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quarta-feira, 23 de março de 2011

O atual momento político é particularmente instigante

charge: Laerte Coutinho


por Luis Nassif, parte 1 e parte 2 (com inclusão de alguns comentários de leitores)


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Parte 1

Está-se no início de um novo tempo. As eleições do ano passado se constituíram no capítulo final da consolidação de um novo paradigma político e econômico do que pode ser chamado de a era Lula. Agora se inaugura o ciclo final de consolidação de um novo modelo em que um dos pontos centrais é o da pacificação nacional.

Após a guerra eleitoral do ano passado, esse movimento deixou a esquerda assustada e a direita perplexa. Mas é o fecho correto para encerrar o movimento anterior e entrar no novo tempo.

As crises da inclusão

O amadurecimento de um país ocorre por processos sucessivos de inclusão social e política. Cada movimento provoca crises políticas de tamanho proporcional ao da inclusão pretendida.

A lógica é simples e foi dissecada por Afonso Arinos em artigo de 1963 - que divulguei recentemente. Os novos incluídos lutam por ocupar espaço e sofrem a resistência dos setores encastelados no poder. Segue-se uma luta surda ou declarada, na qual entram os piores ingredientes da política, porque mesclando interesses, preconceitos e temores.

Nos Estados Unidos do século 19, resultou na Guerra da Secessão.

No Brasil, é possível identificar pelo menos quatro movimentos de inclusão-conflito:

1. No fim do século 19, o fortalecimento da classe agrária paulista, em detrimento da monarquia, o surgimento de uma classe média de profissionais liberais nas grandes cidades, que leva à Proclamação da República e a um período de distúrbios políticos. Há uma vitória dos fazendeiros, em detrimentos dos coronéis regionais, dos novos industrialistas e da própria monarquia.

2. A partir dos anos 20, a geração de migrantes e filhos molda uma nova classe social nas grandes cidades. Some-se a reação regional contra a política do café-com-leite (São Paulo-Minas), o aparecimento de uma cultura urbana consolidada. Resulta em distúrbios políticos e militares durante toda a década, desembocando na Revolução de 1930. Getúlio, então, consolida o processo de inclusão das novas massas, mas dentro de um quadro ditatorial.

3. A partir dos anos 50, há o nascimento de uma nova classe média urbana, fruto da industrialização do pós-guerra. São 13 anos de conflitos intermitentes, resultando no golpe de 1964. Como o próprio Arinos aponta (ele mesmo um líder da UDN), explorou-se o preconceito, a guerra fria e outros estratagemas visando criar o clima propício a um golpe militar. Tudo bastante ajudado pela falta de pulso do governo João Goulart.

4. A partir do início da era Lula, começa a consolidação de um novo mercado de massas, graças a políticas compensatórias e ao próprio redesenho da manufatura mundial, que se voltou para consumidores de baixíssima renda.

Os três movimentos anteriores resultaram em grandes batalhas políticas com desestabilização dos governos constituídos. Foi esse o embate enfrentado por Lula em um momento em que o principal agente político pós-redemocratização - a velha mídia - ainda não fora exposta aos novos ventos da modernização.

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O Brasil realmente passa por um momento de transição em todos os sentidos, principalmente social. Com o advento da nova classe média, que não tem nada a ver com aquela dos anos 70 e 80, está havendo um confronto de classes. A tradicional classe média do sudeste e sul sempre teve verdadeiro horror do povão. Essa classe, cujo sonho sempre foi subir na pirâmide social e ficar rica, viu acontecer, depois dos 8 anos de Lula, exatamente o contrário. Foram os pobres que subiram de vida e se aproximaram da velha classe média. Isso dá calafrios nessa turma. É bem aquela ironia do Paulo Henrique Amorim : “ Nossa, agora os shoppings e as faculdades estão cheios de “ pardos “. QUE HORROR ! “. Por outro lado a imprensa conservadora do país sempre incentivou esse confronto. Para ver o resultado basta dar uma olhada diária no fórum dos leitores do Estadão ou nos blogs da Veja.

