Paula Ellinger & Paulo Barreto, em Amazônia Sustentável
O código florestal voltou à pauta nacional. Na semana passada, o líder do governo na câmara, Cândido Vacarezza, fechou um acordo com membros da bancada ruralista para votar o requerimento de urgência para o substitutivo ao PL 1876/1999, que institui um novo código florestal. Desde julho deste ano o substitutivo proposto por Aldo Rebelo espera para ser votado em plenário. A expectativa ruralista era que fosse votado após as eleições, mas o projeto é bastante polêmico e a votação tem sido postergada.
Se for votado o requerimento de urgência, a proposta para um novo código florestal entraria em um regime de tramitação especial e a proposição poderia ser votada rapidamente. Atualmente, estima-se que há mais de cem projetos de lei tramitando em regime de urgência na câmara.
A urgência foi o meio termo que Vacarezza encontrou para aliviar a pressão simultânea daqueles que queriam votar logo o projeto e daqueles que defendem uma discussão mais ampla. Segundo entrevista concedida pelo deputado, trata-se de uma medida política para trazer conforto[1].
A situação realmente envolve tensão e exige respostas rápidas. O substitutivo proposto por Aldo Rebelo é uma prioridade para os ruralistas, porque apesar de não ser considerado perfeito, resolve o principal problema do setor– a irregularidade. Sparovek calculou que o déficit de Reserva Legal (área percentual do imóvel que deve ser mantida com vegetação nativa) chega a 43 milhões de ha[2], o que significa que 17% do que deveria ser Reserva Legal já foi desmatado[3]. O problema deve aumentar, já que a partir de 11 de junho de 2011 todas as propriedades rurais do Brasil são obrigadas a ter Reserva Legal averbada e segundo estimativa da própria ministra do meio ambiente apenas 15% dos imóveis cumprem essa obrigação hoje em dia[4].
O elevado índice de irregularidade mostra que apesar de ser uma lei visionária, o código florestal ainda não pegou no Brasil. Isso é ruim para os produtores rurais e para todo o país, porque a devastação ambiental continua enquanto aumentam a insegurança jurídica. Não há dúvida de que o cenário de irregularidades precisa ser tratado; a grande questão é a forma como isso será feito.
O substitutivo prevê duas formas para acabar com a ilegalidade. Primeiro, dando uma concessão para que áreas que estão ilegais passem a ser legais, ou seja, anistiando desmatamentos ilegais[5]. Essa medida é defendida porque algumas situações de ilegalidade decorrem de mudanças na lei que transformaram cultivos que estavam regulares em ilegais[6]. O problema é que a anistia não vale só para esses casos. Ela se estende a qualquer proprietário que tenha desmatado até 22 de julho 2008 e esteja fora da lei, inclusive as/os que desmataram propositalmente contra a lei. Anistiar esses proprietários seria como premiar quem cometeu um crime e prejudicar quem respeitou a lei. É para evitar este incentivo perverso que críticos desaprovam o substitutivo de Aldo Rebelo.
A segunda forma pela qual o substitutivo acaba com a ilegalidade é reduzindo as exigências do que precisa ser preservado. Por exemplo, o substitutivo reduz a largura da mata ciliar para rios de até 5 metros de 30 metros para 15 metros. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) tem visto essa e outras reduções com extrema preocupação e alertaram que o substitutivo pode aumentar o desmatamento em locais extremamente sensíveis, elevar a emissão de gases de efeito estufa, levar à perda da biodiversidade e contribuir para o aumento de desastres ambientais ligados a deslizamentos, enchentes e inundações[7]. É para evitar que o Brasil dê um passo atrás na proteção ambiental que críticos do substitutivo rejeitam sua aprovação.
Em suma, o substitutivo resolve no curto prazo o problema da irregularidade, mas cria as bases para novos problemas. Por isso que se o que queremos para o Brasil é aliar desenvolvimento econômico, ambiental e social, a votação do substitutivo em regime de urgência não é o melhor caminho. Ao mesmo tempo, o problema da irregularidade não pode ser relegado a segundo plano. O Brasil precisa sim regularizar o setor rural, mas tem que fazê-lo de acordo com os princípios de sustentabilidade, garantindo que o elemento de preservação e recuperação ambiental norteiem a regularização. A urgência, portanto, não deveria ser para votar o substitutivo, mas sim para exigir um compromisso do governo de elaborar e executar antes de junho de 2011 um plano de regularização ambiental que dê apoio efetivo para o produtor rural cumprir o código.
[1] Blog do Planeta (09 de Dezembro 2010). “Só vamos votar o novo Código no próximo ano”, diz Vaccarezza” http://colunas.epoca.globo.com/planeta/2010/12/09/so-vamos-votar-o-novo-codigo-no-proximo-ano-diz-vaccarezza/
[2]Sparovek, G. et al (junho 2010). Considerações sobre o Código Florestal brasileiro
[3]Considerando cálculos de Sparovek de que a reserva legal necessária seria de 254 milhões de ha
[4]Página 22(agosto 2010). Entrevista_Izabella Teixeira
[5] O Ministério Público Federal publicou nota técnica acerca do substitutivo ao Projeto de
Lei nº 1.876/1999, em que destacou: “O substitutivo prevê que a partir da realização do Cadastro Ambiental, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações aos arts. 2º, 3º, 4º, 10, 16, 19, 37-A e 44 e das alíneas a, b e g do art. 26 da Lei nº 4.771, 15 de setembro de 1965, cometidas na respectiva propriedade ou posse antes de 22 de julho de 2008, ficando as multas já aplicadas, suspensas.(…) Essa proposta confere verdadeira anistia àqueles que desrespeitaram as leis na vigência da legislação anterior.(…)”
[6] Um exemplo são as plantações às margens de rio. Até 1986, o produtor só tinha que manter preservada uma área de 5 metros ao longo de cursos d’água de até 10 metros de largura. Nesse ano, a obrigação de preservação passou para 30 metros. Isso significa que o quer que ele/a plantasse entre 5 e 30 metros do passou a ser ilegal.
[7]“ABC e SBPC manifestam preocupação com mudanças propostas ao Código Florestal” -http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=719
Tirante nossa região, só se vê mata nativa ou com aparência de nativa onde há rio passando (mais fácil de ver quando se viaja de avião). Até isso querem tirar?
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