* Este blog luta por uma sociedade mais igualitária e justa, pela democratização da informação, pela transparência no exercício do poder público e na defesa de questões sociais e ambientais.
* Aqui temos tolerância com a crítica, mas com o que não temos tolerância é com a mentira.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A verdade está no olho de quem vê





por Julia Figueira Salvador,  no blog Cognando- Psicologia Cognitiva


“Noventa por cento dos adolescentes brasileiros chegam ao Ensino Médio”.
Você acredita nisso?
O fato é que, mesmo conhecendo o Brasil e sabendo das suas dificuldades em manter os jovens na escola, estamos vivendo um tempo em que o acesso à escola está (ainda que longe de perfeito) cada vez mais crescente. E esses índices que indicam o avanço na educação estão muito presentes em campanhas eleitorais e nos meios de comunicação. Mas, mesmo assim, você tomaria a afirmação inicial como verdade verdadeira?
Agora:
“Dez por cento dos adolescentes não chegam ao Ensino Médio.”
Essa segunda afirmação está mais próxima da realidade para você? Imagino que pensou “sim”.
Claro que você percebeu que as duas afirmações querem dizer a mesma coisa. Sim, de fato elas contêm a mesma informação, mas a segunda é muito mais fácil de acreditar. Por que será? É ruim admitir, mas nós temos uma forte tendência a dar mais credibilidade ao que nos parece pior. Mais precisamente ao que está dito de forma negativa.
Esse mesmo questionamento foi feito por Benjamin E. Hilbig, um professor da Universidade de Mannheim na Alemanha e também pesquisador do Instituto Max Planck.
Ele queria saber o que está por trás dessa “tendência”. O motivo pelo qual damos mais credibilidade ao que é dito de forma negativa em comparação ao que é dito de forma positiva – sendo a mesma informação transmitida nas duas asserções. Mais precisamente, ele buscou analisar qual o papel da elaboração (se estamos focados em elaborar algo, consequentemente nós passamos a acreditar nesse algo) e o papel da fluência (facilidade com que a informação é trazida à memória). Para isso, o pesquisador elaborou experimentos que buscassem responder a essa questão.
No primeiro experimento, ele testou o tempo que as pessoas levavam para responder “verdadeiro” ou “falso” para 20 pares de afirmações de mesmo conteúdo, mas, “enquadradas” de forma negativa e positiva. Dentre essas 20 afirmações, metade se referia ao próprio país das pessoas (no caso, a Alemanha) e a outra metade a outros países.
Os resultados desse primeiro experimento atestam que, como o esperado, as afirmativas “enquadradas” de forma negativa foram em maior parte julgadas como verdadeiras do que as “enquadradas” positivamente. O “tempo de resposta” para as asserções julgadas como verdadeiras foi menor do que o tempo levado para as asserções julgadas como falsas. E, de fato, as afirmações negativas levaram um tempo menor e julgadas como verdade do que as positivas.
O primeiro experimento gerou resultados que estão de acordo com a hipótese do pesquisador de que a fluência – facilidade com que a informação é trazida à memória – facilita as asserções negativas serem tomadas como verdade ao analisar o tempo de reação das asserções, mas, para não haver dúvidas – já que o tempo de resposta não é, isoladamente, uma confirmação do efeito da fluência na facilidade de julgamento como verdade de afirmações negativas, o pesquisador elaborou o segundo experimento, que busca exatamente certificar o papel da fluência para o julgamento das afirmações.
O experimento seguinte foi, portanto, nos mesmos moldes do primeiro somente com a diferença de buscar dos participantes razões para confirmar – ou não – as afirmações apresentadas. O tempo que cada participante levou para elaborar tais razões foi a variável analisada.
Mais uma vez, o estudo mostrou que os participantes levaram menos tempo para elaborar as razões que confirmam as afirmativas negativas do que para confirmar as afirmativas positivas.
Até então, todos os resultados indicam a fluência como um papel importante para a tendência de atribuir um valor de verdade à sentenças proferidas negativamente.
Esse estudo, portanto, comprova que temos, de fato, uma preferência por afirmações que estão em uma forma negativa. Por meio dos resultados alcançados por Benjamin E. Hilbig, podemos perceber que a fluência (ou facilidade de processamento) tem um papel crucial para que tomemos como verdade afirmações negativas, mas, com certeza, muitos outros processos estão presentes e que influenciam essa “tendência”.
Não é só uma questão de ser pessimista ou não, são funções cognitivas que permitem acreditarmos mais naquilo que é negativamente proposto. Ou melhor, a verdade, mais que a beleza, está no olho de quem vê (e não naquilo em si).

Um comentário:

  1. Assim como um chocolate 85% cacau versus um 70% cacau. A diferença de cacau é negligenciável.

    Não para um diabético, pois o 85% cacau tem quase 50% menos de açúcar.

    Ou protetor solar com FPS 100 em vez de 50. Este último deixa passar 2% dos raios UV, o primeiro deixa 1%. A diferença desprezível não vale a enorme diferença de preço, provavelmente a real filtração dos raios UV varia muito mais que 1% em função de como ele é aplicado etc.

    ResponderExcluir