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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Os (des)caminhos de ferro do Brasil





Por Paulo Sidnei Ferraz, no blog vida de Maquinista

Transcorridos 15 anos da desestatização das ferrovias no Brasil, temos a desativação de vários ramais, ou seja, 40% da malha arrendada aos concessionários, que isolou tradicionais cooperativas, assim como prejudicou médios e pequenos produtores. Outro problema sério é a falta de modernização e aumento real da frota de locomotivas, que impede a ampliação da oferta de transporte ferroviário, sendo apenas atendidos os clientes de maiores volumes. Então temos hoje um monopólio privado do transporte ferroviário no país, concentrado nas mãos da América Latina Logística (ALL) e da Vale, sendo parceiros de outros monopólios ou cartéis de controladores de grãos, minérios, cimento etc. Isso está casado com a condição da economia brasileira, que tem como um dos eixos a exportação de commodities?

O Brasil continua a ser um exportador de matérias-primas, por isso os principais corredores de transportes se destinam aos portos. Sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do nosso país, as concessionárias otimizaram as rotas de vagões e locomotivas, concentrando-se nos maiores clientes. Com isso fecharam quase todas as estações, desativaram extensos ramais e isolaram tradicionais clientes dependentes da ferrovia, focando só no atendimento dos fluxos de maior margem de lucro. Sendo uma concessão pública, os governos não deveriam permitir essa seletividade para os maiores grupos, afinal a ferrovia é indutora do desenvolvimento.

O que significam os acidentes constantes e as denúncias sobre a ALL? É um sinal de decadência desse modelo privado?

A situação geral dos bens das ferrovias é a decadência do sistema, só a Agência Nacional de Transportes Terrestres [ANTT] não quer ver. As ações, tanto do Ministério Público Federal como da Polícia Federal, têm comprovado que o modelo de privatização implementado pelo BNDES, em 1996, foi um verdadeiro fiasco. Segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes [CNT], a participação do modal ferroviário na matriz de transporte do Brasil deu marcha ré. Os fretes não baixaram [de preço] como previam os promotores da desestatização. Não houve modernização dos equipamentos de tração, muito pelo contrário, hoje a idade da frota é maior e o patrimônio está em ruínas.

Esse sucateamento foi patrocinado, na década de 1990, pelo BNDES. Quais foram os prejuízos que esse processo acarretou para a economia brasileira?

A premissa do BNDES dizia que não havia recursos públicos para alavancar o sistema ferroviário, com objetivo de mudar a matriz de transporte do país e baratear o custo dos fretes. Garantia que o setor privado tinha dinheiro para injetar o salto da modernização e ampliação da capacidade do sistema. Como essa fonte não jorrou, o banco estatal teve que aportar recursos públicos para alimentar as concessionárias, injetando bilhões em operações de aquisição de material ferroviário e resultados pífios. Para impedir o fiasco total do processo de desestatização, o BNDESPAR (carteira do BNDES acionária de várias empresas) acabou virando sócio da ALL e levou ainda os fundos de previdência de empresas públicas: Funcef, Previ, Petros, Postalis, Sabesprevi, Forluz etc.

O modelo de modais ferroviário é uma alternativa de baixo consumo de energia e preservação do meio-ambiente, se comparado ao modelo de rodovias?

O serviço de transportes no Brasil é o responsável pela queima maior de combustíveis, motivo pelo qual interfere diretamente na busca de uma nova matriz energética para o país. E a nossa matriz de transporte concentra dois terços do volume total de cargas deslocadas por rodovias, que é o modal de maior impacto ambiental. Para transportar cada tonelada de carga por mil quilômetros, são consumidos por hidrovia cinco litros de combustíveis, por ferrovia são 10 litros e rodovia 96 itros, ou seja, quase nove vezes por caminhão se comparado aos trens. Chamamos a atenção também para os custos socioambientais de transportes (inclui acidentes, poluição atmosférica e sonora, consumo de espaço e água). Para o transporte de 100 toneladas/quilômetro por hidrovia custa 0,23 dólar, por ferrovia 0,74 dólar e por rodovia 3,20 dólares. Esses números mostram a opção errada ao se priorizar projetos rodoviários quando existem alternativas de soluções através de modais menos impactantes. Aqui no Paraná, enquanto devíamos estar construindo mil quilômetros de ferrovias e outros tantos de hidrovia, assim como estimulando a cabotagem (navegação realizada entre portos interiores), fala-se em investir mais de R$ 1 bilhão numa rodovia “Interportos”. Aliás, o título escolhido para a obra parece ter saído de algum gabinete parlamentar, pois é uma afronta à inteligência: a menor distância entre os portos é uma linha quase reta pelo mar e lá a aquavia já está pronta!

E qual o papel hoje das ferrovias dentro do atual sistema de transportes?

O Anuário Estatístico do Geipot [órgão extinto do Ministério dos Transportes] apontava, em 1994, mais de 20% das cargas deslocando-se sobre os trilhos. Já o boletim estatístico da Confederação Nacional dos Transportes, de 2009, mostra que o modal ferroviário ainda está patinando na ordem dos 20%. Podemos concluir então que estamos estagnados depois da privatização, apesar da farta propaganda institucional de avanços no segmento.

O modelo de rodovias, de acordo com a sua exposição, parece estar defasado, do ponto de vista da estrutura das pontes e dos veículos que rodam hoje em dia.

Apesar do clamor e dos alertas dos especialistas em transportes, continuamos priorizando as rodovias, jogando sobre essas obras veículos cada vez maiores e mais pesados. Não se respeita as condições originais para as quais essas estradas foram projetadas, para veículos mais leves e curtos. Permitir tráfego de caminhões de até nove eixos, com 60 toneladas de cargas, é um imenso risco de comprometer pontes, viadutos e a pavimentação. Enfim, estamos mal de ferrovias e sobrecarregando nossas rodovias arriscando, assim, num período não muito longínquo, um colapso no sistema de escoamento da produção brasileira. Na prática, apesar de o BNDES já ter presenteado as concessionárias com bilhões de reais, o que se sente é que caminhamos para o fim da linha. Na verdade, quem cresceu foi o porte dos caminhões que já chegaram a nove eixos para suprir a falta de trens. Mesmo assim faltam caminhões para suprir a falta de oferta de vagões. Com essa pressão, sobe o frete rodoviário e o frete ferroviário vem a reboque. Aí as concessionárias dos serviços ferroviários garantem margens maiores sem precisar investir em novas frotas.


Extraído do livro: Os descaminhos de ferro do Brasil.
De: José Hamilton Pereira e Túlio de Souza Muniz.

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