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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Neofascistas: será que finalmente escapamos dessa?


por Sara Robinson, no AlterNet - tradução por Idelber Avelar, na revista Fórum
COMENTARIO BOTOCUDO PRELIMINAR
Analise, embora longa, muito interessante. Se aplica em diversos aspectos e em medidas mais modestas também à nossa realidade provinciana aqui de São Bento do Sul, onde a velha sabujice conservadora proto-fascista ligada ao poder econômico local também faz gato-e-sapato para manter suas benesses, mas enfrenta desafios semelhantes aos apontados no texto pelo que padece a direitona norte americana.
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Os EUA nunca estiveram desprovidos de seus aspirantes a fascistas. Uma pesquisa da Political Research Associates calcula que, em qualquer ponto dado da história americana, aproximadamente 10 a 12 por cento da população do país era composta de autoritários de direita até os ossos – gente que está programada para pensar em termos de ordem e controle fascista. Os nossos dominionistas cristãos dos últimos dias, fundamentalistas sexuais e nacionalistas brancos são os descendentes – às vezes, literalmente, os descendentes sanguíneos – das mesmas pessoas que se juntaram à KKK nos anos 20, seguiram o Padre Coughlin nos anos 30, apoiaram Joe McCarthy no começo dos anos 50, entraram à Sociedade John Birch nos 60, e se alistaram na “Maioria Moral” nos 70 e na Coalizão Cristã nos 90.
Dada a sua espantosa durabilidade, é provavelmente a hora de se reconhecer que essa corrente proto-fascista é um traço permanente do corpo político dos EUA. Como pés feios ou orelhas grandes, trata-se de uma parte imutável de quem somos. Teremos que aprender a viver com ela.
Mas também é verdade que a influência dessa facção na cultura americana em geral tem amplos fluxos e refluxos ao longo do tempo. Nossos pais e avós não tiveram que lidar tanto com eles, porque a extrema-direita esteve na defensiva durante o auge do New Deal. Ela deu as caras alguns curtos anos durante a era McCarthy – longos o suficiente para ver a ascensão dos Birchers [membros da Sociedade John Birch, grupo extremista de direita] – e depois caiu firmemente na irrelevância de novo.
Mas a deriva conservadora geral do país desde os anos Reagan e o surgimento da Internet (que possibilitou que os grupos de um só assunto e as redes regionais da direita se cristalizassem numa cultura nacional, unificada e única ao longo dos anos 90 e 00) reacendeu a extrema-direita como força política. O resultado foi que a história provavelmente verá os oito anos de George W. Bush como a era do “Auge dos Pirados” – a marca do nível máximo na influência e no poder da extrema-direita radical nos EUA.
Agora, as coisas estão mudando de novo. Mais ou menos anualmente, durante os últimos cinco anos, tenho escrito sobre as possibilidades futuras dos aspirantes a fascistas da extrema-direita dos EUA. É hora de dar outra olhada, porque a paisagem cultural e política na qual eles trabalham hoje já não a mesma de três anos atrás.
 EUA fascistas: Quase chegamos lá
A última vez em que visitei o assunto, em 2010, os progressistas estavam chegando a um ponto de desespero máximo. Em 2008, o Partido Republicano havia levado a sua maior surra desde os anos de Roosevelt. Mas, apenas dois anos depois, a extrema-direita não só havia se reagrupado; ela havia tomado controle completo do Partido Republicano sob a bandeira do Tea Party ressuscitado – e se preparava para eleger alguns dos Neanderthais econômicos, políticos e culturais mais extremistas do país. No processo, ela também estava ao ponto de reconquistar o Congresso, junto com o controle sobre mais de metade dos governos e legislativos estaduais.