E isso cria no imaginário da velha classe média do sul e sudeste esse clima de “ nós contra eles “. Os brancos contra os negros, sulistas contra nordestinos, os do bem contra os do mal, a velha classe média contra o povão da nova classe média. Tudo isso explodiu na última eleição. No entanto a maioria do povo teve juízo e nós vencemos. Isso é o que importa. Agora passada a eleição acho que temos de baixar um pouco a bola. Tem um pessoal muito ansioso entre os eleitores da Dilma. Vamos dar um tempo e ver como vai ser a evolução desse quadro, sem tanto stress e ansiedade. Já chega o que passamos ano passado. comentário de Walter Decker


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Parte 2

Temos agora, por conseqüente os conflitos inerentes a todo período de inclusão social. Em uma primeira fase, o velho morreu, o novo ainda não nasceu, os diagnósticos são precários, resultando na perda de rumo.

Mas – ponto fundamental - essa impaciência pelo novo é captada inicialmente pela população, embora de modo ainda difuso. O eleitor pressente a direção a ser seguida, embora ninguém saiba ao certo o caminho e abre caminho para a etapa seguinte.

O caminho a ser seguido fica amarrado ou ao surgimento de estadistas – aqueles capazes de entender e promover a mudança -, os visionários –que enxergam, mas não sabem como chegar até lá – e os meramente medíocres – que empurram com a barriga, às vezes nem por demérito mas pela falta de um amadurecimento das ideias.

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Nos anos 80, os governos Figueiredo e Sarney foram tipicamente desse terceiro estágio. A única bandeira a vigorar no período foram os planos de estabilização, tidos como mágicos a acima da política.

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Os governos Figueiredo e Sarney foram atípicos. O primeiro por ter sido, digamos assim, o síndico de uma massa falida tal a magnitude dos desajustes econômicos herdados do governos militares, em especial uma dívida externa cavalar e impagável. As mazelas do "milagre" eram tantas que até o velho Delfim, recorrente analista da mídia hoje, foi requisitado e nesse mister lançou o "III Plano de desenvolvimento Econômico" cujos resultados deram em nada. Politicamente, a questão da anistia e posteriormente a Emenda Dante Oliveira, foram o marco desse período.

Sarney, por outro lado, entrou na presidência como Pilatos no credo: absolutamente acidental. Não estava preparado para governar, ou seja, tinha um projeto nenhum. Aliás tinha um: evitar que seu grande êmulo - deputado Ulysses Guimarães - o engolisse politicamente. Na esfera econômica o situação era de pós-guerra. Somente num ambiente de total desespero poder-se-ia aceitar e aplaudir um Plano Cruzado, cujo escopo foi o congelamento de preços. No plano externo houve a declaração da moratória unilateral. De um contexto desse, conjugado com a inapetência de Sarney não poderia sair nada. comentário de JB Costa

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Já Fernando Collor enxergou nitidamente o novo. Havia uma vontade nacional contra a centralização do período anterior, contra o burocratismo, contra o peso do Estado que impedia o desabrochar de novas forças sociais e econômicas.

Foi eleito devido às bandeiras que desfraldou. Seu discurso foi tão poderoso que chegou a influenciar o programa do PT na época, que acabou esbarrando na resistência de alguns núcleos.

Collor se enrolou na própria inabilidade política e terminou devorado pela esfinge, assim como Carlos Andrés Perez, na Venezuela. Eram os típicos visionários. Teve o mérito de clarear o período posterior.

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FHC pegou as ideias prontas e o terreno aplainado. Completou o trabalho de Collor com grande habilidade política e nenhuma visão sobre a nova etapa. Tivesse tido a visão sobre o momento seguinte, completar-se-iam os vinte anos no poder preconizados por Sérgio Motta.

A que se seguiu à reconquista dos direitos civis e dos consumidores seria a etapa da grande inclusão social, da ampliação das organizações sociais, da preparação para a nova sociedade de consumo de massa que se avizinhava e da recuperação do sonho do desenvolvimento.

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Lula foi eleito pelos novos ventos. Já em 2002, sua eleição representou o novo movimento, a vontade política crescente de combater a miséria e a fome, em contraposição ao frio mercadismo de FHC.

