por Saul Leblon na Carta Maior
O que antes era veiculado em linguagem cifrada, escondida no jargão economês e com pretensa universalidade técnica, agora se dá de forma desabrida. A luta política assumiu as rédeas da agenda econômica. É salutar. Política é economia concentrada. O que essa densidade mostra nas últimas horas, porém, é preocupante. Assiste-se ao repto das finanças, uma vingança dos bancos contra as urnas e governos soberanos, o do Brasil entre eles, que decidiram rejeitar a espoliação financeira sobre a sociedade e o processo de desenvolvimento. Está acontecendo na Europa, mas aqui também.
O Estado brasileiro coordenou a queda da Selic, cortou os juros nos bancos estatais e assumiu o risco de reformular a poupança, tirando o piso de apoio da espiral rentista. Acuada nessas frentes, a banca dissimulou sua resistência em silêncio, mas decidiu boicotar a estratégia no cerne: recusa-se a expandir o crédito, um dos requisitos para mitigar o contágio da economia brasileira pela recessão mundial. Nesta 3ª feira, o sindicato dos bancos, a Febraban, abriu o jogo pelos jornais. As declarações do economista -chefe da instituição, Rubens Sardenberg, excretavam uma postura desafiadora de boicote que não poderia ficar sem respostas. Disse Sardenberg: "Você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água. É possível criar condições mais favoráveis à expansão do crédito reduzindo as taxas básicas, mas uma ampliação efetiva das operações passa por uma postura mais agressiva, tanto dos emprestadores como dos tomadores de crédito, que por sua vez depende de expectativas econômicas mais otimistas". Em resumo, boicotaremos a política oficial.
A desfaçatez cometida pelo sindicato dos banqueiros --o segundo episódio dessa natureza depois que o presidente do órgão, Murilo Portugal, afrontou o governo no caso dos spreads-- exigia resposta à altura. Dilma o fez; à tarde a Febraban recuou em nota oficial. Já havia recuado formalmente no atrito anterior há cerca de 15 dias; o recuo, como se vê, era um simulacro.
A crise mundial preocupa. O país não pode ficar a mercê de um lock-out de banqueiros que ameaçam colocar a economia a qualquer momento sob uma seca de crédito desestabilizadora. Crédito é um serviço público concedido à iniciativa privada; trata-se de uma ferramenta estratégica que exige compromisso com o país. Não pode ficar sob o controle de cavalos que recusam água -- e dão coice na Nação.
ATUALIZAÇÃO 09 maio / 14:17 hs
do blog do Miro Borges
"Cavalo pode morrer de sede"
Segundo o noticiário, Dilma Rousseff não gostou nem um pouco do teor arrogante do documento. “Um interlocutor próximo da presidente rebateu a declaração de Sardenberg, dizendo que ‘o cavalo poderia morrer de sede’”, informou o jornal O Globo. Diante desta ameaça nada velada, a Febraban recuou rapidinho e desautorizou o seu próprio relatório. Ainda segundo o jornal rentista:
“O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, telefonou para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentando contornar a reação negativa que o relatório provocara e reafirmou a disposição de colaborar no esforço para a ampliação do crédito e o crescimento econômico... Diante da irritação de Dilma e seguindo sua orientação, Mantega avisou ao banqueiro que a retratação teria de ser pública, assim como foi a divulgação do relatório, e deu um prazo até o fim da tarde para a Febraban manifestar-se”.
O desgaste dos agiotas
No final da tarde de ontem (8), a entidade colocou o rabinho entre as pernas e divulgou nota oficial desautorizando o relatório. Segundo ela, os dados e análises apresentados no documento “não podem ser interpretados como um posicionamento oficial da entidade ou de seus associados”. Este foi o segundo recuo explícito dos banqueiros, que temem o desgaste junto à sociedade.
Logo que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal cortaram as suas taxas de juros, o presidente da Febraban, Murilo Portugal, saiu atirando no governo federal. Mas ele teve que engolir a língua e foi afastado das negociações. Agora, um relatório oficial é jogando na lata de lixo. Não dá mesmo para passar a mão na cabeça dos banqueiros, que se consideram deuses e adoram relinchar.
Deve ser choramingação porque se fosse pra valer eles teriam aparecido com uma explicação técnica para a impossibilidade. Se for pra ser cabeça-de-planilha, tem de ser a rigor, né? :)
ResponderExcluirUma coisa é verdade: Caixa e BB têm muito mais acesso a dinheiro barato e podem emprestar a juros menores. Nem um centavo do (pouco) dinheiro que eu tenho economizado (num banco privado) está disponível para ele emprestar. Poupança é vinculada à financiamento de habitação, fundos de investimento são vinculados a certos tipos de títulos, ações o dinheiro foi para quem me vendeu a ação e assim por diante.
A gente vive num país com taxa de poupança bastante baixa. Acho que só vai ter "alta grana" disponível para crédito de verdade conforme ir baixando os juros (já está fazendo, é verdade!) e a alternativa para lucrar mais será emprestar correndo riscos. Até hoje, ou até ontem pelo menos, o maior concorrente pelo dinheiro disponível para crédito é/era ninguém mais ninguém menos que o próprio governo.