excerto adaptado do texto de Wilson Roberto Vieira Ferreira, no Cinema secreto/Cinegnose
O movimento ambientalista contemporâneo emerge como tendência influente no pós-guerra, principalmente na Europa e América com o surgimento dos movimentos contraculturais - hippie, Flower Power e toda ideologia californiana que idealizava uma associação entre alta tecnologia industrial com a vida rústica integrada à Natureza. Contestavam o modelo de civilização em vigor. Alguns de inspiração marxista acreditavam que o problema estava no modo de produção capitalista, onde a ganância do Capital produzia desperdício e destruição.
A vigorosa emergência do movimento pegou na época os sociólogos de surpresa. Mas a resposta foi rápida com o surgimento do chamado Clube de Roma (fundado em 1968 por acadêmicos, cientistas, diplomatas e empresários) que em 1972 publica o relatório Os Limites do Crescimento, elaborado pela equipe do MIT – Massachussetts Institute of Technology. Nessa publicação está a origem de toda a atual agenda corporativa sobre o meio ambiente com temas que seriam cruciais para a humanidade tais como energia, poluição, tecnologia, saúde e crescimento populacional.
Clube de Roma em 1972: a mudança do enfoque ambiental da contracultura
Há uma reviravolta em relação à crítica ambientalista da contracultura: se lá o problema estava no modo de produção e nas relações sociais de trabalho (e, portanto, a causa ambiental estaria associada a questões mais amplas como direitos humanos, liberdade, desenvolvimento equitativo etc.), a partir do Clube de Roma a questão se desloca da sociedade para exclusivamente a Natureza, abordada como dotada de recursos finitos e escassos. Portanto, o problema estaria na irracionalidade humana em não saber disso e insistir no crescimento industrial e populacional. O culpado é o homem, pensado como um ser genérico, abstrato, sem definir classe social ou nacionalidade.
Dessa maneira, o discurso ambientalista do Clube de Roma cai como uma luva para uma economia mundial que, a partir do fim do Acordo de Bretton Woods iniciada com a moratória disfarçada da dívida dos EUA em 1971 feita pelo presidente Nixon, o dólar desatrelou do lastro ouro, impulsionando a liquidez e a financeirização em escala global. As altas finanças e a elite rentista passam a determinar o ritmo econômico. O crescimento industrial torna-se pouco atraente numa economia global marcada pela especulação e fluidez. Aquecimento econômico e pleno emprego são tudo que essa elite mais teme. Por isso, ela cria freios estruturais como os juros altos e a chantagem da inflação, caso a economia aqueça.
Cria-se uma espécie de economia negativa onde a produção de riqueza se desatrela do lastro produtivo. A financeirização e a liquidez tornam-se uma camisa de força para as forças produtivas da sociedade (como diria Marx, o trabalho morto domina o vivo), pois a criação do dinheiro-crédito é uma nova forma de poder (virtualmente infinita) pela capacidade do sistema financeiro criar crédito e riqueza sobre o nada.
Água escassa vira mercadoria
Mas o decisivo para a nova ordem econômica é a concepção dos recursos naturais como bens escassos. Se eles estão acabando, seja pelas mudanças climáticas, seja porque o planeta é pequeno demais para as ambições humanas, passam a serem bens altamente estimados e valorizados. A escassez é o pressuposto econômico no capitalismo para a transformação de qualquer coisa em mercadoria.
Assim como no neoliberalismo, o hiperliberalismo acredita que o mercado é a única instância que sincronizaria de forma racional a oferta e a demanda. A diferença, é que no hiperliberalismo essa mercantilização generalizada é agora inscrita na Natureza. Em outras palavras, a escassez dos recursos naturais é a justificativa “orgânica” para a ordem mercantil, com o apoio do discurso ambientalista corporativo.
Por isso, não são surpreendentes notícias de que ONGs ambientalistas como o Greenpeace tenham o apoio financeiro de grandes empresas petrolíferas, Fundação Rockfeller e mercado de energia elétrica – sobre isso clique aqui.
Um exemplo dessa convergência entre mercado e ambientalismo são os créditos de carbono (sistema de compensação onde empresas que não tenham conseguido diminuir a emissão de gases podem comprar créditos de terceiros que fizeram tais ações) negociados em bolsas de valores, leilões etc., criticados por mais favorecer o mercado financeiro do que o meio ambiente – sobre isso clique aqui.
Na medida em que o hiperliberalismo coloca o mercado como a única instância onde supostamente se equalizaria racionalmente os recursos naturais escassos, estes deixam de ter o controle público por meio das pressões pela privatização.
Por isso, uma poderosa engenharia de opinião pública está em ação nesse momento. Assim como hoje achamos natural pagar pela energia elétrica transmitida por fios, depois que o banqueiro JP Morgan e a empresa Westinghouse levaram o físico Nikola Tesla à ruína no início do século XX, depois que descobriram que ela havia encontrado a transmissão livre de energia, abundante no planeta (sobre isso clique aqui); e assim como achamos natural trocar lâmpadas que queimam, depois que o cartel de lâmpadas dos EUA institucionalizou a obsolescência planejada, da mesma forma a estética e o discurso da escassez do hiperliberalismo fará acharmos natural pagar pela água como uma mercadoria qualquer cotada pelo mercado.
Se o neoliberalismo foi a ideologia do capitalismo industrial na sua fase tardia, o hiperliberalismo é a ideologia da elite financeira e rentista. A Esquerda critica os 20 anos de governos do PSDB no Estado de São Paulo de incompetentes pela má gestão citando os exemplos da crise hídrica (nota aqui do blogo botocudo - a de 2014, porcamente gerida pela Sabesp), a quebra financeira da USP etc. Pelo contrário: eles estão aplicando rigidamente e com precisão a agenda do hiperliberalismo imposto pela elite financeira como, por exemplo, os bancos internacionais de desenvolvimento – tornar escasso todos os bens tidos como universais (a educação, a água, a energia e, no futuro, até o ar) para submetê-los à regulação do mercado.
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