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quinta-feira, 9 de maio de 2013

O maravilhoso preconceito Catarineta - Século XIX








por Mariana Luiza de Oliveira (*)


O Império brasileiro, a partir da segunda metade do século XIX, foi marcado por correntes científicas, que naquele período ganhavam aceitação mundial, tais como os estudos raciais, o positivismo e o darwinismo social. Dentro desta conjuntura, o Brasil começava a sofrer certa pressão internacional por ainda manter sua base de produção no sistema escravista, que conseqüentemente, fazia com que a população brasileira em sua maioria fosse negra ou mestiça.

Essa composição majoritária da população brasileira era vista pelo Império através da visão preconceituosa e racista do século XIX e passava a ser motivo de inquietação para o governo, porque de acordo com o darwinismo social o Brasil estaria fadado ao fracasso, pois os habitantes do país, em geral, eram considerados inferiores.

A solução era fazer chegar ao Brasil um grupo de indivíduos brancos, europeus, civilizados, ordeiros, que contribuiriam para o sucesso desenvolvimentista do país. Em suma, foi o racismo do século XIX o motivador da imigração branca para as terras do Brasil.

O governo imperial abriu as portas da nação para a entrada de imigrantes que voluntariamente se dirigiam ao país. O termo grifado se faz necessário, pois, como se notou no primeiro capítulo (*), no Brasil não houve uma consistente política imigratória.

Na falta de um sistema administrativo imperial que voltasse suas tarefas para a imigração, o governo optou por construir uma imagem representativa que dava a entender que no país havia uma carência de mão-de-obra, o que acarretava na divulgação do Brasil no exterior como uma nação necessitada do braço trabalhador europeu. No entanto, a situação interna brasileira era outra, não havia falta de trabalhadores, na realidade existia uma grande parcela da população local – mestiça ou negra – disponível ao trabalho, mas devido aos estudos raciais da época, esta camada da população era descartada como mão-de-obra, por ser considerada inferior. Esta conjuntura releva todo o mecanismo elaborado pelo império para branquear a população.

Neste mesmo período, oportunamente, surgiram na Europa as Exposições Universais, ocasião em que o Império brasileiro ganhou certo espaço para se apresentar, não no sentido de demonstrar suas características de sociedade escravocrata e agrícola, mas com a intenção de ser considerado um país voltado ao progresso e à civilização.

No ano de 1867, a Colônia Blumenau foi premiada na Exposição Universal da França, devido ao “vigoroso desenvolvimento” que a Colônia Blumenau estava trilhando. Mas cabe salientar, que este desenvolvimento se tornou conhecido na Exposição devido a um folheto que Hermann Blumenau havia elaborado. Tal documento, escrito pelo próprio diretor da colônia, foi o legitimador de uma história positivada de Blumenau,
que ao analisar o individuo que o produziu fica evidente uma tendência de representação progressista da Colônia Blumenau, que, inclusive, entrava de acordo com os interesses do Império. Afinal, a participação de Hermann Blumenau foi um ato planejado pelo Império nesta Exposição, assim como, o ato de expor a Colônia Blumenau na Europa também foi um elemento esquematizado pelo Império com a finalidade de mostrar no exterior que o Brasil também era habitado por brancos, local onde o progresso também acontecia, isto é, a tentativa de afastar da imagem brasileira do exotismo e do selvagem.

No entanto, quando os imigrantes chegavam ao espaço colonial de Blumenau demonstravam certa frustração ao encarar a concreta situação da colônia e do país, o desapontamento dos recém-chegados se dava diante da realidade colonial que lentamente alcançava o tão esperado progresso e a civilidade.

Ao questionar a Colônia Blumenau como um lugar de progresso, harmonia e civilidade, é preciso revelar como isto ocorria no aspecto social, que igualmente não foi tão harmonioso como a história tradicional leva a crer. A existência de diferentes grupos sociais na colônia geralmente é negada para legitimar a história de Blumenau relacionando-a apenas aos povos germânicos. Para isto houve um silenciamento de muitos indivíduos, como é o caso da população luso-brasileira, ou ainda do escravo
Camillo e da escrava Rita, que representam um grupo maior, a população negra.

