Há alguns anos, em um programa de TV, a atriz Kate Lyra criou um inusitado bordão, rapidamente assimilado e repetido pelos telespectadores: -“brasileiro é tão bonzinho!” No qual ressaltava a bondade e, sobretudo, a ingenuidade inata dos nossos patrícios.
Em livro recentemente publicado, o sociólogo Jessé Souza, atual presidente do IPEA, pesquisando as origens desse “jeitinho brasileiro”, relata, em sequência histórica, a participação de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Roberto da Matta, os quais, agregando ideias de Max Weber, teriam contribuído com respaldo teórico-acadêmico para a confirmação da tese: os brasileiros são malemolentes, sensuais, cordiais, decidem com o sentimento (e não com a razão). Portanto, fáceis de serem enganados, levados na conversa. Não gostam do seu país. E nutrem uma admiração profunda, perpétua, em relação Estados Unidos e ao seu povo. Aos quais atribuem qualidades e capacidades sobre-humanas, excepcionais, na esfera moral, pessoal, técnica e acadêmica. Seres muito próximos da perfeição.

Contornando, propositadamente, o núcleo de justificativas “acadêmico/científicas” da tese – muito bem explicitadas no livro do sociólogo Jessé Souza – apresentamos algumas contribuições a esse debate, defendendo a provável ocorrência de um viés “político/operacional” no caso. Produzindo manipulações grosseiras, no intuito de criar na população uma assimilação acrítica. Ingênua e tola, de conceitos políticos e ideológicos do interesse externo, contrários aos interesses do seu país. A nosso ver, um fator muito significativo. Que poderia contribuir para a explicar a permanência de comportamentos sociais e políticos estranhos da elite e da classe média brasileiras (e da América Latina), habilmente manipuladas pela Publicidade & Propaganda, de origem interna e externa. Todas com o mesmo objetivo: fazer os seus habitantes perderem a esperança no futuro do seu país, reduzindo a próximo de zero o seu orgulho patriótico. Talvez possa ser atribuído um papel significativo a essa lavagem cerebral permanente (e competente) dessas agências de Publicidade & Propaganda na manutenção desse estado de inconsciência coletiva das populações, vítimas, infelizmente, dessas ações deletérias.


2. A partir da segunda metade do século 19, o Capitalismo assumiu características hegemônicas incontestes, enquanto sistema econômico, evoluindo nos anos seguintes para a esfera política, partindo em busca do controle direto e indireto do Estado e apoiando sutilmente governos favoráveis e/ou simpáticos ao sistema. O limiar do novo século mostrou que o Mundo, na defesa dos seus interesses, estaria disposto a se enfrentar em guerras totais. (Como afirmou Clausewitz, um reconhecido estadista da época: “a guerra é a política feita por outros meios”).

Na busca da hegemonia e da sua expansão, países europeus, os Estados Unidos e o Japão, se enfrentaram em duas Guerras Mundiais que eclodiram no século 20. Segundo argutos historiadores (Hobsbawm, E.J – 1977), a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais constituem a mesma guerra. E o que se seguiu, a cinzenta “Guerra Fria” seria apenas um corolário – ou consequência – das duas grandes guerras. Tais conflitos marcaram todo o século passado, e como esperado, mostram seus desdobramentos nos dias atuais.

Desses sérios enfrentamentos, um país, os Estados Unidos da América, saiu praticamente incólume em sua base territorial e em sua economia. O incremento das atividades da indústria bélica americana nos dois conflitos, colocou o país em uma situação de supremacia mundial no pós-guerra, nos planos econômico e político. E tornou-se a única e incontrastável potência nuclear mundial. Diferentemente da Europa, dilacerada, dividida e com a economia em frangalhos.

Após garantir a sua expansão territorial e conquistar áreas preciosas de terras (e do petróleo) do México, os norte-americanos confirmaram a tese do “destino manifesto”, um engenhoso e permanente mecanismo auto atribuído e auto aplicado ao país, o qual passou a justificar a apropriação de territórios e riquezas do interesse geopolítico ou econômico do governo americano.

Durante a Guerra Fria – para muitos estudiosos, ainda em plena vigência, (Moniz Bandeira. L.A, 2013) – Washington assumiu o papel, também auto atribuído, de “xerife da democracia mundial”, com o envolvimento direto e indireto em invasões territoriais, golpes de estado e levantes internos em diversos países. Sempre em nome da defesa da democracia, encobrindo interesses econômicos e geopolíticos ilegítimos e injustificáveis.

(Retomando um oportuno argumento do autor do livro, enfatizamos que não nos move nenhum tipo de sentimento antiamericano ao fazer tais constatações. Estas devem ser tomadas pelo que são: evidências históricas da formação e da evolução de um país, com inegável vocação hegemônica, implantando a ferro e fogo o seu peculiar conceito de “democracia”).


3. Simultaneamente ao desenrolar da II Guerra Mundial, ficou evidente para o governo americano, o imenso potencial da Indústria de Publicidade & Propaganda, uma arma “bélica” às vezes mais poderosa do que os canhões. Com essa arma era possível induzir comportamentos consumistas: Coca-Cola, ao invés de sucos naturais; fazer as mulheres adotarem o cigarro como expressão da sua liberdade. E, por que não? Colocar “ideologias” disponíveis nas prateleiras dos supermercados.

A partir desse ponto, foi montada uma máquina de conquista de corações e mentes, de alcance mundial, dispondo de recursos financeiros inesgotáveis, utilizando todos os meios de comunicação possíveis: rádios, tvs, jornais, revistas (incluindo os “comics” ou revistas em quadrinhos). E ainda a superpoderosa indústria do cinema, com o envolvimento dos magnatas da meca cinematográfica de Los Angeles com interesses geopolíticos de Washington, sendo criada o que ficou conhecida como a “Universidade de Hollywood”. Perfeitamente apta a interpretar fatos e criar versões convincentes. Se necessário, reinterpretar a própria História. Ações com a incrível propriedade de iludir mentes ingênuas e suscetíveis, de todos os quadrantes e origens.

Diante de tão formidável e bem articulado poderio no campo de Comunicação, tornou-se difícil, quase impossível, qualquer tipo de discurso contraditório. E foi a partir de tal conteúdo político/ ideológico do pós-guerra, norteador da Guerra Fria, que o Mundo foi submetido a um ataque insidioso da indústria de Publicidade & Propaganda, defendendo e divulgando valores, transcendentes em sua roupagem externa, mas cujo objetivo essencial era o domínio de territórios e países de interesse do novo Império. E claro, defendendo, por todo sempre, o Mercado e a Livre Iniciativa.

São múltiplos, incontáveis, os exemplos da aplicação dessa política neoimperial no Mundo. Nos mais longínquos rincões do Planeta.

Em meados do século 20, o império americano dispunha-se a lutar contra o Comunismo e pela implantação universal do seu conceito de Democracia. E, no limiar do novo século, após o ataque às Torres Gêmeas, essa pauta foi ampliada para o combate ao “terrorismo islâmico”, ou “Eixo do Mal”, no qual os limites da guerra convencional foram deixados de lado, passando a valer ações “antiterroristas” que desrespeitariam os Direitos Humanos e regras elementares de combate definidos na Convenção de Genebra. Talvez fazendo valer, mais uma vez, os fundamentos do “Destino Manifesto”. O centro de torturas implantado na base de Guantánamo, até hoje em funcionamento, seria o mais perfeito corolário dessa constatação.


4, “Palimpsesto” é um termo pouco usual. De acordo com o dicionário Houaiss significa “o papiro ou o pergaminho cujo texto primitivo foi raspado para dar lugar a um outro”.

A lembrança do termo surge naturalmente, quando decorrido pouco mais de cem anos do início do período das grandes guerras do século 20, a humanidade continua a reescrever essa história. Cujo texto primitivo não esmaece. Por mais que se tente apagá-lo, raspando-o até à medula, seu conteúdo teima em voltar, se fazendo presente nos dias atuais. Os conflitos bélicos registrados no século passado, dividiram (talvez de maneira inconciliável) a Humanidade entre correntes políticas e ideológicas antagônicas.

Para os que imaginavam que a morte sem glória de Adolf Hitler, numa Alemanha que agonizava frente aos invasores russos, significou o fim do Nazismo, a História mostrou que este apenas hibernava. E gradualmente, reassumia o seu lugar no comportamento humano.

