por Fabio Pupo, no Valor Econômico
As empresas privadas que operam ferrovias estão investindo muito pouco em expansão da rede. No ano passado, desembolsaram R$ 4,7 bilhões, mas destinaram a maior parte dos recursos à manutenção e compra de locomotivas e vagões. Um terço dos 30 mil quilômetros da malha, segundo dados oficiais, está hoje subutilizada e degradada. O presidente da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários, Rodrigo Vilaça, diz que esses trechos são inviáveis
Dos quase R$ 30 bilhões que o BNDES liberou para novos projetos de infraestrutura no ano passado, apenas R$ 226 milhões (menos de 1%) foram destinados a obras de ferrovias. O número vai na contramão das exigências do governo federal, que demanda mais investimentos na malha concessionada - especialmente em trechos hoje abandonados pela iniciativa privada. As empresas, por sua vez, preferem fazer melhorias apenas em trechos que trazem maior rentabilidade - um problema causado, na opinião de fontes ligadas ao setor, pela pouca exigência nos contratos de concessão dos anos 90.
No ano, a única empresa concessionária de ferrovias que contratou recursos do banco de fomento foi a MRS Logística, cujos donos são Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Vale, Gerdau e Usiminas. Concessionária de malha ferroviária nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a companhia assinou financiamento para aquisição de 44 locomotivas em dois contratos de R$ 113 milhões. Outras grandes empresas do setor, como América Latina Logística (ALL) e Vale não figuram dentre os que contrataram financiamento do banco para ferrovias.
A soma contratada entre empresas e BNDES no setor de infraestrutura em 2011 prioriza projetos em energia (75% do total ao setor). Se analisados apenas investimentos em transportes, rodovias lideraram as contratações e receberam 20 vezes mais recursos do que a malha ferroviária. As estradas ficaram com 17% dos recursos do banco para o setor no ano. Os dados podem ser obtidos a partir do site do banco na internet.
Embora os números mostrem que os investimentos em novos projetos por parte das concessionárias de ferrovias reduziram, as empresas defendem que fazem investimentos maiores a cada ano. Foram R$ 4,7 bilhões em 2011. No entanto, a maior parte do montante aplicado por elas é direcionado à manutenção, compra de material rodante (locomotivas e vagões) e a trechos localizados, que as interessam em termos financeiros e têm retorno garantido - neste caso, não é preciso do BNDES. Pelo pouco retorno que outros trechos trazem, as concessionárias simplesmente os abandonam. Um terço dos 30 mil quilômetros da malha, nas contas do governo, está hoje subutilizada e degradada.
O presidente da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, defende que os trechos hoje subutilizados são inviáveis. "Se não conseguimos solucionar os trechos em 15 anos [de concessão], é porque [o problema] é de natureza econômica", diz. Aditivos contratuais não são vistos como solução por parte do governo, que prefere não aumentar o tempo de concessão.
"Muitos trechos que beneficiam a sociedade, por exemplo desafogando o trânsito de carros numa região, são preteridos por não serem vistos como viáveis", explica um alto executivo ligado ao setor, que prefere não se identificar. Ele admite que a liberdade que as concessionárias têm em direcionar seus investimentos somente aos trechos que as interessam é um problema dos próprios contratos de concessão. "Quando eu olho o contrato hoje, existem muitas coisas inadequadas. Não pode existir uma concessão de serviço público com apenas duas metas [segurança e volume]. Meta de investimentos, por exemplo, não existe".
Para Paulo Fleury, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), os investimentos "localizados" das empresas acabam não expandindo a capacidade dos trilhos - hoje uma necessidade do país. "As ferrovias que temos hoje já chegaram ao limite da capacidade economicamente justificável", diz. Os trilhos, diz ele, movimentam somente 20% de carga no Brasil. "No último levantamento que fizemos, as ferrovias perderam mercado em vez de ganhar".
Para Fleury, a iniciativa privada vai continuar não fazendo investimentos necessários à expansão sem uma regulamentação mais forte por parte do governo. É exatamente isso que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tentou aplicar nos últimos anos, a partir da gestão do então diretor-geral, Bernardo Figueiredo. O governo publicou uma nova diretriz de regulamentação para que, dentre outros itens, as empresas tenham metas de movimentação mínima de carga em cada trecho concessionado.
Como grandes projetos de extensão de ferrovias são considerados inviáveis, o governo assumiu a responsabilidade. Dos três grandes projetos de ferrovia em execução no país, dois são tocados pelo governo por meio da Valec. São eles a extensão da Norte-Sul (entre as cidades de Ouro Verde, em Goiás, a Estrela D"Oeste, em São Paulo) e o projeto da Oeste Leste (entre Figueirópolis, no Tocantins, e Ilhéus, na Bahia). "Obras tocadas pelo poder público não recebem financiamento do BNDES", explica a chefe do departamento de logística e transportes do banco, Adely Branquinho. Ela diz que, apesar do número de 2011, há projetos feitos pela iniciativa privada que começaram nos anos anteriores e que, até 2015, o desembolso para ferrovias pode alcançar R$ 10 bilhões.
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