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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Fracking NÃO!... mas o que ser isso?...





por Bianca Diele da Silva, no Heinrich Böll Stiftung Brasil

(publicado originalmente aqui em julho de 2017)


A questão da água no Brasil tem se tornado central nas discussões atuais. Como um país que possui 12% de toda a reserva de água doce do mundo pode estar exposto a um cenário de escassez? O caso da redução de chuvas na região sudeste foi apontado pelos gestores como um fato que desencadeou a redução drástica nos níveis dos reservatórios. No entanto, pouco se falou sobre o desmatamento das bacias hidrográficas, da poluição derramada todos os dias nos nossos rios inviabilizando seu uso para abastecimento humano ou do uso e desperdício dos setores agrícolas e industriais. Um exemplo desses outros graves fatores que contribuem para a escassez de água é o crime de Mariana, que deixou municípios inteiros sem este recurso.

Será que estamos aprendendo com isso?

Não é só o setor minerário, responsável pelo desastre de Mariana, que oferece riscos a oferta de água no país.

Com as recentes descobertas e início de exploração do pré-sal, o Brasil tem aprofundado a dependência das fontes fósseis de energia como projeto de desenvolvimento. Em setembro de 2013, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) anunciou a 13ª rodada de concessão de lotes para a exploração de gás natural de fontes não convencionais. Dentre estas fontes não convencionais está o gás de folhelho, popularmente conhecido como gás de “xisto” (shale gas em ingles).

Para a exploração deste gás é utilizada uma técnica chamada de fraturamento hidráulico de alta pressão, ou fracking, que utiliza quantidades enormes de água e gera um volume grande de efluentes. Estes efluentes possuem uma mistura de produtos químicos altamente tóxicos, areia, além de materiais radioativos carreados do subsolo. Isto, por si só, já seria um problema considerável, mas some-se o fato de que as fraturas podem alcançar corpos de água subterrâneos como os aqüíferos, contaminando-os com esta mistura.

Os Estados Unidos foram os precursores no uso comercial desta técnica. Por isso, em setembro de 2015, a Fundação Heinrich Böll, em parceria com outras organizações, realizou, naquele país, a Fracking Tour, cujo objetivo foi conhecer as áreas já exploradas através desta técnica e saber como a polêmica extração de petróleo tem envolvido os movimentos ambientalistas e de direitos humanos. Participaram da atividade países que já possuem áreas de extração via fracking como Argentina e México, bem como aqueles que vêm sofrendo pressões para iniciá-las, como Brasil, África do Sul, China, Irlanda, Alemanha e Chile. E eu fui convidada a participar desta atividade como representante brasileira nas discussões.

Nos Estados Unidos, graças ao lobby desta indústria, os empreendimentos que se utilizam desta técnica não precisam se enquadrar nos marcos regulatórios ambientais que protegem os recursos hídricos e o ar. Conseqüentemente, os poços de água potável das habitações próximas aos locais de exploração foram contaminados sem as devidas medidas de controle e mitigação. Durante a atividade foram visitadas algumas casas na zona rural do estado da Pensilvânia, onde além dos poços contaminados, registraram-se relatos de animais que morreram por terem bebido a água e de pessoas com problemas respiratórios e de pele, com medo de terem sido contaminadas. Os profissionais de saúde não têm acesso a informações sobre as composições dos fluidos que estão impactando na saúde dos residentes.

A atividade da exploração, que se intensificou consideravelmente nos últimos dez anos, não atingiu só o meio ambiente, mas também a saúde das pessoas, os seus modos de vida e a relação entre os indivíduos e as instituições governamentais que deveriam garantir o seu direito a um ambiente saudável. Alguns moradores que resolveram denunciar esta situação sofrem represálias da indústria como processos judiciais e intimidações. Para um país orgulhoso de sua democracia e liberdade de expressão, isto é um retrocesso.

Deixamos esta região com a certeza que os impactos são muito maiores do que os descritos nos artigos, e que o acordo entre a indústria e o governo para o avanço do uso desta tecnologia sem os devidos controles foi muito danosa para a sociedade como um todo. Não foi à toa que, no Brasil, os cientistas solicitaram que mais estudos fossem realizados para avaliar os impactos potenciais antes da aprovação do uso do fracking. Mesmo assim o governo Dilma liberou o leilão e ainda fez uma regulamentação (ANP 21/2014) sobre o tema que deixa os corpos d’água ainda mais expostos pela adoção de parâmetros aleatórios de controle de linha de base da qualidade da água, que não condizem com a composição dos fluidos utilizados.

Mas nem tudo está perdido. Na segunda parte da nossa visita pudemos conhecer como o estado de Nova Iorque, onde também há reservas de gás de “xisto”, baniu a utilização desta técnica baseado em estudos científicos que contaram com uma avaliação criteriosa de profissionais ambientais e de saúde. Muitas organizações ambientalistas, de saúde e de direitos humanos conseguiram levar a discussão para a população, sensibilizando-a para a importância de não repetir o que estava acontecendo no estado vizinho.

Foi uma mobilização longa que começou com discussões, depois pela definição de uma moratória até que mais estudos e mais dados fossem analisados, e finalmente pelo banimento em junho deste ano. Na ocasião da nossa visita, em setembro, o movimento contra o fracking da região estava feliz e aliviado, mas continuavam atentos nos desafios de se manter o banimento e de ampliar esta discussão para que ninguém tenha que ser exposto aos riscos; inclusive os países que vem sofrendo pressões para aderir a essa prática ou que, como no caso do México e da Argentina, já possuem campos de exploração deste tipo.

A troca e atualização das informações foi essencial para o entendimento da importância das resistências a esta nova ameaça e de como podemos fomentar a discussão nos nossos países. Também é importante fortalecer as estratégias comuns já existentes, como no caso da “Alianza Latinoamericana Frente al Fracking”. Na América Latina, descobrimos que temos muito em comum, tanto na forma que os governos estão atuando para a introdução do fracking por meio de um discurso que minimiza os riscos e supervaloriza os benefícios, como por um anseio das populações dos territórios atingidos e ameaçados por respeito ao seu direito de dizer não.
As questões da água são centrais nesta disputa. No Brasil esta já adentrou o campo jurídico por meio de várias ações civis públicas, e algumas delas conseguiram a suspensão do plano de iniciar o uso do fracking em algumas bacias. Além disso, iniciou-se um movimento dos municípios com a declaração de municípios Livres de fracking. Além disso, iniciou-se um movimento dos municípios com a declaração de municípios Livres de fracking como Toledo e Cascavel no Paraná.

Sabemos que esta será uma luta longa e que temos que trabalhar para a ampliação da discussão com a sociedade como um todo, mas acreditamos que o povo brasileiro, que sempre valorizou e cultivou suas águas saberá tomar a melhor decisão sobre esta questão se lhe for dado este direito.

Para quê um país com tanto potencial para energias renováveis optaria por uma tecnologia tão controversa? Com a descoberta e exploração do pré-sal, devemos ampliar ainda mais a nossa dependência de fontes fósseis de energia? Se temos que mudar, como já foi tantas vezes repetidos pelos especialistas do clima, por que não começamos agora? Por que colocar os nossos aquíferos que estão entre os maiores e de melhor qualidade do mundo em risco?

