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quinta-feira, 21 de março de 2013

FêNêMê - uma história muito bacana



por Jason Vogel, no Globo Economia (vejam só!?!?...)


Quando os caminhões FNM chegaram roncando grosso, foi uma comoção em Xerém. Entre velhinhos com os olhos cheios d’água e cinquentões relembrando a infância, juntou foi gente da vizinhança...

Os nove impecáveis Fenemês foram uma aparição mágica e inesperada na manhã de domingo. Vieram do Paraná e do interior de São Paulo numa peregrinação de volta ao ninho: a antiga Fábrica Nacional de Motores. Traziam um carregamento de memórias.

Os Fenemês pertencem a apaixonados pela marca, a primeira empresa a produzir veículos em larga escala no Brasil. Fazia tempo que os donos dos caminhões sonhavam visitar as históricas (e imensas) instalações da extinta estatal, hoje ocupadas pela fábrica de ônibus Ciferal-Marcopolo.

— Só conhecíamos a fábrica por fotos. Retornar às origens é reaquecer a história dos Fenemês e das pessoas que os faziam — diz o paranaense Miklos Stammer, capitão de cargueiros da Marinha mercante e caminhoneiro diletante.

Essa história começa em 1939, quando o Brasil foi lançado por Getúlio Vargas em um grande processo de industrialização. Nesse espírito, o então coronel Antônio Guedes Muniz propôs a construção de uma fábrica de motores aeronáuticos que atenderia à aviação militar e à nascente produção nacional de aviões civis.

Com o início da Segunda Guerra, Getúlio barganhou a construção da base aérea americana em Natal. Em troca, pôde comprar, a 1/3 do preço, máquinas para produzir os motores radiais Wright R-975.

A construção da Fábrica Nacional de Motores, em Xerém (distrito de Duque de Caxias, no pé da Serra de Petrópolis), correu durante a guerra. Eram enormes e modernas instalações, com direito a ar-condicionado central.

A ambição de Muniz — promovido a brigadeiro em 1942 — era transformar “açougueiros, sapateiros e empregados de balcão em operários de uma indústria de precisão”. Muitos trabalhadores vieram de escolas técnicas do Nordeste, especialmente do Piauí.

A ideia era criar uma fábrica que servisse como modelo para a industrialização do Brasil. A “Cidade dos Motores” seria auto-suficiente, com comércio, atendimento médico, lazer e vilas operárias. De parafusos e engrenagens até a comida, tudo deveria ser produzido em Xerém.

— Havia até criação de porcos e galinhas. Nossa alimentação vinha da área em torno da fábrica — lembra Jorge Camarão, de 80 anos, que entrou na FNM na década de 50.


Os primeiros caminhões

Getúlio foi deposto em 1945 e começou a luta entre estatistas e privatistas. Com os excedentes de guerra, os motores de avião já não eram necessários.
Para salvar a FNM, o Brigadeiro converteu as máquinas trazidas dos EUA para produzir geladeiras, bicicletas e tratores... Em 1947, a empresa teve ações vendidas na bolsa (mas o grosso das ações continuava nas mãos do Estado).

Só em 1949 é que Xerém encontrou seu rumo: graças a um acordo com a marca italiana Isotta Fraschini, a FNM foi a primeira empresa a fabricar caminhões no Brasil. A estreia foi com o D-7.300. Uns 200 caminhões deste tipo chegaram a ser feitos aqui, mas a Isotta quebrou e interrompeu o envio de peças. O jeito foi encontrar outro fornecedor de tecnologia: a estatal italiana Alfa Romeo. E foi com o modelo FNM D-9.500 que a linha de Xerém foi reativada em 1951, com as máquinas novamente adaptadas.

Em 1958, foi lançado o caminhão que se tornaria lendário em nossas estradas: era o D-11.000, com seu jeitão bruto e o som inconfundível do motor a diesel de seis cilindros.