E tomaram controle mesmo. Na esteira dessa vitória, os novos eleitos da extrema-direita engataram a sobremarcha, introduzindo, de cara, legislação brutalmente agressiva para destruir sindicatos, cassar ou alijar eleitores Democratas e reverter um século de progressos nos direitos reprodutivos. A velocidade e a potência do massacre foram assustadoras – mas ele também era movido pelo desespero. O que a maioria dos comentaristas não percebeu foi o fato de que a extrema-direita não tinha tempo a perder, porque tanto o astral do país como as suas realidades demográficas básicas estavam mudando sob seus narizes.
As pesquisas de opinião feitas ao longo da última década mostram que os EUA são, no seu núcleo fundamental, uma nação progressista em todos os assuntos que importam, e que essa tendência está se solidificando e expandindo com o tempo. Como diz Nancy L. Cohen no livro Delirium: How the Sexual Counterrevolution is Polarizing America:
 O progressismo cultural é o novo caminho americano … A maioria dos americanos agora apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os americanos defendem fortemente Roe v. Wade [decisão da Suprema Corte que proibiu a proibição do aborto] e se opõem fortemente à posição do Partido Republicano. 62% acreditam que o aborto deve ser legal nos três primeiros meses da gravidez, nos quais ocorrem 89% dos abortos; apenas 15% são a favor de proibir o aborto em todas as circunstâncias. Os americanos se tornaram menos religiosos e menos conservadores culturalmente nos últimos 40 anos. Pesquisas de opinião sobre controle de natalidade e moral sexual mostram que os americanos rejeitam inequivocamente a tentativa dos fundamentalistas sexuais de nos levar de volta a uma época em que o sexo era estigmatizado e somente legítimo quanto confinado dentro de um casamento heterossexual tradicional. A maioria dos americanos acredita nos valores básicos que sustentam uma abordagem progressista a questões de sexo, gênero, família e cultura: privacidade, liberdade pessoal, igualdade e pluralismo.
Esse ângulo progressista também se estende às atitudes do país quanto a acabar com a dominação das corporações sobre a economia, apoiar uma classe média robusta e lidar com o aquecimento global e outras crises relacionadas ao meio ambiente.
Os conservadores sabem que as tendências demográficas não estão do seu lado, e que sejam quais forem as vantagens limitadas de que eles desfrutem agora, elas estão diminuindo a cada ciclo eleitoral. A América de direita é velha, branca, rural e religiosa – um grupo que está encolhendo a cada ano e que já está no processo de ser superado por uma onda de eleitores mais jovens, urbanos, diversificados etnicamente e, em sua maioria, não ligados a igrejas. Foi essa onda, mobilizada, que elegeu Obama – foi a primeira vez que se ouviu falar dela, mas não será, de forma nenhuma, a última.
Essas tomadas de poder duras e inflexíveis são, portanto, um desesperado chuveirinho na área. A extrema-direita percebe que o tempo está passando. Ela corre para consolidar seus ganhos o mais rápido que pode, na esperança de empurrar os EUA o mais para a direita possível no tempo que ela ainda tem – e também construir obstáculos legais enormes, feios que tornarão mais difícil desfazer o estrago quando a onda mais jovem e progressista que chega finalmente assumir o controle.

A corrida pelo futuro
Meus balanços passados das perspectivas políticas do extremismo fascista estavam predicadas principalmente na questão de qual lado venceria essa corrida pelo futuro.
Será que a extrema-direita – agora principalmente sob a bandeira do Tea Party – conseguiria consolidar poder de forma rápida o suficiente para sequestrar a nossa democracia completamente e instituir a teocracia fascista de seus sonhos? Em 2010, os sinais eram fortes de que ela se movia com velocidade na direção desse objetivo.
Ou, posto de outra forma: será que o patriotismo, o senso comum e a decência básica do povo americano se instalaria a tempo de obstruir a tomada de poder fascista e levaria o país de volta ao seu lado melhor, mais justo e democrático? O desespero era profundo e o tempo, curto. Havia poucos sinais no horizonte de que isso fosse sequer possível.
