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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Pedro e os Lobos – uma historinha dos tempos de Getulio


– Meu pai (1) havia servido o Exército e era votante do Partido Republicano Paulista –PRP. Mas, politicamente, não sabia onde estava, não tinha nada na cabeça. Em 1924, veio à capital pra combater o general Isidoro Lopes Dias porque os militares mandaram. Na Revolução Constitucionalista foi a mesma coisa, lutou por São Paulo obrigado.

Mesmo crescendo em um ambiente apolítico, lá pelos 12 anos o futuro militante comunista presencia um crime que marcará, para sempre, sua personalidade social:

– João Alves, um dos empregados da Fazenda (2) onde eu morava, estava doente. Então, pra aliviar um pouco o esforço do trabalho na roça, ele providenciou um cabo mais comprido pro seu penado.

Pedro conta que o administrador da fazenda São Sebastião fica furioso quando percebe a modificação na ferramenta.

– Aquilo era proibido pelos ingleses por mero capricho. Porque não havia nada de mais em se ter um penado com o cabo um pouco maior.

Sentindo-se desrespeitado, Douglas Batchelar, o administrador, faz questão de humilhar o empregado na frente dos outros trabalhadores. O inglês discutiu com o João no almoxarifado, xingou de tudo quanto é nome e ainda lascou um tapa na cara do coitado. Depois, colocou o empregado no olho da rua sem direito a nada.

Naquela época, num lugar de poucas propriedades rurais produtivas e esparsas cidades, como era a região de Caraguatatuba, quem fosse demitido não arrumava mais trabalho. Com os filhos infectados pela malária, sem dinheiro ou lugar para morar, o lavrador se desespera.

No dia seguinte bem cedinho, João Alves pegou uma garrucha e foi esperar o inglês no sopé d'um morro. Como faz toda manhã, mister Batchelar - de terno de brin caqui e chapelão Panamá - manda encilhar seu cavalo manga-larga e, após saborear um farto breakfast, sai para a cavalgada matinal. Quando o inglês chegou àquele sopé, João Alves saiu da tocaia e disparou o primeiro tiro. Dizem que o administrador ainda gritou, com seu sotaque carregado:

– Não faz essa. João! Não faz essa!

Mas de nada adiantaram as súplicas do gringo. A segunda bala pegou bem no meio do peito e ele morreu na hora. Acionada a polícia, o ex-empregado da Anglo será preso em flagrante.

Aquele crime se transformou numa pendenga internacional, porque o governo britânico pediu a extradição do assassino para ele ser julgado por um tribunal de lá. Na época, contaram ale que os ingleses ofereceram o peso de João Alves em ouro ao Getúlio, mas este não teria aceitado, alegando que a dignidade de um brasileiro não tinha preço.

Extraído do livro Pedro e os Lobos, de João Roberto Laque, 2010 – Editora AVA

NOTAS BOTOCUDAS

(1) Narrativa por Pedro Lobo de Oliveira, de fatos verídicos ocorridos no inicio da década de 1940.

(2) Fazenda de frutas tropicais de propriedade da S.A. Frigorífico Anglo, de capital inglês.

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