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segunda-feira, 24 de junho de 2013

A revolução dos "sem-noção" [1]


por “Centelha” (*), comentarista de blog, pescado no da Raquel Nunes


“Confesso aqui, publicamente: os garotos dessas manifestações me irritam. Mas por quê?

Porque praticam desconhecimento ativo de algo muito real: na vida, nem tudo é possível! Simples assim.

Eles odeiam os políticos. Isso equivale a dizer que odeiam a vida real: como se fosse factível escapar da política, para qualquer enfrentamento prático, mínimo que seja, dos problemas objetivos de uma coletividade humana!

Odeiam os partidos, o Estado, o poder. Só que o atendimento a qualquer de suas reivindicações supõe a existência e o funcionamento exatamente daquilo que execram.

Admito que muito dessa rejeição à política provavelmente deriva:

a) da corrupção que o poder produz, inevitavelmente, mesmo em políticos bem intencionados - e estes, supondo que existam, talvez sejam, de saída, a minoria;
b) do envelhecimento das velhas modalidades de representação política, que exigem há tempos injeção de participação direta - é preciso renovar, reinventar a democracia, em tempos de novas tecnologias e formas de comunicação;
c) da desqualificação sistemática dos políticos e da política partidária brasileira pela nossa mídia, e pelos nossos candidatos a "déspota esclarecido";
d) da impermeabilidade dos partidos existentes à energia dos jovens.

Tudo isso é verdade. E pra sacudir tudo isso, a presença da moçada na rua é mais que positiva. Jovens participando da vida na pólis, por mais equivocados que sejam seus atos e omissões, estão sempre melhor que entregues ao individualismo e ao cinismo. Com erros, sempre se pode aprender. E com apatia? Nada!

Isso posto, por que essa garotada teria o monopólio do direito à crítica? Quem diz o que quer, ouve o que não quer. Volto então ao tema de partida: eles me incomodam, sim, com muitos de seus maneirismos.

É muito cômodo instalar-se na posição de credor universal, como eles fazem - "contra tudo o que está aí" - e exigir "tudo ao mesmo tempo agora", sem o mínimo compromisso ou responsabilidade com os meios de viabilizar suas exigências.

O que exatamente os manifestantes querem cortar, para obter as verbas capazes de subsidiar o transporte gratuito para todos? Querem tudo sem pagar coisa nenhuma; ora, assim é moleza! Ou coisa de playboy mimado?...

Políticas universalistas? Sim... mas como? Financiadas por uma carga tributária regressiva como a nossa, extraída de um PIB per capita aliás bastante baixo, se comparado ao de qualquer país europeu (mesmo Portugal, ou Grécia)?

Quantos dos jovens manifestantes, moradores de áreas nobres das cidades, aceitariam pagar um IPTU dobrado ou triplicado, para receber em troca transporte coletivo gratuito?

É muito fácil agrupar milhares de pessoas nas ruas, se não se exige delas qualquer coerência, consenso ou unanimidade. Comum a todos, só o pretexto de uma reivindicação, sincera ou encenada: redução nos preços das passagens dos ônibus. Digamos que sim; mas como? demitindo ou arrochando salários de trabalhadores? remanejando as verbas antes destinadas à educação e à saúde? fazendo algum milagre? Quantos manifestantes, repito, concordariam que fossem aumentados substantivamente os impostos dos mais abonados? Quando a Marta Suplicy aumentou impostos em Sumpaulo, ela foi carimbada de Martaxa! Então tá...

E quem delegou a esses manifestantes arrebanhados pelo MPL a procuração divina para determinar, em nome de toda a pólis, que o transporte gratuito é a prioridade a ser financiada por uma verba finita, aliás bastante escassa? Por que não a saúde, a educação, a moradia, a construção de metrôs ou VLTs?

Tudo o que eles criticam no poder instituído, repetem, sem perceber. São autoritários: quem afinal consultaram, para definir que a gratuidade dos transportes deve ter a primazia, dentre todas as urgentes carências que oprimem a população brasileira? Não consultaram ninguém; simplesmente conseguiram parar as cidades, gritar mais alto que os outros. Querem ganhar no grito. Os que querem outras coisas, que venham pra rua, e gritem também! É de quem gritar primeiro? é de quem gritar mais alto? é de quem parar a cidade por mais tempo? Também se podem resolver as divergências na porrada, pura e simples. Isso é democracia? Ou barbárie?

E como negociar com um movimento que não tem lideranças? Quem no movimento se responsabiliza pela manutenção de qualquer acordo? Quem se responsabiliza, aliás, pelo que quer que seja?

Mostrem a qualquer liderança do MPL (liderança?) imagens dos que estão nas passeatas gritando "foda-se o Brasil" e aproveitando a onda para quebrar tudo, agredir trabalhadores, etc. Candidamente, a "liderança" irá tirar o corpo fora. "Infiltrados", "não temos nada com isso"... "Não temos como controlar todo o mundo numa manifestação de massa...", etc.