Eu avisava com preocupação que aquele primeiro cenário seria o nosso futuro ao menos que algo mudasse de forma radical. O fascismo chega furtivamente; uma de suas marcas é que quando você percebe, você já está nele, e já é tarde para fazer alguma coisa. As agendas legislativas impostas em Câmaras de todo o país – para não falar no desejo explícito dos membros do Tea Party no Congresso de esmagar a economia americana, rasgar as proteções constitucionais, habilitar a teocracia e paralisar nosso governo – eram avisos claros de que a nação estava em mãos de revolucionários radicais que não se deteriam ante nada, nem mesmo a destruição do país, para realizar seus desejos.
Ainda mais agourento era o fato de que um movimento político que está disposto a tomar o poder através da violência terrorista – o que a extrema-direita ameaça fazer com frequência, e para o qual ela toma medidas constantes o suficiente para que levemos a sério essa ameaça – não precisa de nada remotamente parecido a uma maioria para controlar um país. Quando você está disposto a usar a força, a democracia se torna irrelevante.
Nas piores horas de 2010, era difícil até mesmo imaginar que o segundo cenário fosse possível. Os americanos estavam apáticos, alienados e resignados. Todo mundo via aonde a coisa ia, mas era como assistir a um acidente de trem – aquele horror em câmera lenta na sua cabeça, a descrença, a sensação de que ninguém te ouve gritar e a consciência repugnante de que nada pode ser feito para impedir o que você sabe que está chegando.

A recuperação
Agora, da perspectiva de 2012, surpreende como a paisagem mudou rapidamente. Ainda é muito cedo para proclamar um vencedor nessa corrida mas, como ela está no momento, o segundo cenário passou a ser o mais provável, e a possibilidade de uma América fascista está começando a recuar.
A diferença é o mesmo sinal simples que eu esperava ver quando comecei a acompanhar isso em 2006. Finalmente, depois de anos de impotência, os americanos comuns realizaram a única coisa que fará toda a diferença: eles despertaram e ficaram putos. Wisconsin foi o primeiro sinal. Aí veio o Ocupar. Agora, nesta primavera, borbulha em todas partes, até o ponto em que nossos aspirantes a fascistas não podem dar um passo a lugar nenhum sem que seus pés se embaralhem com manifestantes determinados a lhes cobrarem.
Cuidado: o futuro do nosso país ainda tem a pinta de acidente de trem em câmera lenta. Mas, apesar de que o trem continua em movimento e o horror preenche nossas cabeças, você já consegue finalmente ouvir sua própria voz gritando. E todo mundo também consegue. Há uma crescente sensação de que apesar de que ainda não há nada que possamos fazer, precisamos fazer alguma coisa. Ficar parado na lateral do campo olhando o jogo já não é uma opção. Sabemos que é chegada a hora de lutar pelo futuro do nosso país – e também pelo futuro de nós todos.
A ascensão da decência e da visão americanas é a diferença crítica que muda o caminho e nos coloca nos trilhos de um futuro completamente novo. Enquanto durar esse movimento, o futuro fascista que se vislumbrava tão grande nas janelas durante o período do “Auge dos Pirados” continuará a pertencer a um passado que recede.

A linha do tempo
Não acontecerá rapidamente. Mais uma década poderá transcorrer antes de que possamos empurrar os fascistas em nosso entorno de volta à sua caixinha. Encará-los lá dentro ainda será uma briga longa e dura.
O atrito causará muito dano. Eles perderão poder a cada eleição, na medida em que sua base e seus financiadores (a maioria dos quais já está bem velho) forem morrendo. Perderão relevância na medida em que seus porta-vozes se aposentem, percam público e sejam cancelados, ou fiquem desacreditados ao dizer coisas absurdas que são cada vez menos toleráveis para a maioria dos americanos (e para seus próprios financiadores nas corporações). O fato de que os candidatos de extrema-direita mais radical nas primárias do Partido Republicano – Bachmann, Perry, Gingrich e, em última instância, Santorum – tenham entrado em combustão em favor de Romney diz volumes sobre os limites do extremismo de direita dentro do Partido Republicano, mesmo agora. Eles podem lotar os legislativos estaduais e paralisar o Congresso mas, ao fim e ao cabo, não conseguem eleger um presidente.