Manifestações de abusos, intolerância, desrespeito aos direitos humanos, quebra da ordem jurídica, tortura, atos de violência extrema contra populações indefesas, submissão do setor judiciário ao totalitarismo, ao “clamor das ruas” ou às pressões da mídia, extinção do estado democrático de direito. Enfim, o abandono consentido de práticas civilizatórias, veio a evidenciar que o Nazismo, redivivo, está sim presente nos mais diversos países. E que para assegurar o lucro, mesmo indevido e garantir os interesses ilegítimos de Estados e Nações, estaria permitida a prática de métodos persuasórios ilícitos ou da força militar explícita para a consecução de tais objetivos.

Caberia, portanto, à consciência crítica da Sociedade fazer a denúncia bem fundamentada de tais métodos e manipulações. Como o fez – de maneira serena e corajosa – o sociólogo Jessé Souza em “A Tolice da Inteligência Brasileira”. Demonstrando seu elevado grau de ousadia acadêmica, desde a escolha do título, o autor revisa conceitos estabelecidos por acadêmicos consagrados, ícones inquestionáveis da Sociologia brasileira. Submetendo-os ao escrutínio científico atual. Bem distante de uma iconoclastia oportunista e superficial, procura demonstrar possíveis vieses e equívocos de mestres do conhecimento sociológico. Num país em que estes reinam soberanos. Tranquilos, intocáveis, absolutos no pensamento acadêmico. Que nunca ousou criticá-los.

E o mais importante, denunciando, de maneira firme e inteligente, nos limites da ortodoxia acadêmica, a forma insidiosa de dominação exercida pelos impérios financeiros. Fazendo cidadãos adultos – crédulos e atilados – de países aparentemente livres e soberanos, assimilarem conceitos equivocados e manipuladores, que servem, tão somente, aos interesses escusos desses Impérios.

Este, talvez, o mérito maior do corajoso livro do sociólogo Jessé Souza: mostrar que o Brasil não é uma pátria assim tão distraída.

Ainda há vida inteligente na nação tupiniquim.











segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Impeachment - cenários








por J. Carlos de Assis, no blog do Nassif





Tenho sido radicalmente contrário à política econômica em curso. Sou igualmente contrário à proposta golpista de impeachment de Dilma. Portanto, minha luta – e acredito que seja a de milhões de brasileiros – não é simplesmente a de impedir o golpe mas, sobretudo, a de aproveitar o momento político crítico que o país atravessa para assegurar a mudança da política econômica de forma radical. Estamos em contração do PIB, caminhando para uma taxa negativa de 5%, e em processo de aumento do desemprego. É preciso contra-atacar logo.

Parte da opinião pública, envenenada pela mídia partidária e golpista, pode ter a ilusão de que o impeachment seja uma solução para os nossos problemas econômicos. É preciso deixar muito claro para a sociedade que essa mesma mídia é abertamente favorável às políticas econômicas adotadas desde 2011, sob inspiração neoliberal, e aprofundadas nos anos recentes. E com maior radicalidade pelo ministro Joaquim Levy, com seu ajuste tresloucado, justamente para acalmar os neoliberais. Na confusão política, isso tem sido omitido.

A sociedade se informa sobretudo pela grande mídia impressa e pela televisão, e em escala menor pela internet. Esta é um território democrático e, graças a ele, muita gente pode escapar da manipulação midiática. Contudo, também o instrumento da internet foi parcialmente apropriado pelos monopólios e oligopólios jornalísticos e televisivos deixando pouco espaço para a informação independente. Em razão disso, há pessoas que, influenciados pela grande mídia, que acham que impeachment resolverá os problemas econômicos do Brasil.

Vejamos, porém, os cenários possíveis:

1)  Uma vez afastada a Presidenta, assume Michel Temer. Quem é Temer? Do ponto de vista econômico ele se coloca ainda mais à direita de Dilma se tomarmos como referência o texto “Uma ponte para o futuro”, que ele patrocinou em nome do PMDB. Entre outras propostas ali apresentadas, destaca-se a desvinculação dos recursos orçamentários para saúde e educação, o que os reduzirá na prática, constituindo o primeiro ataque em larga escala depois de 88 aos direitos sociais garantidos pela Constituição.

Em termos econômicos, Temer é muito mais próximo dos neoliberais do que dos desenvolvimentistas. Se não mantivesse Levy na Fazenda, certamente colocaria ali alguém igual ou pior (se houver) que Levy. Na altura em que assumisse o país estaria em aberta conflagração, perto de uma guerra civil, o que impediria na prática qualquer tipo de política racional por muito tempo. Politicamente, ou ele se rendia completamente à atual oposição, remetendo para o lugar dela a atual situação, ou também sofreria impeachment.

2) Suponhamos agora que Temer também seja impedido. Nessa altura, Eduardo Cunha já terá sido cassado e, pelo menos nesse caso, nos teremos livrado de um bandido na linha sucessória imediata. De qualquer modo o presidente da Câmara não seria muito relevante pois teríamos que ir para novas eleições presidenciais as quais ele deveria presidir. Com tanta água correndo debaixo da ponte, a economia, já em contração hoje, entraria em estado de coma. Daí em diante deixo à imaginação de vocês o que poderia acontecer...

3) Eu desisto...

Para todos os efeitos, portanto, é melhor resistir ao impeachment, manter Dilma no poder e negociar com ela uma mudança na política econômica. Esse é o propósito da “Aliança pelo Brasil”, que o senador Roberto Requião e outros dirigentes políticos, empresariais, trabalhistas e intelectuais estão articulando. A Aliança estará direcionada sobretudo para aqueles que, de boa fé, e tão decepcionados com a atual política econômica quanto eu, estão empenhados em não deixar que o país seja entregue a um bando de irresponsáveis e golpistas.

sábado, 5 de dezembro de 2015

COP21 - Reunião reservada para 20 CEOs dos principais fundos de institucionais de investimento do mundo

Christiana Figueres


por Roberto S. Waack (ñ confundir) adaptado do pagina 22


sexta-feira 04/dez/2015 - presentes no Executive Secretary Paris Dialogue a secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Christiana Figueres, o vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, o investidor Tom Steyer, além de investidores institucionais, com total de recursos sob gestão devendo ultrapassar USS 2 trilhões - Calpers, MN, CalSTRS, ABP Pension Fund, BT Pension Fund, Hermés Investment, PGGM, IGCM Australia, PRI, ERAFP, entre outros.


O autor deste post participou dessa reunião e produziu o relato seguinte:



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O momento da COP de Paris é de preocupação com a evolução das negociações. A partir de uma abertura inspiradora feita pelos chefes de Estado presentes, o processo passa às mãos dos negociadores e avança com dificuldades. Al Gore deu o tom com uma caricatura bastante esclarecedora: ‘’O presidente dos Estados Unidos chega em um jantar e pede manteiga. O garçom se nega. O presidente o questiona: Você sabe com quem está falando? Eu sou o presidente dos Estados Unidos! E o garçom responde: e eu cuido da manteiga”.

Pois bem, os negociadores tomam conta da manteiga, de certa forma, indicando limitações de seus mandatos. Obviamente não depreciando a função, mas indicando suas limitações. Na ausência da manteiga, cabe aos visionários presidentes e a seus ministros encontrarem outras iguarias para passar no pão. Não faltarão opções. Mais do que isso, o cardápio de oportunidades que esta COP apresenta é, no mínimo, instigante.

Christiana Figueres apresenta um cenário inspirador. Há um evidente e irreversível movimento em direção à economia de baixo carbono. As negociações são difíceis, mas avançam. O maior obstáculo é o “medo político do desconhecido”. As tendências estão claras em sua direção, mas não indicam precisamente para onde estão indo. Não há clareza de como o cenário econômico funcionará em um ambiente onde a “economia do carbono” terá papel preponderante.

Nesse jogo, o setor privado passa a ter papel determinante. Não apenas enfrentando o dilema moral das externalidades, mas liderando as oportunidades que o novo cenário oferece. Esse ambiente desafiador é distinto da forma como a economia se desenvolve tradicionalmente. Por isso, ainda não está completamente claro como evoluirá. A inclusão social e ambiental é inexorável.

Como diz Figueres, “the signal is above the noise”. O barulho é confuso, mas o sinal é claro. O setor privado e a comunidade de investidores já leu o sinal. Para esses atores, ele basta. “We created a dream that is very powerfull. Now we need to create the reality”, disse Figueres, citando Golda Meir. Os próximos cinco anos serão determinantes.

Não nos resta outra opção a não ser expandir as possibilidades econômicas, ressalta Al Gore. Com sucessivas citações, o Prêmio Nobel da Paz (2007), lembra que “depois do último não, vem o sim”. São esforços repetitivos que fazem a agenda avançar. “As coisas demoram mais do que esperamos, mas quando acontecem, progridem com uma velocidade maior do que somos capazes de imaginar.”