O que eles criticam nos partidos tradicionais? A corrupção, as alianças, a sede de tratá-los como... massa de manobra. Mas eles também já estão corrompidos, sem o saber: o poder de parar as ruas os embriaga. Estão, como disse o Zizek, apaixonados por si mesmos! Alianças? Eles mesmos confessarão não ter como "filtrar" os aproveitadores, os reacionários, os que estão instrumentalizando sua energia para finalidades escusas (quebrar tudo, saquear, fazer arrastão; bradar a favor de um golpe militar que "restaure a ordem"; quem sabe até, estuprar uma garota nalgum beco...). Enfim, aceitarão qualquer "indignado" em suas fileiras, desde que engrosse o movimento: reaças, tarados, saqueadores, aproveitadores de modo geral. Exatamente como... as alianças dos partidos políticos!

Enfim: essa garotada na rua me irrita porque... já fui exatamente assim! Já fui militante de "vanguarda" autoproclamada, no tempo em que os bichos falavam. Bem intencionada, queria salvar o mundo. Não me poupei de riscos... movida pela mesma arrogância, pelo mesmo voluntarismo, pelo mesmo inocente autoritarismo, pela mesma facilidade em ter certezas sobre tudo. Devido a essa mesma intolerância à crítica, fui longo tempo cega para avaliar, com o mínimo de lucidez, a (in)viabilidade das minhas bandeiras, estratégias e táticas; tinha a mesma ligeireza em apontar um dedo acusatório para todos os que tinham assumido as responsabilidades da vida...

Um dia, os jovens que hoje exigem "tudo ao mesmo tempo agora" descobrirão que não dá pra viver, nem fazer coisa nenhuma, sem pagar um preço; sem transigir, sem fazer compromisso... e sem esbarrar o tempo todo nos limites que o real impõe ao que é possível.

Quem sabe, nesse ínterim, essas galeras de indignados - mesmo arrogantes, voluntaristas, irrealistas e autoritários - com sua certeza ingênua de que vão consertar o mundo no grito consigam, na melhor das hipóteses, forçar que o possível aconteça para além do que aconteceria sem a intervenção deles na pólis. Oxalá eles empurrem, com sua energia selvagem, os horizontes do rame-rame costumeiro no sentido de algo um pouco menos lamentável que o persistente status quo da sociedade brasileira: privilégios de um lado, exclusão de outro lado. E tomara que aprendam, também, alguma coisa válida com os próprios erros e acertos!”

NOTAS

(*)  O texto é de autoria de um blogueiro que se apelida por Centelha; assino embaixo. O que vemos é uma Revolução dos Sem Noção, agora dirigida por pessoas com interesse prioritário em derrubar o governo federal – e só o governo federal, mais nenhum. Palavras de ordem são “Fora Dilma” e “Fora PT”. O que significa isso? Retrocesso, não avanço. É lamentável que muitos se deixaram enganar por isso, e agora são também espancados na rua por essa milícia reacionária que quer destruir tudo para nos deixar à mercê da restauração de tudo o quanto pôs de joelhos o país: mercadismo absoluto, Estado mínimo para o povo e máximo para as corporações, Judiciário radicalizando decisões pró-elites, um verdadeiro Inferno cuja possibilidade resta agradecer à "juventude engajada" no Nada: sem política, sem partido, sem ideias, sem noção, pois é isso: esta é a Revolução dos Sem Noção. – Marcos Nunes

5 comentários:

  1. Que texto imbecil. A blogaria realmente assumindo seu lugar de direito, a reboque da mídia tradicional. Bem que dizem que este governo tem PR horrível, até a PR informal é uma "coisa".

    "Seja racional, exija o impossível". Governantes e CEOs são pagos pra pensar fora da caixa, não para ficar dizendo que isto não dá, aquilo não pode, etc.

    Em geral, quando o governante pensou fora da caixa, as recompensas foram enormes:

    * O Lula com seu aumento do salário mínimo reiteradamente acima da inflação, e o Bolsa-Família, e todo mundo dizia que o Brasil ia quebrar, que todo pobre ia ficar bebendo na ociosidade.

    * O FHC com as privatizações

    * O Itamar com o Plano Real

    * O Getúlio em tantas outras coisas, apesar da minha rezinga com ele por ser fascista e centralizador

    Uma mudança radical que eu acho muito discutível, e talvez prejudicial foi Brasília, obra de JK, mas no geral pensar fora da caixa trouxe muito lucro.

    O MPL pensa fora da caixa. Está fazendo de graça um trabalho que os governos deviam estar fazendo.

    Dilma se importando agora, depois dos centenas ou milhares de artigos que nós que temos propostas *concretas* para o transporte escrevemos e fomos solenemente ignorados.

