foto ilustrativa de outro modelo de submarino
por Fernanda Correa, no DefesaNet
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O projeto do submarino nuclear brasileiro remonta a década de 1970, durante o governo Geisel (1974-1979). Coube ao engenheiro nuclear, recém chegado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, CC Othon Luiz Pinheiro da Silva, em março de 1979, pôr em prática o projeto do submarino nuclear brasileiro. Como primeira constatação das dificuldades para viabilizar o projeto, a Marinha do Brasil (MB) chegou a conclusão de que, sem o domínio do ciclo do combustível nuclear, não teria como dar o próximo passo: construir o reator nuclear para propulsão naval.
Em um périplo de, aproximadamente, 20 anos, a MB dominou o ciclo do combustível nuclear e pôde dar início a construção do reator nuclear que será comportado no submarino.
Pergunta: por que o Brasil assinou um Acordo Militar com a França, em 7 de setembro de 2009, para aquisição de submarinos convencionais e nuclear condicionando a compra à transferência de tecnologia estratégica?
Com a aquisição dos submarinos da classe Oberon, a MB aprendeu com os ingleses a operar submarinos. Com a aquisição dos submarinos alemãs modelo IKL, a MB aprendeu a construir submarinos. A partir de então, a maior dificuldade da MB em dominar as etapas no desenvolvimento de submarinos passou a ser a de projetá-los.
Há várias formas de obter tecnologia, seja por desenvolvimento autônomo, importação de cérebros, cooperação tecnológica internacional e transferência de tecnologia.
O Brasil optou por buscar parcerias tecnológicas que estivessem, naquele momento, construindo submarinos convencionais e nucleares. Seguindo um processo de eliminação, restou como opção a Rússia e a França. Neste processo seletivo, a MB analisou as seguintes considerações: capacidade para desenvolver tecnologia própria, emprego de métodos e processos familiarizados com os empregados no Ocidente e de mais fácil absorção pelos técnicos e engenheiros brasileiros, ter fornecedor e ter comprador de material de defesa e, principalmente, contratualmente, aceitar transferir tecnologia de projeto de submarinos convencionais e nucleares. O fato de a França exporta submarinos convencionais da classe scorpène para o Chile, a Malásia e a Índia e, principalmente, aceitar as condições de transferência de tecnologia exigidas pelo Brasil a tornou parceira ideal para a realização dos objetivos políticos e militares brasileiros. E assim, neste contexto, a França, desde 2010, está ensinando técnicos e engenheiros da MB e de empresas brasileiras partícipes a projetar submarinos.
Em 16 de setembro de 2010, na cidade francesa de Lorient, a estatal DCNS inaugurou a Escola de Projeto de Submarinos, construída, especialmente, para cooperar com a MB na absorção de conhecimento científico e tecnológico de projeto de submarinos. Nesta Escola, já estão sendo formados grupos de engenheiros da MB e de empresas brasileiras envolvidas que, retornando ao Brasil, serão responsáveis pela disseminação do conhecimento científico e tecnológico absorvido. Importante ressaltar o valor desta absorção e disseminação do conhecimento na formação de uma comunidade científica altamente qualificada e coesa. A título de comparação e exemplificação, graças a uma comunidade científica semelhante, formada pela MB, no Centro Experimental Aramar, ao longo da década de 1980, que, na década seguinte, ao ser transferida a equipe e o conhecimento lá desenvolvidos, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) puderam absorver este conhecimento e desenvolver e produzir combustível nuclear para os reatores nucleares brasileiros.
O primeiro submarino convencional da classe scorpène já está sendo construído nas instalações da DCNS, em Cherbourg, na França. A expectativa é que, este primeiro submarino tenha sua construção concluída no estaleiro de submarinos, em Itaguaí, município do Rio de Janeiro, o qual também ainda está sendo construído por meio de um consórcio entre a DCNS e a empresa privada brasileira Odebrecht.
O PROSUB é constituído por quatro submarinos convencionais e um nuclear. A principal missão da DCNS é auxilia a MB a projetar o casco resistente do futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro, o qual será construído no futuro estaleiro de submarinos, em Itaguaí. Embora a MB esteja, tecnicamente, satisfeita com os seus submarinos modelo IKL, esta força cedeu preferência no fechamento dos contratos com os franceses em função do casco hidrodinâmico do projeto francês derivar do submarino nuclear classe Rubis. Assim, além do modelo do casco do submarino convencional francês se destacar pela relativa facilidade de transição para o nuclear, todos os submarinos da classe Rubis em operação da Marinha francesa empregam tecnologias que são utilizadas nos submarinos nucleares franceses, como o sistema de combate SUBTICS, sensores, armamentos, sistema de controle da plataforma etc, os quais também terão seus conhecimentos absorvidos pelos cientistas, técnicos e engenheiros brasileiros.
Como mencionado, exceto, o primeiro, os demais submarinos serão construídos no Brasil. A expectativa é que o índice de nacionalização seja elevado. O Ministério da Defesa (MD) abriu concorrência para que empresas nacionais se candidatassem nos itens a ser nacionalizados. Coube à DCNS avaliar e selecionar as empresas que se candidataram e à MB coube acompanhar e supervisionar todo este processo de seleção.
