* Este blog luta por uma sociedade mais igualitária e justa, pela democratização da informação, pela transparência no exercício do poder público e na defesa de questões sociais e ambientais.
* Aqui temos tolerância com a crítica, mas com o que não temos tolerância é com a mentira.
quarta-feira, 30 de abril de 2014
Para entrar no clima: Cagada desse governo "tudo que ai está"
por Mauro Santyana, no Jornal do Brasil
A Folha de São Paulo informa que 22 agentes e policiais militares estiveram, por vários dias, em treinamento, nos Estados Unidos, em atividades “antiterroristas”. O curso foi ministrado pela Blackwater, hoje Academi, uma organização “terceirizada” de mercenários, que é conhecida, justamente, por ter auxiliado os Estados Unidos, em vários países do mundo, em atividades de terrorismo de estado.
Ora, nossos agentes e soldados não tem absolutamente nada a aprender com os EUA a propósito da “luta contra o terror”.
Primeiro, porque não possuímos - como eles, que a criaram, interessadamente - uma doutrina “antiterrorista”, e também porque não temos porque adotar uma no futuro. Nem consideramos como terroristas os povos e grupos que os norte-americanos acusam de terrorismo, como os iranianos ou os palestinos.
O Brasil democrático – é duro ter que lembrar isso todo o tempo - não invade nem rouba territórios alheios, não apóia golpes em terceiros países, nem possui inimigos no mundo.
A não ser, claro, aqueles - como é o caso justamente dos EUA - que querem voltar aos velhos tempos em que tinham quase que total domínio sobre o nosso destino.
E que para isso ficam inventando histórias da carochinha para enganar o bando – sempre disponível – de néscios embasbacados, ao longo de anos, pelos seminários de “segurança” estilo Escola das Américas; tapinhas, nas costas, dos adidos militares “ocidentais”; e pelas séries policiais de TV e os filmes de espionagem norte-americanos.
É incompreensível, para não dizer inaceitável – mesmo considerando-se toda a pressão advinda da oposição e da própria administração pública - que um governo que se diz nacionalista e de “centro-esquerda” aceite “ajuda”, em treinamento, de uma potência hegemônica estrangeira.
E, menos ainda, que forças brasileiras de segurança sejam “adestradas” por uma quadrilha de mercenários, pertencentes a uma “empresa” conhecida pela prática do assassinato e da tortura em países como o Iraque, em conflito, no qual, o Brasil esteve, desde o início, radicalmente contra a posição norte-americana.
Afinal – mesmo que justificável fosse esse tipo de “treinamento” - a Blackwater é mais conhecida por sua estupidez e trapalhadas, do que por sua eventual competência em uma área em que se costuma valorizar mais a inteligência que a brutalidade e o gatilho. Ela é apenas uma unidade de “seguranças”, e não uma tropa de elite.
Não se conhece uma única operação em que a Blackwater tenha detido algum importante “terrorista”, como são chamados os que se insurgem, normalmente em seu próprio solo, contra a OTAN e os Estados Unidos. Mas seus homens são sobejamente conhecidos por atirar em pessoas inocentes e por outras situações que não exigem nenhum tipo de coragem pessoal.
Entre elas, ficou famosa uma simples missão de proteção de um comboio que levava pessoal do Departamento de Estado, para uma reunião com funcionários da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos, no Iraque, no dia 16 de setembro de 2007.
A incompetência dos homens da Blackwater Personal Security Detail transformou uma simples missão de escolta, em um tiroteio descontrolado, e não justificado, contra uma multidão desarmada de civis iraquianos, que deixou um saldo de 17 mortos e dezenas de feridos, na Praça Nisour, em Bagdá.
Entre outras falhas de segurança e de autocontrole e disciplina, um dos assassinos da empresa continuou atirando nos civis mesmo depois do fogo ter sido suspenso, e só deixou de disparar quando um “colega” se aproximou e, apontando a arma para sua cabeça, ameaçou abatê-lo, se continuasse a fazê-lo.
O massacre indignou o governo e a população iraquiana, e o episódio foi determinante para a posterior saída das tropas norte-americanas, e da própria Blackwater, do país.
Pressionado, o Departamento de Estado foi obrigado – só então – a baixar uma lei colocando sob a jurisdição dos tribunais norte-americanos crimes passíveis de punição cometidos por mercenários de empresas “terceirizadas”, em território estrangeiro; uma investigação da Câmara dos Deputados dos EUA, determinou que os homens da Blackwater estavam envolvidos em vários episódios de “uso excessivo de força”, com mortes, no Iraque, e que em 80% dos casos disparavam sem ter sido previamente atacados.
O deputado norte- americano, Henry Waxman, declarou, após produzir relatório sobre o tema, que a controvérsia sobre a Blackwater era uma infeliz demonstração dos “perigos do relaxamento excessivo”, na contratação de seguranças privados pelo sistema de defesa dos Estados Unidos.
No mesmo ano, a ONU divulgou um estudo, declarando que a contratação de empresas privadas como a Blackwater não passa de nova forma de encobrir “atividades mercenárias”, o que é claramente ilegal sob as leis internacionais.
Os EUA – que se apresentam como os paladinos da defesa da Lei e da Ordem - não são signatários da Convenção das Nações Unidas de 1989, que proíbe o uso de mercenários. Também não aderiram ao protocolo adicional de 1977 à Convenção de Genebra, que classifica os mercenários como civis “que participam diretamente de combates, com o intuito de ganhos privados”.
Para o governo brasileiro, o episódio do treinamento de forças de segurança nacionais por uma empresa ilegal, aos olhos da legislação internacional, sediada nos Estados Unidos, é uma vergonha.
Primeiro, porque se o governo tinha conhecimento disso no mais alto escalão, sabia do papelão que estava fazendo perante parte da opinião pública, e a parceiros do BRICS e da América do Sul.
Em segundo lugar, porque se a decisão foi tomada de forma independente pela “Secretaria de Segurança para Grandes Eventos” é preciso reforçar, por lei, o conceito, de que a aceitação de “ajuda” de terceiros países para treinamento de policiais brasileiros de qualquer escalão ou organização, é assunto de segurança nacional e deve ser de exclusiva atribuição da Presidência da República, ouvida a Comissão de Relações Externas, no Congresso.
Não é preciso ser expert para saber que sob o manto desses programas de “cooperação”, os Estados Unidos não buscam nada mais do que cooptar – como fizeram no passado - técnica e ideologicamente nossos agentes e oficiais, para a defesa de seus interesses e de sua visão de mundo.
Com a esperança, até, de obter apoio ou facilitação, eventualmente, para futuras ações de espionagem, em território brasileiro.
Para efeito de comparação, o que não estaria ocorrendo, se, por decisão de uma comissão qualquer – sem eventual conhecimento do Itamaraty e da Presidência da República – no lugar de ir para Moyock, na Carolina do Norte, esse pessoal tivesse viajado para um centro de treinamento em Cuba, ou na Rússia?
E os irmãos do Norte, o que pensam sobre esse imbróglio Pasadena?...
por Mauro Santayana, em seu blog
Revelações feitas pelo Wikileaks, a propósito da compra pela Petrobras, da refinaria da Pasadena, dão conta de que os Estados Unidos monitoraram atentamente o assunto.
Segundo informações publicadas nos meios de comunicação, um telegrama de 12 de junho de 2006, denominado “A Aquisição da Petrobras da Pasadena Refining Systems”, teria sido enviado da embaixada norte-americana em Brasília ao Departamento de Estado a propósito de reuniões sobre o tema feitas com autoridades brasileiras, entre elas a então Chefe da Casa Civil, e Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma Rousseff.
A preocupação dos EUA estava voltada para dois pontos:
- Primeiro, saber se a posse de uma refinaria em seu território, por parte de uma empresa controlada, mesmo que parcialmente, pelo governo brasileiro, poderia representar alguma ameaça potencial à segurança nacional dos Estados Unidos.
- O segundo, verificar até que ponto a expansão da Petrobras para o exterior podia atrapalhar os planos das empresas norte-americanas na América Latina.
No mesmo ano, uma missão do governo Bush viajou ao Brasil, e, segundo telegramas do Wikileaks “recebeu garantias durante a visita do Secretário de Comércio Gutierrez no dia 7 de junho de 2006 à Chefe da Casa Civil do presidente Lula, Dilma Rousseff – que também atua como presidente do Conselho da Petrobrás – de que a Petrobras não tem interesse em assumir os ativos da Occidental Petroleum’s Ecuador”.
Naquele momento já havia quem defendesse, dentro da Petrobras, que a empresa concentrasse seus investimentos no pré-sal, em território brasileiro.
Como podemos ver, mais uma vez, pelo episódio, trata-se de uma balela a crença de que os EUA respeitem o livre mercado, além de seus interesses. Por lá, a mera compra de uma refinaria e a perspectiva da substituição de companhias norte-americanas por uma empresa brasileira no Equador são consideradas assunto de Estado, e movimentam vários níveis do governo, incluindo a embaixada em Brasília.
Por aqui, desnacionalizamos alegremente setores inteiros, como ocorreu com o nefasto desmonte e entrega da TELEBRAS a países estrangeiros; organismos como o CADE interferem no processo de internacionalização de grandes grupos nacionais – veja-se a privatização da CIMPOR, em Portugal – e a cada vez que se fala na necessidade estratégica de proteção de capitais brasileiros – dentro ou fora do país – o mundo vem abaixo, já que até mesmo a diferenciação do conceito de empresa genuinamente nacional, já não existe mais, desde os anos 1990.
segunda-feira, 28 de abril de 2014
História do Brasil - Os contratos Marlin e a estrutura secreta da Petrobras (parte 2)
Nos dias que correm todo mundo já ouviu falar da tal “Cláusula Marlim”, sobre a qual se diz o diabo nestas denúncias sobre a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras.
Mas porque ela tem este nome?... isso faz parte uma história escabrosa que já vimos no post anterior dessa aula.
A de como pelo menos 30% do petróleo do maior campo de petróleo do Brasil até meados da década passada – uma espécie de Libra do pós-sal – foi colocado á disposição de um grupo de empresários por um acordo, sem leilão ou outra modalidade de licitação, com lucro garantido e apropriação do valor do óleo diretamente na sua comercialização, em caso de não pagamento destes ganhos.
Pelo menos 30% na maior parte do tempo, porque havia a previsão de em 2002, a Marlim ter o direito de abocanhar até 70% de todo o petróleo de Marlim.
E era muito petróleo…
Não são alguns pocinhos mixurucas, mas a maior reserva de petróleo do Brasil àquela época, representando quase a metade de toda a produção da bacia de Campos.
Como você lê no recorte antigo do Estadão, 410 mil barris de petróleo por dia, que chegaram a 500 mil no auge de sua produção, e que hoje, 14 anos depois, ainda produz 200 mil barris diários, o terceiro maior campo do Brasil.
A obra foi resultado da ação de dois presidentes da Petrobras do período FHC – Joel Mendes Rennó e Henri Philippe Reichstul e de um diretor financeiro da estatal, o senhor Ronnie Vaz Moreira.
Sob a coordenação do ABN Amro Bank – dirigido por Fábio Barbosa, depois membro do Conselho Administrativo da própria Petrobras e agora CEO do Grupo Abril – um grupo de investidores reuniu-se para formar a Companhia Petrolífera Marlim e, a seguir, a Marlim Participações, um truque para permitir que o governo empurrasse para lá dois fundos de pensão, os da Petrobras (Petros) e da Vale (Valia), que a legislação impedia de participarem diretamente.
O objetivo era financiar a complementação do projeto de exploração do campo, onde a Petrobras já tinha gasto US$ 3,5 bilhões, de um total de US$ 5 bilhões previstos.
Entre os acionistas, além do ABN Amro, estavam a Sul América, o Bradesco e o JP Morgan e, claro, o BNDES, que desempenhou um papel muito importante: o de permitir que nenhum deles tirasse sequer um tostão do bolso, oferecendo um empréstimo para a integralização dos primeiros 200 milhões de dólares, a ser pago com os lucros da Marlim.
O resto foi obtido no mercado, com o lançamento de notas promissórias de médio prazo (Medium Term Notes) lançadas pela Marlim no exterior e por debêntures recompráveis e com cláusulas de garantia de lucros.
As debêntures foram compradas por grandes empresas, muitas delas beneficiárias da privatização: Vicunha Siderurgia (Benjamin Steinbruch – CSN), Machadinho Energia (associação entre a Alcoa e a Votorantim), CPFL (Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa), Telemar, Finasa (família Bueno Vidigal, à época) e… Globocabo…
A Globocabo, como se sabe, era a NET, que a Globo acabou vendendo para Carlos Slim, o dono da Claro…
Todo o negócio, que era uma forma de encobrir um endividamento da Petrobras, foi resgatado ao longo de dez anos e se constituiu uma espécie de “partilha” informal do petróleo de Marlim, do qual a Petrobras era concessionária integral e operadora.
Só que, ao contrário da partilha hoje vigente, não foi um processo público de disputa e não havia risco algum para os investidores, porque o petróleo estava penhorado em garantia dos pagamentos.
Por isso o nome Marlim passou a representar rentabilidade garantida.
O negócio era tão bom que seus dois principais operadores na Petrobras, Reichstul e Ronnie Vaz, saíram de lá, em 2002, direto para serem os chefes da Globopar, dedicados à tarefa de captar recursos para evitar a iminente falência da empresa dos Marinho, atolada em dívidas monstruosas.
Reichstul foi expelido alguns meses depois, mas Ronnie Vaz ficou como presidente da Globopar, até ser convocado por Aécio Neves para a direção financeira da Light, quando esta foi comprada pela Cemig. Agora, trabalha para a alemã EON, cuidando de salvar do desastre a Eneva, novo nome da MPX de Eike Batista.
Agora que vai mesmo ter a CPI da Petrobras, é um tema bem adequado a ela, para estabelecer a origem da tal “Cláusula Marlim” de que tanto falam.
Será que, depois disso, o PSDB tem alguma pergunta a fazer sobre esta cláusula que, frise-se, não valeu na compra de Pasadena?
Afinal, o objetivo é investigar o que se fez na Petrobras, não é?
Então que se investigue os pais da “Marlim”.
História do Brasil - Os contratos Marlin e a estrutura secreta da Petrobras
por Pedro Celestino Pereira, no portal Clube de Engenharia
A Petrobras é a maior expressão da capacidade criadora do povo brasileiro. Símbolo da afirmação da vontade nacional, gestada a partir de ampla mobilização popular, endossada por expressivas lideranças militares, a sua criação foi, na década de 50 do século passado, a principal responsável pela crise política que levou Getúlio Vargas ao suicídio. Ousara ele desafiar o capital internacional que então dominava completamente a nossa economia, ao propor a criação de empresas estatais que alavancassem o nosso desenvolvimento industrial.