Hermann Blumenau tendia a enaltecer as famílias alemãs e, em função da ética protestante, atribuía-lhes características como esperteza e racionalidade ao lidar com as despesas domésticas. Em contrapartida, os outros grupos étnicos eram marginalizados, principalmente os italianos, que para o diretor da Colônia eram elementos um tanto quanto inconseqüentes, irresponsáveis e preguiçosos.

Os preconceitos morais com que Dr. Blumenau regia administrativamente a
Colônia Blumenau acabavam por favorecer alguns e, ao mesmo tempo, gerava a exclusão de outros. E devido ao poder que Hermann Blumenau tinha em suas mãos, ele se apropriava de sua posição de diretor para impor a ordem e a civilidade a toda a
Colônia conforme lhe parecia adequado. Em função disto, Hermann Blumenau gerou uma segregação espacial na colônia entre italianos e alemães, condicionando os primeiros a se estabeleceram na colônia em lugares bastante afastados da sede administrativa.

Neste processo de imposição da ordem na Colônia outros indivíduos foram prejudicados, como é o caso dos solteiros, que não eram bem vistos pelo diretor, que chegava a aconselhá-los a não migrarem para a Colônia Blumenau, pois este espaço era mais propício a famílias. A justificação para esta restrição com relação aos solteiros era devido ao árduo trabalho agrícola da colônia, isto é, na visão do Dr. Blumenau uma pessoa solteira tendia a ser improdutiva, já uma família, composta por um maior número de pessoas, tendia a ser mais bem sucedida.

Esta visão pré-concebida de Hermann Blumenau negava aos solteiros muitas oportunidades dentro da colônia, pois evita-se ao máximo vender terras a eles ou ajudá-los com alguns subsídios. Isto acaba demonstrando como a categoria trabalho gerava uma dignificação em torno do colono, que poderia render-lhes atributos morais ou, no caso dos solteiros, dificultar sua inserção no ambiente colonial. Essa questão do trabalho também levava indivíduos inativos ou improdutivos a serem considerados como vagabundos. A idéia de trabalho como elemento dignificador do ser humano era uma concepção compartilhada por muitos do século XIX, tanto que o ócio era considerado crime, de acordo com os artigos 36 e 37 do Decreto Nº 3784 do Regulamento para as Colônias do Estado.

Esta regulamentação foi tomada como indicativo de como o governo provincial e imperial buscavam impor à ordem na sociedade brasileira, sendo que este ato se dava pelo viés do positivismo, isto é, ao impor a ordem seria possível chegar ao progresso. E por Hermann Blumenau partilhar esta concepção, em 1864, apresentou um projeto com algumas posturas para a Câmara Municipal de Itajaí. Embora sua intenção não tenha vingado, sua proposta à Câmara já é uma intenção que merece análise. Tal projeto era uma tentativa de impor a ordem a uma Colônia que estava crescendo, que a cada dia estava sendo permeada por mais conflitos, criminosos, vagabundos, enfim, que a cada momento se configurava mais heterogênea. Desta forma, o fato de Hermann Blumenau ter concebido este projeto desconstrói a imagem representativa da Colônia Blumenau como um espaço harmonioso e tranqüilo, como a historiografia tradicional tenta assegurar.


(*) excerto de Trabalho de Conclusão de Curso de História do Centro de Ciências Humanas e da Comunicação da Universidade Regional de Blumenau, pode ser acessado na integra aqui

2 comentários:

  1. Essas "desconstruções científicas"...

    "Que o colono se orgulhe da enxada
    e o campeiro se orgulhe do laço
    Cada um valorize o que é seu
    É assim que se busca espaço"

    -- Música gauchesca (Os 3 Xirus)

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  2. Ñ acho que isso seja uma "desconstrução"!... pelo contrário.

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