Regina Scharf, revista EXAME
No início de fevereiro, a anglo-holandesa Shell tornou público o fim de sua parceria com a americana HR BioPetroleum, uma empresa de biocombustíveis. Para o mercado, o anúncio dava um recado claro: a Shell desistira das microalgas, organismos unicelulares que se reproduzem com rapidez extraordinária e que, segundo pesquisas científicas, podem dar origem a uma série de produtos (1).
Três anos atrás, a HR BioPetroleum criou com a Shell a Cellana, empresa dedicada à pesquisa do biodiesel de microalgas. Agora, com a desistência da Shell, que parte em busca de “opções que se encaixem melhor em sua estratégia de biocombustíveis”, a HR BioPetroleum terá de seguir sozinha na busca pelo combustível de fonte renovável.
Será, ao que tudo indica, uma busca solitária e longa. Em um relatório publicado em janeiro, a Environmental Protection Agency (EPA), a agência ambiental dos Estados Unidos, dá um veredicto positivo sobre o potencial energético das microalgas, mas também prevê que se passarão cerca de dez anos até que alguém consiga produzir combustível — a um preço competitivo, é claro — com elas.
A paciência de executivos e acionistas da Shell não seria suficiente para tanto. Mas, nos Estados Unidos e no mundo (inclusive no Brasil), cresce o número de investidores dispostos a esperar pela energia que vem das algas.
Caça aos cientistas
Aqui, pelo menos por enquanto, a ideia vem da iniciativa privada, e o dinheiro, do Estado. A ideia nasceu com o engenheiro agrônomo paulista Sergio Goldemberg e deu origem à Algae. Nas próximas semanas, a empresa passará a receber do BNDES 3,2 milhões de reais para fazer, até 2013, uma série de testes com microalgas na Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo.
Aos 47 anos, Sergio é filho do físico José Goldemberg, ex-reitor da Universidade de São Paulo e um dos mais respeitados especialistas em energia do país. Mas, diferentemente do pai, não trilhou a carreira pública ou acadêmica. Teve uma empresa de irrigação e trabalhou para uma companhia do setor sucroalcooleiro.
Nos últimos anos, decidiu montar um negócio e, na busca por ideias, encantou-se pelas microalgas. Isso porque passou a acreditar que os biocombustíveis terão espaço garantido no futuro, e o melhor é que sua produção não precisa competir com a de alimentos. “O problema é que eu não entendia nada de microalgas”, diz Goldemberg, que saiu à caça de cientistas brasileiros que estivessem pesquisando o tema.
Após encontrá-los em universidades federais, fez um plano de negócios. No final de 2008, o projeto foi apresentado no fórum brasileiro para investidores do New Ventures, programa do World Resources Institute, ONG global que incentiva tecnologias limpas em países emergentes.
No início do ano seguinte, a Algae já era parte do grupo Ecogeo, que tem sede em São Paulo e atua no mercado de serviços ambientais. Em 2010, o Ecogeo faturou 52 milhões de reais. Nos próximos três anos, deve investir 1,1 milhão de reais nas pesquisas da Algae. Além dos recursos do BNDES, a empresa receberá 1,7 milhão de reais da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). É muito pouco dinheiro se comparado ao que as empresas americanas dedicadas ao estudo das microalgas têm recebido dos investidores.
A californiana Synthetic Genomics, do geneticista Craig Venter, tem um acordo com a ExxonMobil e recebeu da petrolífera 600 milhões de dólares para investir nas microalgas. A Sapphire Energy, também da Califórnia, tem Bill Gates entre seus acionistas.
A despeito das diferenças no acesso ao capital, não há sinais claros de que os concorrentes estrangeiros estejam muito mais próximos de ganhar dinheiro com as microalgas do que a brasileira Algae.
“As empresas têm enviado sinais contraditórios: prometem muito, mas mantêm boa parte das informações em segredo”, afirma o analista Harry Boyle, da Bloomberg New Energy Finance, consultoria especializada em energias limpas. “Ainda não sabem exatamente quais serão seus produtos finais e divergem sobre os custos dos métodos utilizados para obtê-los.”
A Algae não é uma exceção a essa regra, mas Goldemberg diz ter algumas certezas. Uma delas é que o desenvolvimento do biodiesel de microalgas economicamente viável levará anos, talvez pouco menos que uma década. Além disso, pode ser que ele seja competitivo apenas em alguns mercados, como o americano, no qual o principal combustível renovável consumido é o etanol de milho.
“No Brasil, ele teria de bater o etanol de cana, e isso não é uma tarefa fácil”, diz Goldemberg. De qualquer maneira, ele espera que, num futuro mais próximo, a Algae possa oferecer ao mercado outros benefícios vindos das algas. Até 2013, os pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos têm a meta de desenvolver duas qualidades de microalgas que poderão ser úteis à indústria de açúcar e álcool.
Colocadas em um tanque com o principal resíduo da produção de etanol, a vinhaça, elas serão capazes de reduzir sua poluição. Também poderão produzir uma biomassa rica em gordura ou proteína que, processada, gerará receitas. “As microalgas não são o Santo Graal, mas ainda vão mostrar a que vieram”, diz Goldemberg.
Notas botocudas
(1) A Shell se retira das pesquisas mas não do setor, pois avaliou (corretamente?) que ainda passarão 10 a 15 anos antes dessas tecnologias se tornarem competitivas. Neste momento uma plêiade de alternativas tecnológicas correm paralelas nas pesquisas de instituições privadas e academicas e é difícil avaliar qual delas emergirá mais adaptada à realidade comercial. Lá na frente a Shell pode simplesmente se apoderar de uma dessas empresas liliputianas e voltar ao campo de jogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário