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terça-feira, 21 de maio de 2013

O saco de bondades dos irmãos do norte - transgênicos para todos

por Tom Philpott, no Mother Jones  (tradução Opera Mundi)


Quase duas décadas depois de sua estreia nos campos norte-americanos nos anos 90, as sementes transgênicas estão cada vez menos promissoras. Os produtos da indústria aumentam o lucro das colheitas? A Union of Concerned Scientists (União dos Cientistas Preocupados) pesquisou a questão detalhadamente em um estudo de 2009. Indo direto ao ponto: aumentam marginalmente, se é que aumentam. As sementes transgênicas levam à redução do uso de pesticidas? Não; na verdade, acontece o oposto.

E por que elas reduziriam, se as três ou quatro companhias que dominam as sementes transgênicas (Monsanto, DuPont, Syngenta, Dow) estão também entre as maiores produtoras globais de pesticidas?

As sementes Roundup Ready, da Monsanto, deram início a uma onda de super-sementes resistentes a herbicidas e a uma enxurrada de herbicidas, já que os insetos estão se mostrando resistentes às culturas que contêm pesticidas biotecnológicos e fazendo com que os agricultores aumentem o uso de inseticidas. E as plantações maravilhosas que iriam ser fabricadas geneticamente para resistir à seca e que requerem menos fertilizantes nitrogenados? Até agora elas não apareceram – e há pouca evidência de que um dia o farão.

Ainda assim, mesmo apesar desses problemas, o Departamento de Estado dos EUA tem agido essencialmente como um braço do marketing da indústria agrícola de biotecnologia, completado com figuras de tão alto escalão como a antiga Secretária de Estado Hillary Clinton, declamando pontos de discussão da indústria como se fossem um evangelho, conforme descobriu uma nova análise de documentos internos feita pela organização FWW (Food & Water Watch ou Observatório dos Alimentos & Água, na sigla em inglês).

Usaid/Reprodução

A então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, em viagem ao Quênia, em 2009

O relatório do FWW é baseado na análise de telegramas diplomáticos, escritos entre 2005 e 2009 e lançados no grande vazamento de documentos do Wikileaks em 2010. O FWW conclui: “Uma estratégia conjunta para promover a biotecnologia agrícola no exterior força os países a importarem culturas e alimentos biotecnológicos que eles não querem, e faz lobby para que os governos estrangeiros – especialmente nos países em desenvolvimento – adotem políticas para abrir caminho para cultivar plantações biotecnológicas".

O relatório transborda de exemplos do governo norte-americano promovendo a indústria biotecnológica no exterior. Aqui estão alguns:

O Departamento de Estado encorajou as embaixadas a trazerem visitantes – especialmente repórteres – aos Estados Unidos, já que isso “provou ser uma maneira eficiente de dissipar preocupações sobre [as plantações] biotecnológicas”.

O Departamento de Estado organizou e patrocinou 28 entrevistas de 17 países entre 2005 e 2009. Em 2008, quando a embaixada dos Estados Unidos estava tentando impedir a Polônia de promover uma proibição de rações biotecnológicas para animais, o Departamento de Estado trouxe uma delegação de oficiais de agrícolas de alto-nível do governo polonês para se encontrar com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em Washington, fazer um tour plena Universidade Estadual de Michigan e visitar o Chicago Board of Trade.

O Departamento de Agricultura patrocinou uma viagem para que o Ministro de Agricultura e Pecuária de El Salvador visitasse as instalações da Pioneer Hi-Bred, em Iowa, e para que ele se encontrasse com o secretário do Departamento de Agricultura, Tom Vilsack, que deveria “pagar ricos dividendos ajudando [o Ministro] a claramente defender posições políticas sobre os nossos interesses bilaterais mútuos.”

Outro exemplo: este telegrama de 2009, ao qual o relatório do FWW se refere, mostra uma funcionária do Departamento de Estado casualmente solicitando fundos dos contribuintes norte-americanos para combater o esforço popular que exigia a identificação por etiquetas dos alimentos transgênicos em Hong Kong – e vangloriando-se de haver feito isso com sucesso no passado. Por que se concentrar na política de transgênicos de uma cidade quase independente? A rejeição de uma política de obrigação de etiquetagem “poderia ter influências colaterais na região, incluindo Taiwan, a China e o sudoeste da Ásia”, escreve a funcionária, acrescentando que o seu consulado tinha “intencionalmente projetado programas [contra a etiquetagem] que outras embaixadas e consulados” podiam usar.

