por Nelson Niesenbaum, no Direto da Redação
As famosas e "doutas" páginas amarelas da Veja trouxeram recentemente entrevista com o professor Denis L. Rosenfield, filósofo gaúcho que na sua argumentação aponta aquilo que tem como excessos do estado na regulação da vida do cidadão comum. Queixa-se mais especificamente da Anvisa, tema no qual guardo um certo grau de solidariedade com suas angústias. Entretanto, o professor tenta convencer-nos que os excessos da Anvisa são consequências da forma de governar do PT, e por outro lado, insiste na tese de que o estado não deve tolher as liberdades do cidadão no que tange a atos como fumar, alimentar-se com produtos de má qualidade, e assim por diante. Cita filósofo do século XVII, John Locke, que afirmava que ninguém pode ser obrigado a ser rico e saudável contra a sua própria consciência.
Contestar o professor Denis exigiria um grande texto e um grande esforço físico (não intelectual) que apenas valorizaria uma vergonhosa atuação de um professor de filosofia. Mas, sinto-me minimamente na obrigação de alertar sobre alguns pontos.
Em primeiro lugar, trazer John Locke ao debate atual é zombar da nossa paciência, afinal, a realidade do estado e dos conhecimentos científicos, e mesmo dos riscos epidemiológicos daquela época guardam distância astronômica do momento atual. Naquele tempo, nem se imaginava o que seria uma política de saúde pública e o grau de contribuição de cada elemento da sociedade neste processo. O conhecimento científico da medicina estava nas fraldas, para dizer o mínimo. A frase de Locke, no contexto atual, é portanto uma pilhéria, de péssimo gosto, por sinal.
Na questão de atitudes que possam ferir a liberdade do indivíduo, como enfatiza o professor na questão do fumo, por exemplo, vale lembrar que o maior regulamentador de propaganda (do que ele também tanto se queixa) de álcool e cigarro foi o Sr. José Serra, em suas gestões no Ministério da Saúde e no governo do estado de S.Paulo. Ao que me consta, aquele senhor jamais engrossou as fileiras do PT.
Resta o debate se cabe ao estado regular isto ou coisas equivalentes, sob a argumentação das liberdades individuais. E por acaso, alguém pode ser livre ao tornar-se dependente de substâncias químicas vendidas e distribuídas sem qualquer controle? Por acaso alguém pode fazer escolhas livres desconhecendo as consequências dessas escolhas?
Já manifestei-me por diversas vezes contra a fúria da Anvisa, e em muitos pontos concordo com o professor, mas por outros motivos e causas.
Mais adiante, faz o professor críticas ao Estado quanto às legislações, em um discurso que insinua ao desavisado que as leis brotam de iniciativas unilaterais do executivo, em nenhum momento ressaltando o papel das câmaras e de sua representatividade democrática. Atribui ainda ao PT a capacidade de atrair os representantes do atraso político e ideológico para o governo. Ora, professor, nenhuma citação ao governo FHC, que atraiu Antonio Carlos Magalhães, Jáder Barbalho, Inocêncio Oliveira, Marco Maciel, entre tantos outros coronéis? Nenhuma citação aos setores religiosos retrógrados e teocráticos? Por um lado, chama Locke, do século XVII, por outro lado, ignora (ou esconde) o quintal da nossa história?
Como disse anteriormente, o trabalho de contestação seria imenso, e não disponho de tempo e combustível para isso, mas minimamente, cumpro o meu dever de ressaltar os riscos da pseudo-intelectualidade, que parece ser uma marca indelével de certos setores da imprensa que já perderam o senso de medida na sua marcha fúnebre pós-eleitoral de 2010. Realmente, é impressionante a capacidade da direita de fazer um belo e atraente embrulho de seu ideário anêmico e mixedêmico. Que pena, o debate poderia ser melhor. A Veja continua insistindo no papel de presente para embalar o nada.
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