Quando você acha que chegou num estágio da vida que já viu quase tudo em se tratando de coisas bizarras, te aparece isso:
Muito além do Estado
por Baader, pescado daqui
No stricto sensu, coronelismo, uma prática comum no Brasil durante o século XIX, se define como um conjunto de práticas no âmbito econômico e social de pessoas de posses (ricos) que objetivam uma manipulação, de cunho eleitoral, em favor de interesses pessoais.
Quando se fala em coronelismo contemporâneo o preconceito arrasta nossas imaginações até às pequenas cidades do interior, principalmente da região do Nordeste brasileiro. No entanto, um pouco de atenção aos arredores das grandes cidades brasileiras nos mostra que é só mesmo o preconceito que pode sustentar a tese da exclusividade nordestina para o coronelismo.
Um ótimo exemplo disso, está em Campinas, cidade com mais de um milhão de habitantes, responsável por grande parte da arrecadação do Estado de São Paulo, o mesmo Estado que alguns fascistóides se gabam por chamarem de “locomotiva do Brasil”, onde, supostamente, a luz do desenvolvimento econômico extinguiu as práticas políticas que outrora escureciam a região. Nesta cidade, foi fundada uma Escola Estadual que carrega o nome daquele que já foi colocado “Beyond Citizen Kane” (ou “muito além do cidadão Kane”, um documentário que explicita os estigmas da imprensa brasileira, enfaticamente da Rede Globo) por alguns: o senhor ilustríssimo “jornalista” Roberto Marinho.
Isso mesmo. A mesma figura que demonstrou conivência com o regime militar que, durante longos anos, assolou o País e que, mais que isso, beneficiou-se deste, hoje é imortalizada por uma instituição publica de ensino.
Não preciso aqui me ocupar de apresentar a longa história de manipulação, descaso com o compromisso público, abusos e privilégios que fizeram parte da história de Roberto Marinho e que sempre foram respaldados pela Rede Globo. Antes disso, julgo mais importante apresentar os efeitos disso para a parcela da população que é atendida pela referida escola.
A começar, atentemo-nos ao símbolo da escola. Não por acaso, as crianças carregam no uniforme, ao lado esquerdo do peito, a insígnia da Rede Globo. Os efeitos disso para aquelas crianças e jovens não poderiam ser outros: todos sabem quem foi Roberto Marinho e, atingidos pela publicidade compulsória estampada em seus uniformes (de uso obrigatório), acham que a Rede Globo é um exemplo a ser seguido, que suas palavras e gestos devem ser religiosamente seguidos e respeitados.
Outra coisa a qual achei interessante é que, dentre todas as escolas públicas que já vi na vida, aquela é a única que possui elevadores. Não que o uso de elevadores deva ser algo condenado nas escolas, mas que a acessibilidade seja garantida a todas as crianças e não só àquelas que servem de outdoors ambulantes da Rede Globo.
A foto da escola aparece no inicio do texto e qualquer sinal de conservação impecável não é mera coincidência. Ora, ninguém aqui é tolo. Trata-se de uma escola da periferia de Campinas e sabemos como os alunos, principalmente os de periferia, respondem à opressão do corpo burocrático escolar: com pichações, depredações, etc. E, apesar de não ser notícia (por coincidência?), não é necessário falar com mais de três moradores do CDHU vizinho à escola para conhecer a longa história de métodos pedagógicos minimamente duvidosos vindos da instituição. Minhas fontes a respeito não são muito confiáveis, portanto, aguardarei mais para botar a boca no trambone, ao contrário do que faria a Veja, o Estadão e até mesmo a escolarmente divulgada Rede Globo.
Registro aqui meu desabafo e torno publica a minha angustia por saber que a Rede Globo conta com o poder publico para expandir seus domínios sobre aquelas que deveriam ser as cabeças pensantes do futuro do País.
Uma análise cautelosa sobre o fenômeno coloca-nos em alerta. Não à toa. Os efeitos disso podem ser desastrosos.
O merchandising de produtos na televisão é potencializado em crianças. Imagine, leitor, quando esse merchandising vem daquela instituição de onde origina a verdade científica. Duvido que a localidade da escola tenha sido escolhida por acaso. Ora, as escolas em periferia são tidas por pais como o centro do saber, como a oportunidade para a ascensão social. Agora, imagine se a possibilidade de ascensão social estiver relacionada a uma marca. Quais os efeitos? Ora, Getulio Vargas já nos mostrou, pela Petrobrás e todas as outras nacionais, os efeitos dessa relação imediata: contentamento popular.
Imaginem um aluno de periferia que, de um lado, tem o crime organizado como subsidiador de suas necessidades e como exemplo de status e, de outro, uma gigante privada (o trocadilho fica por conta do leitor) que proporciona educação e, pela lógica da periferia, possibilidade de ascensão social. Onde está o Estado na vida dessa criança? Quais os efeitos, a longo prazo, para a comunidade onde se localiza a escola? Quantos anos serão necessários para analisarmos esse efeito? Já pensou se a moda pega?