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sábado, 18 de junho de 2011

Essa é a privatização que pedimos a Deus


Por David Friedlander e Renée Pereira, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Bombardeada com críticas por deixar milhares de pessoas sem eletricidade em São Paulo, a Eletropaulo é generosa com seus acionistas. No ano passado, a empresa pagou mais de R$ 1,3 bilhão em dividendos para acionistas - o dobro do que investiu em suas operações (R$ 682 milhões). Enquanto isso, seus indicadores de qualidade se deterioraram desde 2006. No ano passado, os clientes da distribuidora ficaram em média 11 horas sem energia.

Essa tem sido a tendência da Eletropaulo nos últimos anos. Entre 2006 e 2010, a empresa pagou R$ 3,5 bilhões em dividendos, enquanto os investimentos somaram R$ 2,5 bilhões, segundo levantamento feito pela empresa de informação financeira Economática, a pedido do Estado. No mesmo período, o tempo que o consumidor ficou sem energia aumentou de 8 horas para 11 horas. Em 2009, a empresa teve o pior índice desde a privatização, em 1999.

"Eles estão fazendo uma gestão exclusivamente financeira, em detrimento dos consumidores. Estão se lixando para os serviços que prestam", afirma o secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal. A Eletropaulo é uma empresa de capital aberto, que tem o governo brasileiro entre seus acionistas e é controlada pelo grupo americano AES.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) detém 49% das ações ordinárias da Companhia Brasiliana, que detém a concessão da Eletropaulo.

"Em momento algum a distribuição de resultados fragilizou a capacidade de investimento da empresa", diz Britaldo Soares, presidente da distribuidora. Ele afirma que os investimentos da Eletropaulo vêm crescendo nos últimos anos e a qualidade dos serviços melhorou. "Mas isso não evita que a gente enfrente eventos extraordinários. Quando isso acontece, a gente para e refaz o planejamento."

Mau atendimento. A distribuidora vem sendo muito criticada pelas seguidas interrupções no fornecimento de energia na Grande São Paulo, por deixar os usuários sem eletricidade (em alguns locais por mais de um dia) e pela má qualidade da comunicação com os consumidores, que não conseguem ser atendidos no call center da companhia.

Na semana passada, o Procon, órgão de defesa do consumidor ligado ao governo de São Paulo, pediu intervenção na empresa à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O órgão regulador negou a intenção de intervir na empresa, mas deve exigir que a distribuidora adote medidas adicionais para melhorar o atendimento dos consumidores.

"É óbvio que uma empresa precisa ganhar dinheiro, mas eles são concessionários de serviço público e têm obrigações a cumprir", afirma Aníbal. Com 6,1 milhões de clientes, a Eletropaulo distribui energia para uma área responsável por dois terços do ICMS do Estado, de acordo com o secretário paulista de energia.

Nos últimos dois anos, a Eletropaulo apareceu com destaque no ranking das empresas com mais reclamações do Procon de São Paulo. Em 2010 ficou em 6.º lugar e em 2009, em 3.º. Na semana passada, o Procon teve um aumento de 235% nas reclamações por causa do corte de energia elétrica no Estado em apenas um dia.

Outra queixa está na resistência da Eletropaulo em indenizar os consumidores que têm os seus equipamentos e aparelhos elétricos danificados em razão de queda de energia, dever previsto nas resoluções da agência.

Na semana passada, a empresa acabou mandando funcionários percorrerem os bairros afetados pelos apagões a fim de atender clientes que alegam prejuízos e também pedir desculpa pelos transtornos.

Tempo ruim. A justificativa da empresa para a piora da qualidade de energia entregue aos clientes é a severidade do clima nos últimos anos, com tempestades, raios e ventos acima da normalidade. No ano passado, depois da sequência de apagões em 2009, a distribuidora decidiu investir mais nas equipes de emergência, na poda de árvores e na construção de subestações para reforçar a rede. Os recursos aplicados surtiram algum efeito e os indicadores diminuíram um pouco - exemplo de que a empresa não vinha fazendo seu papel direito.

O professor da UFRJ, Nivalde Castro, explica que o grande problema do setor elétrico hoje é que as empresas acabam investindo em expansão, universalização e até melhorias internas e não focam na manutenção, como troca de um transformador, de cabos, entre outros.

A diferença é que, no momento da revisão tarifária, os investimentos feitos terão um retorno financeiro para empresa. O que não ocorre com os valores aplicados em manutenção, que serão contabilizados como despesa.

O fato é que os investimentos feitos, embora expressivos, não acompanharam o forte crescimento do consumo interno. Em 10 anos, o uso de energia pelos brasileiros cresceu 36%. A expectativa é que o consumo cresça em média 4,6% ao ano até 2020.

Ou seja, a rede de distribuição terá de ser reforçada com alguns bilhões de investimentos para suportar o aumento da carga.

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