O diálogo entre nações não é trivial, mas a entrada em campo da comunidade de investidores institucionais muda tudo. O entendimento de que suas responsabilidades fiduciárias estão relacionadas às mudanças climáticas é evidente e requer novas formas de lidar com perfis de investimentos. O entendimento da realidade da economia de baixo carbono emergiu claramente na COP de Paris, independentemente do rumo das negociações formais.

Este parece ser o tom da COP 21: a forte presença do setor privado e da comunidade financeira, influenciando as negociações. Tom Steyer, um dos grandes nomes do universo das gestoras de capital, ressalta que o jogo passa por 3 “C”: 
  • Clareza, especialmente dos compromissos dos países, alinhando a agenda privada às INDCs -  Intended Nationally Determined Contributions (mesmo que algumas deixem de ser audaciosas) e ao compromisso vinculante com transparência e mensurações do universo das emissões de gases de efeito estufa. 
  • Cooperação, ou interdependência – nada ocorrerá de forma isolada. Os vínculos estão se tornando evidentes e em meio deles, oportunidades de novos arranjos institucionais e empresariais. E, finalmente
  • Confiança, crucial para expectativas e decisões de longo prazo, mas altamente dependente do momentum que a agenda de Paris impõe. Clareza é a base para a construção de Cooperações e estas geram Confiança. Este é o caminho que se pavimenta em Paris.

A conversa entre os fundos de investimento e as lideranças presentes (Figueres, Gore e Steyer) nesse encontro singular navegou pelo mundo do impacto da agenda do clima na valoração de ativos. Valuations mudarão dramaticamente com a inclusão de riscos futuros associados às mudanças climáticas. Mas não só riscos. A perda de momentum em mergulhar em oportunidades das novas fronteiras e inovações que essa agenda oferece terá efeito determinante no desenho das lideranças que ocuparão o espaço da economia de baixo carbono.

Ou seja, um dos grandes riscos é justamente a perda da oportunidade. Avanços na precificação e taxação de carbono, um dos sinais mais claros da COP 21, estão nesse horizonte. Riscos e oportunidades. Negócios associados a emissões – como os relacionados a combustíveis fósseis – frente aos que promovem sequestro e estoque de carbono, a exemplo dos florestais. Mas, alerta Al Gore, não se pode restringir esses fundamentos apenas ao que é monetizável. Sim, um price tag em carbono é essencial, mas a visão sistêmica de riscos e oportunidades, incluindo o que ainda não é monetizável (e talvez nunca venha a ser) se faz essencial. O momento é de uma análise crítica sistêmica de externalidades, positivas e negativas, e seu impacto em valor.

A Conferência de Paris não é o fim da linha, a não ser para aqueles presos à armadilha da atenção seletiva e que não conseguem ver o que está diante dos seus olhos (Al Gore cita o famoso vídeo Selective Attention Test, disponível no youtube). Parte do setor privado e da comunidade financeira não enxerga aquilo que o cérebro, pré formatado, vê. INDCs são um enorme gorila mudando a economia. Formatarão a nova realidade econômica. A manteiga pode ter acabado e o garçom não tem alternativa a não ser negá-la até para o presidente dos EUA. Mas há muitas coisas novas para passar no pão. O setor privado, iluminado pela sociedade civil organizada e com suporte de tradicionais investidores, oferecerão este cardápio.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

E se as barragens da Samarco fossem em Santa Catarina?...

Vale do rio Pinheiros - Anitápolis SC, onde se pretende abrir mineração a céu aberto da fosfateira

Cerca de 10% do fosfato explorável no país está localizado em um grupo de montanhas no interior do estado de Santa Catarina. Para extrair aquela matéria-prima e transformá-la em fertilizante, duas multinacionais tentam instalar, desde 2005, uma mineradora e uma fábrica em Anitápolis, a cerca de 90 km de Florianópolis. As empresas multinacionais Bunge (EUA - derivada da argentina Bunge y Born) e Yara (Noruega) desenvolveram um  projeto em Anitápolis para explorar a jazida de fosfato localizada no Vale do Rio Pinheiro.

O projeto prevê a abertura de uma mina a céu aberto na região e a construção de uma fábrica de fertilizante SSP (Superfosfato Simples). Anitápolis é uma cidade situada na subida da Serra Geral setentrional catarinense, perto de Rancho Queimado, Angelina, São Bonifácio e Santo Amaro da Imperatriz. Trata-se de uma região montanhosa, reduto do pouco que resta da Mata Atlântica, onde vários afluentes dos rios mais importantes do Estado têm suas nascentes.

Para viabilizar o empreendimento, que seria explorado por 30 anos, será necessário desmatar cerca de 300 hectares de Mata Atlântica e se prevê a construção de duas barragens no Rio Pinheiros para o tratamento (ou simples estocagem) de rejeitos, com cerca de 90 metros de altura cada. Além disso há a necessidade de uma linha de transmissão de energia elétrica de alta tensão com 46 km de extensão, cujo trajeto interferirá em 100 hectares de mata nativa e área agrícola. Esse tipo de atividade demanda grandes volumes de água que impactará  os recursos hídricos  locais (consumo previsto de 885 m³/h), o que afetará a disponibilidade de água na região, sem mencionar que o tráfego de substâncias perigosas, como o enxofre, será diário entre o porto de Imbituba e Anitápolis.

Então seria assim: para a implantação da Indústria de Fosfatados Catarinense (IFC), a mata nativa daria lugar a uma mina a céu aberto, muitas espécies seriam expulsas de seu habitat e o empreendimento seria edificado na área da bacia hidrográfica do rio dos Pinheiros, que faz parte da bacia hidrográfica do rio Braço do Norte, formada por 19 rios nos municípios de Anitápolis, Santa Rosa de Lima, Rio Fortuna, Grão Pará, Braço do Norte e São Ludgero.

A maior parte dos moradores destes municípios vive da agricultura, familiar ou do agronegócio. Uma barragem de rejeitos certamente irá contaminar a água, que os habitantes estariam expostos a substâncias químicas, como o ácido sulfúrico, ocasionando chuva ácida e outros fatores deletérios. A própria Fundação do Meio Ambiente (Fatma) emitiu um documento comprovando que "tecnicamente é possível alegar que a obra de engenharia representa riscos ao meio ambiente", de maneira que a Associação Montanha Viva protocolou uma ação civil pública no judiciário solicitando a anulação da Licença Ambiental Prévia, emitida em 2009.

Com essa fosfateira em operação em Anitápolis os 1.760 hectares de terras catarinenses seriam comprometidos com a mineradora, bacia de rejeitos, área industrial e depósito de estéril, ou se Santa Catarina estivesse produzindo 200 mil toneladas de ácido sulfúrico por ano já se teria uma boa carga de chuva ácida... Mas, os órgãos ambientais estaduais e a instituição licenciadora, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), estariam aptos a controlarem as consequências de uma possível catástrofe ambiental como a que a que acabou de acontecer em  Minas Gerais e Espírito Santo?...

Santa Catarina é o maior produtor de carvão mineral do país, com quase 47% do total nacional. O extrativismo de carvão mineral é predominante nas áreas de baixada litorânea, em Urussanga, Criciúma, Lauro Müller e Tubarão. As graves degradações de rios e áreas de rejeitos dessa atividade minerária JAMAIS tiveram soluções efetivas e causam problemas às populações e as cidades que abrigam esta atividade econômica desde sempre. Rios contaminados com rejeitos de carvão ficam mais ácidos que água de bateria dos automóveis naquela região.

Os segmentos carbonífero e cerâmico têm mais de duas mil empresas. As indústrias de cerâmica de Santa Catarina  produzem 60% do total brasileiro de pisos e revestimentos. A mineração de caulim, caulinita e argilas que se usa nas cerâmicas também são negligentemente operadas do ponto de vista ambiental, como facilmente se pode imaginar.  Santa Catarina possui, ainda, as maiores reservas nacionais de fluorita e sílex. Recursos minerais como os depósitos de quartzo, bauxita e pedras semipreciosas, além de petróleo e gás natural, também estão entre as principais matérias-primas do estado. Tudo isso alimenta irremediavelmente a cupidez de muitos... como se resolverá isto?...





terça-feira, 24 de novembro de 2015

Argentina - contexto histórico geopolítico e eleição 2015


 
por André Araujo (está ficando habitué), no blog do Nassif

[com adendos dos índios daqui nos colchetes]


O grande boom da Argentina foi a frigorificação da carne inventada pelos ingleses [no crepúsculo do século XIX], o que deu à Argentina por cinquenta anos o rótulo de maior exportador de carne bovina do mundo, fazendo o esplendor do campo argentino e o brilho de Buenos Aires, a Paris da América do Sul, cidade das luzes, da cultura, das artes.