Por décadas enfrentando, desde o ceticismo de geólogos estrangeiros que, através da grande imprensa, viviam a apregoar que no Brasil não havia petróleo, até a oposição sistemática de forças políticas que sempre se pronunciaram e se pronunciam abertamente a favor da entrega do negócio do petróleo ao capital estrangeiro sob a alegação de que, aqui, não há capacidade técnica nem capital para desenvolvê-lo, a Petrobras arrostou todos os obstáculos e firmou-se como uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.
Claro está que, em empresas do porte da Petrobras, públicas ou privadas, sempre houve e haverá irregularidades e malfeitos. O que cabe discutir hoje é o processo que levou a Petrobras à incômoda situação em que se encontra, de modo que possamos defendê-la, no momento em que se pretende fragilizá-la para permitir o assalto estrangeiro às maiores reservas de petróleo descobertas nos últimos 30 anos, as do Pré-Sal.
Até 1973 quando, aproveitando-se da guerra Israel-Egito, a Arábia Saudita nacionalizou a exploração e produção de petróleo no seu território, era usual o imperialismo ir à guerra ou derrubar governos que contestassem seu domínio sobre o negócio do petróleo. Diante da impossibilidade de derrubar a monarquia saudita, foi obrigado a conviver com empresas estatais, e a buscar novas formas para assegurar seu domínio. Data de então o início do processo de cooptação e de corrupção de dirigentes de estatais na área de petróleo.
Aqui, esse processo teve início de forma sistemática no primeiro mandato de FHC quando, com Joel Rennó, tecnocrata vindo da Vale do Rio Doce, na presidência da Petrobras, decidiu-se estabelecer uma parceria para desenvolver o campo de Marlim, então a maior reserva da empresa, sob a alegação de não havia recursos financeiros suficientes para fazê-lo sozinha. Constituiu-se então uma empresa, a Companhia Petrolífera Marlim (CPM), liderada pelo ABN-AMRO Bank, presidido pelo senhor Fabio Barbosa, em seguida nomeado membro do Conselho de Administração da Petrobras, ao mesmo tempo em que outro funcionário do mesmo Banco, Ronnie Vaz Moreira, assumia a diretoria financeira da Petrobras. A CPM captou 1,5 bilhão de dólares no mercado internacional, dando em garantia o petróleo a ser produzido e a garantia corporativa da Petrobras (o que é isso:...). Por que, então, a parceria?... Mais ainda, assegurava-se ao ABN AMRO Bank e ao J P Morgan, também sócio da empresa, remuneração mínima para o capital que proventura viessem a aportar, eliminando qualquer risco financeiro deles (é muita moleza!...). É o que se convencionou chamar de cláusula Marlim, à baila hoje no noticiário sobre a compra da refinaria de Pasadena.
Rennó também sustou a realização de concursos para a reposição do quadro técnico da empresa, a Petrobras e deu início a vigoroso processo de terceirização de atividades, com empresas nacionais e estrangeiras. Visava-se com isto fragilizar e prepará-la para a privatização.
No segundo mandato de FHC, Rennó foi substituído por Henri Phillipe Reichstul. Este contratou a A.D.Little (ADL), consultora norte-americana, para reestruturar a empresa. A ADL aboletou-se em um andar contíguo ao da diretoria no edifício-sede da Petrobras, e passou a ter acesso indiscriminado às informações confidenciais da empresa. Note-se que esse processo se deu ao tempo em que era rompido o monopólio estatal do petróleo e em que, criada a Agência Nacional de Petróleo - ANP, sob a batuta do então genro de FHC, David Zylberstein, tinha início o leilão das reservas de petróleo brasileiras, em modelo que não se aplica no mundo desde o primeiro choque do petróleo, permitindo à concessionária apossar-se do petróleo produzido, remunerando o Governo com royalties, ao invés de receber por prestação de serviços.
A ADL recomendou fatiar a Petrobras em Unidades de Negócio, para permitir a sua privatização por etapas (a Refinaria Alberto Pasqualini chegou a ter 30% do seu capital vendido à YPF argentina, então controlada pela Repsol espanhola), dissolver o Serviço de Engenharia (Segen) da Petrobras, o cerne da acumulação de conhecimentos técnicos da empresa, e criar uma gratificação de desempenho para o escalão dirigente da empresa, para quebrar a unidade do corpo técnico e facilitar a sua cooptação para as propostas privatizantes. Reichstul propôs a venda ao mercado do excedente ao mínimo que assegurasse à União o controle acionário da empresa. Assim, 40% do capital da Petrobras passaram a controle estrangeiro.
Para o Conselho de Administração em dado instante foram indicados Andrea Calabi (hoje secretário de Fazenda de Alckmin em São Paulo) e Gerald Heiss (ilustre desconhecido) que tinham em comum o fato de serem sócios da empresa Consemp, o que lhes dava uma influência desmedida naquele colegiado. Ainda na gestão de Reichstul, Delcídio Amaral, indicado pelo PFL (fora diretor da Eletrosul no governo Collor e secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia no governo Itamar), assumiu a diretoria de Gás e Energia. Sua gestão caracterizou-se por entregar, sem licitação, participação acionária em 14 das 22 distribuidoras de gás estaduais das quais a Petrobras era sócia, a empresas controladas por Carlos Suarez, do grupo OAS, de notórias ligações com o senador Antonio Carlos Magalhães, maior liderança do PFL, e à Enron e à El Paso, e por contratar a construção de 3 termelétricas a gás com a MPX de Eike Batista e, mais uma vez, com a Enron e com a El Paso, quando se sabia que não haveria oferta de gás suficiente, supostamente para resolver a crise de demanda de energia que levou ao apagão de 2001.
Quando Lula assumiu em 2003, esperava-se que o esvaziamento da Petrobras fosse sustado. Infelizmente, tal não ocorreu. Afora a indicação de Guilherme Estrella, técnico de reconhecida competência e probidade, para a diretoria de Exploração e Produção e de Ildo Sauer, especialista em energia vindo da USP, as demais diretorias técnicas foram ocupadas por profissionais de notório comprometimento com práticas lesivas ao interesse público, como se verá a seguir.
Delcídio Amaral, ao vislumbrar a ascensão de Lula, abandonou o PFL e migrou para o PT, vindo a eleger-se senador por Mato Grosso do Sul, seu Estado natal. Pleiteou então ser ministro de Minas e Energia. Lula, entretanto, já se comprometera com a nomeação de Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ. Diante do impasse, Lula optou por convidar Dilma Roussef, então secretária de Energia do Rio Grande do Sul, para ser a ministra. Delcídio, então, pleiteou a diretoria de Gás e Energia da Petrobras para seu indicado, Nestor Cerveró, que com ele trabalhara na negociação dos contratos das termelétricas. Como Ildo Sauer já havia sido convidado para o cargo, Cerveró passou a ocupar a diretoria Internacional da Petrobras. Já a diretoria de Abastecimento foi oferecida ao PP, cabendo ao então líder na Câmara dos Deputados, José Janene, indicar o seu conterrâneo paranaense Paulo Roberto Costa para o cargo. Paulo Roberto era na ocasião superintendente da TBG, empresa constituída pela Petrobras e pela Enron - grupo americano que quebrou espetacularmente no final dos anos 90 - para construir o gasoduto Brasil / Bolívia.
Na TBG a Petrobras entrou com o dinheiro e as garantias em financiamentos bancários, e a Enron, com 50% dos resultados, prática usual nas parcerias feitas pela empresa a partir da gestão de Rennó. Janene em 2005 foi envolvido no escândalo do chamado mensalão. Paulo Roberto ficou, assim, sem sustentação política. Foi salvo por Jader Barbalho, e passou a ser bancado pelo PMDB. Paulo Roberto teve sob sua responsabilidade 2 grandes investimentos da Petrobras: o pólo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Ambos tiveram seus orçamentos inflacionados em escala jamais vista em empreendimentos da mesma natureza. Completa a lista de indicações políticas de Lula a presidência da Transpetro, a empresa de navegação e de dutos da Petrobras, entregue a Sergio Machado, ex-senador, líder do governo FHC, apadrinhado por Renan Calheiros.
Vê-se, assim, o progressivo desprestígio do corpo técnico da empresa, mais e mais limitado à função de carimbador de faturas, porta aberta para a deterioração dos padrões de comportamento funcional.
No primeiro mandato de Lula, Ildo Sauer solicitou a Eros Grau, maior autoridade brasileira em direito administrativo (não fora ainda nomeado ministro do STF), parecer sobre os contratos das termelétricas assinados por Delcídio. Neles, os sócios privados (a MPX de Eike Batista na termelétrica de Fortaleza – CE, a Enron na de Seropédica – RJ e a El Paso na de Macaé - RJ) tinham lucro garantido (a sempre presente cláusula Marlim), pois se não houvesse gás para acionar as térmicas a Petrobras se obrigava a remunerá-los com elas paradas. O parecer de Grau foi taxativo: ensejavam enriquecimento sem causa. Os contratos foram, então, rescindidos pela Petrobras. Se mais não fizesse, bastaria essa ação para consagrar a gestão de Sauer como diretor da empresa. Sauer, entretanto, não sobreviveu como diretor. No segundo mandato de Lula foi substituído por Graça Foster, especialista em gás e energia oriunda do Cenpes, o Centro de Pesquisas da Petrobras. Cerveró deixou a diretoria Internacional da empresa em 2008, entregando-a a Jorge Zelada, indicado por Jader Barbalho e Renan Calheiros. Manteve-se portanto na Petrobras nas gestões de Dutra e Gabrielli a estrutura de poder estabelecida na gestão Rennó até a ascensão de Graça Foster à presidência da empresa, já no governo Dilma.
No período Lula, porém, graças à pertinácia de Estrella, que prestigiou o corpo técnico que recebera, desmotivado, das gestões Reichstul e Gros do segundo mandato de FHC, a Petrobras fez a maior descoberta mundial de petróleo dos últimos 30 anos: o chamado Pré-Sal. Lula, então, decidiu enfrentar a pressão internacional para entregar o petróleo nos moldes propostos pela ANP. Optou por atribuir à Petrobras a exclusividade das operações no Pré-Sal e por remunerar os eventuais parceiros da empresa por prestação de serviços, e não em petróleo. O Congresso Nacional, em 2010, aprovou o modelo proposto pelo Governo Lula. A partir daí, teve início campanha sistemática de descrédito da Petrobras, culminando com a ofensiva atual, na imprensa e no Congresso, destinada a incutir na opinião pública que a Petrobras é um caso perdido, típico da má gestão do Estado.
Viu-se aqui que vem de longe o descaminho da Petrobras, noticiado apenas quando convém aos grupos interessados em destruí-la.
A Petrobras pode e deve ser defendida, o que não implica negar a necessidade de mudanças na sua gestão, de forma a permitir maior controle e transparência das suas ações. Não pode a empresa continuar refém de interesses, seja corporativos, seja privados, nacionais e estrangeiros, que se apropriaram dos seus principais postos de direção, afastando-a dos objetivos para os quais foi criada.
Não há o que temer na apuração dos crimes cometidos. Impõe-se resgatar o papel do corpo técnico da empresa, restabelecer a competência da engenharia, que levou a Petrobras a conquistar inúmeros Prêmios Internacionais de Excelência, e desfazer a ruinosa reestruturação empreendida por Reichstul, de modo a devolver a Petrobras à condição de empresa símbolo do orgulho nacional brasileiro.
sexta-feira, 25 de abril de 2014
Pasadena - mau jornalismo poderá ser vítima
NOTA PRELIMINAR - sei que essa assunto está quase enchendo o saco já, mas como aqui temos fixação patológica pelo descalabro promovido pela mídia babona, vai esse ainda... Sorry!...
Helena Stephanowitz, em seu blog
Quando a esmola é demais, o santo desconfia, já dizia minha avó. No caso da Petrobras, a esmola demais é o quase silêncio do governo federal durante semanas diante de ataques à imagem da empresa, usando a compra da refinaria de Pasadena e outros casos que “não pegaram”.
Só duas coisas poderiam explicar essa conduta. A primeira seria a tranquilidade do conhecimento do terreno onde pisa. A oposição estaria escolhendo lutar em um terreno favorável à gestão da empresa e ao próprio governo. Seria mais ou menos como atrair tropas para emboscadas, no caso de guerras.
A oposição avança sobre a Petrobras, mas a empresa vive um ano particularmente bom, quebrando recordes após recordes de produção. Até mesmo um relatório final de uma auditoria interna de 45 dias sobre todo o processo de compra da Refinaria de Pasadena pode se revelar favorável às decisões tomadas pela empresa.
Neste caso a oposição avança muito agora, mas estaria avançando em uma areia movediça, que a levaria a afundar nos próximos meses. Justamente no período eleitoral mais quente, as denúncias de irregularidades estariam esvaziadas, pelo menos em parte, seja pela improcedência, seja pela punição de eventuais responsáveis, e a empresa estará apresentando resultados robustos dos investimentos, o que desmentirá as críticas à gestão. O que restará à oposição dizer? Que aumentará a gasolina em obediência à mão invisível do mercado internacional?
A segunda explicação seria aplicar uma espécie de corretivo exemplar ao mau jornalismo, que não espera apurar informações e já faz seus “testes de hipóteses”, pré-condenando negócios e pessoas com base em boatos. Esse corretivo viria através do departamento jurídico da empresa exigindo direito de resposta à altura dos ataques recebidos.
Imagine o Jornal Nacional da TV Globo passar alguns dias tendo que ler direito de reposta após direito de resposta. Imagine as revistas terem de ceder toda semana páginas e mais páginas para a publicação de desmentidos de reportagens erradas de edições passadas. Imagine o mesmo com os jornais. Seria a própria desmoralização da qualidade do jornalismo dos veículos de imprensa que tiveram má conduta.
Pois a Petrobras está com esta chance histórica nas mãos. De onde veio a lorota repetida centenas de vezes de que a refinaria de Pasadena custou apenas US$ 42,5 milhões um ano antes da Petrobras entrar no negócio? Hoje se sabe com certeza que custou pelo menos US$ 360 milhões, comprovados em balanços oficiais.
Todas as reportagens que espalharam a informação falsa, sem qualquer apuração séria, são motivo de sobra e irrefutável para exigir direito de resposta. Se a mentira foi repetida dez vezes no mesmo telejornal, a Petrobras deve exigir dez direitos de resposta. Se usaram infográficos para mentir de forma mais didática, o direito de resposta deve usar infográfico também para desmentir.
