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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Reminiscencias de uma gloriosa ditadura



por Helio Fernandes, angu misturado dos blogs de um sem-mídia e do Saïd Dïb

Na instalação do golpe de 64, os que tomaram o Poder, fizeram uma remodelação geral na fórmula clássica das ditaduras.

Em todos os países, antes de 64, existiam as ditaduras fixas com um ditador também fixo, civil ou militar. Fosse no Ocidente ou no Oriente, em qualquer lugar do mundo. Também não se discutiam ideologias ou convicções político-filosóficas. Foi assim sempre.

Em 1964, os generais que tomaram o Poder inovaram completamente. Em vez da ditadura fixa com um ditador também fixo, que não tinha prazo para permanecer no Poder, ficariam enquanto durasse a força militar que os mantinha.

Surpreenderam o Brasil e o mundo com a modificação. Instalavam uma ditadura fixa, mas com um ditador rotativo. Até então era inimaginável. (Isto jamais foi escrito ou comentado). Criaram também quatro itens que pretendiam, com arrogância e autoritarismo, regular e submeter quem poderia ser presidente (“presidente”, com aspas) e como deveriam se comportar.

1 – O presidente teria que ser general. Com isso liquidavam a concorrência dos que falavam em Forças Armadas.
2 – General de 4 estrelas.
3 – Da ativa, assim, simples e taxativo.
4 – Não poderiam tentar a reeleição de forma alguma, teriam que passar o cargo a alguém que preenchesse os itens anteriores.

Mas como é difícil, praticamente impossível planejar para um futuro distante e imprevisível, os fatos se recusam a acontecer, são modificados até de forma instantânea. Foi o que aconteceu com a ditadura brasileira. Acertaram na longevidade no Poder, também não empossaram ninguém que não fosse general. Mas como em todos os lugares, eles se estraçalhavam. Não davam vez aos civis, mas brigavam ostensivamente entre eles.


O PODER INSUPERÁVEL DOS MINISTROS DA GUERRA

Castelo Branco surgiu do nada e do desconhecido. E até do desprezível. Na FEB era tenente-coronel, comandante das forças que teriam que tomar o Monte Castelo. Cometeu erros de principiante. Contestado ali mesmo, chorou em público, confessou as leviandades militares. 

Mais tarde, o general Floriano de Lima Brayner, chefe do Estado-Maior do comandante-geral, Marechal Mascarenhas de Moraes, escreveu dois livros terríveis a respeito de Castelo e da sua incompetência e imprudência militar em ação. Em 1955, como chefe da Casa Militar do presidente Nereu Ramos, o general reafirmou tudo. Castelo não pôde se defender. Mas também não poderia ser “presidente”, com aspas ou sem aspas.

Dois nomes eram cotadíssimos para chefiar o governo golpista. Costa e Silva favoritíssimo, conspirava desde o início como comandante do II Exército. O outro, Cordeiro de Farias, pelos títulos. Participou da FEB como general (poucos estiveram lá, dos que foram “presidentes”, a não ser Castelo, com as restrições que mostrei). Interventor no Rio Grande do Sul, governador eleito pelo voto direto em Pernambuco, só que chegou tarde ao Rio (onde tudo acontecia), foi preterido. Ganhou um ministério civil, ficou ultrapassado.

em primeiro plano da esquerda pra direita: Costa e Silva, Ernesto Geisel e Castelo Branco


COSTA E SILVA NÃO SE CONFORMOU

Desesperado, assistiu de longe as articulações de Castelo, as conversas e as promessas a Juscelino, a posse em 9 de abril. Garantiu o Poder com a conquista do Ministério da Guerra. Não perdia a oportunidade de deixar bem claro que quem mandava era ele, e seria sucessor de Castelo.

Planejou viagem ao exterior, os amigos advertiam que podia ser demitido enquanto viajava. Foi, no aeroporto garantiu a manchete de todos os jornais, retumbando de forma arrogante: “Embarco ministro e volto ministro”. Foi o que aconteceu.

Nas ditaduras, o ministro da Guerra garante o “presidente”, mas é obrigatoriamente o seu sucessor. Foi mantida a regra. Castelo tinha candidatos (no plural), teve que empossar Costa e Silva. Mas este, impensada e imprudentemente, nomeou ministro da Guerra o general Lira Tavares, um intelectual sem tropas.

Entrou para a Academia, mas tarde embaixador na França. Não sucedeu a Costa e Silva, mas também não o garantiu. E quando, no meio do mandato, Costa e Silva teve o AVC que seria fatal, logo “decretaram que estava incapacitado”. O que iria fazer um general-intelectual, contra os inimigos da Costa e Silva, todos armados e entrincheirados?


OS GOLPES DENTRO DO GOLPE

Garantida a posse de Costa e Silva, Ernesto Geisel, apavorado, foi promovido a general de quatro estrelas e um mês depois estava no Superior Tribunal Militar, protegido de possível perseguição de Costa e Silva. Golbery, general da reserva, foi para o Tribunal de Contas, também vitalício.

Aí, em julho ainda de 1967, dois fatos rigorosamente inesperados, inexplicáveis, imprevisíveis.

1 – Castelo Branco morre num desastre de avião no Ceará.
2 – No seu velório no Clube Militar e em reuniões fechadíssimas num escritório da Pedro Lessa (ali pegado), “confraternização” geral. Militares e civis se juntam. Linha-dura e castelistas que sempre se hostilizaram conversam. Há um consenso de que “as coisas não podem continuar como estão”.