Por que ampliar os conflitos de água com a inclusão de mais uma indústria de uso intensivo de água e com alto potencial poluidor? Pela segurança das nossas águas e das nossas vidas, fracking não.


terça-feira, 10 de julho de 2018

O contorcionismo semiótico do Braziu...ziu... ziu!...



por Wilson Roberto Vieira Ferreira, no ótimo Cinema Secreto:Cinegnose

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A máquina semiótica da Guerra Híbrida faz nesse momento um pesado investimento ideológico para justificar os efeitos do atual modelo neoliberal imposto ao Brasil: crise, desemprego e precarização do trabalho, no qual milhões de desempregados foram promovidos repentinamente a “empreendedores”. E no rescaldo da eliminação do Brasil diante da Bélgica na Copa da Rússia está sendo mobilizado uma operação de emergência para salvar o alto investimento semiótico-ideológico feito no futebol pela grande mídia e mercado publicitário: salvar Tite e Neymar e colocar em ação o tradicional sacrifício do bode expiatório – o volante Fernandinho. Por que?

Em cada época, o futebol reflete o modismo linguístico do seu momento. Na Copa de 1978 o técnico da Seleção Cláudio Coutinho tinha um discurso repleto de conceitos estranhos como “overlapping”, “ponto futuro” e “polivalência”. Refletia a europeização do futebol com estrangeirismos ao gosto de uma nova classe média que surgia do breve “milagre econômico brasileiro” da ditadura militar – uma classe que ansiava tudo que emulava o “estrangeiro” como o Play Center em SP e cantores brasileiros que se passavam por gringos como Morris Albert.

Nos anos 1990 termos como “qualidade do passe”, “excelência tática” e “gestão do time” passaram a ocupar o discurso dos técnicos nas coletivas com a imprensa pós-jogos. Outro reflexo, dessa vez do modismo da Reengenharia e dos certificados de qualidade ISO 9000, febre nos meios corporativos. E de um futebol que buscava se profissionalizar. Pelos menos na aparência discursiva.

E agora nesse início de século XXI, na boca dos jogadores e técnicos em preleções e entrevistas pós-jogo, é um tal de “fazer a diferença” de um lado e “estar focado” do outro... Principalmente no paroxismo desse modelo linguístico atual – o jargão mérito-empreendedor-motivacional de dez em cada dez palestrantes corporativos. Cujo reflexo está no discurso do técnico da Seleção Tite, celebrado pelos comerciais do banco Itaú. “Fazer por merecer”, “desempenho”, “trabalho”, “estar determinado” e assim por diante.

Em meio aos anos da ditadura militar brasileira, as seleções de 1970 a 1978 serviram à função ideológica mais primária de “pão e circo” – como falsa consciência, cujo papel era o de encobrir os “anos de chumbo” de censura, perseguições, torturas e assassinatos políticos.

Mas desde o Golpe de 2016 o futebol, principalmente o da Seleção, passou a ter um papel ideológico mais sofisticado do que de um mero tapume erguido para esconder a realidade. Passou a ter uma função de “cimento ideológico”. De função motivacional para 14 milhões de desempregados e outros tantos milhões de “desalentados” – aqueles que nem emprego procuram mais. A incumbência não de negar a crise (papel da velha função da falsa consciência), mas de narrar por um outro viés a conjuntura de crise: como oportunidade de crescimento ou empreendedorismo individual – a chance de “fazer a diferença”.

Um papel tão sofisticado quanto das bombas semióticas da guerra híbrida a partir de 2013 (clique aqui) e da qual essa nova função ideológica do futebol faz parte.

A desclassificação do Brasil pela Bélgica no jogo pelas quartas de final na Copa da Rússia deve ser analisado como um revés momentâneo no futebol, visto como peça ideológica da atual guerra híbrida cujo País é o alvo do momento.

Uma peça dentro do grande “mecanismo” (esse sim, o verdadeiro “mecanismo”) semiótico para criar duas narrativas midiáticas bem claras para justificar (e não legitimar) todo o processo político de golpe e posteriores efeitos deletérios das medidas neoliberais aceleradas – desemprego, crise econômica, inflação, precarização do trabalho etc.


a) o discurso da corrupção

Narrativa midiática diária com o Mensalão e a interminável Lava Jato com o meganhamento da Justiça e o bordão diário na TV: “policiais federais nas ruas!...”.

Aqui, com uma função ideológica clássica de falsa consciência: estratégia de desvio da atenção, de dissimulação. Enquanto estudos da própria Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (a Fiesp dos inesquecíveis patos amarelos e de um sapo verde tardio) projetavam em 2014 que enquanto as ações corruptas no Brasil roubavam de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), as altíssimas taxas de juros levavam o pagamento da dívida pública a ocupar 57% do PIB.

Da mesma forma como as “pandemias” como gripe suína ou zika vírus ocuparam mais espaço midiático (enquanto gripe comum, diarreia ou sarampo matam em escala muito maior – clique aqui), da mesma maneira a grande mídia criou uma relação metonímica de contaminação da corrupção com todas as mazelas nacionais – da crise econômica à deterioração da saúde, educação, segurança etc.

Enquanto isso, bancos, instituições financeiras, empresas de investimento, o mercado de crédito, de capitais, de câmbio e monetário nadam de braçadas em um ambiente dos juros altos (garantidos pelo do Banco Central), tomando o próprio Estado e a Nação como reféns do pagamento da dívida pública – decisivo para a crise brasileira.

E numa estratégia clássica de agenda setting (forçar o agendamento na mídia de determinadas pautas), bancam os intervalos publicitários dos telejornais que martelam a agenda do combate à corrupção como o saneador de todos os problemas nacionais.


b) O discurso do mérito-empreendedorismo
Ao bancar os intervalos publicitários, estimulam peças de propaganda que consolem as massas dos efeitos das medidas neoliberais a toque de caixa – no final, medidas para garantir o ambiente de juros altos do mercado financeiro.

Aqui entram o futebol e a Seleção como vitrines de uma função semiótica mais sofisticada que a mera falsa consciência: a de “cimento” ideológico – não negar a realidade da crise, mas torna-la tão verossímil quanto um acidente natural que deve ser superado pela narrativa individualista do “fazer a diferença” daquele que trabalha. Ou melhor, empreende, que “faz por merecer”.

O problema para tornar a Seleção uma peça desse mecanismo para injetar cimento ideológico nas massas estava na distância desses jovens milionários brasileiros europeizados da realidade do dia-a-dia do brasileiro. Por isso, dois personagens foram destacados para criar algum laço de empatia: Tite e Neymar Jr.

A participação de treinadores da Seleção em comerciais é algo comum desde os anos 1970, e foi progressivamente aumentando até atingir o ápice com o Felipão, na Copa de 2014, com 7 participações de comerciais. O personagem que desempenhou se encaixou no clima de instabilidade emocionou e política envolvendo a Copa e a Seleção: Felipão era figurado como um personagem cômico que tentava lidar com as cobranças da torcida, representada como exigente e que gosta de palpitar.

Ao contrário, nos comerciais dos patrocinadores atuais da Seleção (Itaú, Samsung, Cimed) Tite reina como protagonista absoluto, com aura de líder com discursos que unem estímulos motivacionais, sensatez e sabedoria.

Enquanto Neymar Jr, apesar de todos os seus chiliques, desequilíbrio e grosserias, foi definido em uma mesa de debates como “transparente emocional” e “caçado em campo”. Aquele que deverá “superar as adversidades”, criando uma empatia com os brasileiros também “caçados” pela crise e desemprego...

