artigo de meu amigo Edu Guimarães, em seu ótimo Blog da Cidadania
Durante os dois primeiros meses deste ano, a capital paulista sofreu uma tragédia que faz lembrar a que se abateu sobre o Japão depois de sua costa leste ter sido varrida por um tsunami. Tragédia igual ocorreu no mesmo período do ano passado. E no ano retrasado.
Nessas calamidades públicas, tudo teve uma origem: o Rio Tiete, que corta a cidade de São Paulo. Ao transbordar, nesses períodos citados, o rio causou quase duas centenas de mortes por afogamento, enchentes que desabrigaram bairros inteiros, provocando perdas patrimoniais imensas às vítimas – a grande parte delas, nada restou em suas casas ou comércios após os desastres – e prejuízos ainda imensuráveis aos cofres públicos.
Apesar de esses desastres virem ocorrendo há anos, só agora um grande veículo da imprensa paulista fez denúncia que circula há muito tempo na internet, há quase dois anos. Em setembro de 2009, a jornalista Conceição Lemes publicou no site Viomundo matéria irrefutável que foi solenemente ignorada pela grande imprensa e que pode ser conferida aqui.
Um ano e meio depois, o portal UOL, pertencente ao Grupo Folha, publica denúncia que atinge aquele que parece estar se tornando seu ex-protegido, o ex-governador José Serra, que passou a campanha eleitoral do ano passado inteiro sem ser questionado por fatos que só agora vêm a público e que poderiam ter enterrado sua candidatura a presidente.
Entretanto, é alentador lembrar, em meio à presumível indignação que os fatos devem estar provocando, que o Brasil se livrou de eleger Serra à Presidência da República, onde fatalmente faria o que fez em São Paulo.
A seguir, reproduzo reportagens que o portal de internet do Grupo Folha publica com anos de atraso. Em seguida, as várias questões que restam por fazer diante dos fatos.
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Em nota, governo de São Paulo confirma suspensão da limpeza do rio Tiete
Em nota oficial emitida no dia 22 de março, o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), do governo de São Paulo, confirma que deixou de limpar o rio Tietê entre 2006, 2007 e parte de 2008.
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Rio Tietê ficou sem limpeza por quase três anos em São Paulo
Arthur Guimarães Do UOL Notícias Em São Paulo
Destino do equivalente a cerca de 400 piscinas olímpicas de lixo e resíduos todo ano, o trecho metropolitano do rio Tietê ficou sem limpeza entre 2006, 2007 e parte de 2008.
O governo estadual assumiu nesta semana, em resposta a questionamento feito há 24 dias pelo UOL Notícias, que por mais de 1.000 dias não foi feito o serviço de desassoreamento do leito que corta São Paulo e cujos transbordamentos, em dias de forte chuva na capital, interrompem o tráfego na marginal e trazem o caos aos paulistanos. Só nos primeiros três meses deste ano, foram registrados três episódios do tipo.
Nota oficial emitida em 22 de março pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão vinculado à secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, confirma que houve uma suspensão no serviço de escavação, recolhimento e transporte dos dejetos que se acumulam no fundo do leito do rio.
“A obra de aprofundamento da calha do rio Tietê possibilitou condições de escoamento das vazões que dispensaram a necessidade de realização do serviço de desassoreamento em 2006 e 2007”, afirma o texto, acrescentando que a tarefa só foi retomada no final de 2008.
Na análise de especialistas, no entanto, tal suspensão é temerária e pode, inclusive, ter prejudicado os ganhos obtidos com o rebaixamento da calha do Tietê, obra entregue em 2005, sob o custo de R$ 2 bilhões, e que alargou o rio em até 30 metros e o aprofundou em 2,5 metros.
Como apontam engenheiros e geólogos, o Tietê é um rio plano, com baixa velocidade da água e limitada capacidade de autolimpeza. Por isso, precisaria ser desassoreado sempre –apesar de essa ser uma tarefa cara (retirar 1 milhão de metros cúbicos custa R$ 64 milhões) e com pouca visibilidade política.
Aluisio Canholi, doutor em engenharia e coordenador do Plano de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê (1998), afirma que a suspensão no serviço é “menos grave” por ter sido concentrada no período imediatamente posterior à entrega da obra de rebaixamento da calha.
Como ele explica, o revestimento de concreto aplicado em 2005 nas paredes do leito, em tese, fez com que os resíduos se acumulassem em menor escala nos anos seguintes à inauguração. Além disso, as intervenções aumentaram a vazão do rio e sua velocidade, facilitando a dispersão dos dejetos. “Se eram poucos os resíduos, não teria tanto problema em suspender a limpeza. De toda forma, todo rio urbano precisa ser desassoreado constantemente”, pondera.
Segundo o especialista, no entanto, só é possível saber a extensão exata do problema –e suas reais consequências– se fosse feita uma análise dos resultados das medições do Tietê em 2006, 2007 e 2008. “É necessário ver o que apontam os relatórios de batimetria (técnica que mede a profundidade do rio) e vazão. Se o assoreamento estava de fato interferindo significativamente na vazão do rio, a questão é gravíssima.”
