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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Utilidade pública dos Botocudos: Quem paga impostos no Brasil?




Por João Sicsu, no sítio Carta Maior



Recursos públicos são arrecadados por intermédio do funcionamento de um sistema tributário que cobra impostos, taxas e contribuições. Um sistema tributário socialmente justo deve ter caráter distributivo, portanto, deve impor maior sacrifício àqueles que têm mais condições de suportá-lo e, ao mesmo tempo, estabelecer menores alíquotas, taxas e contribuições para aqueles que auferem rendas mais baixas e, em consequência, possuem menores estoques de riqueza.

Para tanto, é necessário que o Estado seja forte, isto é, seja bem aparelhado, com pessoal suficiente e de elevada qualidade técnica, possua equipamentos de alta tecnologia e estabeleça regras que facilitem a utilização do seu aparato de inteligência e arrecadação. Também deve possuir legislação que evite que grandes riquezas e as maiores rendas possam se evadir do país legal ou ilegalmente com o objetivo de se eximir de seu dever contributivo.

Um sistema tributário socialmente justo é aquele que possibilita, também, reduzir as desigualdades de riqueza/renda que são socialmente inaceitáveis, assim como possibilita ao Estado oferecer um sistema de gastos públicos que promova a igualdade de acesso e oportunidades.

No Brasil, se por um lado, os programas sociais de transferência de renda, o pagamento de benefícios da Previdência Social pública, a política de valorização real do salário mínimo e a geração de empregos têm tido um caráter fortemente distributivo; por outro, o sistema tributário brasileiro é injusto e regressivo. Em outras palavras, boa parte do gasto público é distributivo; já o sistema tributário sacrifica mais os “de abaixo” e alivia “os de cima”.

Uma análise da carga tributária por base de incidência revela a estrutura concentradora do sistema tributário brasileiro. Segundo dados da Receita Federal, mais que 47% da carga tributária advêm do “consumo”. E menos que 5% advêm de “transações financeiras” e da “propriedade”. E, da “renda”? Tem-se menos que 20% do total arrecadado.

Carga tributária por base de incidência - ano 2009

Tipo de Base..........................Participação Relativa na Carga Tributária Total (%)

Consumo..............................................47,36
Renda...................................................19,88
Folha de salários....................................26,05
Propriedade e Transações Financeiras.... 4,91

Fonte: Ministério da Fazenda; Receita Federal.

O imposto sobre o “consumo” é injusto porque trata os diferentes como se fossem iguais. Um bem de consumo adquirido por um rico ou por um pobre possui a mesma carga monetária de impostos. Logo, o esforço tributário do rico para pagar o imposto contido no seu ato de consumo é infinitamente menor que o esforço despendido pelo pobre para realizar o mesmo ato. Veja-se como uma cartilha intitulada “A progressividade na tributação brasileira: por maior justiça tributária e fiscal” (de 2011) lançada pelo Ipea, Dieese e Sindifisco sintetizam o problema:

“Quando um trabalhador assalariado, que ganha um salário mínimo, compra um pãozinho, ele paga os impostos indiretos que estão embutidos no preço do produto. O patrão dele, cuja renda é muito maior, também vai pagar o mesmo imposto! Com a agravante que o trabalhador gasta todo o salário com o consumo dos bens e serviços necessários à sobrevivência – pagando impostos em cada um deles; enquanto o patrão ainda tem dinheiro para investir em diversas modalidades financeiras com tributação baixa, ou mesmo isentas de impostos!”

Cidadãos somente são diferenciados em termos da renda que auferem e do patrimônio que acumularam quando pagam impostos sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” que realizam – é exatamente o que não acontece no Brasil. Uma comparação internacional é ilustrativa da injustiça brasileira. Segunda a OCDE, nos Estados Unidos, Suiça e Canadá mais que 50% da carga tributária advêm dos impostos sobre a “renda” e a “propriedade”. No Brasil, a soma da arrecadação sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” não ultrapassa 25% do total. Nesses mesmos países, o imposto sobre o “consumo” não alcança sequer 20% da arrecadação total.

É dito que a carga tributária no Brasil é alta e que “é preciso reduzi-la!”. Já inventaram até o impostômetro. Mas, deveriam ter inventado, também, o impostômetro dos pobres [e o jurômetro dos ricos? – para indicar quanto os ricos recebem de juros do Governo – algum milionário quer financiar essa invenção?]. A carga tributária brasileira está em torno de 35% do PIB. É verdade, a carga tributária brasileira não é baixa quando comparada com a carga de países em desenvolvimento. É uma carga assemelhada a dos países desenvolvidos. Entretanto, cabe uma análise mais precisa sobre a distribuição da carga tributária.