A derrota brasileira, enquanto o mundo ria dos memes do Neymar que atravessou a Copa tecnicamente apagado, fez nesse momento a grande mídia disparar os dispositivos semióticos para salvar todo investimento linguístico e ideológico nesse rescaldo pós-derrota.



(1) O ritual de sacrifício do bode expiatório

O volante da Seleção, Fernandinho, foi escolhido como o bode expiatório da tragédia. “Fernandinho, como no 7X1, repete falhas em nova queda do Brasil”, estampa o jornal Folha de São paulo. No JN da Globo, “Lukaku passou como quis por Fernandinho” na origem do segundo gol da Bélgica. “Um dos vilões do 7 X 1, Fernandinho marca gol contra e decepciona mais uma vez”, fuzila o Estadão.

Vão-se os anéis, ficam os dedos... sacrifica-se o culpado e salva-se todo o investimento ideológico feito na seleção até aqui.

E o resultado previsível: açodado pela grande mídia no ritual de sacrifício, Fernandinho sofreu ataques racistas em redes sociais após a eliminação do Brasil. É o modus operandi midiático desses últimos tempos.


(2) Cadê o Tite?

Estranhamente nesse momento, os críticos de plantão da grande mídia sentem-se pisando em ovos com Tite. Afinal, ele parece criar um estranho efeito nos jornalistas: sempre tão solicito, didático e paciente nas coletivas, parece fazer os jornalistas se sentirem inteligentes.

Não há o costumeiro pelotão de fuzilamento e a escolha do técnico como o previsível culpado. Por exemplo, o comentarista PVC da Fox Sports fala de “erro de diagnóstico da comissão técnica”. Outros falam que o “Brasil demorou para entender a mudança tática da Bélgica”.

O nome Tite é substituído por “comissão técnica” e “Brasil”. Há de se salvar o investimento semiótico que os patrocinadores fizeram em Tite. E tudo que o técnico representa como garoto-propaganda do mérito-empreendedorismo que se enfia goela abaixo dos brasileiros na guerra híbrida.


(3) Cadê o Neymar?

Outro investimento semiótico que precisa ser poupado. Deixou a Arena Kazan sem falar com a imprensa após a eliminação contra a Bélgica. Aliás, só falou duas vezes com os jornalistas nessa Copa. Por muito menos, técnicos como Dunga foram execrados pela grande mídia (e principalmente a Globo) - para a costumeira autoindulgência jornalística, sempre foi um pecado capital.


Mas diante do alto investimento financeiro e ideológico em Neymar, até a autoindulgência da imprensa foi supreendentemente neutralizada. Enquanto , condescendente, o coordenador técnico Edu Gaspar declarou numa coletiva aos jornalistas: “Não é fácil ser Neymar...”.


4) Craques-commodities

Terminada as quartas de final, todas as seleções sul-americanas deixaram a Copa. Parece sintomático.

Sintoma da “commoditização” do futebol desse continente, reflexo da condição de nações sub-industrializadas reduzidas em exportadoras de commodities – exportar produtos primários de baixo grau de transformação para serem beneficiados lá fora. Modelo que favorece a própria banca financeira e mercado publicitário que patrocinam a Seleção.

De maneira análoga, o continente exporta jovens jogadores como simples commodities que serão transformados em craques nos clubes europeus, além de ganharem alto valor agregado em marketing, publicidade e mídia. Craques que jamais funcionarão nas seleções dos seus países de origem.

Craques-commodities serão sempre cronicamente disfuncionais nas suas seleções nacionais. E nas seleções sul-americanas essa realidade parece ser mais dramática.

Crônica: Terceiro Mundo, um trem para nada mais




por Pedro Marin, no blog do Nassif

Foi em um desses ominosos dias em que deveria me despedir. Peguei minha mochila, lhe dei um beijo e saí, com meu compadre, às 10 da noite. Não demorou muito até pararmos uma das vans que operam quase clandestinas em Guarulhos. Subimos nos bancos da frente. O motorista acelerava e costurava entre as vias e, às vezes, as calçadas, como se o mundo todo tivesse sido criado por Deus na forma de atalhos. Enquanto isso, tratávamos do cenário político e da crescente influência dos militares na política nacional.


O Comandante do Exército, General Villas Boas, havia tuitado em 3 de Abril, cerca de uma semana antes, que assegurava “à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.” A mensagem do General irrompeu no Jornal Nacional naquela noite, um dia antes do STF julgar o habeas-corpus de Lula.

De qualquer maneira, as ruas do bairro dos Pimentas que levam à estação de São Miguel Paulista passam por ao menos três das dezenas de favelas da região. Em uma dessas, a “Favela do Pantanal”, se empilham pequenas casas de madeirite, acima de um pequeno córrego (o “Pantanal”.)

Chegamos enfim a São Miguel, quarenta minutos depois. (A viagem usualmente leva uma hora de ônibus, mas a disposição dos motoristas para a velocidade são a razão pela qual a maior parte do povo prefere as vans semiclandestinas.)

Pego o trem. São 11 da noite.

Kreeeeeeen… A porta do vagão abre subitamente, e um mascate passa por ela, anunciando os chocolates que vende. Antes de chegar ao destino, ao menos mais quatro deles aparecerão vendendo seus produtos. São parte dos 34,2 milhões de brasileiros que agora trabalham informalmente, sem registro. De acordo com o IBGE, trata-se do maior número de trabalhadores sem carteira registrada na história, sendo essa a primeira vez em que o número daqueles que trabalham por conta própria superou o daqueles com trabalhos formais (33,3 milhões).

E então chego à estação do Brás. Essa é a principal conexão entre o sistema de trens, que cobre as periferias distantes de São Paulo, ao metrô. Há na estação quatro plataformas, e acima de cada uma delas há uma tela gigante; são quatro monstros luminosos que vendem tudo, de celulares a geladeiras, e alumiam as massas que ansiosamente esperam o próximo trem. Sendo um habitante do Terceiro Mundo, o leitor entenderá perfeitamente a estranheza de se viver sob as asas do progresso e do consumo, de um lado, e do subdesenvolvimento e pobreza do outro, como se fôssemos ovelhas admirando os telões, com sede de Coca-Cola apesar da água enlameada que bebemos, impressionados com a imponência estrutural dos shoppings aos finais de semana, mas acostumados à visão diária da arquitetura paleolítica das favelas. O novo (velho) controle ideológico, sob o qual as contradições do Mundo são profundamente escondidas estando à frente de nossos olhos, como se não pudesse haver perversidade em uma realidade tão aberta e transparente. As telas, o semiclandestino, as favelas, os trens, os vendedores: nada impressiona. Tudo é simplesmente como é. O clarão do anúncio evidencia a blusa costurada na Índia, mas é sob sua sombra que vivem os generais e os dados do IBGE.

A maior parte das pessoas, mesmo que vivam na Favela do Pantanal, mesmo que peguem estes trens, mesmo que neles vendam doces às 11 da noite, só verá o brilho atordoador das telas. Como o escritor mexicano Fabrizio Mejía escreveu: “a cultura dominante não se mantêm por ser melhor, mas por criar a ilusão de que não há nada mais.”

Pedro Marin, 22, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O fim do Império do North (?)



por Chris Hedges, no Thruthdig, com tradução para o vernáculo tupinambá pelo Coletivo Vila Vudu, blog do Alok


NOTA - observem que o autor se refere aos EUA como "nós", pois originalmente escreve para o público norte-americano, seus compatriotas.