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Há dois momentos na vida do governante: as eleições, onde se manifesta o sentimento difuso do eleitor; e o dia a dia, no qual os agentes dominantes são a mídia, a opinião pública midiática e os parlamentares.

No dia-a-dia eram dominantes os interesses consolidados em torno do neoliberalismo. Gastos sociais eram apresentados como desperdício, qualquer política compensatória como paternalismo estéril.

Eram esses os dois grandes desafios a serem perseguidos. O primeiro, como conduzir esse gigantesco processo de inclusão social; o segundo, como mudar o paradigma sem produzir uma desestabilização política cujo enredo era parte integrante da história política do continente.

[continua]

6 comentários:

  1. "A tradicional classe média do sudeste e sul sempre teve verdadeiro horror do povão."

    Eu morei em Recife, e posso dizer (em primeira mão) que a coisa é realmente o oposto daqui, só que para pior. As únicas duas pessoas que tratavam os empregados do prédio como gente eram e e um amigo.

    Eu sou de Santa Catarina, ele é de São Paulo. Eu posso passar o e-mail dele se quiser confirmar.

    Veja se escolhe melhor os textos que replica no blog, porque implicitamente está assinando embaixo quando faz isso.

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  2. Acho que, por baixo de camadas de retórica, o que o texto tenta dizer é:

    "Lugares que menos de 65% das pessoas votaram na Dilma são povoados por gente diabólica que tem de queimar"

    É a atitude dos meus amigos de esquerda. Achar que possuem A Verdade e o resto é tudo mané.

    A democracia é feita com voto e o voto individual é via de regra pragmático. Não há nada de errado se o nordestino vota na Dilma por conta do Bolsa-Família. Nem tampouco se eu não voto nela porque as estradas federais estão ruins.

    Mas democracia no dos outros é refresco. Assim como disse Ambrose Bierce no "Dicionário do Diabo", a definição de justiça é "uma decisão a meu favor".

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  3. Esse comentário foi de um leitor do nassif, que inclui para justamente apimentar a coisa. Pessoalmente pouco posso opinar a respeito de coisas que acontecem no nordeste, pois das regiões do Brasil, a que menos conheço é justamente o nordeste. Já morei e trabalhei em diversos projetos na amazônia, no centro oeste e MG, SP, e obviamente, conheço + ou - bem o sul maravilha.

    Ñ e difícil acreditar que a velha classe média nordestina possa ser igualmente preconceituosa se comparando à sudeste/sulina, como vc atesta.

    Qto a sua 2ª conclusão de que o texto tenta dizer que:

    "Lugares que menos de 65% das pessoas votaram na Dilma são povoados por gente diabólica que tem de queimar"

    Ñ consegui enxergar isso nesse quadro pintado pelo Nassif. Mas é sempre assim:

    Diante de um quadro doido de um artista qquer, cada uma interpreta coisa diferente, é como ver animais nas formas da nuvens. =)

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  4. Com um sério agravante: a classe média nordestina é essencialmente funcionária pública. Ou seja, é um apartheid social inteiramente bancado pelo Erário, ou melhor, pelo povo.

    Eu ficava mais pobre cada vez que ia ao supermercado por lá, e quando fui investigar os porquês -- surpresa -- impostos sobre alimentos são bem maiores que aqui.

    E sobre a história dos 65%, eu considerei o texto completo, com os comentários, de forma monolítica. Eu leio seu blog, não o do Nassif :)

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  5. “Eu leio seu blog, não o do Nassif”... o que muito me honra e envaidece Elvis.

    Se a tributação sobre alimentos no NE é maior do que em outras regiões é prácábá!... visto que se trata notoriamente da região mais pobre.

    Qto ao índice de funcionalismo publico, precisaríamos de um dado confiável para saber a percentagem de funcionalismo no NE em relação ao de outra áreas de nossa maloca Tupiniquim. Ñ tenho esse comparativo... ñ lembro de ter visto algures nos últimos dias. Temos isso?

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  6. Não conheço porcentagens, mas "respirei o ar". Ajudava o fato de Recife ser capital, é claro. O principal jornal local tinha basicamente dois tipos de manchete; violência, e abertura de concurso público. Era até motivo de piada entre os "sulistas" que trabalhavam no instituto.

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