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segunda-feira, 14 de março de 2011

Pesquisadores tentam desvendar segredo da fabricação da seda de aranha

A seda da aranha é conhecida como o mais resistente de todas, embora seja quase impossível ser replicada em laboratório
Foto: Bryce Vickmark/The New York Times

do New York Times e iG

Para alguns pesquisadores da seda, se as aranhas fossem vegetarianas sociáveis, o mundo poderia ser um lugar diferente.

Pois as aranhas são mestras na fabricação de seda na natureza e, ao longo de milhões de anos de evolução, desenvolveram habilidades que podem ser úteis para as pessoas – de mingau grudento com consistência de creme dental a cabos de tração fortes e elásticos.

“Não estamos falando apenas de um único tipo de material”, assegura Cheryl Hayashi, que estuda a genética evolucionária da seda da aranha na Universidade da Califórnia, campus de Riverside.

“Olhando-se a natureza, existem várias soluções prontas. Quer uma cola? Existe um tipo de seda que é uma cola.” Durante anos tem se falado da radiante promessa da seda da aranha: que um dia poderia ser usada para fazer cabos mais fortes do que os de aço, por exemplo, ou coletes à prova de bala mais eficientes do que os produzidos com Kevlar.

Todavia, existe um grande problema: as aranhas não conseguem produzir seda suficiente. Embora uma aranha típica possa tecer cinco tipos diferentes de seda, ela não produz nenhum deles em grande volume. Obter quantidades comerciais é praticamente impossível – as aranhas são solitárias e exigem uma dieta de insetos vivos; algumas são canibais. Em outras palavras, criação de aranhas está fora de cogitação.

Foto: Bryce Vickmark/The New York Times

Um casulo de seda com um bicho da seda morto na Universidade Tufts, Massachusetts (EUA)

Os pesquisadores têm trabalhado para superar essa limitação fundamental tentando desvendar os segredos da capacidade de produção de seda pela aranha, para que o produto possa ser feito em laboratório ou pela transferência genética dessa habilidade para outros organismos que poderiam produzi-la em quantidade. Por ora, entretanto, os materiais criados não têm a mesma força e elasticidade, além de outras qualidades do produto real.

Alguns cientistas tentam driblar o problema da aranha buscando reinventar a seda que existe em grande volume, a produzida pelo bicho-da-seda. Eles a estão reconstituindo para produzir materiais que têm um potencial muito superior ao sonho dos coletes à prova de bala.Entre tais pesquisadores estão David Kaplan e outros da Universidade Tufts, cujas criações têm aplicação potencial em medicina e outros campos. “Este é um material que existe há cinco mil anos e foi usado em suturas todo esse tempo”, conta Kaplan. “E ainda existe um território inexplorado.” O grupo de Kaplan e colegas na Universidade de Illinois e na Universidade da Pensilvânia, por exemplo, produziu recentemente conjuntos de eletrodos impressos em películas de seda flexíveis e biodegradáveis. Tão finos que podem se ajustar perfeitamente ao contorno do cérebro, os conjuntos podem vir a ser usados um dia para tratar a epilepsia ou outros problemas, sem causar as cicatrizes produzidas por eletrodos maiores implantáveis.

Durante séculos, começando na China, a seda comercial tem sido produzida pela criação de bichos-da-seda _as larvas de uma mariposa, “Bombyx mori” – que, ao contrário das aranhas, gostam de ficar lado a lado sem fazer nada, apenas mastigando folhas de amoreira, enquanto fiam o material em quantidade suficiente para ser colhido.

“A vantagem do bicho-da-seda é a facilidade da sua criação”, segundo Hayashi. “Eles são vegetarianos e produzem a seda convenientemente num casulo.” “Mas, se examinarmos um bicho-da-seda, ele só tem um tipo de fiandeira”, ela explica. “Somente um tipo de fibra pode ser produzido. As aranhas têm um arsenal maior.” Contudo, os esforços para produzir similares à seda da aranha resultaram em materiais pouco diferentes de outros polímeros, conta David Porter, cientista da Suffield University, Inglaterra, que colabora com um grupo de Oxford no estudo da biologia da fabricação da seda.

“O consenso é que praticamente qualquer um pode fazer uma seda razoável”, garante Porter. “Mas não é possível distingui-la de um bom náilon.”“Para diferenciar o produto natural é preciso contar com as vantagens embutidas pela natureza”, acrescenta.

A seda é uma proteína fibrosa, produzida por glândulas de aranhas, bichos-da-seda e alguns insetos. Essas criaturas fazem algo que nenhum laboratório conseguiu: controlar a química tão perfeitamente que a seda, um líquido dentro do organismo, se solidifica ao ser expelido.