O império norte-americano está chegando ao fim. A economia dos EUA está sendo drenado por infindáveis guerras no Oriente Médio e expansão militar superdistendida sobre o mundo. O império verga sob o peso de déficits crescentes, além dos efeitos devastadores desindustrialização e de acordos comerciais globais.

Nossa democracia foi capturada e destruída por empresas que só fazem exigir impostos cada vez menores, desregulação cada vez maior e impunidade ampla, geral e irrestrita para todos os tipos imagináveis de fraudes financeiras, tudo isso enquanto as mesmas empresas saqueiam trilhões do Tesouro dos EUA à guisa de 'resgates'.

A nação perdeu o poder e o respeito sem os quais já não consegue interessar aliados na Europa, na América Latina, na Ásia e na África para que abracem o 'projeto' norte-americano. Acrescente-se a isso a destruição crescente provocada pela mudança climática, e aí está a receita para uma distopia emergente.

Supervisionando esse desastre, nos mais altos cargos dos governos federal e estadual está uma coleção insuperável de imbecis, de artistas conservadores, de ladrões, oportunistas e generais belicistas. E, claro, para que não restem dúvidas: essa lista está cheia, sim, de Democratas.

O império continuará a capengar, perdendo influência sempre, até que o dólar seja abandonado como moeda mundial de reserva, o que lançará os EUA em depressão incapacitante e instantaneamente obrigará a fazer cortes massivos na máquina militar.

A menos que brote a revolta popular repentina e disseminada, o que nada sugere que esteja iminente, a espiral mortífera parece impossível de deter, o que significa que os EUA que conhecemos já não existirão dentro de dez anos, no máximo vinte. O vácuo global que deixamos será preenchido pela China, que já se estabelece como potência econômica e militar gigante, ou, talvez, surja um mundo multipolar partilhado entre países como Rússia, China, Índia, Brasil, Turquia, África do Sul e uns poucos outros. Ou talvez o vácuo seja preenchido, como escreve o historiador Alfred W. McCoy em seu livro In the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of US Global Power, por "uma coalizão de empresas transnacionais, forças militares multilaterais como a OTAN e uma liderança financeira internacional autoselecionada em Davos e Bilderberg", a qual "forjará um nexo supranacional que se imporá sobre quaisquer nações ou impérios."

Seja qual for o parâmetro, do crescimento financeiro e investimento em infraestrutura a alta tecnologia, inclusive dos supercomputadores, armas espaciais e ciberguerra, em todos esses campos os chineses já superaram os EUA, ou superarão em breve. "Em abril de 2015 o Departamento de Agricultura dos EUA sugeriu que a economia dos EUA cresceria perto de 50% nos 15 anos seguintes, e que a China, em 2030, teria triplicado e estaria bem perto de ultrapassar os EUA" – lembrou McCoy. Em 2010 a China tornou-se a segunda maior economia do mundo, no mesmo ano tornou-se a primeira nação em manufatura, deslocando do posto os EUA, que dominaram a manufatura no planeta durante um século.

O Departamento da Defesa lançou relatório sóbrio, intitulado "At Our Own Peril: DoD Risk Assessment in a Post-Primacy World" [Por nossa conta e risco: Departamento de Defesa avalia riscos num mundo pós-primazia dos EUA]. Segundo esse relatório, os militares norte-americanos "já não estão em posição inalcançável, na relação com outros competidores estatais," e "já não podem (...) gerar automaticamente superioridade militar local consistente e sustentável de longo alcance." McCoy prevê que o colapso chegará por volta de 2030.

Impérios em decadência abraçam o que se pode descrever como suicídio disfarçado. Cegados pela própria húbris e incapazes de lidar com a realidade do evanescimento do próprio poder, recolhem-se a um mundo de fantasia onde não entra nenhum fato duro ou desagradável. Substituem diplomacia, multilateralismo e política por ameaças unilaterais e o grosseiro argumento da guerra.

Esse autoengano coletivo deixou passar sem protestar quando os EUA cometeram o maior tropeço estratégico de sua história, que foi como o golpe de misericórdia que matou o império – a invasão do Afeganistão e do Iraque. Os arquitetos da guerra na Casa Branca de George W. Bush e a seleta de idiotas úteis na imprensa e na academia que lhe serviam de líderes de torcida sabiam bem pouco sobre os países que invadiam, foram inacreditavelmente crédulos e ingênuos quanto aos efeitos da guerra industrial e foram completamente ludibriados pelo feroz revide que viria e veio. Declararam, e provavelmente acreditavam que fosse verdade, que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, embora não houvesse qualquer prova. Insistiram que a democracia seria implantada em Bagdá e dali se espalharia pelo Oriente Médio. Garantiram aos cidadãos que os soldados dos EUA seriam saudados como libertadores, por iraquianos e afegãos agradecidos. Prometeram que a renda do petróleo cobriria os custos da reconstrução, insistiram que o ataque militar duro e direto – "choque e pavor" – restauraria a hegemonia dos EUA na região a dominação no mundo. Foi o oposto disso. Como Zbigniew Brzezinski viu, essa "guerra unilateral de escolha contra o Iraque precipitou uma muito disseminada deslegitimação da política externa dos EUA."

Historiadores de impérios chamam a esses fiascos militares, traço sempre presente no período final dos impérios, de exemplos de "micromilitarismo". Os atenienses envolveram-se em micromilitarismo durante a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), invadiram a Sicília, perderam 200 navios e milhares de soldados e dispararam revoltas por todo o império. A Grã-Bretanha fez o mesmo em 1956 quando atacou o Egito num disputa pela nacionalização do Canal de Suez e rapidamente teve de bater em retirada, humilhada, o que empoderou uma sequência de líderes nacionalistas árabes como Gamal Abdel Nasser do Egito, e condenando à extinção o mando dos britânicos sobre as poucas colônias que lhes restavam. Nenhum desses impérios jamais se recobrou.

"Se impérios em ascensão são frequentemente judiciosos, até racionais, no uso que dão às forças armadas para conquistar e controlar domínios distantes, impérios decadentes apresentam a tendência a dar shows de poder, sonhando com duros golpes de mestre militares que de algum modo lhes devolveriam prestígio e poder" – McCoy escreve. "Frequentemente irracionais, mesmo de um ponto de vista militar, essas operações micromilitares podem gerar a gastos hemorrágicos ou a derrotas humilhantes que só aceleram a decadência já em curso."

Impérios precisam de mais do que força para dominar outras nações. Precisam de uma mística. Essa mística – uma máscara para o saque, a repressão e a exploração – seduz algumas elites nativas, que passam a se dispor a fazer o jogo da potência imperial ou, pelo menos, permanecem passivas. E garantem a pátina de civilidade e até mesmo de nobreza para justificar em casa o quanto manter o império custa em sangue e em dinheiro.

O sistema parlamentar de governo que a Grã-Bretanha replicou, na aparência, nas colônias, e a introdução de esportes bretões como polo, críquete e corridas de cavalos, além de vice-reis elaboradamente fardados e a pompa da realeza, alicerçavam-se no que os colonialistas diziam que seria a invencibilidade da marinha e do exército deles mesmos. A Inglaterra conseguiu manter coeso seu império entre 1815 e 1914, antes de ser forçada à retirada. A ruidosa retórica dos EUA sobre democracia, liberdade e igualdade, com muito basquetebol, beisebol e Hollywood, além da deificação que fazemos dos militares, hipnotizou e arrastou grande parte do mundo, como um só rebanho, no alvorecer da 2ª Guerra Mundial. Por trás das cortinas, claro, a CIA usava seu saco de truques sujos para orquestrar golpes, manipular urnas, assassinar líderes, em campanhas de propaganda, suborno, chantagem, intimidação e tortura. Nada disso funciona hoje.