A riqueza da Argentina de 1885 a 1935 fazia do Brasil da época uma tapera. Grandes transatlânticos vinham da Europa diretamente à Buenos Aires sem parar no Brasil. Os ricos criadores de gado tinham mansões em Paris e Londres e argentino virou sinônimo na Europa de milionário. Ao contrário do Brasil, as mansões nas estâncias imitavam chateaus franceses e castelos ingleses onde servia-se a francesa e mordomos à inglesa atendiam as portas.

O apogeu econômico e político da Argentina se deu em 1938, quando seu Chanceler, Carlos Saavedra Lamas, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por ter conseguido a paz na Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia.

A sua não entrada ao lado dos Aliados na Segunda Guerra, o início do peronismo em 1943 e o fato de tornar-se refúgio de nazistas a partir de 1945 carimbou a Argentina como Pais pouco confíavel ao sistema ocidental de poder.

A Argentina só entrou como membro das Nações Unidas por pressão do Brasil, a vontade dos EUA era deixá-la fora, como fizeram com a Espanha, por ser considerada simpatizante do nazi-fascismo, a Argentina só declarou guerra à Alemanha em março de 1945 por violenta pressão dos EUA, em 1945 expulsou o Embaixador americano Spruille Braden.

O peronismo foi um processo de redistribuição da riqueza do campo nas cidades, especialmente Buenos Aires. Perón, que assumiu plenos poderes em 1946, passou a controlar a exportação de carne através do IAPI-Instituto Argentino de Promocion del Intercambio e tabelou o preço internamente, de maneira que os operários de Buenos Aires comiam filet mignon todo dia, a riqueza se espalho e a indústria floresceu especialmente em metalurgia e tecidos.

A comida era tão barata que famílias de funcionários de médio escalão almoçavam todo dia em restaurantes no centro de Buenos Aires. Essa festa durou até 1953, fim da primeira fase do peronismo, quando acabaram as reservas.

A Argentina acumulou imensas reservas durante a Segunda Guerra, era celeiro de carne e trigo da Europa com sua produção interna desorganizada, a Argentina só exportava e não importava por causa da guerra, acumulou divisas que deram para gastar nos oito anos seguintes.

De crise em crise se arrasta da queda de Perón em 1953 até hoje, a Argentina perdeu o bonde da História mas tinha um capital humano admirável, povo altamente educado, o sistema educacional formado pelo Presidente Domingo Faustino Sarmiento é de excepcional qualidade e se manteve durante todas as crises.

Brasileiros que conheceram a Argentina na década de 50, como eu, levaram um choque ao ver o refinamento das confeitarias em grande quantidade, o povo ultra bem vestido, jornaleiros de terno e gravata, meninos saindo de escolas públicas de blazer estilo londrino, São Paulo era uma aldeia comparado com Buenos Aires, a Avenida Corrientes com cinemas e teatros colados um ao outro, até as duas horas da manhã as ruas movimentadíssimas com restaurantes e bares funcionando, iluminação farta, uma quantidade enorme de livrarias, mostrando um povo culto e sofisticado.

A população basicamente europeia, o equipamento urbano em abundância, o metro de Buenos Aires é de 1914, parques imensos e super bem ajardinados, como Palermo, os edifícios de apartamentos elegantes com estilos Art Nouveau, Art Deco ou clássico francês, os bairros residenciais no modelo inglês de Olivos e Martinez, palácios residenciais de imensos terrenos com coudelaria para os cavalos.

O ponto de desconexão dessa sociedade, que parecia perfeita, foi a riqueza excessiva do campo contra a modéstia de vida da classe proletária urbana de Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, Rosário, e outras... O peronismo foi uma tentativa de redistribuição dessa renda do campo mas não soube parar no processo e acabou por descapitalizar o campo.



[nota dos índios aqui do blogo - O PERÍODO DAS DITADURAS MILITARES FICA DE FORA DESTE BREVE DESCRITIVO, ASSIM COMO A "ERA" MENEM]


O grande inimigo do peronismo foi sempre o campo. Peron sabia manejar, Evita não, agrediu o que pode os "terratenientes", expressão da aristocracia rural. [Depois] o kirchenismo, um puxadinho do peronismo [agravou isso]. Faltava aos dois Kirchner o carisma do casal Perón, [de modos que] continuaram nessa luta contra o campo, mas Cristina exagerou, em 2013 deixou de abrir a Feira Rural de Palermo, a maior da Argentina, uma exibição mundialmente conhecida, maior que qualquer feira rural brasileira, o que foi tomado como um insulto ao agrobiz argentino. Não precisava ter sido insolente a esse ponto, o campo é que sempre garantiu a economia da Argentina, nenhum presidente antes deixou de abrir La Rural. Cristina brigou com todos, com o agrobiz, com a indústria, com o comércio, com os sindicatos, com os EUA, com os bancos, não tinha a mínima capacidade gerencial ou política, o marido era muito mais equilibrado, sem o marido ela perdeu o eixo da sensatez. Os anos Kirchner viram o rebanho de gado de corte cair de 55 milhões de cabeças para 39 milhões, no ranking dos exportadores de carne o País caiu de 2º para 7º lugar, suplantado pelo pequeno Uruguai.

A tarefa de Macri é muito difícil, recuperar a economia argentina é mais complicado do que relançar a economia brasileira, a Argentina está sem reservas internacionais, apenas 19 bilhões de dólares para um economia de 480 bilhões de dólares é nada, só os compromissos fixos de 2016 são de 27 bilhões.

Mas a eleição de Macri vai mudar vários eixos na América do Sul, Cristina Kirchner tinha conflito com todos os vizinhos e Macri obviamente vai tentar desfazer tantos nós de desentendimentos e já avisou que vai bater de frente com a proto-ditadura venezuelana, muito ligada à Cristina, Chávez comprou bilhões de dolares de bônus argentinos em monentos de crise.

Essa virada afetará toda a América do Sul, com reposicionamento de peças no tabuleiro do xadrez geopolitico.



COMENTÁRIOS - Jorge Rebolla

[E os Abutres?...] com asas do juiz americano Thomas Griesa defendendo a sua espécie?...  Sem crédito externo como liberalizar a economia, principalmente a taxa de câmbio?... Um acordo com eles?... os abutres?...

Caso não consiga a curto prazo respirar em divisas internacionais restará apenas uma brutal desvalorização da moeda. Coisa absolutamente negativa para a popularidade do novo presidente nas classes abaixo da média.

Quero ver como o Macri administrará a situação, será um governo de ajuste com nível aceitável de impopularidade ou um novo "de la Rua"?...

domingo, 22 de novembro de 2015

Samarco, a agonia no capitalismo financeiro




por André Araujo, no blog do Nassif

O caso das barragens da Samarco nos leva a reflexões colaterais sobre o capitalismo financeiro e seus personagens. A Samarco hoje é controlada pela maior companhia de mineração do mundo, a BHP, fusão da Broken Hill Proprietary, fundada na Austrália em 1851, e a Billiton, originada na Indonésia holandesa na mesma época, depois integrante do Grupo Royal Dutch Shell, e a nossa Vale, cuja origem é a americana Itabira Iron, de Percival Farquar, maior empresário do Brasil nas primeiras décadas do Século XX, empresa nacionalizada pelo Presidente Artur Bernardes e que virou Cia. Vale do Rio Doce na década de 40.

Como empresas tão experientes lograram correr um nível de risco patrimonial tão alto a ponto de incorrer em indenizações que provavelmente vão zerar o valor financeiro da Samarco? Esta faturou R$ 7,2 bilhões em 2014, ganhou líquidos 2,8 bilhões e investiu apenas 78 milhões em segurança ambiental. Com um pouco mais reforçaria as barragens, que são de terra, as mais baratas que existem, instalaria sensores para monitorar o risco da pressão do volume sobre a parede e, com mitigação maior de risco, transformaria a parte de terra despejada na represa em pellets, que poderiam ser armazenados fora da represa e diminuiriam consideravelmente o volume dentro da barragem. Assim, ficaria com muito menor ocupação resultante apenas em água impura, mas em muito menor volume do que o conjunto lama+detritos+água. Essa solução mais definitiva custaria um pouco mais, mas seria um seguro infinitamente mais barato do que o custo econômico que agora cairá sobre a empresa que será devorada pelas indenizações.