Estudo realizado pelo Ipea intitulado “Equidade fiscal no Brasil: impactos distributivos da tributação e do gasto social” (de maio de 2011) mostrou que a carga tributária das famílias mais pobres do Brasil é de 32% da sua renda; enquanto, a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%. Os mais pobres pagam (desses 32%) 28% de impostos indiretos quando adquirem bens ou pagam por serviços. Os mais ricos pagam em impostos apenas 10% da sua renda para comprar mercadorias ou contratar serviços.

Para finalizar, valem a pena ser destacados os seguintes pontos (aliás, esquecidos por aqueles que bradam contra a cobrança de impostos no Brasil):

(a) No ano de 2010, do total da receita federal de R$ 826.065 milhões, o Imposto Territorial Rural (ITR) contribuiu com R$ 536 milhões, ou seja, 0,07% do total;

(b) O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), ou seja, o imposto sobre heranças, cobra alíquotas em torno de 4%; nos países desenvolvidos, pode chegar a 40%;

(c) Lanchas, jatinhos e helicópteros são isentos de pagamento de impostos; um carro popular usado paga anualmente Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).




ATUALIZAÇÃO - ás 12:07 hs

A mídia do dinheiro garante que o governo desistiu. Não vai mais taxar bancos, operações financeiras, ricaços, helicópteros, jatinhos (isentos de IPVA). A presidenta Dilma, asseveram os porta-vozes da plutocracia, não quer o risco de um desgaste em ano eleitoral. A mídia que derrubou a CPMF e subtraiu R$ 40 bi da saúde comunica que o governo decidiu ressuscitar a lenga-lenga do ‘fazer mais com menos'. Nada contra a eficiência do gasto público. Ao contrário. A dúvida é se no caso da saúde já não é o que acontece, no limite do suportável, quando se dispensa ao brasileiro um gasto per capita sete vezes inferior ao dos franceses, por exemplo. Isso é média. O deserto real é mais árido: apenas 42% daquilo que o país gasta com saúde tem origem e destino público. Sai do governo e chega na fila do SUS, que atende mais de 75% da população. Outros 58% só circulam entre os 25% que tem plano de saúde.Em países onde a saúde é direito universal essa desproporção não ocorre: o gasto do Estado representa 75% do investimento total. Mas o jornalismo nativo diz que o governo do PT decidiu ‘fazer mais com menos' na área que concentra a maior queixa contra a qualidade do serviço público. Nada mais falso do que opor as urnas à justiça tributária e social. A União investe apenas 1,8% do PIB em saúde (o restante vem dos estados e municípios). O articulista de Carta Maior, Amir Khair, informa que nos últimos 12 meses até julho o gasto do país com juro da dívida pública atingiu R$ 225 bi: 5,7% do PIB. Como o superávit primário deve ficar em 3,2% do PIB até dezembro, restará um rombo equivalente a 2,5% do PIB. Maior do que o gasto da União com a saúde, ele vai engordar a dívida em 2012. No post acima vimos que 47% da carga tributária brasileira (a tal ‘carga insuportável' de 35%, em nome da qual a coalizão demotucana extingiu a CPMF) advém do "consumo", que pesa sobretudo na renda dos mais pobres. E que menos de 5% dela advém de "transações financeira". Fica a dúvida: taxar o privilégio desgasta mais do que o ônus de operar um sistema público de saúde com um déficit de caixa deR$ 30 bi?


(Carta Maior; 4ª feira, 14/09/ 2011)

3 comentários:

  1. É um dos motivos pelos quais tudo nos EUA é tão barato: eles concentram muito mais tributação na renda que no consumo, e quase nada na folha de pagamento.

    O "caput" do artigo, pernóstico e utópico (parece querer justificar coisas como office-boy da Justiça ganhando mais que piloto de avião) podia dar lugar a uma análise do porquê do nosso sistema tributário estar desse jeito.

    Não é (apenas) por causa "dos ricos". É porque imposto sobre a renda "aparece" e o povo passaria a cobrar a contraprestação de forma muito mais forte. Imposto sobre o consumo é "menos visto" e aí fica mais fácil usar este dinheiro pra contratar governanta e motorista pra mulher com dinheiro público.

    Nos EUA tem até imposto estadual (adicional ao federal) sobre a renda. Aí você tem aquelas situações de que quem mora num quarteirão só pode usar a escola X porque os taxpayers daquele quarteirão são os financiadores. Certo? Errado? Certamente é discutível, mas é um nível de cobrança com que nossos governantes teriam de aprender a lidar.

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  2. Concordo em quase tudo que vc coloca Elvis. As coisa haveriam que mudar por aqui, mas como se consegue isso com "nossos" políticos cartorialistas e a oligarquia rentista que domina tudo?... (veja a atualização que coloquei depois da entrada do seu comentário - é da mesma fonte viu?... que vc desconfia ser pernóstica - rsrsrs)

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  3. É, "esquentou a orelha" e se viu obrigado a citar a qualidade do gasto público :)

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