Sem mística, todo o processo engripa. Passa a ser difícil encontrar subalternos absolutamente servis para administrar o império – como vimos acontecer no Iraque e no Afeganistão. Fotografias de abusos físicos e de humilhação sexual impostos a prisioneiro árabes em Abu Ghraib incendiaram o mundo muçulmano e o processo de alistar recrutas para a al-Qaida, depois para o Estado Islâmico. O assassinato de Osama bin Laden e de muitos outros líderes jihadistas, inclusive de pelo menos um cidadão norte-americano, Anwar al-Awlaki, abertamente zombou do conceito de Estado de Direito. As centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados que fogem de nossas guerras no Oriente Médio, além da ameaça constante dos drones militarizados, expuseram os EUA como estado terrorista. No Oriente Médio, os militares dos EUA exercitaram uma tendência a praticar atrocidades em grande escala, a violência indiscriminada, mentiras, erros escandalosos, ações já haviam levado à derrota dos norte-americanos no Vietnã.

A brutalidade longe de casa equivale à crescente brutalidade em casa. Policiais da polícia militarizada matam a tiros norte-americanos negros pobres quase sempre desarmados, e assim enchem um sistema de cadeias e penitenciárias onde semivivem inacreditáveis 25% do total de prisioneiros que há no mundo, embora a população dos EUA não ultrapasse 5% da população mundial. Incontáveis cidades dos EUA estão em ruína. O sistema de transporte público está em pedaços. Nosso sistema educacional está em declínio agudo, para ser privatizado. A dependência de opiáceos, o suicídio, os massacres de massa por atiradores locais, a depressão e a obesidade mórbida são pragas que acometem uma população já lançada no mais profundo desespero.

A desilusão profunda e a ira que levaram à eleição de Donald Trump – uma reação contra o golpe de estado feito pelas empresas contra a nação, e a miséria que aflige pelo menos metade do país – destruíram o mito de uma democracia em funcionamento. Tuítos e a própria retórica do presidente celebram o ódio, o racismo, a intolerância e ameaçam os fracos e vulneráveis.

Em discurso da tribuna da ONU, o presidente ameaçou varrer outra nação da face da Terra em ato de genocídio. Em todo o mundo os EUA somos objeto de ódio e ridicularizados. O que o futuro reserva aos norte-americanos já está aparecendo numa onda de filmes distópicos, que já nem tentam propagandear a virtude norte-americana ou o excepcionalismo ou o mito do progresso da humanidade.

"O descarte final dos EUA como potência global dominante pode vir muito mais depressa do que se imagina" – escreveu McCoy. "Apesar da aura de onipotência que com frequência os impérios projetam, muitos deles são supreendentemente frágeis, sem sequer a força inerente com que podem contar até os estados-nação mais humildes. Na verdade, rápido olha à história dos impérios deve nos obrigar a ver que até o maior deles é suscetível de fracassar e colapsar por causas diversas, sendo as pressões fiscais quase sempre um fator essencial. Pela melhor parte de dois séculos, a segurança e a prosperidade da própria pátria foi o principal objetivo da maioria dos estados estáveis, o que fazia da aventuras estrangeiras e imperiais opção descartável, à qual se reservavam nunca mais de 5% do orçamento doméstico. Sem a riqueza que cresce quase organicamente dentro de uma nação soberana, os impérios são predadores afamados em sua ânsia incansável por saque ou lucro – como o demonstra o tráfico de escravos no Atlântico, a febre belga da borracha no Congo, o tráfico do ópio na Índia Britânica, o estupro da Europa pelo Terceiro Reich."

Quando os ganhos encolhem ou colapsam, diz McCoy, "os impérios tornam-se quebradiços."

"Sua ecologia do poder é tão delicada que, quando as coisas começam a ir realmente mal, os impérios desmoronam com velocidade de profanação: em Portugal, apenas um ano; dois anos, para a União Soviética; oito anos para a França; 11 anos para os otomanos; 17 anos para a Grã-Bretanha e, como tudo sugere fortemente, apenas 27 anos para os EUA, contados daquele ano crucial de 2003 [quando os EUA invadiram o Iraque]" – escreve ele.

Muitos dos cerca de 70 impérios que o mundo conheceu ao longo da história padeceram a falta de liderança competente nos anos do declínio final, e cederam o poder a monstruosidades como os imperadores Calígula e Nero, romanos, por exemplo. Nos EUA, as rédeas da autoridade podem já ter caído nas mãos de um, numa linha de demagogos depravados.

"Para a maioria dos norte-americanos, os anos 2020s serão lembrados, muito provavelmente, como década de desmoralização, com preços subindo, salários estagnados e competitividade internacional desaparecendo" – McCoy escreve. A fim do dólar como moeda global de reserva tornará os EUA incapazes de pagar pelos seus déficits monstros com a venda de papéis do Tesouro –, os quais, àquela altura, já estarão drasticamente desvalorizados. Os preços dos importados subirão massivamente. O desemprego explodirá. Os confrontos domésticos em torno do que McCoy chama de "questões sem substância" alimentará um perigoso hipernacionalismo reacionário que pode facilmente se converter num fascismo norte-americano.

Uma elite desacreditada, desconfiada, mesmo paranoica em tempos de declínio, verá inimigos em todos os cantos. O conjunto de instrumentos criados para a dominação global – vigilância por todos os lados, a evisceração das liberdades civis, técnicas sofisticadas de tortura, polícia militarizada, sistema prisional massivo, milhares de drones e satélites militarizados – serão empregados dentro de casa. O império colapsará e a nação se autoconsumirá, ainda no tempo que nossa geração tem para viver, se não arrancarmos o poder das garras dos que comandam o estado dos financistas e empresários.*****

Ambientalismo: da contracultura à corporação





excerto adaptado do texto de Wilson Roberto Vieira Ferreira, no Cinema secreto/Cinegnose


O movimento ambientalista contemporâneo emerge como tendência influente no pós-guerra, principalmente na Europa e América com o surgimento dos movimentos contraculturais - hippie, Flower Power e toda ideologia californiana que idealizava uma associação entre alta tecnologia industrial com a vida rústica integrada à Natureza. Contestavam o modelo de civilização em vigor. Alguns de inspiração marxista acreditavam que o problema estava no modo de produção capitalista, onde a ganância do Capital produzia desperdício e destruição.

A vigorosa emergência do movimento pegou na época os sociólogos de surpresa. Mas a resposta foi rápida com o surgimento do chamado Clube de Roma (fundado em 1968 por acadêmicos, cientistas, diplomatas e empresários) que em 1972 publica o relatório Os Limites do Crescimento, elaborado pela equipe do MIT – Massachussetts Institute of Technology. Nessa publicação está a origem de toda a atual agenda corporativa sobre o meio ambiente com temas que seriam cruciais para a humanidade tais como energia, poluição, tecnologia, saúde e crescimento populacional.


Clube de Roma em 1972: a mudança do enfoque ambiental da contracultura


Há uma reviravolta em relação à crítica ambientalista da contracultura: se lá o problema estava no modo de produção e nas relações sociais de trabalho (e, portanto, a causa ambiental estaria associada a questões mais amplas como direitos humanos, liberdade, desenvolvimento equitativo etc.), a partir do Clube de Roma a questão se desloca da sociedade para exclusivamente a Natureza, abordada como dotada de recursos finitos e escassos. Portanto, o problema estaria na irracionalidade humana em não saber disso e insistir no crescimento industrial e populacional. O culpado é o homem, pensado como um ser genérico, abstrato, sem definir classe social ou nacionalidade.