Foi a época de ouro da FNM, então a maior produtora de caminhões pesados no Brasil, chegando a fazer 350 veículos por mês.

— Os chassis eram testados na Rio-Petrópolis — lembra Antonio Gualberto, o Toinho, que entrou em 1955 como contínuo e saiu como supervisor de usinagem, 33 anos depois.

A FNM era parte integrante da vida dos operários, não apenas um meio de subsistência. Até o cinema — Cine FNM — era tocado pela empresa.
Coisa rara nos anos 50, os trabalhadores eram premiados com participação nos lucros, o que estimulava a produção.

— Para quem não morava nas vilas, a fábrica oferecia condução para vários bairros — lembra Camarão.


A época de ouro

Em seu auge, a fábrica chegou a ter 7 mil funcionários. As instalações de Xerém foram ampliadas e os novos galpões, apelidados de Brasília. Os caminhões davam lucro quando a FNM decidiu se lançar na produção de um sedã de luxo, o FNM-2000 JK. Aos poucos, a empresa mergulhou no descontrole administrativo.

Com o golpe militar de 1964, começaram as perseguições ao movimento sindical e a empresa recebeu um interventor. Um relatório encomendado pelos novos donos do poder mostrava que a estatal poderia voltar a ser lucrativa. Mas não adiantou: em 1968, a FNM foi praticamente doada pelo Estado à italiana Alfa Romeo. O negócio foi feito por meio de contratos secretos. Chegou a ser montada uma CPI, mas o argumento do governo Costa e Silva foi que, com o Ato Institucional nº 4, não seria necessário abrir uma concorrência.

Assim, a única marca genuinamente nacional de caminhões e automóveis foi vendida aos estrangeiros.

Com a “doação” à Alfa Romeo, as casas da FNM foram repassadas ao Ministério da Fazenda, que começou a despejar os operários.

Da fábrica continuaram a sair carros, caminhões e chassis de ônibus. Veio um novo pesado: o FNM 180 e, depois, o luxuoso sedã Alfa Romeo 2300. A diferença é que os direitos dos trabalhadores foram paulatinamente reduzidos, como conta o livro “Estado-Patrão e a luta operária — o caso FNM” de José Ricardo Ramalho.

Em 1977, a fábrica foi vendida à Fiat — que continuou a fazer o caminhão 180 por mais três anos. Depois, transferiram as linhas para Minas Gerais. Só restava em Xerém a produção de peças sobressalentes.

— Uma tarde me chamaram e deram meia hora para eu voltar à oficina e despedir 80% da turma — conta Toinho. — Depois de 33 anos, saí para nunca mais voltar.


Hoje, a Ciferal

Fábrica fechada e a mão do estado acabou interferindo novamente. Desta vez, no primeiro governo de Leonel Brizola, que salvou da falência a fábrica de carrocerias de ônibus Ciferal, em Ramos.

Em 1992, a linha de produção da Ciferal foi transferida para as antigas instalações da FNM, então sem uso. Depois, a Ciferal foi adquirida pela gaúcha Marcopolo — o plano agora é fazer de Xerém o maior centro de produção de ônibus urbanos do mundo.

Toinho, que disse que nunca mais ia voltar, apareceu para acompanhar o evento do “retorno às origens” e visitar a linha de produção. Nos galpões, hoje são feitas carrocerias de alumínio para chassis que chegam de outras fábricas. Mas, por toda parte se respira história.

— Nessa salinha aqui eu comecei a trabalhar. Tiraram quatro paredes que separavam os galpões. De resto o corpo da fábrica continua como no tempo da FNM — sorri Toinho.

Colecionadores guardam carros e caminhões. Ex-empregados da FNM conservam ferramentas, máquinas e fotos. A cada dezembro eles se juntam para um almoço.

— No começo, juntávamos 370 colegas. Hoje é um custo reunir 150 pessoas. A turma está morrendo. Nosso sonho é criar um museu da FNM, para manter viva a história da pioneira — diz Camarão.

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