No último dia 17 a empresa Astromarítima Navegação ganhou um direito de resposta de 50 segundos no Jornal Nacional. O telejornal havia feito matéria antes, no dia 14, induzindo o telespectador a entender que o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto da Costa, cobraria comissão da empresa por contratos com a Petrobras. No dia 17, o apresentador Heraldo Pereira teve que ler o desmentido: “A empresa Astromarítima procurou o Jornal Nacional para mostrar o contrato de busca por novos investidores – que nada tem a ver com os contratos que a empresa tem com a Petrobras”.
A Astromarítima, segundo o noticiário, tem contratos de fretamento de embarcações no valor de quase meio bilhão de reais. É uma empresa de grande porte que atua desde a década de 80, tendo a Petrobras como um de seus principais clientes. A própria TV Globo deve ter sentido o cheiro do preço que um processo por danos poderia acarretar se não provasse as ilações veiculadas.
Pois a Petrobras tem uma marca e uma imagem de muito mais valor do que a Astromarítima, e nada justifica que não exerça seu direito de resposta. É provável que a própria TV Globo e outros veículos de imprensa ofereçam alguns segundos à Petrobras para o desmentido de informações comprovadamente falsas, sem disputa judicial. Mas isso não seria suficiente para reparar os danos.
A Petrobras deve exigir direito de resposta proporcional aos danos causados à sua marca e à sua imagem. Se os veículos de imprensa não concederem amigavelmente, deve exigir na Justiça. Se isso ocorrer, como processos judiciais às vezes demoram anos, a Petrobras bem que poderia fazer um jornalzinho para distribuir nos postos do tipo “verdades e mentiras”, mostrando reportagens falsas publicadas por aí e os fatos reais que as desmentem. Inclusive explicar que o jornal está sendo distribuído porque as TVs, jornais e revistas não deram direito de resposta. É claro que versões para internet adequadas às redes sociais também devem ser produzidas.
Em 2009, quando a empresa foi atacada pela oposição, rebateu com o Blog Fatos e Dados. Desta vez, só tardiamente este blog passou a rebater informações que atingem a empresa e, mesmo assim, de forma mais tímida. Dessa vez, para fazer do limão a limonada, só direitos de resposta exemplares resolvem.
A Petrobras está com uma chance histórica nas mãos de combater o mau jornalismo que a atingiu. Vai perder?
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Ensinando Pondé a pegar mulher
E aí, Pondé, firmão?...
Eu vou te ajudar a pegar mulher nesse post, malander. Se você seguir a minha dica, você e os seus “jovens de direita liberal”, vão começar a se dar bem, sem ser babaquinha.
Eu sou o Smile, aka Smilo, Smele e todas as variáveis possíveis disso aí.
A gente nunca se cruzou por aí, e nem vai, os seus rolês não são muito a minha cara, saca? Outra galera. Faculdade então, vixe maria. Nem Tel Aviv nem em Nikiti City, a minha foi pay-per-view.
Mas dá nada, tem um monte de gente que se forma aí e não fala coisa com coisa, né?
Bom, eu sou aquilo que você definiria de “esquerda festiva”. Lí Marx, Foucault, Bakunin, a porra toda. Sou de esquerda. Festiva, eu deixo por sua conta. Ser de esquerda nesse país não tem muito a se comemorar. O que vocês chamam de esquerda, o PT e tudo o mais, eu chamaria de neoliberalismo com um ajinomoto social. Nada mais.
No fim, todos vocês, filósofos de direita e governantes de esquerda sentam junto na mesma mesa, enquanto eu e meus amigos tamo pegando metrô superlotado pra fazer o nosso.
E aí você vai cair de costas: Sou formado em Administração. Técnico, é verdade, mas frequentei faculdade de Administração e a teoria (velha, horrenda) é a mesma. Eu preciso comer, e nesse livre mercado que você tanto admira, ou você aprende o que é “time management”, “targeting”, ou passa fome.
Não vi vagas lá atrás “Procura-se pessoas com conhecimentos de Anarcocoletivismo, Thoreau, Proudhon, inglês intermediário e Pacote Office para rotinas de escritório e organização de uma nova sociedade livre de amarras do capital”.
Mas não importa. Já me apresentei, e o negócio aqui não é falar de mim. É falar de você, mermão.
Tá embaçado ganhar like no Tinder da vida, fio? Bico seco, só no Xvídeos? Achei que você era casado com uma psicanalista… Mas não importa. Você fala por um séquito de fãs, seguidores. Entendo esse lance direitista de culto à personalidade. Aliás, cá entre nós, lance humano, não? A esquerda também o faz. Então o recado vai a você e ao esprit de corps que você conclama falando aos seus.
Vou te falar que lendo o seu texto aqui, pude capturar alguns vacilos. Muitos, aliás. E pelo que eu já lí de vossa pessoa (sim, eu tenho alguns conhecidos que são seus fãs), tem toda uma razão para que seus pupilos sejam uns pega-ninguém, enquanto o resto do mundo se beija.
Vamos lá?
VOCÊ, DE DIREITA, É LIMITADO
Sem massagem, fião. Limitado ao que te cerca, a sua realidade. Que pessoa que vai se relacionar com um cabra que nem você que sequer tem empatia aos que te cercam?
O jovem liberal que você apadrinha no seu texto, é essencialmente um egoísta, e é formado para ser um. Não é o baseado e nem o discurso do Che Guevara que faz eu pegar mais mulher que você, cara. É a sua incapacidade de aceitar o baseado, o Che, os discursos humanistas, tudo.
A capacidade de aceitar, dialogar, coexistir. Isso faz de você um limitado.
Não seria o fato que não existe “direita festiva” porque não tem como existir uma direita que não seja egoísta e truculenta em sua essência, Pondé?
Como que um “jovem liberal” vai conquistar uma mulher com o papo de “meu pai lutou pra eu ter uma vida confortável” ou “tem é que meter mais polícia na rua, lugar de bandido é no caixão!”
Eu até hoje nunca vi uma mulher se empolgar com um papo covardão desse.
Existe? Mas é claro que deve existir, tem louco pra tudo. Mas se um homem direitista é egoísta, porque raios a mulher direitista também não seria? E eles vão se juntar pra serem egoístas em conjunto? Que lógica de relacionamento é essa, cara?
A limitação da realidade do mundo na visão direitista liberal endurece qualquer ser humano. Muito mais que qualquer luta social. Essa, ao contrário que você prega, liberta, e faz a essência de cada um aflorar – e de lá pode sair uma alma iluminada, ou um pequeno Lênin, tudo bem – mas se negar a reconhecer outras vieses no mundo, amigo, isso só endurece, deixa feio, rancoroso, tudo.
O discurso contrário se aplica, similar a um reaça, somente um capa-preta fã do Partidão e ideais mortos comunistas, pode acreditar. A diferença é que a esquerda se ramificou e se encontrou, enquanto sua direita continua com a velha broxada de “família é homem e mulher” e outras aberrações. Não precisa acreditar em moi. Saia por aí e veja (não a Veja).
E rapaz, nada mais broxante que um homem que não entende a alma feminina. E o pior, nem quer entender.
O que nos leva a…
VOCÊ, DE DIREITA, É MACHISTA
Seu texto é a prova cabal disso, Pondé.
Texto que cita “mulheres donas do seu corpo” (aspas mantidas), “sem álcool e conversa as mulheres não iriam querer transar”, “mulher que batalha contra a opressão tenta desesperadamente ser feia”.
Mermão, cá entre nós, você não conhece mulher não. Nem seus pupilos liberais.
Então eu vou te falar algo que nenhum dos seus textos idolatrados parece abordar:
MULHER É IGUAL AO HOMEM
Até é feio, eu, pé-de-chinelo, falar isso pra um cara todo diplomado e reverenciado igual você. Mas é essa a real, nego. Onde já se viu alguém escrever em aspas, de uma maneira jocosa, debochada, que uma mulher ser dona do seu corpo é um xaveco esquerdista?
Só por isso você e seus fãs deveriam terminar seus dias na punheta, de castigo.
Mas eu sou mais iluminado que você, e vou te dar uma dica.
Titio, as mulheres querem o mesmo que você, cara!
Juro procê. Não precisa dar pinga pra mulher querer dar pra você não (se bem que no seu caso, vai saber…). Mulher goza, mulher curte sacanagem, mulher curte tudo o que nós homens curtimos. O mundo é outro, a Amélia tá morta e enterrada.
Uma sociedade igualitária de direitos, cara, faz a mulher ser livre pra escolher e não como o seu texto sugere, ser escolhida.
E é aí que mora o medo, confessa pro Smilo aqui, confessa! Você e seu fã-clube ostentam discursos e posturas que pertencem ao século passado.
Quer falar de Darwinismo? Vamos falar da Seleção Natural.
Você, liberal, trata a mulher como alienígena, produto, posse.
Eu, petralha, trato como par.
Você defende o patriarcado.
Eu defendo a igualdade.
Quem você acha que a mulher de hoje, livre, vai querer dividir um motel ou um papo gostoso no bar, meu chapa?
Vocês, dinossauros liberais, só vão ter a internet pra reclamar. Bem feito.
E digo mais: Ninguém em sã consciência deve “pagar de esquerda” para pegar mulher, como você sugere no seu texto. Falar de liberdade, disso e daquilo. A máscara cai.
E quando você menos esperar, vai ter um Smile tratando sua mulher como se deve tratar, e pra você, só vai restar esse texto machista magoado.
Mulher não gosta de economia? Mulher não gosta de papo-cabeça? Sério, cumpadi, vai viver, pega teu diploma, enfia no seu cachimbo e fuma.
Sei que pra você o termo “igual” soa infantil, pouco analisado, mas deixa suas teses de lado e encara isso como um toque de amigo. Machismo de direita ou de esquerda, não importa, é o passo mais certo pra uma vida de xaveco furado e punheta.
VOCÊ, DE DIREITA, NÃO AMA
Broxante, frio, calculista, já foi dito tudo. Mas vamos abordar esse fator muito mais profundo na alma humana, o amor.
O amor é algo muito mais abrangente que o pacote flores-sms-jantar-motel-namoro-casamento. Muito mais. Pra uma pessoa se relacionar com outra, é preciso não só amor a essa pessoa, mas amor ao mundo que ela vive, afinal, as relações não são somente dentro de casa, certo? Há um mundo que nos cerca.
E aí vem a charada que você tem o dever de explicar aos seus súditos: Como amar o mundo que vivemos? Como aceitar o mundo que vivemos, suas diferenças, sendo um individualista liberal? Essa eu deixo pra você responder.
Do meu lado, lado esquerdalha, eu deixo uma frase da esquerda, e outra da direita, igual aquele ~grande~ pupilo seu, o Rodrigo Constantino, faz. Com a diferença que eu não escrevo feito um mongreloid “se você tivesse lido meu livro e meu blog, saberia”.
Vamos sacar o que é o amor para cada lado:
ESQUERDA: “O verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor.”
DIREITA: “Em todas as circunstâncias da vida, eu gostaria de ter uma pulseirinha vip, que me assegurasse abrigo contra intempéries, distância do povo e alguém para pagar minhas contas”
ESQUERDA: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”
DIREITA: “Este [o povo brasileiro] é o povo mais covarde, imbecil e subserviente do universo.”
ESQUERDA: “Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida.”
DIREITA: “Antigamente o homossexualismo era proibido no Brasil. Depois passou a ser tolerado. Hoje é aceito como coisa normal. Eu vou-me embora antes que passe a ser obrigatório.”
ESQUERDA: “O homem deve ser livre. O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo, e pode mesmo existir até quando não se é livre. E no entanto ele é em si mesmo a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do sentimento humano. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer.”
DIREITA: “Falar mal das pessoas é muito mais gratificante do que falar bem. Eu, se pudesse, só falaria mal.”
Acho que só por essas frases podemos concluir que se tem algum culpado da direita ter um carisma de copo d’água, além de seus pensadores medíocres, é a sua ideologia mais medíocre.
Você e os seus tem todo o direito de refutar o viés romântico da esquerda, hippie, vazio, name it. Mas definitivamente, não podem de maneira alguma, reinvidicar nada, pois o discurso liberal não aborda o amor de nenhuma forma.
Ou talvez, sendo condescendente, o amor próprio. A todo custo.
Você Pondé, no alto de sua respeitabilidade entre os seus, deveria apenas reproduzir o discurso que eu ouvi por anos e anos por aí em salas de aula de administração, marketing, etc.: “Fique rico, e o resto é consequência”.
Afinal, é a mais pura verdade na vida de um liberal. Mínima interferência do Estado, para não atrapalhar seu progresso pessoal.
Concluindo: Pra você pegar alguém, você precisa não só se amar. Precisa amar muito mais que seu ego.
Anotou? Anota aí então, porque não acabou.
VOCÊ, DE DIREITA, NÃO TEM NAIPE
Saca o significado do termo “naipe”, Pondé?... Estilo próprio, charme, originalidade? Então, filhão, cêis não tem.
Vamos começar por vossa senhoria. Cachimbo, truta? Sério mesmo? 2014, e você posando de CACHIMBO, sentado em sua biblioteca particular? Difícil ganhar like no Tinder assim, hein?
Mas OK, você fala pelos seus, então analisemo-os:
CAMISA PÓLO DE GRIFE: Me chame do que quiser, mas ver um camarada pagando de camisa pólo com cavalinho, eu já sei que é um zé. Imagina uma garota olhando pra esse fera e pensando “uau, ele é tão original, igual a todos os homens que estão aqui na faculdade, vou dar uma chance pra ele me mostrar que ele é diferente, mesmo vestido de uniforme de coxa”.
CABELINHO DE SALÃO: Tá com a camisa pólo-coxa, vem com aquele cabelinho ajeitadinho da mamãe. De ladinho, pra ficar bem bonitinho, todo alinhadinho. Letra E do Teste de Macho. Sem mais.
MALHADINHO #OSS: Leitor da MEN’S HEALTH, passa mais tempo malhando e postando foto dos músculos e da marmitinha de batata doce com frango grelhado. Acha animal sair na mão quando tem a chance de mostrar pro mundo o Jiu-Jitsu que sabe, porque se tiver que sentar com alguém pra debater, sabe que nesse departamento perde.
CARRO DO ANO: A SUV não pode faltar no kit jovem de direita. Papai que deu, ou tá pagando em suaves prestações. Merece, né? Livre mercado é isso aí, paga quem pode, inveja quem não. Então ele paga de bem material, afinal, o que resta quando não tem conteúdo intelectual?
