por Liliam Milena, no brasilianas.org
Com poucos recursos, empresa brasileira Algae inova ao produzir biodiesel de microalgas em vinhaça, resíduo que sobra do caldo da cana de açúcar depois de fermentado, para a obtenção de etanol. Segundo o engenheiro agrônomo Sergio Goldemberg, idealizador do projeto, processo pode tornar o biodiesel de algas brasileiro mais competitivo no mercado.
Acompanhe a entrevista.
Será no curto, médio ou longo prazo que poderemos ver nas ruas a venda de biodiesel produzido a partir de algas?
Quando começamos o projeto, há 2,5 anos, a gente vislumbrava somente a produção de biocombustíveis a partir de alga. O que a gente percebeu ao longo desse tempo é que esse é um objetivo de médio a longo prazo.
Por quê?
É tecnicamente viável produzir. Nós já produzimos, nos Estados Unidos uma série de empresas já produziram biodiesel de microalgas. Não há muito segredo, todo mundo já aprendeu a fazer isso. O desafio é fazer essa produção de uma maneira escalonada e, segundo e mais importante, econômica. Não adianta produzir um litro de biodiesel a R$ 10, precisamos produzir a R$ 1,5 ou menos. Então, o desafio que temos hoje não é um desafio técnico grandioso. A expectativa é de dois a três anos para ter esse biodiesel no mercado, de uma maneira não econômica. E de cinco a sete anos para tê-lo de uma maneira econômica.
As pesquisas para produção de biodiesel no mundo são a partir de uma ou poucas espécies?
Existe uma imensidão de espécies. Inclusive a primeira etapa do nosso projeto foi fazer o que a gente chama de screening (rastreamento), pegar as espécies mais conhecidas e formar um pequeno banco, testando quais são as melhores. Estamos bastante evoluídos nesse processo, em escala laboratorial. Mas depende do objetivo. Por exemplo, nos Estados Unidos eles têm muitos projetos com espécies salinas, no mar. Nós estamos fazendo projetos com espécies de água doce e usando um resíduo como substrato, como meio de cultivo.
Existe muita diferença de produtividade entre as espécies?
Bastante. Têm espécies que são ótimas produtoras de carboidratos. Essas não adiantam para nós. O que adianta são espécies boas produtoras de óleo. Já existe, inclusive, uma literatura razoável sobre o tema.
Quem começou com essas pesquisas, foram os norte-americanos?
Foram. Na verdade, se você for olhar na história, microalgas são cultivadas há mais de 50 anos, desde os anos 1960, no Japão, em Taiwan, mesmo nos Estados Unidos. Só que eles usam a biomassa das algas para nutracêuticos, para aplicações nobres, em compostos alimentares vendidos em farmácia. Isso custa muito caro, então justifica a produção. Mais tarde, nos anos 1980, um laboratório norte-americano, o NREL (National Renewable Energy Laboratory), fez um grande projeto de pesquisa para produzir microalgas para biocombustíveis, por uns cinco ou dez anos. E esse projeto acabou sendo engavetado, no final dos anos 1980. Em 2005, é que houve uma retomada dessas pesquisas, principalmente nos Estados Unidos, com viés muito privado, com grandes empresas investindo. De 2005 para cá esse mercado realmente tomou um grande fôlego.
Já temos como saber se a nossa alga pode ser mais competitiva que a norte-americana?
Não é questão da nossa alga ser mais competitiva do que a deles. Diria que a gente, como empresa, tem um conceito de exploração diferente do que esses projetos milionários dos Estados Unidos. Explicando de uma forma curta e simples, os projetos dos Estados Unidos estão, principalmente, procurando trabalhar com água limpa, ou água de rio, ou água do mar, por uma rota fotossintética, ou seja, eles querem que as algas captem a luz do Sol e a transformem em energia química.
