Fábio Soalheiro - este artigo apareceu originalmente na revista Nautica nº 163, em março de 2002
Sou proprietário de um veleiro de 52 pés e, sempre que posso, troco o Guarujá, em São Paulo, por Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, local que considero o verdadeiro paraíso náutico do Brasil.
A cada verão surpreendo-me, porém, com o aumento de praias fechadas por "centenas de bóias amarelas" colocadas em frente a mansões e com um único e estreito acesso para os barcos dos felizes proprietários destes casarões, que, além de proibirem o acesso às praias públicas, agora se acham donos também do mar.
Este ano, para minha grande surpresa e decepção, um proprietário simplesmente radicalizou: fechou toda uma enseada com mais de 100.000 m2de bóias enfileiradas, evitando qualquer possibilidade de ancoragem, mas sem se esquecer, é claro, de deixar uma estreita passagem para que suas lindas e caras lanchas pudessem chegar ao cais da casa. A tal enseada — totalmente protegida do mar e do vento — está localizada na Ilha da Gipóia, entre a Ponta do Amaral e a Praia da Fazenda, no waypoint 23°02'36"S e 44º 22'23"W, que consta da carta náutica como um lugar seguro para ancoragem.
Como é possível que a Marinha Brasileira e, em especial, a Capitania dos Portos de Angra dos Reis sejam coniventes com os interesses de milionários que acham que podem tudo — construções irregulares na costeira, praias fechadas, helipontos em cais e agora, ao que parece, grilagem de pedaços de mar — e, o pior, tudo com licença concedida pela Capitania dos Portos sob a desculpa esfarrapada de que os proprietários estariam criando mariscos? Por , isso, tenho algumas perguntas a fazer:
1 - O que aconteceria se durante uma noite com pouca visibilidade eu, com meu veleiro de 21 toneladas e guiado pela carta oficial da Marinha Brasileira, entrasse nesta baía para ancoragem e sem enxergar as bóias acabasse enrascado em centenas de bóias e de metros de cabos? Seria eu o culpado? Claro, pois sendo o mais fraco, eu teria ainda de arcar com os prejuízos do coitado do milionário;
2 - Se eu teria também o direito de ancorar o meu veleiro em uma tranqüila enseada e depois cercá-la com centenas de bóias, tomando este pedaço de mar como meu — quem sabe o Saco do Céu ou as proximidades da Ilha da Cotia, em Parati (RJ) — devidamente autorizado pela Capitania dos Portos?
3 - Ou ainda: quanto custa e a quem devo pagar por estes minifúndios" no mar?
Que fique claro: não sou contra projetos de cultivo de mariscos. Tenho a certeza de que é uma fonte de renda real para as populações costeiras e uma forma de repovoar os nossos mares.
Existem projetos sérios, como os da Ilha de Santa Catarina, que dão resultado e têm o apoio da Universidade Federal de Santa Catarina, e que concretamente melhoraram as condições de vida das colônias de pescadores. Defendo, assim, que as "autorizações" fornecidas pelas Capitanias dos Portos se façam para projetos tecnicamente viáveis, que contem com o apoio de entidades sérias e beneficiem de fato as populações carentes das costeiras. Definitivamente não é o que ocorre nas águas da Baía de Ilha Grande.
Para evitar algum tipo de represália, não identifico meu veleiro. Estou enviando uma cópia deste artigo não só para a Marinha do Brasil e para a Capitania dos Portos de Angra dos Reis como também para todos clubes de velas e associações. Adiantará alguma coisa?
Comentário
Ah se fosse o MST... Esses são os bacanas que latem sem parar para os movimentos sociais. A sacanagem está tão institucionalizada que até vendem praias particulares já. Escolha:
Bem, nem MST nem esse tipo de coisa são toleráveis. Um não deve usar o outro como desculpa, como infelizmente é comum nas terras patropis.
ResponderExcluirA gente que mora num Estado onde a "publicidade" das praias é mais ou menos respeitada, acha estranho e desagradável esses lances de praia particular. A empresa que eu trabalhava era de Pernambuco e às vezes promovia eventos de fim de ano num daqueles "resorts paradisíacos" perto de Recife. Leia-se: um lugar todo artificial, com praia cercada de seguranças e pobreza por todos os lados.
Não que a pobreza reinante seja culpa do resort, mas honestamente, qual é a graça? Ao menos a cama era fofinha, eu ficava o dia inteiro dormindo :)
A mesma coisa acontece em Porto de Galinhas: o acesso à praia está todo loteado, é um aborrecimento dirigir até lá por conta dos inúmeros guias e prepostos de pousadas oferecendo os serviços.
A praia que eu gostava de ir lá era Maracaípe: praia pública, aberta, casas apenas "do lado de lá da rua", e era bem frequentada, no sentido que gente com *muita* grana ia lá. Acho que esse negócio de desejar isolamento dos pobres "sujos" é coisa de classe média mesmo...