Dessa maneira, o discurso ambientalista do Clube de Roma cai como uma luva para uma economia mundial que, a partir do fim do Acordo de Bretton Woods iniciada com a moratória disfarçada da dívida dos EUA em 1971 feita pelo presidente Nixon, o dólar desatrelou do lastro ouro, impulsionando a liquidez e a financeirização em escala global. As altas finanças e a elite rentista passam a determinar o ritmo econômico. O crescimento industrial torna-se pouco atraente numa economia global marcada pela especulação e fluidez. Aquecimento econômico e pleno emprego são tudo que essa elite mais teme. Por isso, ela cria freios estruturais como os juros altos e a chantagem da inflação, caso a economia aqueça.

Cria-se uma espécie de economia negativa onde a produção de riqueza se desatrela do lastro produtivo. A financeirização e a liquidez tornam-se uma camisa de força para as forças produtivas da sociedade (como diria Marx, o trabalho morto domina o vivo), pois a criação do dinheiro-crédito é uma nova forma de poder (virtualmente infinita) pela capacidade do sistema financeiro criar crédito e riqueza sobre o nada.


Água escassa vira mercadoria

Mas o decisivo para a nova ordem econômica é a concepção dos recursos naturais como bens escassos. Se eles estão acabando, seja pelas mudanças climáticas, seja porque o planeta é pequeno demais para as ambições humanas, passam a serem bens altamente estimados e valorizados. A escassez é o pressuposto econômico no capitalismo para a transformação de qualquer coisa em mercadoria.

Assim como no neoliberalismo, o hiperliberalismo acredita que o mercado é a única instância que sincronizaria de forma racional a oferta e a demanda. A diferença, é que no hiperliberalismo essa mercantilização generalizada é agora inscrita na Natureza. Em outras palavras, a escassez dos recursos naturais é a justificativa “orgânica” para a ordem mercantil, com o apoio do discurso ambientalista corporativo.

Por isso, não são surpreendentes notícias de que ONGs ambientalistas como o Greenpeace tenham o apoio financeiro de grandes empresas petrolíferas, Fundação Rockfeller e mercado de energia elétrica – sobre isso clique aqui.

Um exemplo dessa convergência entre mercado e ambientalismo são os créditos de carbono (sistema de compensação onde empresas que não tenham conseguido diminuir a emissão de gases podem comprar créditos de terceiros que fizeram tais ações) negociados em bolsas de valores, leilões etc., criticados por mais favorecer o mercado financeiro do que o meio ambiente – sobre isso clique aqui.

Na medida em que o hiperliberalismo coloca o mercado como a única instância onde supostamente se equalizaria racionalmente os recursos naturais escassos, estes deixam de ter o controle público por meio das pressões pela privatização.

Por isso, uma poderosa engenharia de opinião pública está em ação nesse momento. Assim como hoje achamos natural pagar pela energia elétrica transmitida por fios, depois que o banqueiro JP Morgan e a empresa Westinghouse levaram o físico Nikola Tesla à ruína no início do século XX, depois que descobriram que ela havia encontrado a transmissão livre de energia, abundante no planeta (sobre isso clique aqui); e assim como achamos natural trocar lâmpadas que queimam, depois que o cartel de lâmpadas dos EUA institucionalizou a obsolescência planejada, da mesma forma a estética e o discurso da escassez do hiperliberalismo fará acharmos natural pagar pela água como uma mercadoria qualquer cotada pelo mercado.

Se o neoliberalismo foi a ideologia do capitalismo industrial na sua fase tardia, o hiperliberalismo é a ideologia da elite financeira e rentista. A Esquerda critica os 20 anos de governos do PSDB no Estado de São Paulo de incompetentes pela má gestão citando os exemplos da crise hídrica (nota aqui do blogo botocudo - a de 2014, porcamente gerida pela Sabesp), a quebra financeira da USP etc. Pelo contrário: eles estão aplicando rigidamente e com precisão a agenda do hiperliberalismo imposto pela elite financeira como, por exemplo, os bancos internacionais de desenvolvimento – tornar escasso todos os bens tidos como universais (a educação, a água, a energia e, no futuro, até o ar) para submetê-los à regulação do mercado.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Para registro: A trampa do 11 de setembro



por Gustavo Gollo, no blog do Nassif


As evidências mais óbvias da tramoia surgem quando se atenta para a demolição da torre 7, a terceira a desmoronar naquele dia. À primeira vista, os choques dos aviões poderiam justificar a derrubada das outras duas torres, mas a terceira teria que ter caído em decorrência de um incêndio, fato inédito, inverossímil ante a informação de que a temperatura dos fogos de incêndios não é suficiente para derreter o aço.

A terceira torre foi implodida, conforme evidenciam a simetria e velocidade de sua queda, as explosões laterais vistas nos vídeos, antecedendo a queda, e os relatos de explosões sucessivas antecedendo imediatamente a implosão. O comentário do dono da torre, o mesmo que veio a receber bilhões de dólares pelo seguro do prédio, dizendo ter implodido a torre, e o cheiro de termite, substância capaz de derreter o aço, relatado por testemunhas, reforçam essa convicção.

A informação técnica adicional de que os aviões não são capazes de derrubar as torres, somadas às mesmas considerações anteriores sobre a possibilidade de incêndios as demolirem, confirma o fato da implosão das 3 torres.

O míssil sobre o pentágono, e não um avião, como relatado na farsa, configura o crime de ódio. Foram assassinados ali os que se opuseram à atrocidade.

O teatro armado consistiu cenário perfeito para a consecução de múltiplos assassinatos, todos eles encobertos por uma única farsa. A demonstração de poder resultante dessa chacina seria suficiente para calar até os mais ferrenhos oponentes da farsa. Pessoas muito poderosas foram eliminadas, 184 delas sucumbiram no pentágono. Outras tantas desapareceram, simplesmente (40% dos corpos não foram identificados).

Existem inúmeras evidências da farsa, quem assistir aos vídeos com o intuito de desvendar os fatos chegará às mesmas conclusões. Assistindo aos vídeos, tenha em mente que a expressão mágica “teoria da conspiração” tem o poder de transformar mentiras oficiais em dogmas. Basta associar tal rótulo a uma mentira descarada para torná-la inatacável.

O gênio do mal que arquitetou essa hecatombe bem poderia ser alcunhado “Coringa”, por seu senso de humor bizarro.

A grande lição desse episódio macabro é a constatação de estarmos vivendo sob o domínio de tais criaturas.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A afronta da China e Rússia ao dólar



F. William Engdahl, New Eastern Outlook  - tradução Vila Vudu - publicado no ótimo blog do Alok


Pouco depois do fim da 2ª Guerra Mundial, o governo dos EUA, aconselhado pelos grandes bancos internacionais de Wall Street, projetou o que muitos interpretam erradamente como um novo padrão ouro. Na verdade, foi um padrão dólar, no qual todas as demais moedas dos países do Fundo Monetário Internacional fixaram o valor das respectivas moedas em relação ao dólar. Em troca, o dólar dos EUA foi ancorado ao ouro, num valor igual ao de 1/35 de uma onça de ouro. Ao mesmo tempo, Washington e Wall Street puderam impor um sistema pelo qual o Federal Reserve ficava com cerca de 75% de todo o ouro monetário mundial, como consequência da guerra e desenvolvimentos a ela relacionados. Bretton Woods estabeleceu o dólar, o qual então se tornou a moeda de reserva do comércio mundial, dos bancos centrais.


