por James Meek, na London Review of Books. tradução do Viomundo do Azenha
As privatizações estão se acumulando. Primeiro foi o gás. Depois as empresas de telefonia, de petróleo, de eletricidade, as moradias públicas, distribuição de água, as ferrovias e os aeroportos. Existem medidas para obliterar o conceito de moradia social; os hospitais do NHS [o SUS britânico] serão construídos e gerenciados privadamente; agora o David Cameron quer que empresas privadas e governos estrangeiros ‘invistam’ nas rodovias do Reino Unido. O que isso significa? O caráter episódico da privataria — um setor à venda, pausa, outro setor à venda — esconde a metaprivatização que já atravessou a barreira dos 50%. Os bens essencialmente públicos que Margareth Thatcher, Tony Blair e agora Cameron vendem não são as estações, os trens ou hospitais. É o público, em si. Somos nós.
O bem que torna a água, as estradas e os aeroportos valiosos para um investidor, estrangeiro ou não, é o povo que não tem escolha. Não temos escolha mas pagar o preço que nos é cobrado nos pedágios. Somos um fluxo de receitas; somos locatários de nossa própria terra, definidos pela coleção de taxas privadas que pagamos para existir nela. Se não é óbvio que somos vendidos aos investidores, é parcialmente pela forma como a ideia de privatização nos é vendida, hipnoticamente familiar. Primeiro vem a desqualificação do serviço existente, como se uma verdade universal estivesse se manifestando: as escolas/hospitais/rodovias estão caindo aos pedaços/desabando/são de segunda classe. Então, vem a rejeição da responsabilidade governamental: não temos dinheiro, os burocratas são incompetentes. Finalmente, a solução: investimento privado.
E o investimento vem e as coisas ficam mais reluzentes. Se o setor privado não pagasse para trocar os encanamentos, reformar as rodovias velhas e as usinas de energia, seríamos obrigados a pagar mais impostos? A verdade é que já pagamos impostos muito altos. Só que eles não são chamados de impostos. Nosso sistema de distribuição de água está sendo reformado por causa de um grande aumento no preço dos impostos. Mas não é o que se diz. É chamado de “conta d’água”. Como Chris Giles explicou recentemente no Financial Times, as contas de água subiram duas vezes mais que a inflação desde a privatização. Pagamos um imposto ferroviário: é chamado de aumento de tarifa. Pagamos um imposto de energia, na forma de tarifas mais altas e assim por diante.
Ao embrulhar os cidadãos britânicos e vendê-los, setor por setor, a investidores, o governo torna possível manter os impostos tradicionais baixos ou até os corta. Ao sair de um sistema em que os serviços públicos são mantidos por impostos para um sistema em que são mantidos pelas contas pagas pelos usuários, deixamos um sistema no qual os ricos são obrigados a ajudar os pobres para um sistema no qual os de baixo bancam os serviços, como uma rede de estradas, que os ricos recebem pelo que, para eles, é uma pechincha.
Haverá uma revolta? Houve uma nos anos 90 na ilha de Skye. Ostensivamente, o setor privado ia construir algo que os ilhéus não conseguiriam de outra forma: uma ponte para substituir a balsa. Mas os ilhéus entenderam o que estava acontecendo. Eles estavam sendo vendidos como fluxo humano de recursos. Em vez da ponte ser construída por uma pequena porção do orçamento do governo, foi construída por uma empresa privada com a garantia de que ela poderia cobrar altos pedágios. Menos impostos para todos os britânicos, um grande imposto privado para os ilhéus. Uma grande campanha de desobediência civil terminou em 2004, quando os ilhéus, remando contra a maré, conseguiram que a ponte fosse nacionalizada. A ilha de Skye é pequena. A Grã Bretanha é uma grande ilha. O plano é o mesmo. Vamos ver o que vai acontecer.
PS do Viomundo: Não faz diferença se quem ‘vende’ a ideia é do PSDB, do PT, do PSOE, Tory ou do Tea Party. É vendedor, assim mesmo.
Tanta gente passando fome, quando poderia ter uma sinecura numa estatal... é realmente uma injustiça!
ResponderExcluirPutz!...
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