A poucos metros do Congresso espanhol surgiu outro parlamento. Outra democracia nasce de zero, no km zero, centro geográfico de Madrid, na Porta do Sol - tornou-se uma grande ágora. Em vez de numeros representativos contados em bancadas de deputados, a representatividade conta-se em metros quadrados, em vez do presidente do Congresso é um moderador que estudou Filosofia Clássica.
Em vez de mesa do Congresso é um voluntário que toma nota do que é dito e faz um resumo de cada tópico antes de passar para a próximo. Não há pauta, e sim uma folha com 24 pontos em aberto para receber propostas que se discutem e depois se aprovam ou reprovam simplesmente levantando o braço e as mãos balançando como numa linguagem gestual de surdo-mudos.
Existem comissões para as diferentes áreas (comunicação, infra-estrutura, alimentação...) mas não em salas em prédios, mas em tendas, abrigos simples de lonas ou ao ar livre mesmo. Há grupos especificos por temas (panelinhas), mas que não estão nas salas, e sim na rua, em cada esquina. Apaixonados e acalorados confrontos dialéticos surgem como cogumelos na nova ágora da Porta del Sol. Ouvidos seletivos podem atualizar-se com facilidade em qualquer um dos temas mais vibrantes da atualidade. Cidadãos falam.
"Consideramos extrememente injustas: a Lei de Estrangeiros, o Processo de Bolonha, a Lei Sinde, Lei Eleitoral e da Igualdade dos Géneros" é o que se ouve através de um megafone que passa de mão em mão. "Temos que acabar com o apoio do governo para a Igreja", defende uma mulher de meia-idade. "O socorro deve ser dado a famílias que perderam suas casas e não aos bancos", diz uma jovem. Uma avalanche de propostas em meia hora. "Estamos buscando um consenso mínimo que esclarecer o que estamos defendendo", disse o moderador.
extraido de El Pais, onde pode se ler o artigo completo
A indignação das ruas
por Mauro Santayana, no JB Premium (só para assinantes)
Os protestos populares na Espanha não diferem, em sua essência, dos que ocorreram e ocorrem nos países árabes. Excluída a observação de que a Europa começa nos Pirineus, que tenta localizar historicamente a Península Ibérica na África, há mais do que a proximidade geográfica na semelhança entre os movimentos. Se, no caso dos países árabes, muitos dos manifestantes se insurgem contra o poder pessoal, na Espanha esse protesto se dirige contra o sistema como um todo.
No capitalismo neoliberal, dominado por banqueiros corruptos, políticos corruptos, intelectuais corrompidos, e alguns poderosos meios de comunicação, pouco importa o partido que se encontre no poder: a ordem de domínio e de exploração é a mesma.
A ocupação das ruas não é nova na história. A possível desordem nas manifestações populares nem sempre é má. Muitas vezes é a expressão da ira dos justos. O padre Francisco Lage, de Belo Horizonte, ao ser questionado por liderar manifestações populares, no início dos anos 60, costumava dizer que muitas vezes é preciso a desordem das ruas, para que se imponha a ordem nas consciências. Em uma dessas manifestações, em favor dos trabalhadores municipais havia meses sem receber, o padre montou um presépio humano na véspera do Natal, que se encenava, alternadamente, sob a marquise dos grandes bancos. Os banqueiros se reuniram e fizeram generoso empréstimo à Prefeitura, a fim de livrar-se da incômoda manifestação de fé.
Por mais os meios de comunicação finjam não perceber o que tais manifestações anunciam, o povo está começando a sair às ruas, e às ruas sairão, em todas as latitudes e longitudes, em busca de uma vida mais humana. As instituições estatais não podem continuar a serviço dos mais fortes, nessa promiscuidade escandalosa entre os que dominam o capital financeiro e os que ocupam os governos. Os grandes jornais norte-americanos não noticiam, como deveriam, os movimentos que, de forma discreta, por enquanto, começam a surgir naquele país, protestando contra a crescente e insuportável desigualdade social.
Ontem à noite, milhares de pessoas se reuniam na Porta do Sol, centro geográfico de Madri, convocados pelo movimento suprapartidário dos indignados, sob o lema de Democracia Real, Já. Não admitem que a crise econômica seja resolvida com o sacrifício dos trabalhadores, enquanto as corporações multinacionais, dominadas pelos grandes bancos – como algumas que nos exploram no Brasil – continuem beneficiadas pelo governo. Hoje, são os “socialistas” que se empenham em favorecer o capitalismo neoliberal, como ontem foram os conservadores, dentro do sistema eleitoral vigente – parlamentarista e de listas fechadas, registre-se. Como disse o comentarista Iñaki Gabilondo, de El Pais, os partidos devem deixar a sua postura narcisista e entender o que se passa na sociedade real da Espanha. Terão que se refundar, com seriedade e urgência.
Enganam-se os que se encontram no poder. Se, em toda a História, o poder foi situação precária, sujeita às intempéries sociais, em nossos dias sua fragilidade é maior. A força da internet tornou veloz a mobilização dos inconformados e a explosão dos indignados. Como bem comentou o jornalista Ramón Lobo, em seu blog acolhido por El País, “Madri não é Tahrir, mas o vírus é o mesmo: o fastio de uma juventude sem esperança – diante de um mercado minguante que se “moderniza” cortando direitos sociais e empregos – com o único horizonte de contratos imundos, de longa duração. Prevalece a voz oficial, a dos outros, a da linguagem burocratizada, a das entrevistas coletivas sem perguntas, a dos intocáveis”.
Frente aos superbilionários que, todos os anos, se reúnem em segredo, para dividir o mundo em novas colônias, a indignação das ruas é a legítima e necessária ação de defesa dos oprimidos. Em todas as latitudes.
ADENDOS & PENDURICALHOS
385 protestos ao redor do mundo marcam apoio ao movimento espanhol da Plaza Puerta del Sol
Quem protesta se diz contrário às reformas “anti-sociais” do governo, que afirmam estar “nas mãos dos banqueiros”. Dessa forma, os membros do grupo Democracia Real Ya! exigem “uma mudança de rumo e um futuro digno”, além de medidas contra a “corrupção dos políticos, empresários e banqueiros”.
As principais propostas do grupo que organiza as manifestações são a “eliminação dos privilégios da classe política, a diminuição do desemprego, o direito à moradia, serviços públicos de qualidade, controle das entidades bancárias, fiscalização, liberdade para os cidadãos, além de democracia participativa...
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