Agonia final de um padrão dólar defeituoso 

Pelo fim dos anos 1960s, com os déficits crescentes no orçamento dos EUA por causa dos custos da Guerra do Vietnã e outros gastos igualmente alucinados, o padrão dólar começou a deixar ver suas profundas falhas estruturais. A Europa Ocidental e o Japão recuperados já não precisavam de bilhões de dólares dos EUA para financiar reconstruções. A Alemanha e o Japão haviam-se tornado economias de exportação de classe mundial com mais alta eficiência que a manufatura norte-americana, por efeito da obsolescência crescente da indústria básica dos EUA, do aço a automóveis, e da infraestrutura básica. Washington então deveria ter desvalorizado significativamente o dólar frente ao ouro, para corrigir o crescente desequilíbrio no comércio mundial. Essa desvalorização do dólar teria estimulado os ganhos de exportação dos EUA e reduzido os desequilíbrios comerciais. Teria sido verdadeiro alento para a economia real dos EUA.

Mas para os bancos dos EUA o mesmo passo teria levado a grandes perdas. Então, em vez de fazer o que era dever deles, os governos Johnson e depois Nixon imprimiram mais dólares e, efeito disso, exportaram inflação para o mundo.

Os bancos centrais, especialmente da França e da Alemanha, reagiram à surdez de Washington exigindo o ouro do Fed dos EUA das reservas norte-americanas a $35 por onça do acordo de Bretton Woods de 1944. Em agosto de 1971, a troca de ouro por dólares norte-americanos inflados alcançou ponto crítico, e Nixon foi aconselhado por Paul Volcker, alto funcionário do Tesouro, a pôr abaixo o sistema de Bretton Woods.

Em 1973, Washington permitia o livre comércio do ouro, que já não era o lastro firme do dólar norte-americano. Em vez disso, um choque artificial do preço do petróleo em outubro 1973, que em meses elevou em mais de 400% o preço do petróleo, criou o que Henry Kissinger chamou então de "petrodólar".

O mundo precisava de petróleo para a economia. Washington, em negócio de 1975 com a monarquia saudita, determinou que a OPEP Árabe não vendesse sequer uma gota de seu petróleo ao mundo, se não em dólares norte-americanos. O valor do dólar subiu às alturas contra outras moedas como o marco alemão ou o yen japonês. Os bancos de Wall Street encheram as burras com depósitos em petrodólares. O cassino do dólar estava aberto e operando, e o resto do mundo estava sendo tungado por ele.

Em meu livro Gods of Money: Wall Street and the Death of the American Century [Deuses do Dinheiro: Wall Street e a Morte do Século Norte-americano], narro em detalhes o modo como grandes bancos internacionais em New York, como Chase, Citibank e Banco da América usaram petrodólares naquele momento para reciclar os lucros árabes da importação de petróleo pelos países em desenvolvimento durante os anos 1970s, lançando as sementes da chamada "Crise da Dívida do Terceiro Mundo". Curiosamente, foi o mesmo Paul Volcker, protegido de David Rockefeller e do Banco Chase Manhattan de Rockefeller, naquele momento, em outubro de 1979 era presidente do Federal Reserve, quem disparou a crise da dívida dos anos 1980s empurrando para a estratosfera as taxas de juros do Fed. Volcker disse que a operação visava a conter a inflação. Era mentira. A operação visava a salvar o dólar e os bancos de Wall Street.

Hoje, o dólar é fenômeno estranhíssimo, para dizer o mínimo. A partir de 1971, os EUA foram, de principal nação industrial do planeta, a casino de especulação gigante, movido a dívida.

Com as taxas de juros dos Fundos Fed entre zero e 1% durante os últimos nove anos – evento sem precedentes na história moderna – os grandes bancos de Wall Street, os mesmos cujos crimes financeiros e ganância assassina criaram a crise dos "subprimes" de 2007 e seu tsunami financeiro global de 2008, decidiram construir uma nova bolha especulativa.

Em vez de emprestar para cidades já intoxicadas de dívidas para infraestrutura urgentemente necessária ou outras vias produtivas da economia real, aqueles bancos criaram outra bolha colossal no mercado de ações. Grandes empresas usaram crédito barato para recomprar suas próprias ações, o que fez subir alucinadamente o preço das ações nas bolsas de valores, aumento alimentado por boatos e mitos sobre uma "recuperação da economia". O índice de ações das S&P-500 subiu 320% a partir do fim de 2008. Um fato é certo: o aumento daquelas ações não aconteceu 'porque' a economia dos EUA tivesse crescido 320%!...

Os lares norte-americanos ganham menos, em termos reais, de ano para ano, há décadas. Desde 1988 a renda doméstica média manteve-se estável, com inflação sempre crescente e renda real sempre decrescente. As famílias têm de emprestar mais e do que jamais antes em toda a história. A dívida do governo federal alcança inimagináveis $20 trilhões, sem fim à vista. A indústria norte-americana foi fechada e a produção 'exportada', mandada para fora, "deslocalizada" [ing.outsourced] é o eufemismo da hora. Deixada nos EUA, fica uma dívida monstro e uma apodrecida "economia de serviços", na qual milhões trabalham em dois, três empregos de período parcial, só para se manter à tona.

O único fator que mantém o dólar a salvo do colapso total são os militares e uma infinidade de falsas ONGs que os norte-americanos espalham pelo mundo, com a tarefa de facilitarem o saque da economia global.

Enquanto os truques sujos de Washington e as maquinações de Wall Street conseguiram criar crises das dimensões do que se viu na Eurozona em 2010, na qual a Grécia foi sacrificada, países com superávit comercial como China, Japão e depois a Rússia não tiveram alternativa que não fosse comprar mais e mais dívida do governo dos EUA – seguros do Tesouro –, usando com o grosso de seus respectivos superávits comerciais em dólares. Washington e Wall Street sorriram. Podiam imprimir quantidades infinitas de dólares lastreados em nada mais valioso que jatos F-16s e tanques Abrams. Comprando a dívida norte-americana, China, Rússia e outros países detentores de ações em dólares financiaram, na verdade, as guerras que os EUA fizeram contra aqueles mesmos países. Naquele momento, simplesmente não tinham alternativas viáveis.


Surge a alternativa viável 

Agora, por ironia, duas das economias estrangeiras que garantiram ao dólar sobrevida artificial além de 1989 – Rússia e China – está cuidadosamente expondo essa mais temida alternativa, uma moeda internacional viável, com lastro em ouro e potencialmente várias moedas similares que podem deslocar o papel injustamente hegemônico que o dólar tem hoje.

Já há vários anos, ambas, a Federação Russa e a República Popular da China vêm comprando enormes quantias de ouro, em grande parte para acrescentar às moedas de reserva dos respectivos bancos centrais as quais sem isso seriam tipicamente dólar ou euro. Até recentemente, ainda não era muito claro porque os dois países faziam o que faziam.

Durante vários anos soube-se nos mercados de ouro que os maiores compradores de ouro físico eram os bancos centrais de China e Rússia. Mas não se via com clareza a profundidade da estratégia que houvesse por trás de simplesmente construir confiança nas moedas, em tempo de sanções econômicas e palavras belicosas emitidas por Washington, de guerra comercial.