A principal vantagem da seda natural é a forma com que as proteínas estão organizadas. Elas estão enoveladas de modo complexo, o que ajuda cada tipo de seda a ter suas características singulares. Os cientistas não foram capazes de reproduzir esse intrincado enovelamento.

“Ainda não entendemos a complexidade do que acontece no interior de uma aranha”, conta Hayashi. “Não existe nenhum laboratório no mundo em que exista uma glândula de seda artificial.” Produzir as proteínas da aranha em outros organismos – bactérias, cabras, plantas e, mais recentemente, bichos-da-seda são alguns dos seres que passaram por engenharia genética – tem limitações porque o processo de reconstituição das proteínas destrói qualquer padrão de enovelamento. “Assim que se extrai a seda, a estrutura da proteína passa por um processo aleatório, destruindo-se toda a capacidade do material fazer o que quer”, afirma Porter.Na Tufts, Kaplan pensa que um dia, plantas modificadas geneticamente produzirão uma seda útil baseada na da aranha e que poderá ser colhida feito algodão. Até lá, porém, ele está trabalhando com a fibra do bicho-da-seda reconstituída, fazendo novas películas e outros materiais.

Kaplan pesquisa a seda há 21 anos – “dói, mas é a verdade”, brinca – e passou boa parte dos primeiros dez anos desvendando o mecanismo fundamental de produção da fibra.

“Descobrimos que a água é muito importante. Pode parecer trivial, mas o processo como um todo é baseado no controle da quantidade de água.” Durante a última década, o grupo de Kaplan se concentrou em aplicações biomédicas em campos como engenharia de tecidos. Em 2005, um pesquisador de pós-doutorado em seu laboratório desenvolveu um processo de têmpera da água, reconstituindo as sedas vagarosamente em um ambiente úmido. “Obtemos películas cristalinas, uma coisa nunca vista com seda”, conta Kaplan.

O que levou à ideia de fazer uma córnea artificial com seda. Entretanto, como a córnea precisa ser permeável, Kaplan teve a ideia de envolver um cientista de laser no processo, Fiorenzo Omenetto.

“Eu disse: 'Levem para Fio e peçam que faça alguns buracos, o que resultou em toda uma plataforma óptica baseada em seda.” E também levou a uma longa colaboração com Omenetto, que desenvolveu meios de padronizar as películas de seda, criando redes de difração e outras estruturas. A rede pode funcionar como um substrato para outras proteínas e compostos, aumentando a possibilidade de as películas da seda serem usadas em biossensores implantáveis ou na administração de remédios; um processo no qual a seda se dissolve no corpo e libera o medicamento em doses controláveis.

Uma vantagem da seda, de acordo com Omenetto, é que o processo de produzir películas ou outras estruturas é ecológico – baseado em água e baixas temperaturas. “É possível fazer redes de difração incrivelmente sofisticadas com vidro ou plástico, mas elas são fabricadas em altas temperaturas ou em ambientes químicos adversos”, condições que complicam a adição de remédios ou outros componentes.

Outros pesquisadores também tiveram a ideia de usar películas de seda para aplicações médicas. No Instituto de Tecnologia da Geórgia, Eugenia Kharlampieva fez testes depositando nanopartículas de prata em películas de seda para fortalecê-las.

“A seda é um material maravilhoso por ser biocompatível”, argumenta Kharlampieva, que está dando continuidade à sua pesquisa na Universidade do Alabama, campus de Birmingham. “Sua maior desvantagem é ser mole. Para usar em aplicações ópticas, é preciso reforçá-la.” As películas que usa são extremamente finas e ela as sobrepõe em camadas.

“Fazemos uma composição em escala nano que é flexível e mole, mas com força mecânica.” Como as películas não perdem a flexibilidade, Kharlampieva quer transformá-las em cápsulas minúsculas que contenham quantidades diminutas de drogas. Potencialmente tão pequenas quanto as células do sangue, elas poderiam ser usadas para administrar medicamentos pela corrente sanguínea.

Na Tufts, a pesquisa de Omenetto para padronizar a seda levou a usos potenciais ainda mais exóticos. Entre os mais recentes, desenvolvidos com colegas da Universidade de Boston, está a ideia de usar a seda como base para metamateriais, que podem manipular a luz ou outra radiação eletromagnética de um jeito impossível na natureza. Criando-se estruturas intrincadas nas películas e depositando-se metais nelas, podem ser produzidas antenas de metamaterial que seriam usadas dentro do corpo para monitorar a saúde – o sinal da antena mudaria conforme as alterações do organismo.

Essas aplicações ainda podem estar distantes, como Omenetto salienta, mas o potencial é enorme – fato que percebeu quando lhe pediram para abrir buracos na seda. “Parecia um belo material óptico. E, desde então, quase não tenho mais dormido.”

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