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sexta-feira, 8 de março de 2013

Hugo Chavez


por Luis Carlos Azenha, no seu Viomundo

Hugo Chávez nasceu da primeira revolta genuinamente popular contra o neoliberalismo na América Latina. Extraiu sua força política do Caracazo, a rebelião contra as medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional ao governo de Carlos Andrés Pérez, em 1989. Violentamente reprimido, deixando centenas de mortos, o Caracazo antecipou em quase 20 anos a implosão do modelo neoliberal que atingiu primeiro Wall Street e hoje derrete a zona do euro. Andrés Pérez era da AD, a Ação Democrática, um dos partidos da oligarquia que se revezavam no poder desde um acordo firmado em 1958 na cidade de Punto Fijo.

A ascensão de Chávez pôs fim simultaneamente a Punto Fijo e à influência dos Estados Unidos na política local, que tinha um aspecto mais sombrio: a Disip, serviço de inteligência venezuelano, era um braço da Central de Inteligência Americana para a desestabilização de Cuba e a manutenção de regimes pró-americanos na região. O terrorista cubano-venezuelano Luís Posada Carriles usou seus contatos na Disip para planejar a derrubada de um avião da Cubana de Aviación que matou 73 civis, em 1976.

Mais importante que isso, Hugo Chávez pôs fim ao domínio indireto que os Estados Unidos exerciam na estatal petrolífera PDVSA, que bancava a vida nababesca da elite local em Miami e gordas contas nos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos. Quando eu era correspondente da TV Manchete em Nova York, cobri o escândalo que envolveu uma funcionária brasileira do Citibank, acusada de desviar dinheiro de clientes latinoamericanos. A tarefa dela, segunda me contou em um presídio, era visitar os países da América Latina, dentre os quais a Venezuela, para conseguir clientes dispostos a depositar “com segurança” pelo menos um milhão de dólares na agência do Citibank que ficava no 666 da Quinta Avenida, em Manhattan.

[Para entender a importância do desvio da renda do petróleo para o sistema financeiro internacional leiamPoisoned Wells: The Dirty Politics of African Oil, do excelente Nicholas Shaxson]

[Clique aqui para ver uma série que eu, Azenha, gravei na Venezuela]

Eleito pela primeira vez em 1998, Chávez só assumiu de fato o poder quando destituiu a direção da PDVSA, o que levou a um locaute empresarial entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003. A greve petrolífera desnudou o que realmente sempre esteve em jogo na Venezuela: o controle sobre as imensas reservas de petróleo.

Não deixa de ser irônico que a revista Time já tenha dedicado uma capa ao verdadeiro ditador venezuelano, Marcos Pérez Jímenez, que governou a Venezuela com um misto de fraudes e mão de ferro, entre 1952 e 1958: “a golden rule”, um governo dourado, elogiou a revista, se referindo a investimentos promovidos pelo ditador com o dinheiro do petróleo.

Quem dominava a indústria petrolífera venezuelana, então, era a norte-americana Standart Oil.
Tanto Jiménez quanto Chávez são de extração militar. Este último frequentemente criticado por seu bonapartismo. Não se trata, no entanto, de um fenômeno desligado da História da Venezuela. Ao contrário do Brasil e de outros países da região, a Venezuela viveu uma guerra de independência devastadora e a reorganização do país se deu em torno da instituição que melhor resistiu à destruição: o exército.

Hugo Chávez abriu caminho, na América Latina, para o funeral da ALCA — a aliança comercial que os Estados Unidos pretendiam impor à região –, e o poder imperial do FMI com seu Consenso de Washington.
Os ventos que ele ajudou a soprar varreram do mapa latinoamericano desde a base aérea de Manta, controlada pelos Estados Unidos na costa do Equador, até Gonzalo Sánchez de Lozada, o Goni, boliviano que falava espanhol com sotaque gringo e infelicitou a Bolívia antes de ser botado para correr por uma rebelião popular contra reformas inspiradas… pelo FMI.

Chávez deixa mais que um legado de avanço social para milhões de venezuelanos, antes excluídos e fisicamente isolados nos morros que cercam Caracas: deixa um país extremamente politizado e uma mídia tão diversa que é um prazer sentar num quarto de hotel de Caracas e sintonizar as diferentes emissoras privadas ou estatais. As opiniões recolhidas ali formam um mosaico de um país polarizado mas que discute aberta e francamente seu destino político, muito longe do consenso bovino expresso de forma monocórdica pela mídia brasileira.

Finalmente, Chávez representa uma grande perda para a diplomacia brasileira. Era o biombo ideológico atrás do qual o Itamaraty operava o projeto que serve de formas múltiplas à economia, à soberania, à diplomacia e à segurança do Brasil. A adesão da Venezuela ao Mercosul levou o Brasil ao Caribe. Fortaleceu um projeto que poderíamos chamar de a América Latina para os latinoamericanos. E reduziu substancialmente a capacidade históricamente demonstrada dos Estados Unidos — nos golpes e intervenções militares, do Chile ao Panamá, do Brasil à Nicarágua, de Cuba à Venezuela — de usar a região, como fez desde a Doutrina Monroe, como um quintal para a Standart Oil, a United Fruit, a IT&T e suas equivalentes.

Abaixo, um vídeo sobre terrorismo Made in USA (siga o link do You Tube para as outras partes):

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