O relatório também mostra como o Departamento de Estado forçou os transgênicos em nações africanas de baixa renda – na cara da oposição popular. Em um telegrama de 2009, mostra o FWW, a embaixada norte-americana na Nigéria gabou-se “do apoio do governo norte-americano na redação de uma legislação [pró-biotecnologia], assim como a sensibilização das peças-chave através de um programa de alcance público” tinha ajudado a passar uma lei amigável à indústria. Trabalhando com a Usaid (Agência dos Estados Unidos Para o Desenvolvimento Internacional, na sigla em inglês), o Departamento de Estado forçou ações similares no Quênia e em Gana, como mostra o FWW.

Ainda assim, como aponta o FWW, ao tão agressivamente forçar as soluções biotecnológicas no exterior, o Departamento de Estado está contrariando o consenso de especialistas em desenvolvimento agrícola expressado na IAASTD (Avaliação Internacional sobre Ciência e Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento, na sigla em inglês), de 2009, um projeto de três anos, convocado pelo Banco Mundial e pelas Nações Unidas e completado em 2008, para aferir quais formas de agricultura seriam melhores para as necessidades mundiais em tempos de rápidas mudanças climáticas. A IAASTD teve uma visão tão cética da biotecnologia desregulada como uma cura para os desafios dos alimentos no mundo, que a Croplife America, um dos grupos de lobby principais da indústria, achou pertinente denunciá-la. O governo norte-americano apoiou o lobby da biotecnologia neste caso – apenas 3 dos 61 governos participantes se recusaram a assinar a IASSTD: os Estados Unidos sob comando de Bush filho, o Canadá e a Austrália.

Então por que nossos corpos diplomáticos estão se comportando como se eles respondessem aos acionistas da Monsanto em se tratando de políticas agrícolas? Meu palpite é que a tecnologia de sementes transgênicas, dominada pela Monsanto, bem como nossas elevadas colheitas de soja e milho (que são neste ponto quase completamente feitas de sementes transgênicas), são duas das poucas áreas do comércio global nas quais os Estados Unidos ainda geram um superávit comercial.

O site da Divisão de Políticas de Comércio Têxtil e de Biotecnologia explica assim: "Em 2013, os Estados Unidos preveem exportar US$ 145 bilhões em produtos agrícolas, US$ 9,2 bilhões acima das exportações de 2012, e ter um superávit comercial de US$ 30 bilhões no nosso setor agrícola."

Meu palpite é que os presidentes dos Estados Unidos, tanto democráticos quanto republicanos, estão se debruçando em preservar e expandir esse superávit. O presidente Obama alterou bastante a política exterior dos Estados Unidos quando assumiu a presidência depois de Bush, em 2009, mas não parece ter mudado nada em relação a forçar a biotecnologia mundialmente. E esse impulso não está confinado ao Departamento de Estado. Em 2009, quando Obama precisava apontar alguém para liderar as negociações agrícolas na Secretaria de Comércio dos Estados Unidos, ele foi diretamente à indústria de biotecnologia, chamar o vice-presidente de ciências e assuntos regulatórios na CropLife America, Islam A. Siddiqui, que continua no posto até hoje.

Enquanto isso, o Departamento de Estado opera uma Divisão de Políticas de Comércio Têxtil e de Biotecnologia, que existe em parte para “manter mercados abertos para os produtos norte-americanos derivados da moderna biotecnologia” e para “promover aceitabilidade dessa tecnologia promissora”. A página de biotecnologia do departamento está entremeada de uma linguagem que parece feita de clichês de materiais promocionais da Monsanto. “A biotecnologia agrícola ajuda os agricultores a aumentar seus lucros, permitindo que eles produzam mais alimentos por acre enquanto reduz as necessidades de químicos, pesticidas, água e cultivo. Isso traz benefícios para o meio-ambiente assim como para a saúde e subsistência dos agricultores.”

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