Isso só pra citar algumas características dos seus leitores e fãs.
Eles se reproduzem no seu jeito, mas, naipe de pegar mulher sem um puto no bolso, barba por fazer, roupa largada, só com a sua idéia, sua essência? Vem viver a realidade da esquerda festiva, Pondé! Quero ver sem usar uniforme de comédia se isso dá certo.
E quando a gente leva isso pro meio acadêmico, salvo exceções que tem dos dois lados, vai ver o naipe terno-e-gravata-buscando-estágio dos seus fãs, vai. Eu tive lá, não é orelhada não. Uma turma que eu e mais uns 3 que vinham da periferia. Que esperavam ônibus após a aula. O restante, todo mundo devidamente uniformizado e já catequizado em seguir os mesmos passos de derrotado do pai.
CONCLUSÃO
Pondé, pondere.
Quer ensinar seus leitores (ou você mesmo, vai saber) a pegar mulher?
Simples: Pregue uma guinada pra esquerda um pouquinho. Pouquinho só, não vou pregar pra vocês mudarem seus ideais não. Cada qual com sua filosofia (ou falta dela).
Ou melhor ainda, sem lados, esquerda ou direita.
Seja apenas humano. Livre, tolerante, menos egoísta, menos padronizado.
A mulher pode ser o que ela quiser, ir tomar vinho barato e fumar um baseado com os meus broders, ou ir no shopping aproveitar a promoção na loja da Ralph Lauren com os seus fãs, não a coloque numa discussão como se ela fosse uma commodity.
Outra: Amor, amor, amor. Você viu recentemente pra onde a sua direita liberal tá querendo ir, uns em silêncio e outros com estardalhaço. Para caminhos mais broxantes, de ódio, horrível. Pro exército, pra repressão, pra uso da força. Saca, aqueles assassinos chiques? Então. Mas isso você também não deve curtir. Agora quem você tá doutrinando… É, a coisa tá feia.
Se seguir as dicas aqui com carinho, capaz de você ganhar um match.
Agora, com esse textinho aí, mermão, pega o papel toalha e a internet, porque a noite vai ser loooonga…
Recomeçou a pantomima dos grampos de Gilmar Mentes - O Roteiro de um Golpe Branco
por Alberto LM - comentarista do Tijolaço
Ato 1:
Um pequeno jornal afirma que José Dirceu ligou de dentro do presídio para a Bahia.
Ato 2:
A Folha de São Paulo dá a noticia como se fosse prova consumada.
Ato 3:
Uma promotora encaminha ao STF um pedido da quebra de sigilo telefônico fornecendo as coordenadas do presídio e também, por "engano", as coordenadas do Palácio do Planalto, onde fica a presidente do Brasil.
Ato 4:
Advogados do Dirceu descobrem que as coordenadas eram do Palácio do Planalto e que o pedido não seguiu o caminho comum até o STF.
Ato 5:
Dias depois a promotora afirma que na verdade eram dois pedidos de quebra de sigilo. O primeiro, já enviado, para investigar o Palácio do Planalto e o segundo, ainda por ser enviado, relativo a Bahia.
Ato 6:
Barbosa aprova quebra de sigilo do Palácio do Planalto e consegue provar que a presidente Dilma conversou com José Dirceu.
Ato 7:
Um pedido de impeachment da presidente é pedido pela oposição.
***
Detalhes:
▪ A promotora é amiga de Gilmar Mendes que orientou a tese de doutorado dela.
▪ A NSA rastreia de todas a ligações feitas no Brasil, e pode ter dado a dica certeira.
▪ Não deve ser complicado adicionar um registro de ligação nos servidores das operadoras de telefonia, seja por seus donos ou pela NSA.
▪ Os irmãos do North tem pressa pelo pré-sal.
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Tiradentes foi verdadeiramente um herói?...
Domingo foi o dia de Tiradentes. Devemos comemorar ou lamentar?
Tiradentes é o criminoso [SIC] (1) que virou herói mitológico do Brasil. Um símbolo do desejo de independência, o pai espiritual de nosso regime republicano. Mas quando foi preso, julgado e condenado, o alferes representava uma ameaça para o regime colonial. O que o distingue de outros líderes rebeldes do período é menos sua ação que o tratamento que lhe foi dado.
A Inconfidência Mineira foi apenas um dentre os vários movimentos anti-coloniais que lavaram de sangue este país. O único que se tornou suficientemente importante para a história oficial a ponto de acarretar a criação de um feriado nacional.
A História do Brasil, porém, registra vários outros movimentos anti-coloniais, republicanos e separatistas. O primeiro foi a Revolta dos Tamoios. Mas como ainda odiamos os índios, não fomos capazes de resgatar a imagem de Cunhambebe, nem erigimos uma estátua em sua homenagem. Preferimos homenagear o jesuíta que ajudou a desmobilizar os tupinambás para que suas malocas fossem uma a uma massacradas e incendiadas até a completa destruição da França Antártica de Villegagnon.
As outras rebeliões não muito esquecidas (Cabanagem, Balaiada, Farroupilha, Conjuração Baiana, Independência da Bahia, Federação do Guanais, Revolta dos Malês, Sabinada, Palmares e Canudos por exemplo), continuam sendo consideradas indignas aos olhos oficiais. Tanto que seus líderes nunca foram elevados à condição de heróis nacionais. Não há feriados nacionais comemorando estes episódios históricos, preservando-os constantemente na memória dos brasileiros. O que distingue estas rebeliões daquela que foi liderada por Tiradentes?
A Inconfidência Mineira foi um fracasso político. Os conjurados foram presos antes de tomar qualquer iniciativa e não ofereceram nenhuma resistência ao poder Colonial. Todos os outros movimentos mencionados chegaram as vias de fato, produziram resultados políticos temporários e obrigaram a Colônia, o Império e a República a organizar expedições punitivas que resultaram em vitórias caras e desonrosas.
Tiradentes não é um herói popularizado pelo que ele fez. A verdade é que ele muito pouco, nenhum mal ele chegou a fazer aos seus captores. De fato, na época em que foi processado, condenado e executado o alferes não passou de um inocente útil cuja imolação premeditada ajudou a reforçar o poder colonial. Dentre tantos outros que lutaram até mais corajosamente contra o poder constituído, Tiradentes foi escolhido e elevado à condição de herói porque seu exemplo é neutro e inútil do ponto de vista popular e militar.
Que perigo os líderes das outras rebeliões citadas (Cabanagem, Balaiada, Farroupilha, Conjuração Baiana, Independência da Bahia, Federação do Guanais, Revolta dos Malês, Sabinada, Palmares e Canudos) ainda representam? Eles estão todos mortos. Porque devem ser necessariamente esquecidos pelos brasileiros? É impossível dizer qual seria a História do país se eles tivessem tido sucesso. É igualmente improvável que nossa História venha a ser diferente caso eles passem a ser reverenciados.
Por isto, hoje não vou comemorar. Tiradentes representa um duplo fracasso. Além de ter liderado uma rebelião não violenta fracassada que não chegou a colocar em risco o poder Colonial, ele segue sendo um herói incapaz de inspirar os brasileiros a praticar atos verdadeiramente heróicos como aqueles que foram cometidos pelos líderes de outras rebeliões que ocorreram na História do Brasil. É vergonhoso que nosso país siga usando a Inconfidência Mineira como uma cortina de fumaça para apagar da memória nacional movimentos que foram bem mais importantes, cujos líderes poderiam inspirar os brasileiros a ser mais aguerridos. Nós realmente precisamos de paradigmas que eduquem os jovens brasileiros a combater com vigor coisas que são inadmissíveis (como a falta de água em São Paulo, as decisões absurdas e abusivas que saem do Poder Judiciário, a impunidade dos criminosos da Ditadura, a greve de PMs na Bahia ou os constantes assassinados de pessoas inocentes pela PM do Rio de Janeiro).
Tiradentes, o herói neutro que nada fez e que nos ensina a aceitar uma injusta condenação, apenas mantém os jovens brasileiros dormentes, sonolentos, incapazes de reagir. Reação impetuosa contra a brutalidade policial (sempre tolerada pelo Judiciário quando as vítimas são miseráveis) e contra a boçalidade das Forças Armadas (que seguem protegendo os criminosos fardados do regime infame que governou o país após o golpe militar de 1964) é o que precisamos. Nossos heróis devem nos ensinar a fazer o oposto do que temos feito.
NOTA DOS ÍNDIOS AQUI: O autor está meio influenciado por demais na catarse pre-eleição presidencial dos tempos que correm e associa o personagem ao Aécio Never da Alterosas... esse fumo é um pouco forte. De acordo com a historiografia poderíamos considerar o personagem Tiradentes um desajustado político aos ditames vigentes, mas o rótulo "criminoso" no sentido de malfeitor comum é um pouco exagerado.
Tiradentes é o criminoso [SIC] (1) que virou herói mitológico do Brasil. Um símbolo do desejo de independência, o pai espiritual de nosso regime republicano. Mas quando foi preso, julgado e condenado, o alferes representava uma ameaça para o regime colonial. O que o distingue de outros líderes rebeldes do período é menos sua ação que o tratamento que lhe foi dado.
A Inconfidência Mineira foi apenas um dentre os vários movimentos anti-coloniais que lavaram de sangue este país. O único que se tornou suficientemente importante para a história oficial a ponto de acarretar a criação de um feriado nacional.
A História do Brasil, porém, registra vários outros movimentos anti-coloniais, republicanos e separatistas. O primeiro foi a Revolta dos Tamoios. Mas como ainda odiamos os índios, não fomos capazes de resgatar a imagem de Cunhambebe, nem erigimos uma estátua em sua homenagem. Preferimos homenagear o jesuíta que ajudou a desmobilizar os tupinambás para que suas malocas fossem uma a uma massacradas e incendiadas até a completa destruição da França Antártica de Villegagnon.
As outras rebeliões não muito esquecidas (Cabanagem, Balaiada, Farroupilha, Conjuração Baiana, Independência da Bahia, Federação do Guanais, Revolta dos Malês, Sabinada, Palmares e Canudos por exemplo), continuam sendo consideradas indignas aos olhos oficiais. Tanto que seus líderes nunca foram elevados à condição de heróis nacionais. Não há feriados nacionais comemorando estes episódios históricos, preservando-os constantemente na memória dos brasileiros. O que distingue estas rebeliões daquela que foi liderada por Tiradentes?
A Inconfidência Mineira foi um fracasso político. Os conjurados foram presos antes de tomar qualquer iniciativa e não ofereceram nenhuma resistência ao poder Colonial. Todos os outros movimentos mencionados chegaram as vias de fato, produziram resultados políticos temporários e obrigaram a Colônia, o Império e a República a organizar expedições punitivas que resultaram em vitórias caras e desonrosas.
Tiradentes não é um herói popularizado pelo que ele fez. A verdade é que ele muito pouco, nenhum mal ele chegou a fazer aos seus captores. De fato, na época em que foi processado, condenado e executado o alferes não passou de um inocente útil cuja imolação premeditada ajudou a reforçar o poder colonial. Dentre tantos outros que lutaram até mais corajosamente contra o poder constituído, Tiradentes foi escolhido e elevado à condição de herói porque seu exemplo é neutro e inútil do ponto de vista popular e militar.
Que perigo os líderes das outras rebeliões citadas (Cabanagem, Balaiada, Farroupilha, Conjuração Baiana, Independência da Bahia, Federação do Guanais, Revolta dos Malês, Sabinada, Palmares e Canudos) ainda representam? Eles estão todos mortos. Porque devem ser necessariamente esquecidos pelos brasileiros? É impossível dizer qual seria a História do país se eles tivessem tido sucesso. É igualmente improvável que nossa História venha a ser diferente caso eles passem a ser reverenciados.
Por isto, hoje não vou comemorar. Tiradentes representa um duplo fracasso. Além de ter liderado uma rebelião não violenta fracassada que não chegou a colocar em risco o poder Colonial, ele segue sendo um herói incapaz de inspirar os brasileiros a praticar atos verdadeiramente heróicos como aqueles que foram cometidos pelos líderes de outras rebeliões que ocorreram na História do Brasil. É vergonhoso que nosso país siga usando a Inconfidência Mineira como uma cortina de fumaça para apagar da memória nacional movimentos que foram bem mais importantes, cujos líderes poderiam inspirar os brasileiros a ser mais aguerridos. Nós realmente precisamos de paradigmas que eduquem os jovens brasileiros a combater com vigor coisas que são inadmissíveis (como a falta de água em São Paulo, as decisões absurdas e abusivas que saem do Poder Judiciário, a impunidade dos criminosos da Ditadura, a greve de PMs na Bahia ou os constantes assassinados de pessoas inocentes pela PM do Rio de Janeiro).
Tiradentes, o herói neutro que nada fez e que nos ensina a aceitar uma injusta condenação, apenas mantém os jovens brasileiros dormentes, sonolentos, incapazes de reagir. Reação impetuosa contra a brutalidade policial (sempre tolerada pelo Judiciário quando as vítimas são miseráveis) e contra a boçalidade das Forças Armadas (que seguem protegendo os criminosos fardados do regime infame que governou o país após o golpe militar de 1964) é o que precisamos. Nossos heróis devem nos ensinar a fazer o oposto do que temos feito.
NOTA DOS ÍNDIOS AQUI: O autor está meio influenciado por demais na catarse pre-eleição presidencial dos tempos que correm e associa o personagem ao Aécio Never da Alterosas... esse fumo é um pouco forte. De acordo com a historiografia poderíamos considerar o personagem Tiradentes um desajustado político aos ditames vigentes, mas o rótulo "criminoso" no sentido de malfeitor comum é um pouco exagerado.
terça-feira, 22 de abril de 2014
As finanças e a natureza
por Razmig Keucheyan, no Le Monde Diplomatique
Em novembro de 2013, o “supertufão” Haiyan atingiu o arquipélago das Filipinas: mais de 6 mil mortos, 1,5 milhão de lares destruídos ou danificados, 13 bilhões de dólares de danos materiais. Três meses depois, duas corretoras privadas de seguros, Munich Re e Willis Re, acompanhadas por representantes da Secretaria Internacional de Estratégias para a Redução de Riscos de Desastres das Nações Unidas (UNISDR), apresentavam aos senadores filipinos um novo produto financeiro desenvolvido para cobrir eventuais deficits do Estado em termos de gestão de desastres climáticos: o Philippines Risk and Insurance Scheme for Municipalities (Prism), um tipo de título com altos rendimentos que os municípios ofereceriam, em caso de catástrofe, a investidores privados. Estes últimos beneficiariam de taxas de juros vantajosas subsidiadas pelo Estado, mas, caso houvesse um sinistro de uma força ou desastre predefinidos, perderiam os seus investimentos.