Se por um lado 2009 foi um ano generoso para o setor naval do Programa Nuclear Brasileiro (PNB), para o setor de saúde que também se beneficia deste Programa não foi. Por acomodação e falta de visão estratégica, o Governo brasileiro sentiu o impacto e as consequências que a dependência e o cerceamento tecnológico nuclear geraram para a sociedade e para os cofres públicos. Neste ano, a empresa canadense MDS Nordion que fornecia tecnécio para os institutos de pesquisas da CNEN, sem aviso prévio e alegando problemas no reator, cortou o suprimento deste radiofármacos. Semanalmente, o IPEN fornece geradores de tecnécio para aproximadamente 300 clínicas e hospitais em todo o Brasil. Além dos poucos países que fornecem este radiofármaco não atender a demanda internacional, o seu preço aumentou em 200%. Como solução paliativa, o Ministério da Saúde resolveu importar o tecnécio da Argentina, da África do Sul e de Israel. Como solução definitiva, o Ministério da Saúde decidiu envolver o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e, em comum acordo, com a Argentina, puseram em prática o plano de construir um reator de pesquisa chamado de multipropósito (RMB), um para cada país.
O arraste tecnológico advindo desta construção, além de beneficiar a medicina nuclear, beneficiará outros setores, como o de engenharia de alimentos, o de energia, a indústria e o setor naval. Sua implantação permitirá agregar pesquisadores de diversas áreas, possibilitando a criação de um núcleo de conhecimento capacitado, integrado e coeso. Foi visando estes benefícios que a MB cedeu parte de seu terreno, ao lado do Centro Experimental Aramar, em Iperó, interior do estado de São Paulo, para que o MCT construísse o RMB. Este reator, além de realizar testes de irradiação de materiais e combustíveis nucleares, tem um caráter estratégico, pois, contribuirá na produção de tecnécio-99, radiofármaco gerado por aceleradores de partículas feitos de molibdênio, metal raro, ultra resistente, que suporta temperaturas elevadas e resiste à corrosão. Como as reservas oficiais de molibdênio são insignificantes, o Brasil é extremamente dependente da importação de produtos gerados a partir deste metal para o suprimento de suas necessidades. Dados de 2007, do Departamento Nacional de Produção Mineral acusaram que as importações brasileiras de molibdênio totalizaram cerca de 10.415 toneladas, o que significou um gasto de US$ 301,64 milhões. Só a China possui três das seis maiores minas de molibdênio do mundo e os EUA detêm as outras três das seis maiores minas em operação. A produção de molibdênio na América Latina se concentra nas minas chilenas e algumas poucas peruanas.
O RMB garantirá a autossuficiência e a independência tecnológica na produção do molibdênio. Além destas questões, há intrinsecamente neste processo uma questão de soberania nacional, a medida que o casco resistente dos submarinos, em especial, os de origem ocidental, são constituídos por uma liga metálica composta por níquel, cobre e molibdênio (HY-80). O casco resistente dos modelos alemãs são mais resistentes do que os dos franceses, a medida que os primeiros são constituídos pela liga metálica HY-100. Isso permite que os submarinos convencionais e nucleares possam mergulhar ainda mais fundo, cumprindo a finalidade de não serem detectados por forças hostis sem comprometer o casco resistente.
Há países, como o Japão, que restringem severamente a exportação de aços que possam ser aplicados com fins militares. Um boicote conjunto de fornecedores internacionais de aços estratégicos significaria o estrangulamento de qualquer programa militar que dependesse da importação destas ligas metálicas. Alguns especialistas afirmam que o Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, só assinou os contratos para a aquisição de submarinos modelo IKL mediante o comprometimento alemão em fornecer o molibdênio para a construção dos cascos resistentes dos 4 submarinos convencionais que foram construídos em território brasileiro. Se esta afirmação é verdadeira ou não, o fato é que, a MB se beneficiará demasiadamente com a construção do RMB. Independente de haver o comprometimento da França, neste novo Acordo Militar, o fato é que, ao transferir a tecnologia de projeto, os cientistas, técnicos e engenheiros brasileiros adaptarão os conhecimentos absorvidos na Escola de Projeto, na França, nos submarinos que serão construídos em território nacional. Isso permitirá, inclusive, que os brasileiros possam escolher as ligas metálicas que melhor atendam aos interesses estratégicos da empreitada, a medida que já existem submarinos utilizando novos tipos de ligas metálicas, com menores custos e com soldabilidade muito superior que os da série HY, permitindo assim, uma redução de até 50% nos custos totais de construção das embarcações navais. As ligas metálicas oriundas da família HSLA-80 são exemplo disso. Nos EUA, por exemplo, já se utiliza este tipo de liga metálica na construção de algumas classes de submarinos.
Percebe-se assim que, não foi a toa que a MB cedeu seu terreno, ao lado de Aramar para que o MCT construísse o RMB, garantindo benefícios científicos e tecnológicos na irradiação de material e combustível nuclear para o reator de propulsão naval e burlando o cerco tecnológico dos países que mantém a estrutura realista do sistema internacional.
A conclusão que se pode chegar com este texto é que, graças a sua participação no RMB, a MB tornará possível o sonho de projetar, construir e operar o submarino nuclear brasileiro, reduzirá as vulnerabilidades científicas e tecnológicas, contribuirá com a consolidação das políticas de cooperação e integração na América do Sul e fortalecerá a soberania do Estado nas águas jurisdicionais brasileiras.
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