Agora tudo já aparece claramente.

China e Rússia, acompanhadas provavelmente por seus principais parceiros comerciais nos RICS (Rússia, Índia, China, África do Sul)*, e também pelos países seus parceiros eurasianos da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) estão bem próximas de completar a arquitetura funcional de uma nova alternativa monetária a um mundo do dólar.

Atualmente, além dos membros fundadores China e Rússia, são membros plenos da OCX o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão, o Uzbequistão e, mais recentemente, Índia e Paquistão. É população total de mais de 3 bilhões de pessoas, cerca de 42% da população do planeta, reunidas em cooperação econômica e política planificada e pacífica.

Se se acrescentam aos já membros da OCX também os países em posição de Observadores Oficiais – Afeganistão, Belarus, Irã e Mongólia, estados com desejo já manifesto de unir-se formalmente como membros plenos, basta examinar o mapa mundial para ver o impressionante potencial da emergente OCX. Turquia é Parceira de Diálogo formal, considerando a possibilidade de integrar-se à OCX, bem como o Sri Lanka, a Armênia, o Azerbaijão, o Cambodia e o Nepal. Dito em termos simples, é organização gigantesca.


"Iniciativa Cinturão e Estrada" e Rota da Seda com lastro ouro 


Até recentemente, os think-tanks de Washington e do governo dos EUA menosprezaram instituições eurasianas emergentes como a OCX. Diferente dos RICS, que não é grupo de países contínuos em vasta massa terrestre, o grupo da OCX forma uma entidade geográfica contínua chamada Eurásia. Quando o presidente chinês Xi Jinping propôs a criação do que foi então chamado de Nova Rota da Seda Econômica, em reunião no Cazaquistão em 2013, pouco no ocidente levaram a sério a proposição. Hoje, o nome oficial é Iniciativa Cinturão, Estrada (ICE). E hoje o mundo já começa a levar muito a sério o objetivo da ICE.

Claro que a diplomacia econômica da China, como da Rússia e de seu grupo de países da União Econômica Eurasiana, tem muito a ver com construir ferrovias para trens de alta velocidade, portos, infraestrutura de energia e vasto novo mercado o qual, em menos de uma década ao ritmo em que está andando, já terá ofuscado qualquer potencial econômico que ainda reste aos países arqueados sob dívidas gigantes e estagnados da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, OCED, da União Europeia e da América do Norte.

Até agora, embora vitalmente necessária, ainda não era clara alguma estratégia para libertar do dólar as nações da Eurásia, libertando-as também de crescente vulnerabilidade a sanções pelo Tesouro dos EUA e da guerra financeira baseada naquela dependência do dólar. Isso, precisamente é o que está começando a surgir.

Na reunião de cúpula dos RICS dia 5 de setembro em Xiamen, China, o presidente Putin da Rússia enunciou em termos simples e muito claros a visão russa do mundo econômico atual. Disse ele:


"A Rússia partilha as preocupações dos países RICS relacionadas à arquitetura econômica e financeira mundial, injusta e desigual, que não dá a consideração devida ao peso das economias emergentes. Estamos prontos a trabalhar com nossos parceiros para promover reformas na regulação financeira internacional, para superar a dominação excessiva do número limitado de moedas de reserva."


Que eu saiba, o presidente Putin jamais foi tão perfeitamente claro sobre moedas. Ponha-se essa fala no contexto da recente arquitetura financeira que Pequim revelou, e é claro que o mundo está bem próximo de gozar de novos graus de liberdade econômica.


Futuros de petróleo em yuan chineses


Segundo artigo publicado na revista asiática Japan Nikkei, a China está perto de lançar um contrato futuro de petróleo denominado em yuan chineses que poderá ser convertido em ouro. Isso, se combinado com outros movimentos da China ao longo dos dois últimos anos, para tornar viável uma alternativa a Londres e New York, para Xangai, torna-se realmente interessante.

China é o maior importador de petróleo do mundo, a vasta maioria de cujos negócios ainda são pagos em dólares norte-americanos. Se o novo contrato futuro de petróleo for amplamente aceito, poderá tornar-se o mais importante referencial para petróleo com base na Ásia, uma vez que a China é o maior importador de petróleo do mundo. Esse movimento desafiaria os dois contratos de petróleo dominados por Wall Street, o Brent do Mar do Norte e os futuros de West Texas Intermediate, os quais até agora deram imensas vantagens ocultas a Wall Street.

Com isso a China e seus parceiros eliminariam um dos grandes meios para manipulação, incluindo muito especialmente a Rússia. A introdução de contratos futuros de petróleo negociados em Xangai em yuan, recentemente incluídos na cesta de seletas moedas SDR do FMI, os futuros de petróleo, especialmente quando possam ser convertidos em ouro, podem mudar dramaticamente o equilíbrio geopolítico do poder, desviando-o, do mundo Atlântico, para a Eurásia.

Em abril de 2016, a China completou grande movimento para se tornar novo centro do câmbio de ouro e centro mundial do comércio do ouro físico. A China é hoje a maior produtora mundial de ouro, muito à frente da África do Sul, com a Rússia em segundo lugar.

A China já estabeleceu grande centro de armazenamento na Zona Franca de Qianhai na China, próxima de Shenzhen, cidade de cerca de 18 milhões de habitantes ao norte, próxima de Hong Kong, no Delta do Rio Pérola. Agora a China está completando a construção de um prédio-cofre para ouro, incluindo armazém, bolsa para negociações e escritórios para áreas relacionadas. A Sociedade Chinesa de Câmbio de Ouro e Prata, existente há 105 anos e com sede em Hong Kong está num projeto conjunto com o banco ICBC, o maior banco estatal chinês e maior banco de importação de ouro, para criar o Qianhai Centro de Armazenamento. Começa a ficar perfeitamente claro o motivo pelo qual as falsas ONGs a serviço de Washington, como a National Endowment for Democracy tanto tentou, sem sucesso, criar uma Revolução Colorida anti-Pequim, a "Revolução Guarda-Chuva", em Hong Kong, no final de 2014.

Agora, somando-se aos novos contratos futuros de petróleo negociados na China em yuan, com o lastro em ouro, levará a mudança dramática nos países que são membros chaves da OPEP, mesmo no Oriente Médio. Claro que preferirão o yuan lastreado em ouro, em vez dos dólares norte-americanos hiper inflados, que carregam grave risco geopolítico, como o Qatar aprendeu, depois da visita de Trump a Riad, há alguns meses. Importante, a gigante estatal russa Rosneft acaba de anunciar que a estatal chinesa do petróleo, CEFC China Energy Company Ltd., acaba de comprar a participação de 14% que o Qatar tinha na Rosneft. Tudo começa a se encaixar, numa estratégia muito coerente.

O império do dólar está em dolorosa agonia, e seus patriarcas entraram em processo de negar a realidade, processo também conhecido como "governo Trump". Enquanto isso, os elementos mais sãos desse planeta estão bem próximos de montar alternativas construtivas e pacíficas. Estão dispostos até a acolher Washington em seu grupo, sob regras justas. Muita generosidade não é mesmo?!...




* Desde o golpe, o Brasil deixou de contar como parceiro comercial de quem quer que seja, porque voltou à condição degradada de estado-vassalo dos EUA. Por isso, doravante, não mais falaremos de BRICS, que já não existem, mas só de RICS, sem Brasil [NTs].