Excertos de entrevista sociólogo Pablo Bonavena, no Outras Palavras
A partir da queda do Muro de Berlim para cá, desde o fim da União Soviética e do fim da Guerra Fria, a guerra vai adotando novas formas, mais avançadas do que daquelas que teve durante a dissuasão nuclear – no contexto da Guerra Fria, dessa luta entre os Estados Unidos e o mundo ocidental que enfrentavam o comunismo, com a União Soviética e a China à frente.
Superada essa situação de certa polaridade, pelo menos militar, abre-se uma nova etapa onde se começa a ver que, em algum grau, o enorme esforço militar das grandes potências, sobretudo os Estados Unidos, tem uma eficácia bastante pobre em relação aos investimentos nos campos reais de batalha. O que se nota é uma disparidade de forças que não surte os resultados que, em princípio, se esperaria racionalmente frente a essa disparidade.
É assim que uma das discussões mais importantes na teoria da guerra, no debate doutrinário militar e técnico-militar, passa por aquilo que se conceitualiza como o “problema” da assimetria de forças. E transforma-se em um problema porque uma força militar enorme, de poderio impressionante, não gera os resultados concretos esperados frente ao que seriam esforços sumamente artesanais de praticas de guerra irregular, correntemente denominada “terrorismo”.
A assimetria constitui-se como um problema porque, justamente, os menos poderosos conseguem efeitos na ação militar, e, evidentemente, também política, sumamente importantes. Basicamente, à assimetria de forças corresponde uma assimetria estratégica. Quem não pode responder frontalmente, responde de outra maneira. Exércitos muito importantes com baixa eficácia diante de forças que, como se diz em parte da doutrina militar, não cooperam estrategicamente.
Quer dizer, que combatem de uma maneira totalmente diferente. E em que sentido? Não é mais um Estado diante de um outro Estado com certa previsibilidade no desenvolvimento da guerra, senão que há formas em que o tempo e o espaço, por exemplo, mudaram a maneira de combater.
Quanto aos métodos tradicionais de guerra, um exército invasor não é simpático porque os bombardeios atacam civis, o que chamam de danos colaterais. Mas seriam estes realmente só danos colaterais? Não são danos colaterais coisissima nenhuma, apresentam-nos dessa forma, mas não são. Uma prática que surgiu na Segunda Guerra é que o alvo é a população civil. Calcula-se que, nos conflitos dos últimos 20 anos, 95% ou 97% das baixas seja população civil, o que nunca pode ser um dano colateral. Não há danos colaterais. Dano colateral seria algo que deu errado, mas não, isto acontece sistematicamente. Nas guerras dos Balcãs atacavam diretamente cidades de um lado e de outro. Aqui, a imprensa ressoava apenas as ações das tropas sérvias.
Os EUA tem um excelente desempenho militar em Hollywood e na visão da mídia alinhada. Fora daí, têm vários problemas. Pretendem criar uma ideologia de guerra em seu país que lhes dê consenso para suas intervenções militares. Por isso, sempre é muito mais recomendado, àquele que quiser saber realmente sobre o Iraque e o Afeganistão, que leia opiniões os especialistas militares norte-americanos, e não a imprensa. Porque, quando a imprensa fala de uma intervenção cirúrgica e bem sucedida, com poucos danos colaterais, um general norte-americano publica uma nota na Military Review dizendo: “Fizemos um papelão, matamos um monte de gente que não tinha nada a haver com isso, e que devem estar nos odiando ainda mais, e temos que mudar tudo, porque estamos em crise”. E estamos falando de uma revista oficial do exército norte-americano!
Agora, com relação à praticas irregulares, com um reduzidíssimo orçamento, provocam efeitos políticos enormes. Falemos concretamente da quantidade de mortos produzidos pelo chamado “terrorismo”. Houve cerca de 4.000 baixas em todo o mundo por atos terroristas (?? – no ano?), certamente bem menos que aquelas que um país produz por acidentes de trânsito. Ou seja, que o terrorismo mata menos que a gripe. É a forma de violência política mais moderada. Há um trabalho de propaganda para apresentá-lo como uma monstruosidade.
Não com o intuito de justificar nada, mas o terrorismo é a forma menos letal de violência. Temos sempre o cuidado de chamar de ataques ao que, geralmente, se conhece como atentado, é uma força que ataca outra força. Aliás, se prestarmos atenção, a acusação de “terrorista” é muito tênue. Houve dois terroristas prêmios Nobel da Paz, entre eles Yasser Arafat. E agora você tem o Obama também Nobel da Paz. De fato, agora o inimigo é uma prática, o que é um absurdo. Dizem que o nosso inimigo é o terrorismo: uma formulação ridícula e pobre.
Efetivamente, nos dizem que o terrorista é um ser malvado, cruel, irracional, etc. Que, portanto, deve ser aniquilado. Em outra escala da mesma figura, quem temos? O delinqüente - nem sequer como delinquente, pela insegurança. O terrorismo tem um nível mais alto, a insegurança um nível mais baixo. A forma de construir a ideia é a mesma. Quem provoca insegurança o faz de maneira cruel, irracional, não há lógica… a mercantilização do medo (ver aqui).
Quanto à quantidade de mortos produzidos pelos exércitos regulares: Há um estudo feito pela revista The Lancet, uma publicação médica inglesa de muito prestígio, sobre os mortos no Iraque. Publicaram em 2006 uma pesquisa na qual haviam contado 650.000 mortos, somente no Iraque.
No artigo, explicam muito bem a metodologia: que utilizaram informes médicos de vários hospitais. Mas há lugarejos, com pequenas aldeias que simplesmente desapareceram; ou os grupos nômades onde todos morreram. Quantos mortos houve em Fallujah? Sabe como podem ser contados? Com o censo, o último foi feito em 1972 ou 1973, e então se conclui quanto era a população, qual era a expectativa de crescimento vegetativo e se vê quantos restaram.
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