Como os executivos não assumiram esse caminho? Por causa do modelo de capitalismo financeiro que vem assumindo a direção das grandes empresas da economia produtiva. Foram-se os executivos "de indústria", "do ramo". Hoje, assumiu uma geração de jovens calculistas que trabalham exclusivamente com planilhas, índices, taxas de retorno. Não tem ligação com o produto físico, com as máquinas, com a terra, com o minério, com a barragem. O mundo deles e de seus chefes e acionistas é exclusivamente financeiro.

O lucro pode ser fantástico, mais de um terço do faturamento, mas nem por isso a pressão para obter mais é da essência dessa cultura financeira. Fora das planilhas e dos "budgets", dos "targets", não tem mais nada no radar, nem o futuro da empresa, é só o próximo trimestre, base dos bônus. No semestre posterior pode ter caído o CEO mundial do grupo e o CEO da Samarco, então a única meta que conta é o lucro do trimestre.

Conheci profundamente o sistema. De 1974 a 1978, fui o principal executivo de uma subsidiaria de multinacional americana no Brasil, havia uma obsessão com a meta trimestral, nada mais importava. No fim de cada trimestre, todos os executivos-chefes de cada divisão viajavam para a matriz em St. Louis, eram 130 divisões no mundo e lá mesmo no bunker do subsolo do prédio havia, durante toda a semana, em um auditório, uma revisão do budget de cada divisão. Se o executivo não tivesse atingido a meta era execrado em público e alguns despedidos lá mesmo. Depois, partia-se para fixação da nova meta para o trimestre seguinte, a pressão era intensa visando aumentar o lucro prometido, máxima pressão, até que o executivo acabasse por aceitar, mesmo sabendo que era impossível atingir, pelo menos ele teria o emprego por mais um trimestre.

Era um sistema diabólico para espremer cada divisão como um limão. Isso há 40 anos. Hoje, está muito pior, o único critério de sucesso é aumentar a taxa de retorno para o acionista com o mínimo de investimento, o mínimo de empregados e o maior aproveitamento dos ativos. Os que atingiam e ultrapassavam um pouco viravam heróis e eram homenageados com convite para jantar com o CEO, ganhavam sorrisos e cumprimentos, às vezes até promoção no ato.

Esse "capitalismo do trimestre" leva a mega distorções. É possível aumentar o lucro no curto prazo economizando em itens que causarão danos só no longo prazo, como não fazer a manutenção periódica dos equipamentos, trocar mão de obra cara por mais barata, rebaixar a qualidade do produto, continua vendendo, mas vai queimando a marca. Economizar na segurança ambiental é uma típica manobra para aumentar o lucro no curto prazo, a custo do longo prazo...

Esse é o típico capitalismo AMBEV: padronizar todas as cervejas, só muda o rótulo, o gosto é o mesmo. Isso faz cair o custo por causa dos mega volumes de uma fabricação uniforme, abrindo espaço para centenas de fábricas de cervejas artesanais, porque o consumidor não quer o mesmo paladar padronizado. Isso é o capitalismo financeiro, os controladores da AMBEV são todos financistas e não industriais, heróis do capitalismo de corte de custos até o osso.

Hoje, firmas como a BHP e a Vale são controladas por fundos e não por pessoas. Os fundos querem taxas de retorno, é preciso pressionar os executivos. Estes, encostados na parede, cortam custos essenciais para fazer subir a taxa de retorno. Esse capitalismo deixa destroços pelo caminho, no limite vão acabar com o emprego e a sustentabilidade do planeta. O caso SAMARCO pode ser um dos maiores símbolos desse sistema que gera sua própria autodestruição.



ADENDO DE COMENTARISTAS 
Quem vai defender os capitalistas?... (rdmaestri)

A questão básica do capitalismo com o nível de concentração de renda que se está chegando é simples: Quem vai defender os capitalistas?

Quando no meio da guerra fria lá pela década de 60 havia no mundo uma classe média que não era muito numerosa mas era estatisticamente significativa. Esta classe média abanava para o operariado industrial da época uma perspectiva de ascensão social. Este operariado que outros chamam de proletariado viam ao longe, embalados por uma propaganda de provável sucesso futuro, uma visão de futuramente seus filhos ou netos virem a pertencer a pequena mas brilhante aos olhos de todos (classe média) uma prosperidade como nunca vista na face da Terra. Uma casa, uma máquina de lavar roupa, uma TV ou mesmo um pequeno automóvel era o sonho que grande parte dos que sustentavam a ideia de prosperidade capitalista,

Porém com o tempo os bons e prósperos empregos industriais e mesmo os empregos nos outros setores, vem minguando e desaparecendo. Temos uma população mais educada, temos uma população mais informada, porém esta população com nível superior hoje provavelmente ganha menos do que seus pais que talvez possuíssem o primeiro grau incompleto.

Agora se põe o seguinte dilema, qual a esperança e qual o futuro que vão prometer a esta imensa massa de desempregados ou subempregados? Pois se não for prometido nada, rapidamente eles se darão conta que a farsa acabou.

Durante anos a fio, o último suspiro teórico do capitalismo, o neo-liberalismo propagandeou a volta ao passado como a grande solução, ou seja, a volta as relações pré-industriais de relações de trabalho. Mesmo com toda esta propaganda nem aqueles que tem ou tiveram alguma chance de surfar na onda do último modismo do capitalismo não estão acreditando mais.

Talvez tenhamos, da mesma forma que os neo-liberais recuperaram as bandeiras da miséria como a solução para a pobreza, recuperar as velhas bandeiras guardadas no fundo dos armários e no fundo dos corações, de dar como solução a pobreza não a riqueza ao custo dos outros, mas a igualdade e a vontade de marchar para uma nova sociedade.

Cachorros velhos não apreendem truques novos, mas cachorros velhos que nunca puderam mostrar os seus velhos truques talvez esteja na hora de mostrá-los.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Barragens, tanques e açudes



  •  a negligência, não apenas da Samarco, a dona das barragens e a autora dos rejeitos que vazaram, mas de todos os envolvidos na cadeia da mineração, dentro e fora do governo.
  • o tsunami de Mariana é produto dos homens, combinação de erros e negligências, soma de deveres que não foram cumpridos e obrigações que não foram respeitadas.
  • achando que a tragédia será minorada pela multa que aplicará, o governo federal a calculou em 250 milhões de reais. Anunciou de boca cheia a punição.



por Lucio Flávio Pinto, em seu blog

Logo em seguida ao rompimento das duas barragens de rejeitos de minérios em Mariana (Minas Gerais). no dia 5, a Vale informou que realizou, no fim de semana seguinte, “uma verificação detalhada das condições estruturais de 115 das barragens mais relevantes da empresa”.

Nessa inspeção, diz ter vistoriado todos os nove componentes dessas barragens e que “nenhuma alteração foi detectada”. Mas admitiu que só concluiria a checagem “nos próximos dias”. Não voltou mais ao assunto nem foi cobrada pela imprensa.

Segundo a Agência Nacional das Águas, apenas 5,7% (856) das 15 mil barragens existentes no Brasil foram vistoriadas entre 2012 e 2014, das quais apenas 14% têm nível de risco identificado. A maioria dessas estruturas (89%) é para uso múltiplo de água; 5% para contenção de rejeitos de mineração; 4% para geração de energia; e 2% para contenção de resíduos industriais. A ANA admite que as autoridades não conhecem danos em caso de acidentes na maioria das construções desse tipo.

O controle dessas barragens é mínimo, mas já foi muito pior, segundo a ANA: no ano passado o número de vistorias cresceu 83% em relação a 2013. A agência diz que a atenção vem se acentuando nos últimos anos, mas pelo histórico de indiferença, ignorância e negligência, não é suficiente para dar à sociedade uma segurança qualquer diante de acidentes mais graves, como o de Mariana.

Além disso, a elevação da quantidade de vistorias foi descompensada pela queda dos investimentos federais em operação, manutenção e recuperação de barragens em 2013 e 2014 os recursos permaneceram estáveis, sofreram redução de 60% em relação a 2012.

Segundo a ANA, o ano de 2014 foi marcado como o de maior número de acidentes desde 2011, quando teve início do acompanhamento realizado pela agência.

O que assusta ainda mais é que no setor mineral a Samarco, dona das duas barragens que se romperam, vinha sendo considerada uma das melhores no trato com o meio ambiente. O que esperar então das piores?

O último relatório da ANA, de 2014, informa que entre as barragens com risco conhecido, 27,5%, ou 577 unidades, têm alto risco, definido conforme suas características técnicas, como estado de conservação e atendimento ao Plano de Segurança da Barragem. Apenas 5,6% das barragens cadastradas têm planos de emergência feitos.

