Fátima Oliveira*
ESPECIAL PARA O VIOMUNDO - de onde este magnífico texto foi pescado
“Isso aqui”, o Brasil, não é um colônia religiosa, não é um Reino e nem um Império, é uma República! Dado o clima do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, parece que as urnas vão parir uma Rainha ou um Rei de Sabá, uma Imperatriz ou um Imperador, que tudo pode, manda em tudo e que suas vontades e ideias, automática e obrigatoriamente, viram lei! Não é bem assim…
Bastam dois neurônios íntegros para nos darmos conta que o macabro leilão de ovários (com os ovários de todas as brasileiras!), em que o aborto virou: cortina de fumaça, objetivando encobrir o discurso necessário para o povo brasileiro do que significa, timtim por timtim, eleger Dilma ou Serra.
No tema do aborto a tendência mundial é, no mínimo, o aumento dos permissivos legais, que no Brasil são dois, desde 1940: gravidez resultante de estupro e risco de vida da gestante. Pontuando que legalização do aborto ou o acesso a um permissivo legal existente não significa jamais a obrigatoriedade de abortar, apenas que a cidadã que dele necessitar não precisa fazê-lo de modo clandestino, praticando desobediência civil e nem arriscando a sua saúde e a sua vida, cabe ao Estado laico e democrático colocar à disposição de suas cidadãs também os meios de acessar um procedimento médico seguro, como o abortamento.
Negá-lo, como tem feito o Brasil, que se gaba de possuir um dos sistemas de saúde mais badalados do mundo que garante acesso universal a TODOS os procedimentos médicos que não estão em fase de experimentação, é imoral, pois quebra o princípio do acesso universal do direito à saúde! Eis os termos éticos para o debate sobre o aborto numa campanha eleitoral. Nem mais e nem menos!
Então, o que estamos assistindo nas discussões do atual processo eleitoral é uma disputa para ver quem é a candidatura mais CAPAZ de desrespeitar os princípios do SUS, pasmem, em nome de Deus, num Estado laico! Ora, quem ocupa a presidência da República pode até ser carola de carteirinha, mas para consumo pessoal e não para impor seus valores para o conjunto da sociedade, pois a República não é sua propriedade privada!
Repito, não podemos esquecer que isso aqui, o Brasil, é uma República que se pauta por valores republicanos a quem todos nós devemos respeito, em decorrência, não custa nada dizer às candidaturas que limitem as demonstrações exacerbadas de carolice ao campo do privado, no recesso dos seus lares e de suas igrejas, pois não estão concorrendo ao governo de um Estado teocrático, como parece que acreditam. Como cidadã, sinto-me desrespeitada com tal postura.
As opções religiosas são direitos pétreos e questões do fórum íntimo das pessoas numa democracia. Jamais o norte legislativo de uma Nação laica, democrática e plural. Para professor uma fé e defendê-la é preciso liberdade de religião, só possível sob a égide do Estado laico, onde o eixo das eleições presidenciais é a escolha de quem a maioria do povo considera mais confiável para trilhar rumo a um país menos miserável, de bem-estar social, uma pátria-mátria para o seu povo.
Ou há pastores/as e padres que insistem em ignorar a realidade? “Chefe religioso” ignorante de que a sua religião necessita das liberdades democráticas como do ar que respiramos, não merece o lugar que ocupa, cabendo aos seus fiéis destituí-los do cargo, aí sim em nome de Deus, amém!
O leilão de ovários em curso resulta de vigarices e pastorices deslavadas, de má-fé e falta de escrúpulos que manipulam crenças religiosas de gente de boa-fé para enganá-las, como a uma manada de vaquinhas de presépio, vaquejadas por uma Madre Não Sei das Quantas, cristã caridosa e reacionária disfarçada de santa, exemplar perfeito de que pessoas desse naipe só a miséria gera. Num mundo sem miséria, madres lobas em pele de cordeiro são desnecessárias e dispensáveis. É pra lá que queremos ir e o leilão de ovários quer impedir!
Quem porta uma gota de lucidez tem o dever, moral e político, de não permitir que a escória fundamentalista de qualquer religião, que faz da religião um balcão de negociatas que vende Deus, pratica pedofilia e fica impune e ainda tem a cara de pau de defender a impunidade para pedófilos e os acoberta desde os tempos mais remotos, nos engabele e ande por aí com uma bandeja de ovários transformando a escolha de quem presidirá a República num plebiscito pra definir quem tem mais mão de ferro pra mandar mais no território do corpo feminino!
Cadê a moral dessa gente desregrada para querer ditar normas de comportamento segundo a sua fé religiosa para o conjunto da sociedade, como se o Brasil fosse a sua “comunidade religiosa”? Ora, qualquer denominação religiosa em terras brasileiras está também obrigada ao cumprimento das leis nacionais, ou não? Logo o que certas multinacionais da religião fizeram no processo eleitoral 2010 tem nome, chama-se ingerência estrangeira na soberania nacional. E vamos permitir sem dar um pio?
Diante dessa juquira (brotação da mata pós-desmatamento), onde só medrou urtiga e cansanção, cito Brizola, que estava coberto de razão quando disse: “O Brasil é um país sem sorte”, pois em pleno Século 21 conta com candidaturas presidenciais (não sobra uma, minha gente!) reféns dos setores mais arcaicos e feudais de algumas religiões mercantilistas de Deus.