Guardião de tais relatórios, o DAEE foi solicitado em 1º de março deste ano a fornecer os resultados dos estudos de batimetria e vazão. O órgão não havia respondido o pedido até ontem (23 dias depois), quando foi cobrado novamente. Por meio de sua assessoria de imprensa, o DAEE informou que não iria fornecer à imprensa tais informações.
Histórico de idas e vindas
A necessidade de continuar o trabalho de limpeza foi lembrada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), no dia da cerimônia de entrega da obra de rebaixamento da calha, em 19 de março de 2006.
Na ocasião, além de prometer que o Tietê não voltaria e encher tão cedo, o então postulante ao Planalto anunciou aos presentes que uma Parceria Público Privada (PPP) seria lançada para garantir a manutenção da obra recém-inaugurada, enquanto outras empresas governamentais –Sabesp, Nossa Caixa, Cetesb e Cesp – cuidariam dos 50 quilômetros de jardim na marginal. “A manutenção já começa imediatamente. Começamos com quatro empresas do governo e pretendemos ampliar com a iniciativa privada”, disse na ocasião.
Apesar do corte da vegetação marginal ter sido feito, a PPP nunca foi adiante no Palácio dos Bandeirantes, que passou a ser comandado em março de 2006 por Claudio Lembo. Foi somente no final de 2008, na gestão José Serra (PSDB), que o serviço foi retomado, em contratação anunciada no dia 14 de outubro na página 129 do Diário Oficial do Estado.
- R$ 2,1 bilhões/mês
É o prejuízo estimado causado pelas enchentes às empresas de São Paulo, segundo dados da Fiesp
Segundo o DAEE, no ano da assinatura do contrato, máquinas removeram 117 mil metros cúbicos de sedimentos (contra o 1 milhão que chega anualmente) em pontos mais críticos do rio Tietê (como a foz dos rios Tamanduateí e Aricanduva), o que representou um investimento de R$ 7 milhões.
Na temporada de chuvas do ano passado, no entanto, após ser alvo de críticas quando a marginal encheu e interrompeu o trânsito novamente, Serra anunciou que o volume de resíduos que voltou a ser retirado precisava ser ampliado. Em fevereiro de 2010, ele afirmou que aumentaria o serviço: passaria de 400 mil metros cúbicos para 1 milhão de metros cúbicos anuais.
Desde então, o contrato foi várias vezes aditado. Foi somente neste ano, quando Alckmin retornou ao poder, que o governo resolveu fazer novas licitações para o setor. Assim que enfrentou a primeira leva de críticas após o caos visto em São Paulo com a chuva de 10 de janeiro de 2011, o tucano lançou um novo programa de contenção de enchentes.
Alckmin, que mudou o rumo de vários projetos do antecessor, incluiu no pacote uma revisão do que se vinha fazendo com o Tietê. Na primeira ação anunciada, ele disse que passaria a retirar 2,1 milhões de metros cúbicos de resíduos do rio neste ano, contra meta anterior de 1 milhão de metros cúbicos.
No total, entre todos os pacotes anunciados, o governador afirmou que irá investir cerca de R$ 558 milhões em ações contra as enchentes. O governo estadual calcula que, hoje, o rio tenha cerca de 2 milhões de metros cúbicos de resíduos.
Outro lado
O ex-governador José Serra foi procurado para se posicionar sobre a reportagem. Apesar do contato feito com sua assessora de imprensa e das perguntas enviadas, não houve retorno até a publicação deste texto.
O DAEE, que desde o começo do mês é solicitado a passar ao UOL Notícias dados sobre a questão, enviou apenas um texto em que elenca de forma genérica os principais projetos e as promessas do órgão.
Mesmo sendo solicitado diversas vezes a detalhar os dados que forneceu, o DAEE não divulgou mais informações e não agendou entrevistas com os técnicos do órgão, como foi solicitado pela reportagem.
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Arthur Guimarães Do UOL Notícias Em São Paulo
Especialistas ouvidos pelo UOL Notícias afirmaram que a ideia de suspender por quase três anos o trabalho de desassoreamento do rio Tietê foi arriscada e pode ter contribuído para a volta das enchentes na marginal. Como mostrou reportagem publicada hoje, o governo estadual paulista deixou de limpar o leito entre 2006, 2007 e parte de 2008.
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E AGORA?... Sobram algumas questões importantíssimas e indispensáveis:
* Por que nenhum meio de comunicação noticiou antes tudo isso?
* Quantas vidas, quantos prejuízos teriam sido poupados se a grande imprensa divulgasse esses fatos antes?
* Teria havido candidatura José Serra a presidente se esse material fosse divulgado no fim de 2009, antes da tragédia anterior de alagamentos mortais em São Paulo?
* Essas denúncias ficarão restritas ao UOL ou irão para os telejornais de cobertura nacional diante do escândalo que encerram?
* Qual é a qualificação do crime de desviar dinheiro da limpeza do Tietê e investi-lo na avassaladora campanha publicitária que o governo de São Paulo fez para louvar a gestão Serra antes de ele deixar o cargo de governador e se candidatar a presidente?
* E, por fim, o que é que o Ministério Público Estadual de São Paulo irá fazer diante dessa barbaridade? E mais: se fizer alguma coisa, será só contra Serra ou a imprensa que o acobertou e que recebeu verbas de seu governo será arrolada no processo investigativo?
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