“Derivativos climáticos” (weather derivatives), “obrigações de catástrofe” (catastrophe bonds) e outros produtos de seguro climático fazem muito sucesso. Além dos países asiáticos, o México, a Turquia, o Chile e até mesmo o estado norte-americano do Alabama, duramente afetado pelo furacão Katrina em 2005, recorreram a eles de uma forma ou de outra. Para os promotores desses instrumentos, trata-se de confiar ao mercado financeiro os seguros de riscos naturais, inclusive os prémios; avaliações de ameaças e ressarcimento das vítimas. Mas por que o mercado financeiro cobre danos causados pela natureza justamente agora, que ela mostra sinais cada vez mais claros de desgaste?
Durante muitos séculos, a Terra forneceu ao sistema económico matérias-primas e recursos naturais a preços baixos. O ecossistema também conseguia absorver os resíduos da produção industrial. Mas essas duas funções já não se realizam tão facilmente. Não só o preço das matérias-primas e da gestão dos resíduos aumenta, como a multiplicação e o agravamento dos desastres naturais fazem subir o custo global dos seguros. Isso exerce uma pressão para diminuir as taxas de lucro dos atores industriais. Desse modo, a crise ecológica não é apenas o reflexo, mas também a provável causadora de uma crise do capitalismo.
Nesse contexto, a “financeirização” parece oferecer uma escapatória: as companhias de seguros e de resseguros colocam em jogo novas formas de dissipar o risco, das quais a principal é a titularização de riscos climáticos − uma transposição para a esfera meteorológica dos mecanismos testados com o sucesso que conhecemos no sistema imobiliário americano…
Entre os produtos mais fascinantes desse novo arsenal financeiro está o cat bond, diminutivo de catastrophe bond, ou seja “obrigação de catástrofe”. Uma obrigação é um título de crédito ou uma fração de dívida liquidável num mercado, e sujeita a uma cotação. A particularidade dos cat bonds é que eles não surgem de uma dívida contraída por um Estado para renovar suas infraestruturas ou por uma empresa para financiar sua inovação, e sim da natureza e dos seus perigos. Eles abrangem uma eventualidade que pode ocorrer, mas sem certeza; sabe-se apenas que ocasionará desgastes materiais e humanos importantes.
A partir daí, trata-se de dispersar os riscos naturais no espaço e no tempo, tornando-os financeiramente insensíveis. Conforme os mercados desdobram-se em escala mundial, esses riscos ficam em evidência máxima.
Esse prodígio da engenharia financeira nasceu em 1994, logo após uma série de desastres com custos fora do normal (o furacão Andrews na Flórida em 1992, o terremoto de Northridge na Califórnia em 1994) obrigar a indústria de seguros a encontrar novos recursos. Desde então, foram emitidos cerca de duzentos cat bonds, 27 apenas em 2007, totalizando 14 bilhões de dólares.
Furacão nas Caraíbas vs. tsunami na Ásia
Como todo o título financeiro, as obrigações climáticas têm de se submeter ao crivo das agências de classificação de risco – Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s –, que geralmente lhes dão a medíocre nota BB, o que significa que possuem risco. O valor de um cat bond flutua no mercado em função da maior ou menor probabilidade do que a ameaça venha a acontecer e em função da oferta e procura do título em questão. Acontece que esses títulos continuam a circular quando uma catástrofe se aproxima e mesmo durante seu desenrolar; por exemplo, durante uma onda de calor na Europa ou de um furacão na Flórida. É o que os traders especialistas chamam de live cat bond trading – comércio ao vivo de títulos, o que faz sentido em razão da sua composição característica.
Uma bolsa de valores de títulos chamada Catastrophe Risk Exchange (Catex), localizada em Nova Jersey, surgiu em 1995. Um investidor excessivamente exposto aos tremores de terra californianos poderá diversificar o seu portfólio trocando os seuscat bonds por outros de furacões no Caribe ou de tsunamis no Oceano Índico. A Catex também serve para fornecer base de dados a seus clientes, permitindo a avaliação de riscos.
Protagonistas do dispositivo, as agências de modelização rendem-se ao catastrophe modeling, ou seja, à modelização das catástrofes. O seu objetivo é calcular a natureza e reduzir quanto for possível a incerteza. Existe um pequeno número de agências de modelização de negócios no mundo, a maioria delas norte-americana: Applied Insurance Research (AIR), Eqecat e Risk Management Solutions (RMS). Em função de variáveis como velocidade dos ventos, tamanho dos ciclones, temperaturas e características físicas da zona em questão (material utilizado na construção, tipo de terreno, população), avaliam o custo de uma catástrofe, bem como as indemnizações a serem pagas pelas seguradoras. E, consequentemente, determinam o preço do cat bond.
A maioria das obrigações desse tipo emitidas até hoje partiu de seguradoras e resseguradoras. Mas, desde meados dos anos 2000, os próprios países colocam no mercado cat bonds “soberanos” – da mesma forma que se fala em dívida soberana. Essa tendência, lançada pelos teóricos contemporâneos de seguros advindos da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, uma das escolas de comércio mais prestigiadas do mundo, é fortemente encorajada pelo Banco Mundial e pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Este deslocamento ilustra a ligação estreita que se estabelece entre a crise de orçamento dos países (endividamento e queda das suas receitas) e a crise ambiental. Por causa das dificuldades que atravessam, os países mostram-se cada vez menos capazes de assumir o custo dos seguros contra desastres climáticos pelos meios convencionais, ou seja, principalmente por impostos. E essa incapacidade fica a cada dia mais evidenciada conforme aumentam o número e o poder dos cataclismos causados pelas mudanças climáticas. Para governos em apuros, a financeirização dos seguros de riscos climáticos representa um sopro de oxigênio: a titularização como substituto ao imposto e à solidariedade nacional. Esse é um ponto de fusão entre a crise ecológica e a financeira, como mostra o exemplo mexicano.
Furacões no Golfo do México, terremotos, deslocamentos de terra ou erupções do Popocateptl: o México parece cercado por ameaças “naturais”. Segurador em última instância em caso de catástrofes, o Estado indemniza as vítimas com o orçamento federal, ou seja, graças aos impostos, segundo o princípio da solidariedade nacional consubstancial ao Estado-nação moderno. Em 1996, o governo lançou o Fondo de Desastres Naturales (Fonden), destinado na época a fornecer ajuda de urgência aos acidentes e permitir a reconstrução das infraestruturas. Esse dispositivo funcionou até uma série de catástrofes com custo exorbitante se abater sobre o país. Em 2005, o governo federal gastou 800 milhões de dólares para cobrir esses danos, quando só tinha… 50 milhões para gastar.
Critérios muito rigorosos
A ideia de titularizar o seguro de riscos de tremores de terra se concretizou no ano seguinte, com o incentivo do Banco Mundial. Em 2009, o país decidiu incluir no dispositivo os furacões, o que deu origem a um programa “multicat”, que cobria uma multiplicidade de riscos. Estavam presentes na mesa de negociações somente pessoas de alto gabarito: o ministro das Finanças do México, representantes da Goldman Sachs e da resseguradora Swiss Re Capital Markets, encarregados de vender o programa aos investidores. A Munich Re também estava presente, bem como dois grandes escritórios de advocacia norte-americanos, Cadwalader, Wickersham & Taft e White & Case. A Applied Insurance Research (AIR), agência de modelização encarregada de estabelecer os parâmetros para o lançamento da obrigação – o nível de gravidade no qual os investidores perderiam seu dinheiro –, elaborou dois modelos: um para os terremotos e outro para os furacões. Depois de estar registado nas Ilhas Caimão pela Goldman Sachs e pela Swiss Re, o cat bond foi vendido aos investidores em turnês de promoção organizadas pelos bancos.
Cada vez que uma catástrofe abate o México, a agência AIR determina se o acontecimento corresponde aos parâmetros estabelecidos pelos contratantes. Se for o caso, os investidores devem colocar o dinheiro à disposição do Estado do México. Caso contrário, não gastam nada e continuam a lucrar com o seguro.
Em abril de 2010, um terremoto arrasou o estado da Baja Califórnia, mas o seu epicentro encontrava-se a norte da zona delimitada pelo cat bond. Resultado: o dinheiro da obrigação não foi libertado, e o México continuou a pagar juros. Da mesma forma, quando um furacão atingiu o estado de Tamaulipas dois meses depois, sua força foi inferior ao nível predeterminado, e o México não viu a cor dos dólares. Os critérios são tão rigorosos que apenas três dos duzentos cat bonds emitidos em quinze anos foram acionados (The Economist, 5 out. 2013).
No Sudeste Asiático, região particularmente exposta, a introdução de cat bonds soberanos opera segundo modalidades particulares. Na Indonésia, maior país muçulmano do mundo, os princípios de seguros islâmicos, o takaful, aplicam-se. Sem poder ignorar que o setor apresenta após uma década um crescimento anual de 25% (contra os 10% obtidos pelo mercado tradicional de seguros), a resseguradora Swiss Re esforça-se para reforçar sua sharia credibility, segundo a sua própria expressão. Os países em desenvolvimento são com frequência os mais duramente afetados por catástrofes climáticas, tanto por razões geográficas como por não possuírem os mesmos meios para enfrentá-las que os países ocidentais. O aumento do nível do mar atinge tanto a Holanda como Bangladesh, mas é preferível enfrentar as ondas em Amsterdão a encará-las em Munshiganj.
As obrigações de catástrofe – ou, em outro género, os créditos de carbono – não são os únicos produtos financeiros ligados a processos naturais. Os derivativos climáticos, por exemplo, propõem aos investidores apostas em relação ao tempo que faz, ou seja, sobre as variações da meteorologia que não representem uma interrupção no curso normal da vida social. Desde eventos desportivos a colheitas, passando pelo granizo, concertos de rock e variações no preço do gás, bem como diversos outros aspetos das sociedades modernas são influenciados pelo tempo. Estima-se que um quarto da riqueza anual produzida pelos países desenvolvidos esteja suscetível a sofrer impactos em relação ao tempo. O princípio do derivado climático é quase infantil: uma quantia financeira é libertada para o lucro de quem o adquiriu caso as temperaturas – ou algum outro parâmetro meteorológico – superem, ou não atinjam, um nível predeterminado; por exemplo, se o frio – e, portanto, os gastos com energia – excede certo nível ou se a chuva restringe a frequência de um parque de diversões durante o verão.
No ramo agrícola, alguns derivativos têm como subjacente – o ativo real sobre o qual um instrumento financeiro versa – o tempo de germinação das plantas. Um índice como o “grau por dia de crescimento” (growing degree days) mede a diferença entre a temperatura média que uma plantação necessita para amadurecer e a temperatura real, ativando o pagamento de determinada quantia caso seja ultrapassado um nível estabelecido. Em caso de um swap (“troca”), duas empresas afetadas de maneira oposta pelas variações climáticas podem decidir se segurarem mutuamente. Se uma empresa de energia perde dinheiro em caso de um inverno pouco rigoroso e o mesmo ocorre com uma empresa de eventos desportivos em caso de inverno muito rigoroso, cobrem-se com um montante predeterminado conforme o termómetro sobe ou desce. derivativos
Os ancestrais dos derivativos climáticos apareceram na agricultura no século XIX, principalmente nos Estados Unidos, no Chicago Board of Trade. Tratavam de matérias-primas como algodão e trigo. No momento da libertação e da aglutinação dos mercados financeiros, nos anos 1970, e da proliferação dos derivativos, os subjacentes potenciais multiplicaram-se. Pioneiras nesse ramo, as multinacionais de energia, entre elas a Enron, encontraram nos derivativos um meio para “suavizar” os seus riscos de perdas. Desse modo, após o inverno de 1998-1999, particularmente brando nos Estados Unidos por causa do fenómeno La Niña, algumas termoelétricas decidiram utilizar os derivativos para se “cobrir” – para essas empresas, as flutuações de alguns graus implicavam variações financeiras colossais. A partir de 1999, os derivativosclimáticos passaram a ser trocados no Chicago Mercantil Exchange, historicamente especializado em produtos agrícolas. O surgimento desses produtos financeiros está atrelado ao movimento de privatização dos serviços meteorológicos, principalmente nos países anglo-saxões: são eles que, em última instância, determinam o nível que precisa ser atingido para que um derivado seja acionado.
Num artigo intitulado “Pourquoi l’environnement a besoin de la haute finance” [Por que o meio ambiente precisa da alta finança], três teóricos de seguros sugerem atualmente a implantação do species swap, um tipo de derivado que trata do desaparecimento de espécies. A interpenetração das finanças e da natureza assume aí uma de suas formas mais radicais: tornar a preservação das espécies rentável para as empresas, a fim de incentivá-las a tomar conta da biodiversidade. Na verdade, essa missão custosa cabe hoje ao Estado, cujos cofres estão cada dia mais vazios. Ainda nesse tema, o aumento da crise fiscal justifica a financeirização da natureza.
Imaginemos que o estado da Flórida assine um contrato de species swap com uma empresa, tendo como subjacente uma variedade de tartaruga ameaçada que vive nos arredores da contratante. Se o número de espécies aumentar por causa da atenção dedicada pela empresa, o estado paga juros a esta; porém, se as tartarugas rarearem ou se aproximarem da extinção, é a empresa que tem de pagar ao estado, para que este possa iniciar uma operação de salvação.
As “hipotecas ambientais” (environmental mortgages) – tipo de subprime cujo subjacente não é um bem imobiliário, e sim uma parte do meio ambiente –, os títulos garantidos por florestas (forest backed securities) e ainda os mecanismos de compensação de zonas húmidas (wetlands), legalizados nos Estados Unidos pela administração do presidente George H. Bush durante os anos 1990, constituem outros exemplos de produtos financeiros desse tipo.
O capitalismo, segundo o teórico do ecossocialismo James O’Connor, implica “condições de produção”. À medida que se desenvolve, enfraquece e até destrói as suas condições de produção. Se o petróleo barato permitiu durante mais de um século o funcionamento daquilo que Timothy Mitchell chama de “democracia do carbono”, a sua escassez aumenta consideravelmente os custos da indústria. O capital precisa destas condições de produção, mas não consegue evitar que, por sua ação, as fontes se esgotem. É o que O’Connor chama de “segunda contradição” do sistema: aquela entre o capital e a natureza, ao passo que a primeira opõe o capital e o trabalho.