É hora de dar um trato ecológico na juquira que empana os ideais e princípios republicanos, fora dos ditames da “moderna” agenda verde financeira neoliberal da “nova política”, que no Brasil é infectada de carcomidas figuras, que bem sabemos de onde vieram e pra onde vão, se o sonho é fazer do Brasil um jardim de cidadania, similar ao que Cecília Meireles tão lindamente poetou.
“Quem me compra um jardim com flores?/ borboletas de muitas cores,/ lavadeiras e passarinhos,/ ovos verdes e azuis nos ninhos?/ Quem me compra este caracol?/ Quem me compra um raio de sol?/ Um lagarto entre o muro e a hera,/ uma estátua da Primavera?/ Quem me compra este formigueiro?/ E este sapo, que é jardineiro?/ E a cigarra e a sua canção?/ E o grilinho dentro do chão?/ (Este é meu leilão!)” [Leilão de Jardim, Cecília Meireles].
Em 2010 em nosso país o que está em jogo é também a luta por uma democracia que se guie pela deferência à liberdade reprodutiva e que considere a maternidade voluntária um valor moral, político e ético, logo respeita e apoia as decisões reprodutivas das mulheres, independente da fé que professam. Nada a ver com a escolha de quem vai mandar mais no território dos corpos das mulheres! Então, xô, tirem as mãos dos nossos ovários!
E-mail: fatimaoliveira@ig.com.br
* Fátima Oliveira é médica e escritora. Feminista. Integra o Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e o Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe (RSMLAC). Escreve uma coluna semanal no jornal O Tempo (BH, MG)
"Tire esse rosário de perto do meu ovário" e tal...
ResponderExcluirPessoalmente sou a favor da legalização do aborto. Nunca faria eu mesmo, mas quem quiser fazer, é melhor que não precise fazê-lo clandestinamente. A tendência global do Direito é não criminalizar costumes; naqueles aspectos em que a lei não sabe dizer se é certo ou errado, o negócio é deixar cada um decidir segundo a sua moral.
De certa forma estou duplamente surpreso com o ingresso deste assunto para a pauta dos candidatos. Temos dois candidatos ateus e favoráveis ao aborto declarando hipocrita e falsamente o contrário. Tudo pelo voto.
Os petistas estão esperneando mas é assim que a democracia funciona; cada um vota por algum motivozinho minúsculo e espera-se que na média o processo resulte numa escolha sábia (wisdom of the crowds), e em geral isto funciona. De maneira geral não vejo discrepância entre quantidade de votos e merecimento de votos, tanto aqui em SC quanto a nível nacional.
Quando alguém vota na Dilma por causa do Bolsa-Família, isto é considerado legítimo, não é? Muitos acham que é quase uma compra de votos... cada cabeça uma sentença.
Quem traz privatizações dos anos 90 à baila também estå sendo hipócrita, com o agravante de estar chutando cachorro morto.
Que diabo, o Dimenstein da Folha traçou a mesma comparação entre aborto e privatização. Maldito.
ResponderExcluirAgora você vai ficar achando que eu simplesmente clonei o argumento ;)
Ô Elvis, mas comparar essa razia do aborto com as privatizações também é forçar barra, né?
ResponderExcluirO caso do aborto é uma alegoria em cima de declarações soltas e feitas (tanto pela guerrilheira botoxenta vermelha como pelo almirante do Tietê) em outras épocas e em outro contexto.
O que há é que o Panfleto do TFP, diz textualmente:
“O PNDH-3 é um projeto de lei que tem por objetivo implantar em nossas leis a legalização do aborto, acabar com o direito da propriedade privada, limitar a liberdade religiosa, perseguir cristãos, legalizar a prostituição (e onde fica a dignidade dessas mulheres?), manipular e controlar os meios de comunicação, acabar com a liberdade de imprensa, taxas sobre fortunas o que afastará investimentos, dentre outros. É um decreto preparatório para um regime ditatoria”.
Ai vc vê que temos aqui uma mistificação do KCT. Na verdade o PNDH-3 não trata da legalização do aborto porra nennhuma. Sua redação sobre o tema é: “Considerar o aborto como tema de saúde pública, com garantia do acesso aos serviços de saúde” (Diretriz 9, Objetivo Estratégico III, ação g); Só!... Então ñ há nada, nem mesmo para justificar o “wisdom of the crowd” que vc fala.
Agora as privatizações... são linhas filosóficas do tucanato, de políticas praticadas e que ñ há o que minimizar. Claro, alguns acham que foram benéficas para o país, então que as defendam, mas ñ podem ser renegadas, negadas e nem se trata de cachorro morto. Alguém foi, e é, pai dessa criança.
Sustento que são dois assuntos fora de contexto na campanha, embora por motivos um pouco diferentes.
ResponderExcluirDaqui a pouco vamos ter a campanha de 2036 e ainda vão estar falando de privatização...
Pior que isto, só tentar ganhar 3 eleições com as mesmas obras inacabadas ou nem iniciadas (BR-101 sul, BR-470 e BR-280).
Nem o contorno ferroviário a Dilma acabou pra conquistar meu voto. Aí vem meus ex-amigos do canal de IRC, aquele que deixei de frequentar, me assustar que "Se o Serra ganhar a 'sua' obra vai parar!!". O pior é que tem uma chance razoável de parar mesmo :(