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sábado, 27 de março de 2010

Na semana santa o tema é?... Farra do Boi

Sai ano, entra ano, durante a semana santa em foruns na interntet sempre aparece alguém que começa a discussão sobre a farra do boi.

O que sempre se vê nesses debates são apaixonados a defender os animais, e nunca se vê alguém respeitar tradições e costumes de outros grupos sociais que não os a que pertencem, no caso tentar entender o ponto de vista cultural dos farristas. Ai saem a xingar a farra do boi com chavões batidos a 3 x 2 e vira um lugar comum sem fim.

A imprensa também gosta muito disso pois dá bastante ibope, quase como essa vergonha do “caso Nardoni”, de ontem e ante ontem. Ô coisa mais chata!...

Eu recuperei um texto que já tinha escrito em 2006 sobre isso, que fiz para um debate no forum de historiadores de Santa Catarina, o sc_gen, descrevendo uma viagem minha na semana santa de 2003:



Viagem antropológica - Semana Santa 2003

(texto meu, henry, escrito em 2006)

Na semana santa de 2003 (há três anos, portanto) resolvemos, eu e minha patroa Maristela, embarcar na Kombi e fazer uma expedição exploratória por uma parte de Santa Catarina que ainda não conhecíamos. Fizemos então um roteiro histórico antropológico, começando pelo vale do rio do Ouro (chamado o riacho do Ouro Grosso) em Botuverá. Eu tenho pra mim que ali ficavam as famosas Minas de Ïnhangüera. Pernoitamos naquele local, dormindo na Kombi e vistamos também a caverna calcárea que existe ali.

No dia seguinte fomos a Azambuja (Brusque) e depois a Nova Trento, no santuário da Madre (hoje Santa) Paulina, para mim agora sim uma incursão verdadeiramente antropológica, visto que não sou cristão, embora a Maristela o seja, mais ou menos, ao que não me oponho. Achei muito interessante o grande movimento dos devotos e a dinâmica da coisa toda, espiritual que avança para simples inspiração comercial e ai morre. De qualquer maneira gostei do lugar, tem bons fluídos lá. Acho que estragaram o ar bucólico do vale agora que construíram uma moderna basílica.

Bem, do vale da Madre Paulina seguimos para Governador Celso Ramos, a capital mundial da farra do boi. Preciso ver in loco como isso funciona. Me move o espírito de observador isento. Chegamos na sexta-feira santa, no auge da agitação farrista. Estavam correndo uns bois no centro da vila de Ganchos, pois tive que estacionar a Kombi em cima de uma calçada quando os dois bois passaram e a turba enfurecida veio atrás. Os lojistas tapam as vitrines com tábuas.

Achei depois um lugar mais protegido para estacionar e desembarquei para acompanhar o ritual deles. Num mercadinho onde fui comprar gelo, o dono muito falante, vendo minha máquina fotográfica me aconselhou a não fotografar muito abertamente a corrida. Disse que o povo é muito desconfiado com forasteiros e não gostam que se fotografe a coisa. Segui seu conselho, e só fotografei de longe, com teleobjetiva, mas as fotos não ficaram boas pois as condições de luz estavam muito precárias.

O povo se entrega a essa ritual com sofreguidão. Aparentemente quase toda a população (masculina por excelencia) da cidade participa. Muita bebida alcoólica rola também. Tomam todas, os farristas. As crianças fazem pequenas corridas mais soft, com bezerros. Estes, claro, não são abatidos, como os bois dos adultos. Ai reside um fator de continuidade da tradição. Se esse elo não for quebrado nada vai acontecer.

As pessoas do lugar são muito bairristas com relação a essa sua tradição. Não aceitam nenhuma argumentação contra seu rito cultural. Ficam bravos mesmo. Fazem umas camisetas pró farra do boi. Eu quis comprar uma só para atazanar meus amigos aqui de SBS, mas de um modelo bonito que via algumas pessoas vestindo não encontrei mais do meu número. As que restavam na loja que as vendia eram de gosto muito duvidoso.

Gosto de enticar com meus amigos ultra conservadores e ortodoxos do nosso Stammtisch. Alguns são até udenistas. Vixe !... No meu caso não seria muito coerente, visto que o maior defensor na natureza (ambientalista) do grupo sou eu. Tem uns lá que são fanáticos por caça: perdiz, pomba, lebre e outros bichos. Tem cachorros perdigueiros e o escambau. Todo ano temos recepções oferecidas por esses caras em que é servida carne de caça. Não consigo me impor sozinho contra eles, de maneira que acabo indo nos rega-bofes também, afinal no resto são bons amigos. Quer ver quando vou lá na mesa com uma camiseta do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) que comprei com o mesmo objetivo. Aqueles caras ficam possessos. Babam de indignação...eu me divirto.

Voltando a farra do boi. Existe uma componente cultural forte que me parece indissociavelmente ligada com a cultura ibérica. Festa e crueldade. Os contrastes da alma espanhola resumidos num terreno de luzes mas sujo de sangue. A tourada como a grande metáfora de uma ambigüidade nacional.

O touro representa a natureza bruta, o que não tem regras, o instinto. O toureiro representa a civilização que se impõe à natureza selvagem e indômita ao mesmo tempo que é ameaçado e fascinado por ela. O vemelho e o sangue também tem forte apelo na cultura ibérica e peninsular.

Embora eu também tenha restrições éticas ao tratos a que submetem o animal na farra do boi, penso que devemos avançar um pouco sobre os argumentos da outra parte, os farristas, de suas tradições e cultura.

Vou nesse caminho pois sou acostumado a conviver com conflitos envolvendo valores, no meu caso quase sempre nas questões ambientais, mas que quase sempre avançam para posições culturais, economico/sociais e não raro, religiosas.

Imagine-se acabar com a Oktoberfest que, em ultima analise, não passa uma farra etílica. Nós talvez vissemos isso como um desrespeito para a cultura popular dos descendentes dos imigrantes de língua alemã... ou não?...

Sabemos todos que uma pendenga dessa ordem não se resolve com medidas e posicionamentos inflexíveis unilaterais. Há de se amolecer o coração.

2 comentários:

  1. É curioso que na Espanha fazem aquela festa onde solta-se um boi na cidade, todo ano morre meia dúzia (e eventualmente o boi também) e aí é mostrado pela imprensa do mundo todo como uma coisa cultural e bacana. Muito parecido com a nossa farra do boi, onde -- ao contrário do que se diz -- matar ou aleijar o boi é exceção, não regra. (Pelo menos no que eu conheço do negócio, aqui na Barra do Sul)

    Não é minha diversão predileta, como parece não ser a sua também, correr atrás do bicho, mas tenho a mesma visão de que essa perseguição à farra do boi é desrespeito à cultura, histeria e falta do que fazer.

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  2. não vi nada demais na farra do boi em Governador celso ramos, ganchos, muito pelo contrario vi tudo muito organizado, o pessoal não tava deichando som alto, para as pessoas dormirem sussegadas, e motos somente com discargas por causa do barulho. Na parte de maltratar o boi, não vi nada disso, eles até cuidam bem do boi não deicham ninguem bater no boi, aliás respeitam muito até o boi. Aconseloh pessoas a vêm o lado verdadeiro da farra do boi, não essas fotos fajudas que mostram na internet.
    atensiosamente Gustavo

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