Essas duas contradições entrelaçam-se: o trabalho humano gera valor transformando a natureza. A primeira contradição conduz a uma baixa tendenciosa da taxa de lucro, ou seja, ao surgimento de crises profundas do sistema. A segunda induz a um encarecimento crescente da manutenção das condições de produção, que pesa igualmente na queda da taxa de lucro, pois volumes crescentes de capitais empregados nessa manutenção – por exemplo, para pesquisas de reservas de petróleo, cujo acesso está cada vez mais difícil – não são transformados em lucro.
Nessa configuração, o Estado moderno tem um papel de interface entre o capital e a natureza: ele regula o uso das condições de produção para que elas possam ser exploradas. O objetivo do ecossocialismo consiste em desfazer o tríptico formado pelo capitalismo, a natureza e o Estado. Trata-se de impedir este último de trabalhar a favor dos interesses do capital e reorientar a sua ação a favor do bem-estar da população e da preservação do equilíbrio natural. A conferência Paris Climat 2015 (COP 21), na qual o governo do presidente François Hollande parece estar depositando grandes esperanças, oferecerá ao movimento global pela justiça climática uma chance de expressar essa reivindicação.
Listas negras
O seguro moderno é indissociável do resseguro – o “seguro das seguradoras” –, que o segue como a sua sombra. Permite às seguradoras se prevenirem contra riscos que julgam importantes, por isso contratam um seguro para seguros. O mecanismo é o mesmo que no grau inferior: a seguradora paga um montante à resseguradora, que lhe pagará indemnizações caso ocorra algum acidente. Esse montante normalmente é reinvestido pela resseguradora em outros títulos financeiros, cujos lucros servem para reembolsar as seguradoras. Sendo assim, as resseguradoras ocupam desde o século XIX a vanguarda da finança internacional. O setor – hoje em dia dominado pelas companhias Munich Re (fundada em 1880) e Swiss Re (criada em 1863) – surgiu após incêndios que devastaram grandes cidades. Em 1842, Hamburgo ardeu em chamas; as seguradoras alemãs entraram em situação de calamidade, e assim nasceu o resseguro.
Diversos tipos de risco reviraram o setor recentemente: terrorismo, riscos tecnológicos e multiplicação de desastres naturais – principalmente por causa das mudanças climáticas – com custos cada vez mais elevados. A Swiss Re produz dados anuais bem completos, compilados em uma revista chamada Sigma, sobre a amplitude dos desastres humanos e seus danos materiais. Os números tratam principalmente dos bens assegurados, ou seja, dos totais que as seguradoras e resseguradoras pagaram a seus clientes. Nela é possível constatar que, nos países em desenvolvimento, apenas 3% dos bens perdidos são segurados, contra mais de 40% nos países desenvolvidos.
Com 75 bilhões de dólares, o furacão Katrina, que atingiu a região de Nova Orleãs em 2005, é considerado até hoje o episódio mais custoso da história em danos segurados desde 1970 – época na qual esses dados começaram a ser compilados. A conta sobe para até 150 bilhões de dólares se adicionarmos os bens não assegurados. Aparecem em seguida na lista o terremoto seguido de um tsunami no Japão em 2011 (35 bilhões ) – que provocou a catástrofe nuclear de Fukushima –, o furacão Andrews de 1992 nos Estados Unidos (25 bilhões ) e os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 (24 bilhões); estes últimos foram os mais custosos na categoria que a Swiss Re chama de “técnicos”, ou seja, sem relação com um fenómeno natural.
Na França, em 2003, ano da onda de calor, o custo agregado dos cataclismos naturais passou de 2 bilhões de euros, um recorde para o país. Nos últimos vinte anos, o principal risco natural eram as inundações, seguidas pelas secas. Dos 25 desastres mais custosos no período entre 1970 e 2010, mais da metade ocorreu após 2001. O número de furacões de categoria 4 ou 5 dobrou em 35 anos (5 é a força máxima dos ventos).
Este tipo de acontecimento pode ter um custo material elevado e um custo humano baixo, e vice-versa. Os mais mortíferos foram as tempestades e inundações causadas em 1970 pelo ciclone Bhola em Bangladesh (Paquistão Oriental na época) e no estado indiano de Bengala, que fez em torno de 300 mil vítimas. Em terceiro lugar está o tremor de terra no Haiti em 2010, com 222 mil mortos. A onda de calor e a seca europeia em 2003, que provocaram a morte de 35 mil pessoas, ficam em 12º segundo lugar na lista. Aliás, esse é o pior desastre na Europa, que ocupa com os Estados Unidos as mais altas posições do ranking de desastres mais custosos financeiramente. Isso comprova, se necessário, o impacto do desenvolvimento económico sobre a mortalidade nessas situações.
No ano de 2011 – último com números disponíveis –, a Swiss Re contabilizou 325 catástrofes, das quais 175 foram consideradas “naturais” e 150 “técnicas”. A essa segunda categoria, a resseguradora julgou sábio acrescentar… a Primavera Árabe.
“Derivativos climáticos” (weather derivatives), “obrigações de catástrofe” (catastrophe bonds) e outros produtos de seguro climático fazem muito sucesso. Além dos países asiáticos, o México, a Turquia, o Chile e até mesmo o estado norte-americano do Alabama, duramente afetado pelo furacão Katrina em 2005, recorreram a eles de uma forma ou de outra. Para os promotores desses instrumentos, trata-se de confiar ao mercado financeiro os seguros de riscos naturais, inclusive os prémios; avaliações de ameaças e ressarcimento das vítimas. Mas por que o mercado financeiro cobre danos causados pela natureza justamente agora, que ela mostra sinais cada vez mais claros de desgaste?
Durante muitos séculos, a Terra forneceu ao sistema económico matérias-primas e recursos naturais a preços baixos. O ecossistema também conseguia absorver os resíduos da produção industrial. Mas essas duas funções já não se realizam tão facilmente. Não só o preço das matérias-primas e da gestão dos resíduos aumenta, como a multiplicação e o agravamento dos desastres naturais fazem subir o custo global dos seguros. Isso exerce uma pressão para diminuir as taxas de lucro dos atores industriais. Desse modo, a crise ecológica não é apenas o reflexo, mas também a provável causadora de uma crise do capitalismo.
Nesse contexto, a “financeirização” parece oferecer uma escapatória: as companhias de seguros e de resseguros colocam em jogo novas formas de dissipar o risco, das quais a principal é a titularização de riscos climáticos − uma transposição para a esfera meteorológica dos mecanismos testados com o sucesso que conhecemos no sistema imobiliário americano…
Entre os produtos mais fascinantes desse novo arsenal financeiro está o cat bond, diminutivo de catastrophe bond, ou seja “obrigação de catástrofe”. Uma obrigação é um título de crédito ou uma fração de dívida liquidável num mercado, e sujeita a uma cotação. A particularidade dos cat bonds é que eles não surgem de uma dívida contraída por um Estado para renovar suas infraestruturas ou por uma empresa para financiar sua inovação, e sim da natureza e dos seus perigos. Eles abrangem uma eventualidade que pode ocorrer, mas sem certeza; sabe-se apenas que ocasionará desgastes materiais e humanos importantes.
A partir daí, trata-se de dispersar os riscos naturais no espaço e no tempo, tornando-os financeiramente insensíveis. Conforme os mercados desdobram-se em escala mundial, esses riscos ficam em evidência máxima.
Esse prodígio da engenharia financeira nasceu em 1994, logo após uma série de desastres com custos fora do normal (o furacão Andrews na Flórida em 1992, o terremoto de Northridge na Califórnia em 1994) obrigar a indústria de seguros a encontrar novos recursos. Desde então, foram emitidos cerca de duzentos cat bonds, 27 apenas em 2007, totalizando 14 bilhões de dólares.
Furacão nas Caraíbas vs. tsunami na Ásia
Como todo o título financeiro, as obrigações climáticas têm de se submeter ao crivo das agências de classificação de risco – Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s –, que geralmente lhes dão a medíocre nota BB, o que significa que possuem risco. O valor de um cat bond flutua no mercado em função da maior ou menor probabilidade do que a ameaça venha a acontecer e em função da oferta e procura do título em questão. Acontece que esses títulos continuam a circular quando uma catástrofe se aproxima e mesmo durante seu desenrolar; por exemplo, durante uma onda de calor na Europa ou de um furacão na Flórida. É o que os traders especialistas chamam de live cat bond trading – comércio ao vivo de títulos, o que faz sentido em razão da sua composição característica.
Uma bolsa de valores de títulos chamada Catastrophe Risk Exchange (Catex), localizada em Nova Jersey, surgiu em 1995. Um investidor excessivamente exposto aos tremores de terra californianos poderá diversificar o seu portfólio trocando os seuscat bonds por outros de furacões no Caribe ou de tsunamis no Oceano Índico. A Catex também serve para fornecer base de dados a seus clientes, permitindo a avaliação de riscos.
Protagonistas do dispositivo, as agências de modelização rendem-se ao catastrophe modeling, ou seja, à modelização das catástrofes. O seu objetivo é calcular a natureza e reduzir quanto for possível a incerteza. Existe um pequeno número de agências de modelização de negócios no mundo, a maioria delas norte-americana: Applied Insurance Research (AIR), Eqecat e Risk Management Solutions (RMS). Em função de variáveis como velocidade dos ventos, tamanho dos ciclones, temperaturas e características físicas da zona em questão (material utilizado na construção, tipo de terreno, população), avaliam o custo de uma catástrofe, bem como as indemnizações a serem pagas pelas seguradoras. E, consequentemente, determinam o preço do cat bond.
A maioria das obrigações desse tipo emitidas até hoje partiu de seguradoras e resseguradoras. Mas, desde meados dos anos 2000, os próprios países colocam no mercado cat bonds “soberanos” – da mesma forma que se fala em dívida soberana. Essa tendência, lançada pelos teóricos contemporâneos de seguros advindos da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, uma das escolas de comércio mais prestigiadas do mundo, é fortemente encorajada pelo Banco Mundial e pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Este deslocamento ilustra a ligação estreita que se estabelece entre a crise de orçamento dos países (endividamento e queda das suas receitas) e a crise ambiental. Por causa das dificuldades que atravessam, os países mostram-se cada vez menos capazes de assumir o custo dos seguros contra desastres climáticos pelos meios convencionais, ou seja, principalmente por impostos. E essa incapacidade fica a cada dia mais evidenciada conforme aumentam o número e o poder dos cataclismos causados pelas mudanças climáticas. Para governos em apuros, a financeirização dos seguros de riscos climáticos representa um sopro de oxigênio: a titularização como substituto ao imposto e à solidariedade nacional. Esse é um ponto de fusão entre a crise ecológica e a financeira, como mostra o exemplo mexicano.
Furacões no Golfo do México, terremotos, deslocamentos de terra ou erupções do Popocateptl: o México parece cercado por ameaças “naturais”. Segurador em última instância em caso de catástrofes, o Estado indemniza as vítimas com o orçamento federal, ou seja, graças aos impostos, segundo o princípio da solidariedade nacional consubstancial ao Estado-nação moderno. Em 1996, o governo lançou o Fondo de Desastres Naturales (Fonden), destinado na época a fornecer ajuda de urgência aos acidentes e permitir a reconstrução das infraestruturas. Esse dispositivo funcionou até uma série de catástrofes com custo exorbitante se abater sobre o país. Em 2005, o governo federal gastou 800 milhões de dólares para cobrir esses danos, quando só tinha… 50 milhões para gastar.
Critérios muito rigorosos
A ideia de titularizar o seguro de riscos de tremores de terra se concretizou no ano seguinte, com o incentivo do Banco Mundial. Em 2009, o país decidiu incluir no dispositivo os furacões, o que deu origem a um programa “multicat”, que cobria uma multiplicidade de riscos. Estavam presentes na mesa de negociações somente pessoas de alto gabarito: o ministro das Finanças do México, representantes da Goldman Sachs e da resseguradora Swiss Re Capital Markets, encarregados de vender o programa aos investidores. A Munich Re também estava presente, bem como dois grandes escritórios de advocacia norte-americanos, Cadwalader, Wickersham & Taft e White & Case. A Applied Insurance Research (AIR), agência de modelização encarregada de estabelecer os parâmetros para o lançamento da obrigação – o nível de gravidade no qual os investidores perderiam seu dinheiro –, elaborou dois modelos: um para os terremotos e outro para os furacões. Depois de estar registado nas Ilhas Caimão pela Goldman Sachs e pela Swiss Re, o cat bond foi vendido aos investidores em turnês de promoção organizadas pelos bancos.
Cada vez que uma catástrofe abate o México, a agência AIR determina se o acontecimento corresponde aos parâmetros estabelecidos pelos contratantes. Se for o caso, os investidores devem colocar o dinheiro à disposição do Estado do México. Caso contrário, não gastam nada e continuam a lucrar com o seguro.
Em abril de 2010, um terremoto arrasou o estado da Baja Califórnia, mas o seu epicentro encontrava-se a norte da zona delimitada pelo cat bond. Resultado: o dinheiro da obrigação não foi libertado, e o México continuou a pagar juros. Da mesma forma, quando um furacão atingiu o estado de Tamaulipas dois meses depois, sua força foi inferior ao nível predeterminado, e o México não viu a cor dos dólares. Os critérios são tão rigorosos que apenas três dos duzentos cat bonds emitidos em quinze anos foram acionados (The Economist, 5 out. 2013).
No Sudeste Asiático, região particularmente exposta, a introdução de cat bonds soberanos opera segundo modalidades particulares. Na Indonésia, maior país muçulmano do mundo, os princípios de seguros islâmicos, o takaful, aplicam-se. Sem poder ignorar que o setor apresenta após uma década um crescimento anual de 25% (contra os 10% obtidos pelo mercado tradicional de seguros), a resseguradora Swiss Re esforça-se para reforçar sua sharia credibility, segundo a sua própria expressão. Os países em desenvolvimento são com frequência os mais duramente afetados por catástrofes climáticas, tanto por razões geográficas como por não possuírem os mesmos meios para enfrentá-las que os países ocidentais. O aumento do nível do mar atinge tanto a Holanda como Bangladesh, mas é preferível enfrentar as ondas em Amsterdão a encará-las em Munshiganj.
As obrigações de catástrofe – ou, em outro género, os créditos de carbono – não são os únicos produtos financeiros ligados a processos naturais. Os derivativos climáticos, por exemplo, propõem aos investidores apostas em relação ao tempo que faz, ou seja, sobre as variações da meteorologia que não representem uma interrupção no curso normal da vida social. Desde eventos desportivos a colheitas, passando pelo granizo, concertos de rock e variações no preço do gás, bem como diversos outros aspetos das sociedades modernas são influenciados pelo tempo. Estima-se que um quarto da riqueza anual produzida pelos países desenvolvidos esteja suscetível a sofrer impactos em relação ao tempo. O princípio do derivado climático é quase infantil: uma quantia financeira é libertada para o lucro de quem o adquiriu caso as temperaturas – ou algum outro parâmetro meteorológico – superem, ou não atinjam, um nível predeterminado; por exemplo, se o frio – e, portanto, os gastos com energia – excede certo nível ou se a chuva restringe a frequência de um parque de diversões durante o verão.
