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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Carta a um Petista


Frei Betto, no Correio Braziliense - 11/06/2010


Meu caro:

sua carta me chegou com sabor de velhos tempos, pelos Correios, em envelope selado e papel sem pauta, no qual você descreve, em boa caligrafia, a confusão política que o atormenta.

Pressinto quão sofrido é para você ver o seu partido refém de velhas raposas da política brasileira, com o risco de ser definitivamente tragado, como Jonas, pela baleia... sem a sorte de sair vivo do outro lado.

A política é a arte do improviso e do imprevisto. E como ensina Maquiavel, trafega na esfera do possível. O sábio italiano foi mais longe: eximiu a política de qualquer virtude e livrou-a de preceitos religiosos e princípios éticos. Deslocou-a do conceito tomista de promoção do bem comum para o pragmatismo que rege seus atores — a luta pelo poder.

Você deve ter visto o célebre filme O anjo azul (1930), que imortalizou a atriz Marlene Dietrich e foi dirigido por Joseph von Stemberg e baseado no livro de Heinrich Mann, irmão de Thomas Mann. É a história de uma louca paixão, a do severo professor Unrat (Emil Jannings) por Lola-Lola, dançarina de cabaré. Ele tanto aspira ao amor dela, que acaba por submeter-se às mais ridículas e degradantes situações. Torna-se o bobo da corte. Nem a cortesã o respeita. Então, cai em si e procura voltar a ser o que já não é. Em vão.

Me pergunto se o PT voltará, algum dia, a ser fiel a seus princípios e documentos de origem. Hoje, ele luta por governabilidade ou empregabilidade de seus correligionários? É movido pela ânsia de construir um novo Brasil ou pelo projeto de poder? Como o professor de O anjo azul, a paixão pelo poder não teria lhe turvado a visão?

Você se pergunta em sua carta “onde o socialismo apregoado nos primórdios do PT? Onde os núcleos de base que o legitimavam como autorizado porta-voz dos pobres? Onde o orgulho de não contar, entre seus quadros, com ninguém suspeito de corrupção, maracutaias ou nepotismo?”

Nunca fui filiado a nenhum partido, como você bem sabe e muitos ignoram. É verdade que ajudei a construir o PT, mobilizei Brasil afora as Comunidades Eclesiais de Base e a Pastoral Operária, participei de seus cursos de formação no Instituto Cajamar e de seus anteparos, como a Anampos e o Movimento Fé e Política.

Prefeitos e governadores eleitos pelo PT me acenaram com convites para ocupar cargos voltados às políticas sociais. Tapei os ouvidos ao canto das sereias. Até que Lula, eleito presidente, me convocou para o Fome Zero. Aceitei por se destinar aos mais pobres entre os pobres: os famintos.

O governo que criou o Fome Zero decidiu por sua morte prematura e deu lugar ao Bolsa Família. Trocou-se um programa emancipatório por outro compensatório. Peguei o meu boné e voltei a ser um feliz ING, Indivíduo Não Governamental. Tudo isso narrei em detalhes em dois livros da editora Rocco, A mosca azul e Calendário do Poder.

Amigo, não o aconselho a deixar o PT. Não se muda um país vivendo fora dele. O mesmo vale para igreja ou partido. Há no PT muitos militantes íntegros, fiéis a seus princípios fundadores e dispostos a lutar por uma nova hegemonia na direção do partido.

Ainda que você não engula essas alianças que qualifica de “espúrias”, sugiro que prossiga no partido e vote em seus candidatos ou nos candidatos da coligação. Mas exija deles compromissos públicos. Lute, expresse sua opinião, faça o seu protesto, revele sua indignação. Não se sujeite à condição de vaca de presépio ou peça de rebanho.

Se sua consciência o exigir, se insiste, como diz, em preservar sua “coerência ideológica”, então busque outro caminho. Nenhum ser humano deve trair a si próprio. Quando o faz, perde o respeito a si mesmo, como o professor de O anjo azul. Mas lembre-se de que uma esquerda fragmentada só favorece o fortalecimento da direita.

A história não tem donos. Muito menos os processos libertadores. Tem, sim, protagonistas que não se deixam seduzir pelas benesses do inimigo, cooptar por mordomias, corromper-se por dinheiro ou função. Nunca confunda alianças táticas com as estratégicas. Ajude o PT a recuperar sua credibilidade ética e a voltar a ser expressão política dos movimentos sociais que congregam os mais pobres e as bandeiras que exigem reformas estruturais no Brasil.

Lembre-se: para fazer a omelete é preciso quebrar os ovos. Mas não se exige sujar as mãos.

E em São Bento do Sul?


Essas questões são claras também em São Bento do Sul, onde o PT local (ultimamente sempre no governo da hora) abriu mão de de sua tradição social, em nome de alianças esquisitas, apóia partidos cujas bases são o governo do estado, ou governo municipal. Os quadros partidários petistas locais se tornaram funcionários, moeda de troca de favores em cargos de segundo e terceiro escalão. Enfim, o PT de SBS, ao risco de rachar, preferiu abandonar suas bases sociais (há anos era inimaginável o Partido dos Trabalhadores apoiando um empresário elite-conservador), optou por ser um partido de governo, qualquer que seja, mas antes de tudo ficou sem ideais, sem princípios, sem programa. Esse é o quadro momentâneo, mas o PT sãobentino precisa mudar isso para não acabar por perder o trem da história.

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