Para estabelecer um padrão elementar de segurança para o perigo dessas barragens espalhadas pelo país, os governos, cada um deles na sua esfera específica (mas cumulativa e conflitante) de competência precisaria ter uma estrutura capaz de fazer o que a Vale diz ter realizado em suas 115 barragens, dentre as quais algumas devem ser das maiores do Brasil.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Retrato dos tempos que correm - Significado e perspectivas da crise atual


por Fabio Konder Comparato, pescado no Carta Maior

Empregamos a todo tempo a palavra crise para caracterizar o lamentável estado atual de nossa política e de nossa economia, sem entender a semântica original do vocábulo. Ele foi criado por Hipócrates, a partir do verbo grego krito, kritein, cujos sentidos principais no grego clássico eram de separar ou discernir, de um lado, e de julgar ou decidir, de outro. Para o Pai da Medicina, krisis designava o momento preciso em que o olhar justamente dito crítico do esculápio conseguia discernir o tipo de doença que acometia o paciente, permitindo-lhe fazer com precisão o diagnóstico e o prognóstico.

Infelizmente, temos sido incapazes de entender que sofremos de uma moléstia que não é passageira nem local. Muito pelo contrário, ela não surgiu nem tende a desaparecer de uma hora para outra no Brasil. Tampouco foi provocada por determinado partido, ou por este ou aquele político que ocupou ou ocupa atualmente o cargo de Chefe de Estado.

Analisemos, pois, em primeiro lugar, a moléstia no âmbito mundial, para, em seguida, procurarmos diagnosticá-la na sociedade brasileira, sugerindo afinal um tratamento adequado.

I - A Consolidação Mundial do Capitalismo Financeiro

A doença – séria e duradoura – cujos sintomas vieram agora à luz do dia, afeta na verdade o mundo inteiro e não pode ser tratada superficialmente; como se, diante de uma infecção generalizada, o tratamento do paciente se limitasse a ministrar analgésicos para simples dor de cabeça.

Vivemos hoje – nós e TODOS os demais povos na face da Terra – as graves consequências da passagem histórica do capitalismo, como primeira civilização mundial da História, da sua fase industrial para a fase financeira (1) - ver notas no final do post. Se até o último quartel do século passado os empresários industriais comandavam a vida econômica, hoje são os bancos que ditam as regras, não só nessa área, mas também no campo político.

Em 2011, três matemáticos do Instituto Politécnico de Zurique, listaram os 50 maiores conglomerados empresariais do mundo. Desse total, 48 eram grupos financeiros (2).

Já foram identificados 28 bancos, que controlam atualmente os mercados mundiais de câmbio, juros e valores mobiliários (3). Até a generalização das políticas neoliberais nas últimas décadas do século XX, os bancos dependiam dos Estados, que fixavam as taxas de juros e de câmbio. Hoje, tais valores são fixados pelos próprios bancos operadores, que impõem suas decisões de mercado aos bancos centrais, doravante autônomos em relação aos governos.

Recentemente, uma ONG muito respeitada no mundo inteiro, a Global Policy Forum, afirmou em relatório que a ONU é manipulada por empresas transnacionais, algumas das quais violam abertamente direitos trabalhistas e normas ambientais.

Mas o neoliberalismo global foi ainda mais além no campo da desregulamentação da atividade financeira empresarial. A fim de conter os efeitos da depressão econômica que tomou conta do mundo inteiro com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, os Estados Unidos haviam editado em 1932/1933 o Glass-Steagal Act, que separou as atividades dos bancos de depósito das dos bancos de investimento. Pois bem, em 1999 aquela lei foi revogada nos Estados Unidos, sendo concomitantemente abolida, nos demais países do globo, a referida separação entre aquelas atividades bancárias. Com isto, voltou-se a permitir aos bancos a utilização dos depósitos monetários de seus clientes para negócios deles próprios, bancos, inclusive a especulação nos mercados de valores mobiliários, de câmbio ou de mercadorias.

Como sabido, a partir da Revolução Industrial em meados do século XVIII, a riqueza mundial cresceu em ritmo e intensidade jamais vistos na História. Esse crescimento, porém, vem recuando nitidamente no mundo todo, desde a segunda metade do século XX. Na China, o país de mais acelerado crescimento econômico das últimas décadas, a atividade industrial atingiu em 2015 o menor nível em 78 meses.

Os efeitos dessa desindustrialização geral já se sentem nitidamente no mercado de trabalho. Segundo relatório recente da OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, foram recenseados 47 milhões de desempregados nos 34 países que dela fazem parte.

É bem provável que se instaure desde logo, no mundo todo, uma fase de estagnação econômica generalizada, justamente devido à implantação mundial do capitalismo financeiro, em substituição ao capitalismo industrial. E a razão é óbvia: enquanto a essência da atividade industrial é a produção de bens, a atividade financeira por si mesma não produz nenhuma riqueza concreta de base.

Como se vê, a celebrada eficiência do sistema capitalista na produção de riqueza vê-se hoje totalmente desmentida. Com isso, a fantástica desigualdade social, por ele criada no mundo inteiro, já não tem a menor condição de ser reduzida, menos ainda eliminada. No início da Revolução Industrial, estimou-se que entre o povo mais rico e o mais pobre do planeta a diferença em termos econômicos era de 2 para 1; atualmente, ela é estimada em 80 para 1! Levando-se em conta o crescimento inexorável da população mundial e a estagnação geral da produção de bens, notadamente de alimentos, não é difícil visualizar o prognóstico sombrio de Malthus, feito no final do século XVIII. E as vítimas serão, como sempre, as camadas mais pobres do mundo todo.

Ora, o que se constatou recentemente é que o capitalismo financeiro tem contribuído para acelerar o ritmo dessa desigualdade. Assim é que o banco Crédit Suisse, ao publicar em 2010 o seu primeiro relatório sobre a riqueza global (Global Wealth Report), estimava que os 50% mais pobres da humanidade possuíam menos de 2% dos ativos mundiais. Pois bem, no relatório do corrente ano de 2015, o Crédit Suisse constatou que a metade mais pobre da humanidade possui menos de 1% da riqueza planetária.

Por incrível que pareça, se a grande depressão de 1929 provocou uma redução da desigualdade econômica mundial, tendo afetado todas as classes sociais, a crise de 2007/2008, da qual ainda não logramos sair, provocou um efeito contrário. Exemplo: nos EUA, o 1% mais rico da população absorveu 95% da riqueza produzida após a crise.

As instituições financeiras, como se disse, por si sós não produzem riqueza alguma. Na melhor das hipóteses, elas servem de alavanca auxiliar da produção, mediante o serviço de crédito.

Acontece que, no presente, os bancos passaram a concentrar cada vez mais suas atividades nos negócios puramente especulativos, reduzindo drasticamente o serviço de crédito. A lucratividade de tais negócios especulativos é muito maior. Mas, em compensação, eles suscitam um enorme risco de súbito e generalizado colapso, como se viu em 2008 com a brusca depreciação dos chamados derivativos, neologismo criado nos Estados Unidos para designar operações de crédito bancário, que servem de lastro à emissão de valores mobiliários em cascata, cujo valor não é contabilizado no balanço dos bancos. Estimou-se que em 2013 o valor total dos derivativos negociados no mercado mundial era de 710 trilhões de dólares; isto é, cerca de dez vezes o valor da produção anual de bens e serviços no mundo todo!

Outro fator que veio reforçar a generalizada submissão dos Estados, no mundo inteiro, à dominação dos bancos foi a progressiva substituição dos tributos pela dívida pública, no financiamento das despesas estatais. Os papeis dessa dívida, como não poderia deixar de ser, são tomados pelos bancos e repassados aos investidores privados. Para estes, tal operação financeira provocou de imediato um duplo e substancial benefício: de um lado, o não-aumento (ou mesmo a redução) da carga tributária; de outro, a oportunidade de ganhos suplementares pelo recebimento de juros da dívida pública. Em pouco tempo, os empresários industriais, que já haviam se deixado seduzir pela especulação com valores mobiliários, foram se transformando, total ou parcialmente, em rentistas.

A depressão global desencadeada em 2008 com o colapso do mercado de derivativos levou os bancos centrais dos Estados Unidos e da União Europeia, a fim de evitar as insolvências em cascata, a socorrer os bancos privados, tomadores daqueles papeis ditos “tóxicos”. Esse financiamento excepcional, como era de se esperar, não foi feito com recursos orçamentários, mas sim com a emissão de novos papeis da dívida pública. Para se ter uma ideia do que isso representa como risco de colapso do sistema econômico mundial, basta considerar os seguintes dados, recentemente divulgados pelo Fundo Monetário Internacional: o somatório da dívida pública dos Estados desenvolvidos do planeta, o qual em 2001 representava 75,8% da média do PIB total desses países, passou a corresponder em 2014 a 118,4% dele.

