Percival Puggina, no Tribuna da Internet
Vamos ver se consigo. É muito difícil que uma dissertação sobre política não seja lida sem que os leitores se instalem, provisoriamente ao menos, nas respectivas trincheiras. O que hoje trago para este espaço, no entanto, é uma reflexão sobre modos de ver a política que independem de devoções governistas ou oposicionistas e de alinhamentos ideológicos por tal ou qual banda. Estou fazendo uma aposta em que conseguirei ser entendido na perspectiva que proponho.
Vamos lá. Todo governante, sentado na cadeira das decisões, se defronta com esta questão: onde gastar os escassos recursos de que dispõe? Abrem-se, de hábito, dois caminhos. Num deles, os recursos podem ser gastos na conservação do estoque de bens públicos disponível, no aumento da oferta de serviços com ampliação dos empregos do setor, nas despesas de custeio e na distribuição de favores. No outro, priorizam-se os investimentos como forma de ampliar, através deles, as perspectivas do futuro.
O tema é relevante e se expressa na opção entre a possibilidade de governar mais para o presente e menos para o futuro ou de governar mais para o futuro e menos para o presente. Numa analogia bem singela, seria escolher entre comer feijão com arroz hoje ou preparar uma feijoada para amanhã.
A experiência política mostra que o feijão com arroz é eleitoralmente mais bem sucedido que a feijoada, embora a feijoada fique na memória e entre para a história. Há muitos anos, muitos anos mesmo, a feijoada foi parar num canto remoto do cardápio nacional – e no Rio Grande do Sul não é diferente – graças a uma taxa de investimento incapaz de providenciar os mais modestos ingredientes de uma feijoada que mereça essa designação. As propagandas oficiais podem sobrevalorizar o que é investido, mas não passam disso mesmo: propaganda oficial. Aponto para a falência da educação no país e não preciso dizer mais nada para provar o que digo.
É na bandeja do dilema aqui exposto que o prato da oposição é servido. Se o governante optar pela feijoada, a oposição reclamará da falta do feijão com arroz; se ele escolher o feijão com arroz, a oposição cobrará a feijoada. E não há como escapar desse conflito, a menos que – numa situação absolutamente ilusória e imprudente – se proceda como se existissem recursos para fazer bem as duas coisas. É a usina do endividamento, da insegurança e do descrédito.
Não é por outra razão que a política deve ser confiada aos estadistas. Quem vota em qualquer um por razões menores deve, mesmo, ser governado por pigmeus. Para cuidar apenas do custeio, um gerente serve; para decidir sobre investimentos, precisa-se de um planejador; para escolher entre o bem e o mal basta ter uma consciência bem formada. Mas para priorizar despesas, escolher o mal menor (porque o bem nem sempre está disponível ou acessível), fazer na hora certa a opção correta entre custeio e despesa, se requer um estadista.
E nós só os teremos quando os partidos compreenderem que eleição é um episódio do processo democrático. A eleição passa mas a política permanece. E a política só corresponderá às expectativas sociais quando os partidos se preocuparem com formar (e os eleitores com eleger) estadistas. Eles existem e estão por aí, cuidando de outras coisas, porque a política não lhes dá espaço. Enquanto isso, ora falta feijão, ora falta arroz e a feijoada virou um sonho.
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