Os proto-fascistas do Tea Party provavelmente manterão algumas legislaturas e assentos no Congresso por um longo período em suas regiões de origem – mas eles não têm, em 2012, nada como o embalo que tinham em 2010, e pesquisas tanto das atitudes dos eleitores como das mudanças demográficas esperadas sugerem que seu declínio é um tendência a longo prazo. Eles estão na descendente.
Para piorar as coisas (para eles), eles também estão reagindo à perda de poder afundando-se ainda mais no buraco que cavaram. A maioria do establishment Republicano sabia, desde o começo, que a guerra contra as mulheres era um desastre político em gestação – mas os extremistas do Tea Party, movidos pelo avançar da hora no relógio, não puderam ser convencidos a abandoná-lo. Essa imprudência pode custar ao Partido Republicano a eleição. Agora que veio a reação, o Partido Republicano se trancou num ciclo autodestrutivo no qual nenhuma mudança de direção é possível. Enquanto ele continuar girando nessa direção, as possibilidades de uma América Fascista continuarão a diminuir a cada mês.
Enquanto isso, o perigo da violência política pode, na verdade, piorar. Terroristas domésticos de direita chegam ao auge da virulência precisamente quando estão politicamente de joelhos. Ao longo da próxima década – na medida em que as prioridades bastante diferentes daquele grupo de eleitores mais jovem, urbano e diversificado vierem a predominar na agenda política nacional –, podemos esperar ver um aumento na retaliação violenta, quando os membros mais militantes da extrema-direita tentarem uma última cartada desesperada pela sua visão do futuro do país.
Como de costume, os maiores problemas provavelmente virão nos estados em que a fricção entre os conservadores de extrema-direita e esse eleitorado emergente já esquentou ao ponto de ebulição – Arizona, Flórida, Texas, Oklahoma e estados como esses, onde a velha guarda tem contado com soluções fascistas para manter uma nova geração, que ela teme, sob controle. Alternativamente, a violência começará nesses estados, mas será dirigida contra alvos das grandes cidades litorâneas, que são vistas como representantes da sociedade decadente que a extrema-direita se recusa a aceitar. De qualquer forma, quanto mais terreno ela perca, mais prudente será, de nossa parte, que esperemos que eles descontem sua frustração em nós.
Alguns leitores podem pensar que, ao dizer que provavelmente já passamos o ponto crítico, de um futuro provavelmente fascista para um futuro provavelmente não fascista, que eu esteja de alguma forma sugerindo que a ameaça acabou, ou que a luta já não é necessária, ou que podemos todos, agora, fazer as malas e ir pra casa.
Para que fique claro: não estou dizendo isso. De muitas formas, a luta real – aquela que levanta a ordem cultural, política e econômica americana pelos alicerces e estabelece o solo para algo melhor, mais livre, humano, justo e durável – está apenas começando. O que estou dizendo, no entanto, é que a maré virou a um ponto em que é razoável acreditar que o nosso futuro preferido tem uma forte chance de acontecer. Nossos inimigos são barulhentos e bem financiados, mas eles são, também, pouco numerosos, pirados e crescentemente desprezados. Em todos os lugares, a parte crescente, ascendente e criativa do país os está recusando sonoramente, a eles e ao futuro que oferecem. E, do nosso lado, há sinais de levantamento em todos os lugares – os primeiros raios verdes de um novo mundo que se prepara, um mundo que passaremos os próximos vinte anos trazendo à fruição.
Enquanto essa visão continuar a se disseminar, haverá boas razões para acreditar que o futuro, muito provavelmente, pertencerá a nós.  

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