Inútil dizer que os tomadores de tais papeis de dívida fazem parte do sistema bancário privado, e que este exerce enorme pressão sobre os Estados emitentes, a fim de que os juros não sejam reduzidos e, sobretudo, para que os devedores públicos não deixem de honrar os valores do principal no vencimento.

Em suma, os Estados, que até o final do século XX eram reguladores das atividades dos bancos privados, tornaram-se atualmente seus reféns. O caso muito comentado da Grécia é o melhor exemplo. Feitas as contas, estima-se que os bancos alemães, tomadores dos papeis da dívida estatal grega desde 2010, obtiveram até 2015 um lucro de 100 bilhões de euros. Será ainda preciso explicar por que razão a Alemanha foi o Estado mais intransigente na negociação da dívida grega no Conselho da Europa?

Vale a pena salientar tais fatos, pois eles explicam a natureza e as perspectivas de solução da atual crise política e econômica brasileira, como reflexo da crise global. Encontramo-nos, hoje, inteiramente mergulhados no capitalismo financeiro, cuja dominação é mundial.

II - A Submissão do Brasil ao Capitalismo Financeiro Mundial

Em toda organização política, os principais fatores estruturantes sempre foram a relação de poder e a mentalidade coletiva, isto é, o conjunto de valores e costumes vigentes no seio do povo. Durante milênios, ambos esses fatores foram estritamente moldados pela religião. A partir do início da era moderna, porém, a adesão a uma fé religiosa foi perdendo importância na vida dos diferentes povos. Com o advento da sociedade massas, no final do século XIX, iniciou-se uma fase jamais vista na História, fase essa na qual a mentalidade coletiva passou a ser formada pelo sistema de poder político, de caráter não religioso na maior parte do mundo.

Com efeito, ao se consolidar mundialmente a civilização capitalista em fins do século passado, a relação íntima entre esses dois fatores estruturantes da organização política foi radicalmente alterada. Desde então, o poder político passou a plasmar a mentalidade coletiva, utilizando-se, para tanto, do controle dos meios de comunicação de massa, o qual é exercido hoje, na quase totalidade dos países do globo, por oligopólios empresariais.

Pois bem, entre nós, desde os primórdios da colonização portuguesa, o poder político efetivo – diferentemente do poder oficial, isto é, do poder legitimado pelo ordenamento jurídico – nunca pertenceu de fato, nem mesmo parcialmente, ao povo. Ele foi exercido, sem descontinuar, por dois grupos intimamente associados: os potentados econômicos privados e os grandes agentes estatais. Nossa oligarquia sempre apresentou, assim, um caráter binário: quem exerce o efetivo poder soberano não é apenas a burguesia empresarial, como sustentou a análise marxista, nem tampouco unicamente a burocracia estatal, como pretenderam os seguidores de Max Weber, a exemplo de Raymundo Faoro (4); mas ambos esses grupos, conjuntamente.

Esta, na verdade, a principal causa da corrupção endêmica que vigora no Brasil no plano estatal. Os grandes empresários e os principais agentes do Estado – incluídos agora nessa categoria os administradores de empresas estatais – sempre estiveram convencidos de que podem dispor, em proveito próprio, dos recursos financeiros públicos. “Nem um homem nesta terra é republico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”, já afiançava o primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador, em livro editado originalmente em 1627 (5).

Essa oligarquia binária não é, na verdade, uma originalidade brasileira, mas sim um traço essencial do sistema capitalista. Como salientou Fernand Braudel, que lecionou na Universidade de São Paulo logo após a sua fundação, o capitalismo só triunfa quando se une ao Estado, quando é o Estado (6).

No curso de nossa História, tivemos uma sucessão de potentados econômicos privados, aliados aos principais agentes do Estado (inclusive magistrados): senhores de engenho; traficantes de escravos; grandes fazendeiros, sobretudo na região sudeste até a Revolução de 1930; empresários industriais; e, finalmente, controladores das grandes instituições financeiras.

Na verdade, o fato mais relevante da economia brasileira nas últimas décadas tem sido o ritmo acelerado do processo de desindustrialização. Para se ter uma ideia disto, é importante considerar que em 1995 a produção industrial representava 36% do PIB brasileiro, quando vinte anos após, segundo dados apurados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, ela não ultrapassa 9%; ou seja, um quarto daquela cifra.

Com isso, como não poderia deixar de acontecer, iniciou-se em 2015 um período de recessão econômica cuja conclusão é difícil de prever-se, repetindo-se assim, certamente de maneira agravada, o episódio ocorrido em 1930 e 1931, como consequência da depressão mundial provocada pelo crash da Bolsa de Nova York em 1929.

Ainda como efeito da desindustrialização do país, o desemprego explodiu. Em julho de 2015, o total de desempregados no país somava 8,6 milhões, o número mais alto já assinalado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). E isto, considerando-se apenas os trabalhadores regulares, com carteira assinada.

Intimamente ligado a esse dado é o fato de que, atualmente, meio milhão de brasileiros vive sem cobertura de plano de saúde, como informou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Na verdade, o Brasil encontra-se hoje nas mãos dos banqueiros. Os cinco maiores bancos (Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Santander) controlam 86% do total dos ativos financeiros; quando em 1995 o montante desses ativos por eles controlados era de 56%. No primeiro semestre de 2015, enquanto o Produto Nacional Bruto entrava em recessão, o lucro líquido contábil dos quatro maiores bancos do país crescia 46% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O desinvestimento, tanto público quanto privado, é um dos piores resultados da entrega total da economia brasileira ao controle das instituições financeiras, nacionais e estrangeiras. Em 2014, o investimento de empresas estatais no Brasil foi o menor em três anos. Ora, o ajuste fiscal proposto pela Presidente Dilma Roussef em seu segundo mandato veio estender esse encolhimento ao vasto setor das políticas sociais. Assim é que o orçamento fiscal da União Federal para 2016, já em si mesmo profundamente austero nessa área, acabou sofrendo no curso de 2015 um corte de verbas em nada menos do que 7 programas sociais, notadamente educação e saúde: um bilhão de reais no primeiro setor e mais de um bilhão no segundo.

Em compensação, como é óbvio, o governo federal não mexe no volume da dívida pública, nem reduz a taxa da Selic (sistema especial de liquidação e custódia), ou seja, o índice pelo qual são balizados os juros cobradas pelos bancos. Ora, do total do déficit orçamentário da União Federal em 2015, 96,9% são representados pelos juros acumulados da dívida e apenas 3,1% pelo excesso de despesas primárias em relação aos créditos!


III - Sugestões para o Enfrentamento da Morbidez Generalizada


Diante de tudo o que se acaba de expor, surge inevitavelmente a indagação feita no livro publicado 1902 por um certo Vladimir Illich Ulianov, mais conhecido sob o pseudônimo de Lenin: – Que Fazer?

Comecemos por reconhecer o fato de que a solução revolucionária, por ele apresentada como a mudança súbita e radical do poder na sociedade, modelo ao mesmo tempo tão louvado e temido no mundo todo até há pouco, já não convence ninguém. É que esse tipo de ruptura brusca da ordem social não só absolutiza o poder estatal, como deforma gravemente a mentalidade coletiva, suprimindo a consciência individual e social dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Foi o que se viu, de maneira dramática, com as revoluções bolchevique e maoísta, as quais deram origem aos regimes comunistas na Rússia e na China no século XX. Aliás, com a derrocada de ambos no último quartel do século, voltaram à tona, nos dois países, as velhas tradições de autocracia burocrática, doravante ligadas à integral adoção do sistema capitalista, contra o qual foram feitas as revoluções.

Se quisermos, pois, iniciar o tratamento da moléstia que tomou conta da humanidade toda na época contemporânea – o capitalismo financeiro –, precisamos mudar de modo substancial e permanente as instituições de poder, bem como reformar a mentalidade coletiva, com base em novos valores que a elas se adequem. E tais valores, escusa dizer, são o oposto do individualismo privatista, próprio do capitalismo.

Ora, isto não se faz e nunca se fez da noite para o dia. Em geral, tem-se em matéria de revoluções o modelo clássico, que é o da França no século XVIII. Mas o que se deixa na sombra, ao assim considerar, é o fato de que a preparação da Revolução Francesa principiou pelo menos dois séculos antes, com a mudança na visão de mundo, provocada pela Reforma Calvinista e a chamada Revolução Científica de Copérnico, Tycho Brahe e Kepler, seguidos por Galileu e Isaac Newton.

Ensaiemos, pois, uma breve resposta, primeiro no plano mundial; depois, no quadro político e econômico brasileiro.

