Por Helder Queiroz - Blog Infopetro
Ao longo da última década, a indústria mundial do petróleo (IMP) foi fortemente alterada pelas mudanças observadas: i) na configuração patrimonial decorrente do grande movimento de fusões e aquisições; ii) nas condições de mercado, com mudanças nas estruturas de oferta e de demanda; e iii) nos marcos regulatórios dos principais países produtores.
Nos últimos cinco anos, em particular, foi registrada a principal transformação nas condições econômicas de contorno da IMP: a elevação dos preços internacionais que alcançaram o patamar de US$ 145 por barril, após um período longo de preços relativamente baixos (abaixo de US$ 28 no período 1986-1998).
Não obstante a forte queda registrada a partir de julho de 2008 que resultou em um novo patamar de preços em torno da faixa US$ 60-80 por barril e da redução da demanda mundial, em 2009, decorrente da retração da atividade econômica mundial, fatores de incerteza ainda permanecem com relação à expansão futura da capacidade de produção.
O acidente do Golfo do México com as instalações offshore da plataforma Deep Water Horizon da BP acrescenta um novo e forte elemento de incerteza para a indústria mundial do petróleo. A gravidade deste acidente permite, em certa medida, estabelecer um paralelo com o acidente nuclear de Tchernobyl, na antiga União Soviética em 1986. Para a indústria nuclear, aquele acidente engendrou dois tipos de impactos regulatórios e econômicos.
Primeiro, vários países desativaram seus programas nucleares durante os anos subseqüentes. Paradoxalmente (ou ironicamente), a retomada recente da construção de centrais nucleares tem sido respaldada por motivações ambientais. Dado que, no Hemisfério Norte, a geração elétrica continua sendo predominantemente baseada no carvão, as centrais nucelares podem se constituir numa alternativa que viabilize, nos países que dominam a tecnologia nuclear, a redução das emissões de CO2 .
Segundo, as conseqüências do acidente cruzaram as fronteiras da antiga União Soviética e afetaram a indústria de geração nuclear de eletricidade em todo o mundo. Este aspecto é explicado pelo aumento substantivo dos custos da geração nuclear, decorrente da necessidade de novas práticas em matéria de gerenciamento de segurança e risco de acidentes.
Estes dois impactos poderão ser registrados na IMP? A resposta é não para o primeiro e sim para o segundo.
Com relação ao primeiro, é difícil imaginar uma redução drástica da atividade offshore petrolífera. Como se sabe, as reservas petrolíferas possuem relevância que transcende a questão meramente econômica, sendo também entendidas como uma questão de ordem geopolítica. Contudo, na procura por novas áreas de exploração petrolífera um entrave se destaca: a freqüência cada vez menor de descobertas de grandes campos. Isto condiciona o processo de busca – e o planejamento dos gastos envolvidos neste processo – por novas reservas, ao indicar a reduzida probabilidade de obtenção de campos capazes de alterar, de forma significativa, a relação risco-recompensa das atividades de Exploração & Produção (E&P) no mundo. As oportunidades onshore já foram mapeadas e são cada vez menos promissoras. Portanto, as novas fronteiras de exploração petrolífera se deslocam para águas cada vez mais profundas, e o pré-sal brasileiro se constitui numa ilustração exemplar da busca de reservas de acesso mais difícil e mais caro.
Além disso, a interrupção dos programas nucleares a partir da segunda metade dos anos 1980 foi viabilizada pela maturidade da tecnologia de turbinas a gás, as quais se beneficiaram ainda de um prazo mais curto de construção. Esse último fator, aliás, tornou as turbinas a gás uma perfeita aliada dos programas de reforma do setor elétrico que visavam ampliar a participação privada no setor, dado que o perfil de investimentos neste tipo de central tornava o empreendimento mais atrativo ao setor privado.
Já no caso da IMP, as alternativas que permitiriam uma substituição rápida do petróleo estão longe de estarem maduras e de serem, de fato, competitivas. Ademais, elas dependem de uma revisão muito mais profunda das políticas energéticas nacionais, do que aquelas que estão em curso, em diferentes países, visando atender os objetivos de redução de emissões. Ainda não há consenso sobre a adequação dos instrumentos econômicos e regulatórios que devem ser empregados, nem sobre o nível de esforço e comprometimento a ser engajado por países que têm distintos graus de dependência do petróleo.
Muito embora a administração Obama busque, nesse momento, oferecer uma satisfação à opinião pública norte-americana, a tentativa de interromper, temporarimente, a exploração petrolífera produzirá muito pouco impacto, além do caráter punitivo à BP. Isto porque uma proibição definitiva à atividade de exploração petrolífera offshore iria de encontro ao objetivo de redução da dependência energética norte-americana vis-à-vis às importações de óleo bruto dos países árabes do Golfo Pérsico. Além disso, esta é uma arena privilegiada para o exercício do lobby da indústria petrolífera nos EUA e, logo, não chega a ser surpreendente a batalha jurídica que se estabeleceu em torno deste tema, logo após à sentença do magistrado de Nova Orleans que deu ganho de causa a 32 empresas de petróleo que conseguiram barrar, em 22 de junho passado, a moratória pretendida pela Casa Branca. E vale salientar que o Golfo do México é responsável por um terço da produção americana de petróleo e é a principal região de novas descobertas.
Ainda que possamos dar um crédito à declaração do Presidente norte-americano postulando que “da mesma forma que o 11 de setembro modificou profundamente nossa visão de nossas vulnerabilidades e nossa política externa, creio que este desastre vai modificar por muitos anos nossa visão sobre o ambiente e a energia”, a transformação dessa visão, no plano concreto, encontra sérios obstáculos a curto e médio prazos pelas razões evocadas acima.
Já com relação ao segundo ponto, o acidente da Deep Water Horizon pode engendrar impactos econômicos comparáveis ao de Tchernobyl, em particular no que concerne ao alcance global de suas conseqüências. É evidente que a empresa britânica BP está com sua reputação em risco, pois a explosão colocou em xeque sua competência tecnológica em águas profundas. Entretanto, o acidente intensificou o debate na IMP sobre a exploração em alto mar em termos de segurança e de seus impactos ambientais. Não é por acaso que cerca de 200 empresas de petróleo se reuniram, no início de junho nos EUA, para avaliar os desdobramentos deste acidente.
As exigências das autoridades governamentais e órgãos reguladores se tornarão, sem dúvida, mais rígidas, assim como ocorreu após o acidente de Tchernobyl. A necessidade de adequação da atividade petrolífera às novas regulamentações, em matéria de segurança e gerenciamento de riscos, resultará em custos mais elevados devido à necessidade de revisão dos critérios técnicos empregados pelas companhias petrolíferas neste tipo de atividade. Os dispêndios com contratos de seguro de plataformas também deverão se tornar mais onerosos.
Caso sejam de fato implementadas, estas medidas podem retardar a entrada em operação de novas plataformas de produção, num contexto de capacidade excedente ainda muito limitada. Nestas novas condições de base da IMP, caberá aguardar e observar qual será o ritmo de adequação das empresas petrolíferas às novas regulamentações e que tipo de impacto elas irão suscitar na estrutura de custos de produção das companhias petrolíferas. Mas parece claro que, mesmo que a BP venha a ser penalizada severamente, as conseqüências do acidente da Deep Water Horizon terão que ser absorvidas por todas as empresas de petróleo.
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