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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Malandragens e truques para turbinar sua produção cientifica


Além de queimar no fogacho das vaidades meritocráticas, pesquisadores e cientistas também recorrem a truques nada convencionais para turbinar seus egos. Acompanhem no artigo abaixo:


por Marcelo Hermes – UnB pescado aqui

Quando o professor de ciências farmacêuticas da Universidade Federal da Paraíba, José Maria Barbosa Filho, assumiu a editoria da Revista Brasileira de Farmacognosia - ver NOTA (1) - em 2005, começou uma espécie de revolução.

Até então desconhecida, a revista foi inserida em bases científicas nacionais e internacionais e ganhou posições de causar inveja em rankings de publicações.

O segredo está no que ele chamou de "trabalho de garimpagem": o próprio editor convidou pesquisadores para publicarem seus trabalhos e recomendou que eles citassem artigos da própria revista em seus trabalhos.

A história é um exemplo do que os editores de publicações científicas fazem para aumentar o fator de impacto (FI) de suas publicações.

Barbosa Filho fraudou o FI - fator de impacto, da revista que foi editor entre 2005 e 2009, fazendo o mesmo crescer de 0,1 para 3,5 por meio de autocitações cirurgicamente colocadas nos artigos da sua revista.

O FI é o principal critério utilizado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para avaliar a produção científica. O sistema criado em 1998 para fazer essa avaliação, o Qualis, tem sofrido críticas da academia.

Segundo os cientistas, o Qualis prejudica as publicações nacionais, já que essas revistas não têm como concorrer com o FI (índice baseado no número vezes que um artigo é citado por outros) de publicações internacionais.

Como estas têm mais citações e, em muitos casos, mais prestígio no meio acadêmico, os pesquisadores brasileiros preferem publicar seus trabalhos fora do país.

"Os brasileiros citam pouco os trabalhos daqui e publicam os melhores artigos fora do país. A autocitação deve ser estimulada e isso não é ilegal", afirmou Barbosa Filho à Folha.

MAQUIAGEM
A criatividade de Barbosa Filho para inflar a posição de sua revista no ranking do Qualis não é única (veja dicas abaixo: COMO AUMENTAR SEU IMPACTO). Segundo o professor da UnB Marcelo Hermes-Lima, elas derivam da política da Capes que avalia qualidade de produção científica por meio de números.
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"Ficam de fora do Qualis critérios como análise de citações por região (que consideram as citações por Estado ou país)", diz Bruno Caramelli, professor da USP e editor da Revista da Associação Médica Brasileira.
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Caramelli integra um grupo de editores científicos que recentemente enviou um e-mail à Capes solicitando revisão dos critérios do Qualis.
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"Não acredito na extinção das revistas científicas nacionais. Mas se os cientistas continuarem preferindo as internacionais, ficaremos numa situação complicada", analisa o médico.
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REVISTAS BRASILEIRAS
A Capes diz que não há problemas em avaliar a produção científica pelas citações. "O fator de impacto é uma metodologia consolidada nas últimas quatro décadas", afirma Lívio Amaral, diretor da Avaliação Científica da instituição.

Segundo ele, a política da Capes é manter o apoio às revistas brasileiras."Todos os países com desenvolvimento científico e tecnológico têm as suas revistas. Na Europa há revistas com 200 anos."

Juntos, Capes e CNPq distribuem cerca de R$ 5 milhões por ano para 188 revistas científicas nacionais. Quanto melhor classificada no ranking Qualis, maior é o montante de dinheiro que a revista científica recebe das instituições de apoio.

Impacto reflete na avaliação dos cientistas
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O fator de impacto (FI) acaba influenciando também a avaliação individual dos pesquisadores, embora o sistema Qualis tenha sido criado inicialmente para avaliar programas de pós-graduação e revistas científicas.

Lívio Amaral, diretor da Avaliação Científica da Capes, reconhece a existência desse efeito colateral, que chama de "distorção".

Na opinião de Marcelo Hermes-Lima, da UnB, os pesquisadores deveriam ser avaliados por critérios além da produção científica em revistas, como orientações concedidas, palestras e artigos revisados. "Ninguém mais quer ser revisor de revista científica porque não conta ponto."

"O fator de impacto é uma medida quase socialista porque avalia o pesquisador pelos vizinhos que publicam na mesma revista. É um pecado capital analisar a produção do indivíduo pelo FI", diz.

O FI é calculado a partir de um banco de dados da empresa Thomson Reuters, com estatísticas sobre revistas científicas de todo o mundo.

De acordo com Rogério Mugnaini, estatístico e especialista em cienciometria da USP, o ranking internacional do ISI utiliza critérios além das citações. "Há alguns anos, o ISI não divulgava claramente como fazia o ranking", afirma. Apesar disso, os critérios internacionais de avaliação de produção científica ainda geram dúvidas, diz.

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COMO AUMENTAR SEU IMPACTO
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PRODUÇÃO SALAME: Divida o resultado de um trabalho em vários, publicando vários artigos

CLUBE DA COAUTORIA: Coloque nomes de colegas como coautores dos seus artigos, e eles retribuirão

MAFIA DA CITAÇÃO: Se editar uma publicação, peça que os autores citem trabalhos da própria revista

CELEBRIDADES: Ainda se for editor: convide (e até pague) cientistas famosos para escrever resenhas para a sua publicação

AUTO-PLÁGIO: Publique o mesmo artigo em várias revistas


NOTAS BOTOCUDAS:

(1) Eu não conhecia essa revista, tampouco sou versado no tema que trata, portanto não me sinto capaz de avaliar seus atributos. De uma rápida compulsada em alguns artigos, me pareceu de boa qualidade científica. O escopo desse post não é avaliar a revista e sim discutir as práticas que o autor do texto levanta.

Um comentário:

  1. Enfim, o processo científico é conduzido por humanos, sujeito à falhas e à cultura local. Você acaba tendo de ser um pouco malandro para submeter artigos e trabalhos do jeito que o "cara do outro lado" espera.

    Meu causo particular a este respeito: um mesmo artigo foi rejeitado numa conferência nacional por "não ser inovador o suficiente" mas foi aceito numa renomada conferência internacional. No fim das contas, foi aceito pela revista IEEE-América Latina.

    Embora seja uma amostra insuficiente, tal episódio corroborou a impressão que eu já tinha da comunidade científica brasileira: privilegia a teoria e a pesquisa pura, despreza produção mais tecnológica/experimental (como era o meu artigo) e no fim das contas não consegue colaborar nem com uma coisa nem com outra para a evolução científica mundial. Um eco do problema cultural brasileiro de querer produzir nave espacial enquanto importa peça de bicicleta...

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