IV - O tratamento da doença no plano mundial

A organização, ou melhor, desorganização do poder capitalista no mundo todo – não só o poder propriamente político, quanto o econômico, ambos complementados pelo poder ideológico – manifesta hoje sinais evidentes de impotência para enfrentar os problemas que se avolumam perigosamente, e que põem risco a sobrevivência da humanidade: o terrorismo, notadamente de índole religiosa; a destruição sistemática da biosfera; a probabilidade crescente de um colapso econômico mundial; entre outros.

Ao mesmo tempo, a ética própria do capitalismo, a qual logrou moldar a mentalidade coletiva contemporânea em todos os povos da Terra – a saber, a realização do interesse material como finalidade última da vida – não somente denota uma incapacidade crescente para fazer face a tais problemas, como revela-se ainda um perigoso estimulante deles.

Mas como proceder?

No tocante à organização do poder mundial, começamos a sentir crescentemente o mesmo estado de espírito, que tomou conta da maioria dos governantes logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e que propiciou a fundação da Organização das Nações Unidas em 1945, conforme enunciado na introdução da Carta de São Francisco. Ou seja, a necessidade de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra [...], reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e mulheres, assim como das nações grandes e pequenas [...], promover o progresso social e melhores condições de vida, dentro de uma liberdade mais ampla”.

Para alcançar tais objetivos, o caminho a ser seguido só pode ser a construção de uma organização política mundial, fundada nos princípios fundamentais da República, da Democracia e do Estado de Direito. A saber:

1) a supremacia do bem comum da humanidade, em relação ao interesse próprio de qualquer povo em particular;
2) a atribuição da titularidade do poder supremo ao conjunto dos povos, reunidos em federação no plano mundial;
3) o estabelecimento de controles efetivos ao abuso de poder em todos os níveis, à luz do princípio supremo do respeito à dignidade humana.

No concernente à superação da ética do egoísmo dito esclarecido, própria da civilização capitalista, é alvissareiro constatar que, atualmente, os líderes de algumas das maiores religiões do mundo vêm sublinhando a necessidade de se evitar que o princípio fundamental do altruísmo, comum a todas elas, venha a ser ensombrecido pela repetição mecânica de asserções dogmáticas (7).

Em suma, importa agora mais do que nunca, no início deste novo milênio, revitalizar em todos os povos as duas Regras de Ouro, enunciadas pela primeira vez no chamado Período Axial da História (8), quais sejam:

1) não fazer aos outros o que não se quer que eles nos façam;
2) fazer o bem a todos, sem distinção de pessoas, sejam elas desconhecidas, amigas ou inimigas.

V - Como iniciar no Brasil o tratamento da doença

Para voltar ao conceito original de crise, excogitado por Hipócrates, o que importa não é fixar a atenção sobre o bom ou mau desempenho de nossos governantes para enfrentar os problemas socioeconômicos que se acumulam. Tal equivaleria a cuidar de um sintoma superficial da doença, sem diagnosticar sua verdadeira causa, que é a submissão do nosso país à soberania do capital financeiro, nacional e internacional.

Não é mister grande acuidade de espírito para perceber que esse enfrentamento equivale a percorrer um caminho longo e repleto de dificuldades de toda sorte. Ele não se faz da noite para o dia, nem com base em improvisações.

É indispensável e urgente atuar em duas frentes, intimamente relacionadas: a vida política e a vida econômica.

No campo político, as mudanças devem ocorrer em relação aos dois fatores fundamentalmente estruturantes: a relação de poder e a mentalidade coletiva.

O poder político, no Brasil, como acima salientado, sempre foi oligárquico, sendo exercido conjuntamente, em proveito próprio, pelos potentados econômicos privados e os grandes agentes estatais. Ora, atualmente, os titulares desse poder soberano acham-se na incapacidade absoluta de enfrentar a crise, pois são eles que as engendraram e são eles os únicos que dela se beneficiam. Seria ridículo esperar que as instituições financeiras aceitassem voluntariamente submeter-se ao poder regulatório do Estado, deixando que este voltasse a fixar as taxas de juros e câmbio a serem observadas no mercado, e a separar bancos de depósito e bancos de negócio, como dispôs o Glass-Steagall Act de 1933 nos Estados Unidos, editado em plena crise provocada pelo crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929. Urge encontrar um caminho para impor tais medidas aos atuais “donos do poder”.

No terreno propriamente político, é da mesma forma urgente começar a introduzir em nosso ordenamento jurídico os mecanismos institucionais da democracia direta. O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa, declarados no art. 14 da Constituição como instrumentos da soberania popular, acham-se até o presente – mais de um quarto de século após a promulgação da Lei Maior – totalmente bloqueados pelo controle oligárquico.

Igualmente no campo político, permanece inquebrantável o oligopólio empresarial dos meios de comunicação social – grande imprensa, rádio e televisão –, utilizados como instrumentos do poder ideológico capitalista. A Constituição Federal, em seu art. 220, § 5º, declara que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Mas até hoje o Congresso Nacional não editou lei para regular essa proibição constitucional (9).

A mesma falta de regulação legislativa ocorre com a norma do art. 221, inciso I da Constituição, segundo a qual “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão ao princípio de preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”. Escusa frisar que, numa sociedade de massas como a existente atualmente no mundo inteiro, a intercomunicação do povo por intermédio dessas instituições, livre de censuras e propagandas ideológicas dissimuladas, é indispensável para que o regime democrático possa funcionar a contento; sobretudo em sociedades profundamente desiguais sob o aspecto socioeconômico, como a brasileira.

Em matéria propriamente econômica, assinalo algumas medidas que me parecem indispensáveis para enfrentar a crise atual.

Importa assim, antes de tudo, dar início ao processo de reindustrialização nacional, por meio de estímulos fiscais e econômicos.

Urge também regular o endividamento público. Assinalo, a esse respeito, que o art. 52, inciso VI da Constituição dispõe ser da competência privativa do Senado Federal a fixação dos limites globais do montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; mas sempre por proposta do Presidente da República. Inútil dizer que, submetidos à dominação bancária, nossos Chefes de Estado têm se revelado incapazes de atuar nessa área de acordo com os verdadeiros interesses nacionais.

Assinalo, ainda, que o art. 163, inciso III da Constituição determina competir à lei complementar dispor sobre a dívida pública externa e interna, nela incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público. Até hoje, tal lei não foi editada.

Eis, em resumo, o que me parece essencial para darmos início ao processo de mudança em profundidade de nossa vida política, econômica e social, no rumo de uma sucessão da vigente civilização capitalista, por uma civilização mundial realmente humanista.

(1) Procurei estudar o capitalismo sob o aspecto global de uma civilização, e não apenas como sistema econômico, em A Civilização Capitalista – Para compreender o mundo em que vivemos, 2ª edição, 2013, São Paulo, Companhia das Letras.
(2) Stefania VITALI, James GLATTFELDER, Stefano BATTISTON, The network of global corporate control, PLOS ONE, [S.I.], Oct. 2011.
(3) Sobre o assunto, o economista francês François Morin vem fazendo análises percucientes, com a previsão de um novo cataclismo financeiro, agora de proporções catastróficas. Cf. Un monde sans Wall Street? (Éditions du Seuil, 2011); La grande Saignée – Contre le cataclysme financier à venir (Lux Editeur, 2013); L’Hydre mondiale – L’oligopole bancaire (Lux Editeur, 2015).
(4) Cf. sua obra já clássica, Os Donos do Poder – Formação do patronato político brasileiro, 3ª edição revista, Editora Globo, 2001.
(5) História do Brasil 1500 – 1627, Livro Primeiro, Capítulo Segundo.
(6) La dynamique du capitalisme, Éditions Flammarion, Paris, 2008, p. 68.
(7) Vejam-se, a esse respeito, as considerações expostas pelo atual Dalai Lama em seu livro Ethics for the New Millenium, Riverhead Books, Nova York. Atente-se, igualmente, para os escritos e declarações públicas do Papa Francisco.
(8) Foi o período assim chamado por Karl Jaspers (Vom Ursprunt und Ziel der Geschichte, 1ª ed. Em 1949), compreendido entre os séculos VIII e II a.C., em que viveram alguns dos maiores sábios de todos os tempos: Buda na Índia, Lao-Tsé e Confúcio na China, os grandes profetas de Israel, os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles na Grécia.
(9) Tive a honra, em 2011, de patrocinar no Supremo Tribunal Federal, duas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão. Tais ações receberam parecer em grande parte favorável da Procuradoria-Geral da República em 2013, mas continuam aguardando ingresso em pauta de julgamento.