No ramo agrícola, alguns derivativos têm como subjacente – o ativo real sobre o qual um instrumento financeiro versa – o tempo de germinação das plantas. Um índice como o “grau por dia de crescimento” (growing degree days) mede a diferença entre a temperatura média que uma plantação necessita para amadurecer e a temperatura real, ativando o pagamento de determinada quantia caso seja ultrapassado um nível estabelecido. Em caso de um swap (“troca”), duas empresas afetadas de maneira oposta pelas variações climáticas podem decidir se segurarem mutuamente. Se uma empresa de energia perde dinheiro em caso de um inverno pouco rigoroso e o mesmo ocorre com uma empresa de eventos desportivos em caso de inverno muito rigoroso, cobrem-se com um montante predeterminado conforme o termómetro sobe ou desce. derivativos
Os ancestrais dos derivativos climáticos apareceram na agricultura no século XIX, principalmente nos Estados Unidos, no Chicago Board of Trade. Tratavam de matérias-primas como algodão e trigo. No momento da libertação e da aglutinação dos mercados financeiros, nos anos 1970, e da proliferação dos derivativos, os subjacentes potenciais multiplicaram-se. Pioneiras nesse ramo, as multinacionais de energia, entre elas a Enron, encontraram nos derivativos um meio para “suavizar” os seus riscos de perdas. Desse modo, após o inverno de 1998-1999, particularmente brando nos Estados Unidos por causa do fenómeno La Niña, algumas termoelétricas decidiram utilizar os derivativos para se “cobrir” – para essas empresas, as flutuações de alguns graus implicavam variações financeiras colossais. A partir de 1999, os derivativosclimáticos passaram a ser trocados no Chicago Mercantil Exchange, historicamente especializado em produtos agrícolas. O surgimento desses produtos financeiros está atrelado ao movimento de privatização dos serviços meteorológicos, principalmente nos países anglo-saxões: são eles que, em última instância, determinam o nível que precisa ser atingido para que um derivado seja acionado.
Num artigo intitulado “Pourquoi l’environnement a besoin de la haute finance” [Por que o meio ambiente precisa da alta finança], três teóricos de seguros sugerem atualmente a implantação do species swap, um tipo de derivado que trata do desaparecimento de espécies. A interpenetração das finanças e da natureza assume aí uma de suas formas mais radicais: tornar a preservação das espécies rentável para as empresas, a fim de incentivá-las a tomar conta da biodiversidade. Na verdade, essa missão custosa cabe hoje ao Estado, cujos cofres estão cada dia mais vazios. Ainda nesse tema, o aumento da crise fiscal justifica a financeirização da natureza.
Imaginemos que o estado da Flórida assine um contrato de species swap com uma empresa, tendo como subjacente uma variedade de tartaruga ameaçada que vive nos arredores da contratante. Se o número de espécies aumentar por causa da atenção dedicada pela empresa, o estado paga juros a esta; porém, se as tartarugas rarearem ou se aproximarem da extinção, é a empresa que tem de pagar ao estado, para que este possa iniciar uma operação de salvação.
As “hipotecas ambientais” (environmental mortgages) – tipo de subprime cujo subjacente não é um bem imobiliário, e sim uma parte do meio ambiente –, os títulos garantidos por florestas (forest backed securities) e ainda os mecanismos de compensação de zonas húmidas (wetlands), legalizados nos Estados Unidos pela administração do presidente George H. Bush durante os anos 1990, constituem outros exemplos de produtos financeiros desse tipo.
O capitalismo, segundo o teórico do ecossocialismo James O’Connor, implica “condições de produção”. À medida que se desenvolve, enfraquece e até destrói as suas condições de produção. Se o petróleo barato permitiu durante mais de um século o funcionamento daquilo que Timothy Mitchell chama de “democracia do carbono”, a sua escassez aumenta consideravelmente os custos da indústria. O capital precisa destas condições de produção, mas não consegue evitar que, por sua ação, as fontes se esgotem. É o que O’Connor chama de “segunda contradição” do sistema: aquela entre o capital e a natureza, ao passo que a primeira opõe o capital e o trabalho.
Essas duas contradições entrelaçam-se: o trabalho humano gera valor transformando a natureza. A primeira contradição conduz a uma baixa tendenciosa da taxa de lucro, ou seja, ao surgimento de crises profundas do sistema. A segunda induz a um encarecimento crescente da manutenção das condições de produção, que pesa igualmente na queda da taxa de lucro, pois volumes crescentes de capitais empregados nessa manutenção – por exemplo, para pesquisas de reservas de petróleo, cujo acesso está cada vez mais difícil – não são transformados em lucro.
Nessa configuração, o Estado moderno tem um papel de interface entre o capital e a natureza: ele regula o uso das condições de produção para que elas possam ser exploradas. O objetivo do ecossocialismo consiste em desfazer o tríptico formado pelo capitalismo, a natureza e o Estado. Trata-se de impedir este último de trabalhar a favor dos interesses do capital e reorientar a sua ação a favor do bem-estar da população e da preservação do equilíbrio natural. A conferência Paris Climat 2015 (COP 21), na qual o governo do presidente François Hollande parece estar depositando grandes esperanças, oferecerá ao movimento global pela justiça climática uma chance de expressar essa reivindicação.
Listas negras
O seguro moderno é indissociável do resseguro – o “seguro das seguradoras” –, que o segue como a sua sombra. Permite às seguradoras se prevenirem contra riscos que julgam importantes, por isso contratam um seguro para seguros. O mecanismo é o mesmo que no grau inferior: a seguradora paga um montante à resseguradora, que lhe pagará indemnizações caso ocorra algum acidente. Esse montante normalmente é reinvestido pela resseguradora em outros títulos financeiros, cujos lucros servem para reembolsar as seguradoras. Sendo assim, as resseguradoras ocupam desde o século XIX a vanguarda da finança internacional. O setor – hoje em dia dominado pelas companhias Munich Re (fundada em 1880) e Swiss Re (criada em 1863) – surgiu após incêndios que devastaram grandes cidades. Em 1842, Hamburgo ardeu em chamas; as seguradoras alemãs entraram em situação de calamidade, e assim nasceu o resseguro.
Diversos tipos de risco reviraram o setor recentemente: terrorismo, riscos tecnológicos e multiplicação de desastres naturais – principalmente por causa das mudanças climáticas – com custos cada vez mais elevados. A Swiss Re produz dados anuais bem completos, compilados em uma revista chamada Sigma, sobre a amplitude dos desastres humanos e seus danos materiais. Os números tratam principalmente dos bens assegurados, ou seja, dos totais que as seguradoras e resseguradoras pagaram a seus clientes. Nela é possível constatar que, nos países em desenvolvimento, apenas 3% dos bens perdidos são segurados, contra mais de 40% nos países desenvolvidos.
Com 75 bilhões de dólares, o furacão Katrina, que atingiu a região de Nova Orleãs em 2005, é considerado até hoje o episódio mais custoso da história em danos segurados desde 1970 – época na qual esses dados começaram a ser compilados. A conta sobe para até 150 bilhões de dólares se adicionarmos os bens não assegurados. Aparecem em seguida na lista o terremoto seguido de um tsunami no Japão em 2011 (35 bilhões ) – que provocou a catástrofe nuclear de Fukushima –, o furacão Andrews de 1992 nos Estados Unidos (25 bilhões ) e os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 (24 bilhões); estes últimos foram os mais custosos na categoria que a Swiss Re chama de “técnicos”, ou seja, sem relação com um fenómeno natural.
Na França, em 2003, ano da onda de calor, o custo agregado dos cataclismos naturais passou de 2 bilhões de euros, um recorde para o país. Nos últimos vinte anos, o principal risco natural eram as inundações, seguidas pelas secas. Dos 25 desastres mais custosos no período entre 1970 e 2010, mais da metade ocorreu após 2001. O número de furacões de categoria 4 ou 5 dobrou em 35 anos (5 é a força máxima dos ventos).
Este tipo de acontecimento pode ter um custo material elevado e um custo humano baixo, e vice-versa. Os mais mortíferos foram as tempestades e inundações causadas em 1970 pelo ciclone Bhola em Bangladesh (Paquistão Oriental na época) e no estado indiano de Bengala, que fez em torno de 300 mil vítimas. Em terceiro lugar está o tremor de terra no Haiti em 2010, com 222 mil mortos. A onda de calor e a seca europeia em 2003, que provocaram a morte de 35 mil pessoas, ficam em 12º segundo lugar na lista. Aliás, esse é o pior desastre na Europa, que ocupa com os Estados Unidos as mais altas posições do ranking de desastres mais custosos financeiramente. Isso comprova, se necessário, o impacto do desenvolvimento económico sobre a mortalidade nessas situações.
No ano de 2011 – último com números disponíveis –, a Swiss Re contabilizou 325 catástrofes, das quais 175 foram consideradas “naturais” e 150 “técnicas”. A essa segunda categoria, a resseguradora julgou sábio acrescentar… a Primavera Árabe.
domingo, 20 de abril de 2014
SABESP - da falta de água ao lucro
por R D Maestri, comentarista no blog do Nassif
Há três anos assisti uma palestra, no Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, de um deputado de um dos cantões suíços sobre saneamento. O governo do cantão emprestava e empresa pública de saneamento a juros NEGATIVOS para estimular investimentos nesta área, ou seja, num país extremamente desenvolvido, sem problemas de saneamento ambiental e altamente capitalista, seus governantes acham que investimento em saneamento merece incentivos públicos!
Agora vejamos o caso de São Paulo, após a criação da Sabesp saneamento básico parece ser um dos negócios mais rentáveis e seguros do Brasil (baseado em tarifas sem concorrência e compulsórias). Para ilustrar com dados concretos podemos olhar os últimos lucros líquidos da Sabesp:
1,63 bilhão em 2010
1,22 bilhão em 2011
1.9 bilhão em 2012
1,92 bilhão em 2013
Detalhando melhor com o balanço da Sabesp em 2013 divulgada pela própria empresa ....para uma receita operacional líquida de R$10.737,6 milhões em 2013 há um lucro líquido de R$1.911,9 milhões o que representa um lucro líquido em relação a receita operacional da empresa (contas de água e esgoto) de 17,8%!
Pelo histórico, pode-se ver que estes lucros se sucedem ano a ano, ou seja em 5 anos o lucro líquido atinge o faturamento da empresa.
Se querem saber os motivos de falta de água em São Paulo não é necessário grandes conjeturas é só analisar os balanços e ver que há uma falta de investimento em detrimento do consumidor.
Todos os paulistas ficam horrorizados quando pensam se a roubalheira do Metrô é ou não real, porém deixam passar algo que não necessita investigações, a sobretaxa das contas de água e esgoto ou a falta de investimento da empresa.
Isto é um escândalo que supera em muito toda a roubalheira do metro.
E os paulistas continuam votando no PSDB e depois dizem que são os nordestinos que não sabem votar!
sábado, 19 de abril de 2014
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Finalmente uma analise ponderada sobre esse angu Pasadena - e de quebra uma canja sobre o futuro energético brasileiro
por Cláudio A. Pinho, IBEJI - Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura / Jornal GGN
"As cláusulas de saída não eram relevantes na entrada do negócio, mas eram cruciais na não ratificação do negócio, pois uma vez disparada a intenção de compra ela necessariamente deveria ser realizada".
Que o setor energético é pauta da campanha presidencial isso já é fato consumado. A redução da conta da energia, risco de racionamento e apagão, passando pelo recente apelo para que grandes indústrias de grande consumo reduzam sua produção de bens para consumirem menos energia já farão parte do cenário político nos próximos meses. Acresça-se a isso as discussões da refinaria de Passadena e outras que estão envolvendo a Petrobras e já teremos boa parte da pauta eleitoral.
O objetivo deste artigo é analisar alguns pontos setoriais para melhor formação de uma opinião sobre o setor energético no Brasil (energia elétrica, petróleo e gás). Descreveremos questões pontuais que poderão ser melhor analisadas e disseminadas.
Três óticas podem ser analisadas:
- questões de estado, como sendo o norte dado pela Constituição Federal e legislação setorial;
- questões de governo, como sendo as políticas implementadas por tal ou qual governo e
- questões jurídicas que surgem da fricção entre as questões de estado, de governo e as relações jurídicas já existentes ou entre esses agentes e os agentes econômicos que atuam no mercado.
Após as emendas constitucionais que permitiram a abertura dos mercados nos setores elétricos e petrolíferos surgem alguns cabos de guerra jurídicos frente ao modelo econômico apresentado pela Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 170 à 177.
No setor elétrico a mola mestra é a tarifa, que por sua própria definição é a recomposição do valor cobrado pelo serviço permeado pelos princípios da modicidade tarifária e a adequada remuneração dos serviços. O ponto fundamental do setor elétrico é entender a relação entre a nova tarifa e o resultado das empresas, principalmente quando ele é positivo e lucrativo. Explico. A doutrina jurídica formada nos anos 50 e 60, e consolidada nos anos 70 e 80, entendia que a tarifa era exclusivamente para a remuneração dos serviços. Como, salvo raras exceções, todo o setor elétrico era público, o foco das empresas concessionárias nunca foi a distribuição de dividendos nem mesmo existia uma relação com os acionistas na mesma medida que as empresas privadas. A mudança acabou ocorrendo para além da privatização, pois hoje não se consegue imaginar um serviço concessionário que não seja lastreado em eficiência, gestão, governança e lucro. Há no imaginário do senso comum um pensamento que, ao aumentar a tarifa, estar-se-á automaticamente aumentando a distribuição de dividendos dos acionistas numa relação direta de causa e efeito. Esse sofisma jurídico ainda não foi enfrentado pelo poder judiciário e é pouco compreendido por agentes que têm importância vital para o setor, tal como técnicos de tribunais de contas e representantes do ministério público em seus diversos níveis, sendo que esse deveria ser o ponto de partida para o repensar do setor elétrico.
