José Luis Azaceta, El viaje, 1986
por Mair Peña Neto, do Direto da Redação
O sistema capitalista em sua predatória fase financeira prega a total liberdade dos fluxos de capital, mas não concede o mesmo às pessoas. Os Estados-nação perdem soberania com a enxurrada de capitais voláteis que afetam suas economias, mas mantêm as fronteiras fechadas para o ser humano vítima das crises econômicas e dos atos de guerra.
Basta falar de controle de capitais para o mundo vir abaixo pelas vozes dos arautos do mercado financeiro. Mas se a mesma liberalização for proposta para a circulação das pessoas, as reações são proporcionais, principalmente no mundo rico. Os mais prósperos gostam de viver em guetos, o que se reproduz mesmo nos países mais pobres, com o isolamento das elites em seus condomínios fechados.
O egoísmo humano ganhou contornos mais perversos no recente episódio dos 63 imigrantes africanos que deixavam seu continente acossados pela guerra e pela miséria. Uma guerra, diga-se de passagem, criada pelos europeus e pelos Estados Unidos, em nome de uma suposta defesa da população civil líbia.
A intervenção estrangeira na Líbia, com seus bombardeios, criou uma legião de refugiados que tenta alcançar solo europeu em busca da sobrevivência. Mas é rejeitada e tratada como bicho, quando não abandonada à própria sorte, como aconteceu com a embarcação que deixou Trípoli com 72 pessoas a bordo e chegou a território europeu com apenas 11 vivos, depois de ter pedidos de socorro ignorados por embarcações da OTAN e autoridades de pelo menos três países.
A falta de solidariedade já havia se manifestado antes, quando a Itália, que recebe a maioria dos refugiados na ilha de Lampedusa, a meio caminho entre o norte da África e a Europa, pediu ajuda a seus vizinhos. A França tratou de fechar suas fronteiras a trens provenientes da Itália com imigrantes africanos e ainda teve o apoio da União Européia, que não viu violação da lei que garante a livre circulação de pessoas no continente.
A França queria que os africanos apresentassem passaporte e provassem que podiam se sustentar financeiramente para entrar em seu território. Ignorou sua condição de refugiados, que tentam refazer suas vidas no momento em que são mais uma vez vítimas dos abusos europeus, com participação direta da França.
A velha Europa, cenário de tantos conflitos, parece incapaz de ser solidária, mesmo internamente. A periférica Finlândia ameaça (ameaçou) vetar o socorro da União Européia a Portugal, mergulhado numa severa crise financeira. Os portugueses lembraram a ajuda que prestaram à Finlândia no conflito com a União Soviética, em 1940, enviando víveres e agasalhos, e pedem reciprocidade.
Não sei se a ajuda à Finlândia foi movida pela solidariedade ou pela aversão ao comunismo por parte do regime salazarista, mas ela efetivamente aconteceu e envolveu muitos portugueses. Seja como for, poderia se demonstrar agora diante de um pequeno vizinho de continente. Mas o que move as relações entre as nações não são valores morais e sim financeiros. As noções de ajuda e respeito parecem ter desaparecido, como testemunhamos no Brasil com a chuva de críticas quando o governo agiu de forma solidária a vizinhos de economia menor, como Bolívia e Paraguai.
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