Por Mustafá Fetouri, em The National Conversation
Os líderes de Tunísia e Egito, deixaram seus cargos após o terceiro pronunciamento televisionado. A mesma coisa, muitos acreditavam, dar-se-ia na Líbia . O líder líbio já falou quatro vezes na televisão e apareceu duas vezes em público. O coronel Muammar Kadafi, não foi a lugar nenhum. Esta não é a única razão pela qual a Líbia é diferente de seus vizinhos do Mediterrâneo.
Embora a nação compartilhe de muitos dos problemas de Egito e Tunísia, a Líbia se diferencia em dois aspectos importantes: a natureza de suas instituições políticas e o seu tecido social. O cenário político da Líbia há muito tem sido o de deserto estéril. Seus tecidos social e tribal, no entanto, continuam vivos. Ao longo da liderança do Coronel Kadafi, mesmo durante o auge de sua popularidade durante suas duas primeiras décadas no poder, seus esforços eram apenas tão eficazes quanto a sua habilidade para navegar os terreno tribais e manipular sua própria base tribal entre o afago e o porrete. A lealdade prevalecia acima de tudo, e fidelidades ainda explicam muito do que está acontecendo hoje na Líbia. A questão agora é que ainda apoia o regime e por quê? O que isso significa para o futuro da Líbia?
Os principais apoios ao Coronel Kadafi vem de três fontes principais:
Os Warfalla, baseados a 180 quilômetros a sudoeste de Trípoli, e a maior tribo do país com grandes comunidades dentro da Capital. Os Warfalla também compreendem a maioria dos líbios mais educados.
A tribo do próprio Kadafi, centralizada em Sirte, 500 quilômetros a leste de Trípoli, é outro pilar de sua sustentação. A aliança entre a tribo de Kadafi, Gaddafa, e os Warfalla tem sido descrita como um "elo de sangue". Seus vínculos são anteriores à ascensão do Coronel Kadafi ao poder e uma mudança nesse quadro agora será lenta.
O preconceito contra outras tribos na Líbia, em particular contra os Misrata, fazem dos Warfalla muito mais linha dura que o próprio Kadafi em si.
Apoio considerável ao Coronel Kadafi ainda existe dentro destas duas tribos, que formam um triângulo que, tendo como base o Mediterrâneo, aponta em profundidade em direção ao sul da Líbia, onde o Coronel Kadafi, também conta com apoio razoável.
Em Sebha, por exemplo, capital da região sul da Líbia, ainda não se tem notícia de nenhuma manifestação até o momento.
Este cenário tribal precisa ser entendido no contexto da história recente da Líbia: um país sem partidos políticos por mais de quatro décadas. Não existe uma Sociedade Civil nem a idéia de lealdade ao "Estado". Não há uma constituição, nenhuma norma legal nacionalmente aceita nem mecanismos práticos para guiar o país no caso de um vácuo no topo do poder. O próprio Coronel Kadafi ressalta o fato de que ele não tem nem "cargo oficial", nem "responsabilidade jurídico-legal vinculada" a ele.
Essa estrutura torna difícil prever como um vácuo de poder pode ser preenchido e por quem. Mesmo com a parte oriental da Líbia fora do controle do governo, ela ainda carece de uma liderança efetiva. Quanto mais de uma visão política clara para uma Líbia unida. A única mensagem forte e símbolo provenientes do leste da Líbia tem sido a bandeira que o país usava na década de 1950 e que vem sendo tremulada pelos manifestantes. Os dois cenários mais viáveis para a Líbia, a longo prazo, no entanto, são o de um país propenso a uma futura divisão ou o de uma guerra tribal generalizada.
Enquanto as grandes potências mundiais e as Nações Unidas condenam o que eles descrevem como o uso brutal da força pelo regime, lhes falta apresentar alguma alternativa viável para o futuro, em um país à beira do colapso social sob um Estado que nunca realmente existiu.
Nada disso significa que o status quo seja viável de nenhuma maneira, mas esses fatores devem desaconselhar quaisquer planos apressados e impensados das potências ocidentais, sob pressão de uma opinião pública desinformada e não menos desinformados que seus líderes quanto às dinâmicas internas da Líbia.
Isso também não quer dizer que mesmo o Coronel Kadafi saiba o que fazer a seguir. Seria difícil imaginar que ele acusaria como responsáveis pela agitação a "terroristas e facções inconseqüentes", como eles foram "apelidados" pela mídia oficial líbia. Imaginar que alguma mão invisível é responsável pela instabilidade é forçar uma desculpa.
Se a comunidade internacional pretende ajudar a Líbia precisa considerar a sua frágil estrutura tribal. Precisa buscar formas para mediar as divisões, em vez de recorrer a slogans sobre direitos humanos. Não estou de forma alguma sugerindo que as queixas dos manifestantes não sejam legítimas nem bem fundamentadas, nem estou argumentando que a Líbia anterior a 17 de fevereiro era o melhor para os líbios. Devo dizer, contudo, que a Líbia, com todos os seus males, que eu venho condenando dura e publicamente através da imprensa nos últimos anos, talvez não possa ser substituída por nenhum Estado líbio viável. Depois de tudo o que aconteceu desde 17 de fevereiro, não vejo nenhum emergir.
O mundo deveria considerar também que alguns dos manifestantes em campo são membros do Grupo Combatente Islâmico Líbio (LIFG), particularmente depois que 110 de seus membros foram libertados da prisão em 18 de fevereiro. Nós líbios estamos familiarizados com os membros do LIFG como indivíduos pretendentes a mártires. Não nos damos ao luxo de acreditar que eles possam vir a ser uma força de mudança em defesa da independência e liberdade.
O que está bastante claro é que quanto mais longa for a permanência da crise, mais líbios morrerão. As mortes de nossos irmãos de ambos os lados precisam ser descontinuadas e seus autores responsabilizados. Eu condeno firmemente a violência contra manifestantes desarmados, mas contê-la simplesmente pode ainda não significar a salvação da Líbia.
Mustafa Fetouri é analista político e acadêmico baseado em Trípoli.
Ganhou o Prémio Samir Kassir pelo melhor artigo opinativo em 2010.
Tradução botocuda livre – henry Henkels
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