No setor do petróleo as perguntas não são diferentes, mas com as adaptações do setor. Qual é a Petrobras que queremos? Agressiva, estratégica, responsável, com governança? Para cada palavra colocada sobre a gestão societária, será definida uma linha de conduta. Um dado importante para quem olha de fora é saber que cada frente no setor do petróleo implica em aporte de grandes somas de dinheiro em bases mensais, por vários anos, em contratos onde compromissos de 20 e 30 anos são comuns. Assim a interrupção de um projeto qualquer significa literalmente o fim da perda (stop loss), onde há um prejuízo pelo investimento já realizado e sem retorno, mas evita-se um prejuízo maior ainda com a perpetuação do desembolso.
Enquanto, no caso de Passadena, a política aponta para a divergência de valores de aquisição, no mundo jurídico de efeitos econômicos três questões aparecem. A primeira é que quem exerceu o interesse de aquisição da parte do outro sócio foi a Petrobras. O segundo ponto é que o compromisso do CEO da empresa não foi referendado pelo conselho da companhia resultando no início de uma arbitragem. A terceira questão relevante é do início da arbitragem até o pagamento do valor final. A não ratificação da compra pelo conselho de administração e a identificação das consequências é que é a área cinzenta. As cláusulas de saída não eram relevantes na entrada do negócio, mas eram cruciais na não ratificação do negócio, pois uma vez disparada a intenção de compra ela necessariamente deveria ser realizada. Se o cenário internacional, o ambiente negocial ou mesmo a prioridade da companhia mudou naquele momento eram irrelevantes, pois havia uma conta que deveria ter sido paga. A arbitragem com seus pesados ônus e a posterior judicialização só fizeram onerar mais o negócio com postergações que só seriam explicáveis sob um pensamento afastado da boa governança, motivado por um descompromisso na condução dos negócios corporativos. Este sim é o verdadeiro pecado que macularia uma boa governança. Mas esse não é o ponto final da questão.
Em 2013, na maior conferência de petróleo do mundo, a OTC – Offshore Technology Conference, Graça Foster, presidente da Petrobras, afirmou que pretende dobrar o tamanho da petroleira em cinco anos. Essa afirmação somente poderá acontecer se a seguinte ação executiva que passaremos a explicar for implementada.
Em que pese ser tratada como uma Diretoria, a Petrobras Internacional, antiga Braspetro, é uma subsidiária integral da Petrobras e cuida da operação da Petrobras fora do Brasil. Na gestão de Gabrielli a Petrobras América, foi retirada da Petrobras Internacional e foi incorporada pela Petrobras (matriz). A partir daí os resultados positivos e negativos passaram a influenciar diretamente na operação da matriz brasileira. Além de outras estratégias como ampliação do resultado no pré-sal, busca de eficiência, o crescimento da companhia passa pelo que se convencionou chamar em desinvestimento. Desinvestimento é descartar todos os ativos e contratos, que como já ditos acima, comprometem o fluxo de caixa da Petrobras pelos próximos 20 a 30 anos, à exceção daqueles que possam dar um resultado positivo em prazo inferior, isto é dentro dos 5 anos vaticinados por Graça Foster. Após esse descarte, incorporar as operações cujo retorno positivo se faz notar dentro desse mesmo prazo na Petrobras (matriz). A partir daí será extinta a Petrobras Internacional passando a existir uma só companhia. Não é difícil prever que dentro deste processo outros casos como Passadena aparecerão. E assim acontecerá porque a cada novo processo de desinvestimento implicará em descarte de negócios que não tem perspectiva de lucros em curto prazo, aumentando ainda mais a insegurança para entender se a decisão de diretoria e de conselho foram acertadas, quer no investimento, quer no desinvestimento.
Em verdade estamos longe do fim num e noutro setor e enquanto não discutimos sem rodeios qual o setor elétrico e petrolífero que queremos, com o direcionamento da política econômica e dos ajustes setoriais para esses novos modelos, a única tendência segura será vermos, cada vez mais, as empresas estatais participando com capital minoritário em negócios onde o capital privado é majoritário, impedindo que desconhecedores de plantão possam interferir na decisão de empresas que não serão mais controladas e sim empresas que têm participação estatal, fazendo com que a modelagem público/privada seja modificada novamente, mas sem um norte claro para onde iremos caminhar. Fica a reflexão.
Novas modalidades de privataria: água de beber e previsão do tempo
por Pete Dolack, em Systemic Disorder - tradução Heloisa Villela (com ajustes botocudos)
O lucro deve ser o único direito humano já que é uma necessidade tão básica, o que a água não é. Apesar da moderna indústria de relações públicas ter tido sucesso rebatizando barões ladrões de “capitães da indústria”, nem mesmo o mais bem preparado batalhão de artilharia pode impedir, o tempo todo, os executivos das corporações de dizerem acidentalmente ao mundo o que realmente pensam.
Não é segredo que algumas das maiores corporações do mundo estão drenando aquíferos e revendendo água potável com grandes lucros. Mas eles querem ir mais longe e tornar obrigatório pagar pela água. A água é simplesmente mais uma “commodity de mercado” na visão deles – mais notoriamente propagada pelo presidente do Conselho diretor da Nestlé S.A., Peter Brabeck-Letmath em um vídeo de seis minutos divulgado por sua empresa.
É justo dizer que a aparente tentativa da Nestlé de projetar uma imagem de empresa que sobriamente lida com os problemas mundiais com uma racionalidade severa saiu pela culatra espetacularmente.
A linguagem corporal do Sr. Brabeck-Letmathe transforma em tolice a argumentação da Nestlé, apresentada após a divulgação do vídeo, de que ele não queria dizer o que disse. Começando na marca dos 2 minutos e 7 segundos, ele aparece dizendo:
“A questão é se devemos privatizar o suprimento normal de água para a população. E existem duas opiniões a esse respeito. Uma opinião, que eu acho radical, de ONG (organização não governamental) que martela a declaração de que a água é um direito público”.
O Presidente torce o rosto à ideia da água ser considerada um direito, depois deixa escapar um sorriso afetado demonstrando desprezo indisfarçável pelo que se segue imediatamente:
“Isso significa que como seres humanos vocês devem ter direito à água. Essa é uma solução extrema. E a outra visão diz que a água é um alimento como outro qualquer e como qualquer outro alimento ela deve ter um valor de mercado. Pessoalmente eu acredito que é melhor dar um valor ao alimento para que todos nós tenhamos conhecimento de que ela tem um preço e que é preciso tomar medidas específicas para a população que não tem acesso a essa água e aí existem várias possibilidades”.
O direito à água é “radical”!
Essa opinião pode ser considerada “radical” em muitas salas de reuniões de corporações, mas essas opiniões não estão livres de interesses corporativos.
Se o caminho para aumentar os lucros depende de privatizar bens comuns e serviços públicos, esse é o sistema de crenças que surgirá. Graças ao seu incansável trabalho de combater essas crenças “radicais”, 0,1% está vivendo muito bem, obrigado.
A diferença de perspectiva dos industriais e financistas e do resto do mundo é exemplificada pelo Sr. Brabeck-Letmathe na marca dos 5’34” do vídeo:
“Nós nunca estivemos tão bem. Nunca tivemos tanto dinheiro. Nunca fomos tão saudáveis. …Nós temos tudo que queremos e ainda vamos por aí como se estivéssemos de luto por algo”.
Talvez as coisas não sejam assim tão rosa florais
Sim, pare de choramingar somente porque os salários estão declinando em todo o mundo, o desemprego continua alto, a desigualdade está atingindo níveis nunca vistos desde os anos 20, o meio ambiente está perigosamente poluído, o aquecimento global está fadado a fugir de controle, o poder dos grandes capitalistas e de suas corporações multinacionais transformou a participação democrática em uma piada, trabalhadores mais velhos são jogados para fora de seus trabalhos e suas pensões são cortadas unilateralmente, existem poucos empregos para os trabalhadores jovens que estão mergulhados em dívidas, os custos de moradia e educação aumentarem bem mais rapidamente do que a inflação, e os governos mundiais dão as mãos aos capitalistas em uma corrida global ao fundo do poço sem prestar contas a seus eleitores.
Se sua ideia de democracia não é nada mais do que ter mais sabores de refrigerantes cola para escolher, então, com certeza, você tem tudo que quer.
Em um esforço para reduzir o estrago, a Nestlé subsequentemente divulgou um release alegando que seu presidente “pensa que a água é um direito humano”.
Acontece que, se fossemos acreditar na propaganda da Nestlé, ele estava meramente “tentando conscientizar a respeito de tema da falta de água. … Ele não é a favor da privatização, mas defende mais eficiência na administração da água para indivíduos, indústrias, agricultura e governos”.
Isso não casa com que o presidente da Nestlé disse claramente no vídeo. Nem leva em conta o papel da Nestlé em tornar a água ainda mais escassa.
A água, na verdade, é um grande negócio. A água engarrafada é dominada por três das maiores indústrias do mundo: a Coca-Cola Company (Dasani), a PepsiCo Inc. (Aquafina) e a Nestlé (Poland Springs, Deer Park, Arrowhead e outras).
As duas maiores empresas privadas de administração de água do mundo, Veolia Environment e Suez Environment, têm receita somada de US$ 51 bilhões. Muito para abocanhar, com certeza.
Pagando pela mesma coisa que sai da sua torneira
As empresas que vendem água engarrafada não estão necessariamente enviando equipes para montanhas remotas. Uma reportagem no AlterNet, de Michael Blanding, diz:
“Muitas vezes a água engarrafada é água da pia. Ao contrário da imagem da água cristalina brotando na montanha, mais de um quarto da água engarrafada, na verdade, vem de suprimentos municipais de água. …
Tanto a Coca quanto a Pepsi usam exclusivamente água da torneira como fonte, enquanto a Nestlé usa água da torneira em algumas marcas. É claro que a Coca e a Pepsi fazem propaganda das medidas adicionais que tomam para purificar a água depois que ela sai da torneira, as duas empresas filtram a água várias vezes para remover partículas antes de tratá-la com técnicas adicionais como ‘osmose revertida’ e tratamento de ozônio. Osmose revertida, entretanto, não é nada sofisticado – consiste essencialmente do mesmo tratamento aplicado por filtros comerciais de água disponíveis para residências, enquanto ozonização (um processo de tratamento de água) pode incluir problemas adicionais como formação do químico bromato, suspeito de ser carcinogênico”.
Um estudo do Conselho de Defesa das Riquezas Naturais analisou mais de 1.000 garrafas que representam 103 marcas de água engarrafada e encontrou, em um terço, níveis de contaminação que ultrapassam os limites permitidos. Entre esses contaminantes existiam químicos sintéticos, bactérias e arsênico.
Não é apenas o engarrafamento e o empacotamento de água da bica que dá lucro – fornecer água da bica também é se ela for privatizada.
Um estudo da Food & Watch descobriu que:
- Serviços privatizados tipicamente cobram 33% mais pela água e 63% mais pelo esgoto do que serviços de governos locais.
- Depois da privatização, o preço da água aumenta cerca de três vezes mais do que o índice de inflação, com um aumento médio de 18% a cada dois anos.
- O lucro das corporações, dividendos e impostos podem somar outros 20 a 30% aos custos de operação e manutenção.
Dúzias de municípios na França, Alemanha e Estados Unidos estão tomando de volta seus sistema de água e esgoto, revertendo privatizações anteriores. Governos locais consistentemente descobriram que a privatização levou a preços mais altos, reduziu os serviços e deteriorou as condições de trabalho para os funcionários que permaneceram em seus cargos.
As corporações que operam esses sistemas estavam apenas colocando em prática o que o presidente da Nestlé disse em seu vídeo: a água é uma mercadoria a ser comprada pelos que estiverem dispostos a pagar mais caro.
Em um caso notório, o Banco Mundial forçou a privatização do sistema de água na cidade boliviana de Cochabamba, em 1999. A Bechtel, empresa que recebeu o sistema de água depois de ter sido a única que apresentou proposta de compra em um processo secreto, cobrou uma quantia igual a um quarto da renda familiar média dos moradores e impôs um contrato que proibia a coleta de água da chuva. Depois que foi obrigada a deixar a cidade por causa de protestos massivos, que contaram com o apoio de uma campanha global, a Bechtel processou a Bolívia exigindo US$ 50 milhões por danos e lucros perdidos, apesar de seus investimentos serem estimados em menos de US$ 1 milhão e o faturamento da Bechtel ser seis vezes o tamanho do produto interno bruto da Bolívia.
Esperando até que a previsão do tempo gere lucro
Outros serviços governamentais, que se considera garantidos, como a previsão do tempo, não são exceção. Apesar de soar bizarro, executivos de serviços privados de previsão do tempo como o AccuWeather vêm argumentando, há anos que o Serviço Nacional do Tempo do governo dos Estados unidos deve ser proibido de divulgar previsões meteorológicas.
O Serviço Nacional do Tempo é o que tem as previsões mais confiáveis do país e os contribuintes gastam milhões de dólares nele. Ainda assim, nós supostamente temos que eliminar este benefício público, convertê-lo completamente em subsídio corporativo para que um capitalista possa lucrar!
O conceito de que o conhecimento de uma tempestade que se aproxima deva ser revertido para aqueles dispostos a pagar foi defendido pelo AccuWeather e por um grupo lobista que se auto intitula Associação Comercial de Serviços do Tempo, com uma das luzes mais fracas do senado dos Estados Unidos, o fundamentalista Rick Santorum, que promoveu um projeto de lei em 2005 que impediria o Serviço Nacional do Tempo de divulgar previsões do tempo com exceção durante emergências específicas.
De acordo com a lei, a agência continuaria coletando dados e daria todos eles a empresas privadas.
O AccuWeather divulgaria as previsões sem arcar com o ônus de coletar seus próprios dados os recebendo de graça às custas do contribuinte.
Como salientou uma reportagem na revista eletrônica Slate, o texto da lei dizia:
“Dados, informação, direção, previsão e alertas devem ser divulgados … através de um portal de dados desenhado para acesso de volume por provedores comerciais de produtos e serviços”.
A velhacaria dessa lei foi revelada claramente naquele momento por Jeff Masters em seu blog Weather Underground:
“A indústria privada da previsão do tempo faz suas próprias previsões, mas em geral checa suas previsões contra o que diz o Serviço Nacional do Tempo antes de divulgá-las. Se a previsão do SNT é muito diferente, eles frequentemente fazem ajustes na direção das previsões do SNT, o que resulta em uma previsão de melhor ‘consenso’. Então, de acordo com a proposta de lei, não apenas perderíamos a melhor previsão do tempo disponível, mas as previsões das empresas privadas também piorariam”.
Mas um par de capitalistas teria um grande lucro – e daí se mais gente morreria em enchentes ou desastres naturais? Essa é a mágica do mercado em ação.
Assinar:
Postagens (Atom)