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  2. Escreveu esse comentário no post certo?... até podemos concordar tópicamente, mas o que vc discorre ai ñ está contemplado no post... são outras coisas.

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  3. Foi um comentário com "cores carregadas" (estou menos bravo agora) mas a priori voltado ao post.

    "E quem delegou a esses manifestantes arrebanhados pelo MPL a procuração divina para determinar, em nome de toda a pólis, que o transporte gratuito é a prioridade a ser financiada por uma verba finita, aliás bastante escassa? Por que não a saúde, a educação, a moradia, a construção de metrôs ou VLTs?"

    Se este movimento e não outros arrebanha manifestantes, é no mínimo um sinal de que o transporte é um problema mais saliente, né? Vide meu texto: http://epx.com.br/logbook/entries/transporte.php

    "Quantos dos jovens manifestantes, moradores de áreas nobres das cidades, aceitariam pagar um IPTU dobrado ou triplicado, para receber em troca transporte coletivo gratuito?"

    Sempre a flecha envenenada dos tributos... aliás, na medida em que houvesse transporte coletivo decente, em minha opinião todo mundo pagaria de bom grado -- frustrando a pergunta retórica acima :)

    "O que exatamente os manifestantes querem cortar, para obter as verbas capazes de subsidiar o transporte gratuito para todos? Querem tudo sem pagar coisa nenhuma; ora, assim é moleza! Ou coisa de playboy mimado?..."

    Isso é como eu fazer um programa de computador, aí o usuário reclama de algum problema de usabilidade, e eu desqualificar a crítica porque o usuário não tem formação em ciência da computação como eu.

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  4. Elvis, temos que chegar a uma concordância sobre o que estamos falando O movimento que se viu nas semana passada era predominantemente Classe-Média, portanto de gente menos afetada pelo que apresentaram como mote (as tarifas de onibus) isso é fato.

    Eu faço a leitura de que esse movimento é um remake do mal enjambrado “CANSEI” de alguns anos tras inciado pelas musas da telinha: Regina “Tenho Medo” Duarte, Hebe, Ana Maria Braga e mais algumas desse jaez. Agora aproveitaram o start do MPL somado com a truculência das tropas de choque da PM de D. Geraldo von Opus Dei e conseguiram entroxar finalmente seu tão sonhado Protesto de Insatisfação Geral – CANSEI II .

    Então em relação ao que o cara escreve (no post) sobre a possibilidade de tarifa livre, o mimimi dos coxinhas dos Jardins e do Higienópolis ñ é de válido.

    Concordo com vc qto ao fato de que o manifestante que se insurge contra situações deletérias quaisquer ñ tem obrigação nenhuma de vir com soluções... que é o que se espera sim dos administradores públicos.

    Agora o exemplo de desqualificação do usuário leigo ñ se relaciona exatamente à situação de manifestantes oba-oba querer tudo sem pagar. Seu cliente ñ está se recusando a pagar pelo seu serviço, por isso, mesmo leigo tem sim a prerrogativa de chiar. Então vamos assim... Abrç da vila serrana

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  5. Eu discordo frontalmente do "menos afetado". Somos afetados todos, de forma diferente. De fato o pobre toma mais no côco porque tem menos recursos para contornar a situação. Mas a queda na qualidade de vida acaba recaindo sobre todo mundo.

    SP nem sequer tem o pior transporte do Brasil para alguém dizer que "protesto circunscrito a SP é bom, nacionalizado é ruim". Tenho conhecidos que me dizem que o de Curitiba é pior, isso porque é a vitrine histórica de CWB, imagine se não fosse.

    Nós aqui da aldeia, como as tribos ainda estão em tamanhos manejáveis, dá pra se virar com automóvel e moto, mas já dá pra sentir a complicação. Sou obrigado a manter uma "base" na Cidade das Flores, lamentando que num universo paralelo (que espero conhecer depois de morto) há um trem passando perto da minha casa aqui na praia, que me permitiria morar 100% do tempo aqui...

    Coincidência ou não o "Cansei" também foi causado por um problema em transporte coletivo (aeroportuário). Na época, a desqualificação "ad hominem" funcionou. Desta vez, nem tanto.

    O MPL mira nas estrelas para tentar acertar a lua, dificilmente um transporte será 100% gratuito, pode chegar a uma modalidade estilo Europa onde você paga por mês. O argumento do MPL é tipo o "estupra mas não mata" do Maluf: pode ser uma afirmação infeliz mas encerra uma "perplexidade essencial". O passe livre do MPL pode ser inatingível mas encerra uma constatação: que o financiamento do transporte não pode se dar pelo método convencional de pegar todos os custos e jogar no valor do ticket.

    Sempre lembrando a questão que estradas são financiadas pelos impostos, e e nem vamos começar a falar de poluição! Muita gente ia pensar 2x em tirar o carro da garagem se pagasse por todas as externalidades.

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