A gente está indo por uma rota diferente, estamos tentando produzir a partir de resíduos agrícolas, onde elas também podem ser cultivadas. E qual é o grande resíduo agrícola que temos disponível hoje no país? Vinhaça, das usinas de etanol. Então a ideia é que a gente faça o cultivo das algas em vinhaça. Assim conseguimos um duplo objetivo: não só não uso água limpa, não estou concorrendo com água para uso humano. A segunda possibilidade que temos para dar certo é usar a região geográfica do Nordeste para produção desse biodiesel. Nesse último caso, nossa empresa ainda não investe, mas pensamos em produzir nessa região no futuro.
Mais uma vez estamos sendo mais competitivos...
Acho que sim. Acho que é pelo enfoque. Quando comecei a empresa, não tinha esses muitos milhões que os norte-americanos têm. Então pensei em fazer uma coisa diferente, que só nós aqui do Brasil poderíamos fazer. Quem sabe não daria uma sorte grande? Então acho que o risco que a gente tem de dar certo, é esse.
Por que a produção pode ser melhor no Nordeste?
Primeiro, porque nessa região há insolação e temperatura adequadas para a produção de algas. Segundo, temos água salina subterrânea à vontade no Nordeste. Então, temos um grande potencial ali que ainda está para ser explorado. Como nossa empresa é de São Paulo, e temos um 'cobertor curto', estamos trabalhando nos integrando com as usinas [de cana de açúcar]. Mas já tem gente pesquisando isso lá, a própria Petrobras é uma.
A produção de litros de biodiesel por hectare de alga plantada é competitiva?
Totalmente competitivoa em relação à área. O número que é razoavelmente aceito pela comunidade científica e empresarial é algo por volta de 30 mil a 40 mil litros de óleo por hectare.
Isso é comparável ao quê?
Isso é comparável a nada. Se pegarmos o etanol, essa produção é de 6 mil a 7 mil litros de álcool por hectare. Só que o álcool tem um poder calorífero bem menor que o diesel. O poder calorífero do diesel é 30% maior que do álcool. Então a comparação é de 40 mil litros da alga com 7 mil litros da cana A soja, para ter uma ideia, a grande matriz do nosso biodiesel, produz 300 litros por hectare. É uma vergonha, de tão pouco.
Sua empresa recorreu a financiamentos públicos? E qual é a relação de parceria com a iniciativa privada?
A empresa acabou sendo constituída em 2009 quando eu me associei a um grupo de São Paulo que se chama Ecogeo, que tem 30 anos de história na área ambiental, com R$ 50 milhões por ano de faturamento, e 200 funcionários. Ou seja, um grupo já estruturado. O investimento privado da Algae vem deles.
Agora, temos também amparo da Finep e do BNDES para essas pesquisas. O BNDES está ajudando com um projeto cujo valor global é de R$ 3,6 milhões para três anos. Só que esse é um projeto que a gente faz em parceria com a Universidade Federal de São Carlos, nessas linhas de inovação que o dinheiro vai para a universidade e a gente co-aporta recursos. Então é um projeto conjunto com uma instituição acadêmica, voltado para pesquisa de biodiesel. Com a Finep a gente tem um projeto cujo o valor global é de R$ 2 milhões, também para três anos, de pesquisa interna, é uma linha de pesquisa que se chama Subvenção Econômica.
NOTA BOTOCUDA
Retirei o video luso (que não rodava direito aqui no blog) que mostrava uma experiencia pequena "trás-dos-montes" e substitui por essa entrevista aqui, que achei honesta, mesmo tendo um pé atras com o entrevistado, que é filho do físico José Goldemberg, tucano de 4 costados e neoliberal (vendilhão da pátria?) de escól. Como a fruta sempre cai perto do arvore, temos que ficar espertos...
... mas o teor do seu depoimento confere. A opção de cultivar algas com vinhaça pode ser promissora assim como aproveitar o nordeste brasileiro para desenvolver essa tecnologia pelas boas condições que aquela região oferece, como foi colocado.
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