Surgia a tão desejada "unanimidade": 1964 voltaria a ser o denominador comum, com a cara que quase todos queriam, linha-dura e castelistas irmanados, perseguindo o que chamavam de “verdadeira revolução”.
Não se falou em AI-5, claro. Mas foram designadas 5 pessoas (2 civis e 3 militares) para “acelerarem as coisas”. Foram identificados os “amigos” e os “inimigos”, uma única decisão definitiva: “Deveria haver o maior sigilo, o presidente Costa e Silva não poderia saber de coisa alguma, não merecia mais a confiança de ninguém”.

Costa e Silva realmente não soube de nada. Cercado pela mais completa mediocridade, civil e militar, gastava o tempo com filmes de bangue-bangue e informes “colhidos” por Gama e Silva, que jamais se transformavam em “informações”. Mais ou menos em abril de 1968, “descobriam” o pretexto, Costa e Silva e o governo não souberam de nada.

Licença para processar deputado, heroísmo de Djalma Marinho, liderança de Daniel Krieger contra o golpe, manobras na Câmara, e Costa e Silva, isolado, ignorado, desprezado. Dias antes, inesperadamente recebe Krieger (que era boicotado), sabe das coisas, não podia fazer mais nada. O problema chegou oficialmente a ele no dia 12 de dezembro, quando a Câmara votou e negou a licença para processar Marcio Moreira Alves

Incapacitado Costa e Silva, com o vice Pedro Aleixo sem poder assumir, incapacitado (sem aspas) por ser civil, empossaram uma Junta (os Três Patetas”), com um general, um brigadeiro, um almirante. Imediatamente. Ernesto Geisel e Golbery se aposentaram, voltaram para a militância política que jamais abandonaram.


A DERROTA DO FAVORITO - ORLANDO GEISEL

Para a “eleição”, pela primeira vez colocaram urnas nas unidades do Exército, Marinha e Aeronáutica, mas os candidatos eram apenas dois generais: Orlando Geisel e Afonso Albuquerque Lima. Favoritíssimo, Geisel perdeu para o nacionalista Albuquerque Lima, de grande prestígio. Mas logo os irmãos Geisel, coma participação fundamental de Golbery, deram o golpe, inventaram uma crise militar.

“Queimado”, Geisel fez esta declaração pública: “Albuquerque Lima não pode ser presidente. Como é que eu, que tenho quatro estrelas, vou bater continência para um PRESIDENTE de três estrelas?”. Valia tudo.


A “DESCOBERTA” DE MÉDICI, QUATRO ESTRELAS E DO SNI

Lembrado o nome dele, recusou. Não queria mesmo. Tendo sido nomeado representante do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, em Washington, ficou poucos meses. Veio embora. “Estava muito chato”, era o que dizia aos amigos, sobre um dos cargos militares mais disputados. Insistiram, insistiram, aceitou ser “presidente”. Como só tinha um inimigo, o general Golbery, fez só esta pergunta a Orlando Geisel: “Quais são as relações entre vocês dois?”.

Orlando Geisel, encarregado da articulação, respondeu: “Não nos falamos há anos”. Estavam juntos todos os dias, mas Orlando Geisel queria Médici “presidente”, assim ele seria ministro da Guerra todo-poderoso, o que aconteceu
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NUNCA SE TORTUROU TANTO, TODOS SABIAM, CRESCIA O DOI-CODI

Continuou a tortura, só que passou a ser institucionalizada. Já existia o DOI-CODI, versão carioca da paulista OBAN. Só que a violência aumentou muito. A impressão que se tinha é que Médici não sabia de nada, mas era impossível. A tortura era praticada no país inteiro, mas no Rio e em São Paulo ganhou níveis sem precedentes.

Golbery ficou mais de 4 anos, atuante, preparando a candidatura Ernesto Geisel, sem que Médici percebesse. Ele havia comprado em Brasília uma chácara maravilhosa, de lá articulava tudo. Era presidente da Dow Chemical, a poderosa fabricantes de napalm, um arma incendiária mortífera e assassina. No governo de Ernesto Geisel, mandou de verdade.


AS CRISES QUE ABALARAM OS GENERAIS TORTURADORES

A de 1975, o assassinato de Herzog, não foi a primeira, mas a mais rumorosa. A ação direta e fulminante (já contada aqui) do próprio “presidente”, salvou seu mandato, mas prolongou a ditadura. Havia muito descontentamento, o golpe que dividira os generais desde o início, passou a ser contestado. O ministro da Guerra, Silvio Frota, queria ser o sucessor de Geisel, chefiou o movimento contra ele, em outubro de 1978. Foi derrotado.

O chefe da Casa Militar de Geisel, Hugo Abreu, outro que queria ser “presidente”, só que ninguém tinha apoio dele. Também foi repudiado, não foi promovido, levou “carona”, teve que ir para a reserva. E Geisel escolheu João Figueiredo, outro general chefe do SNI.

Silvio Frota escreveu ou publicou um livro até interessante, só que não se livrou da raiva contra Geisel, visível nesta frase: “Eu sempre soube que Ernesto Geisel era comunista”. Figueiredo teve problemas de toda ordem, precisou até se operar no exterior.

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PS – Todo o governo de Figueiredo foi dominado pelo general Octavio Medeiros, que na primeira linha destas notas, aponto como sucessor dele.
PS2 – Era quatro estrelas e chefe do SNI. Parecia que todos tinham que surgir de lá.
PS3 – A sucessão que não houve, o massacre da Tribuna e a tragédia do Riocentro, planejadas e comandadas por ele.
PS4 – A última palavra ainda não foi dada, isso cabe à Comissão da Verdade. Que parece oscilar para um lado ou para o outro. Até quando?

2 comentários:

  1. Eu continuo com a minha tese de que não foi "o golpe militar", foi "o último golpe militar". Acabo de ler o livro "1889", depois dos dois tomos do "Getúlio", e me parece claro que as raízes disso tudo são muito mais profundas.

    A propósito, segue um bom texto a respeito do mesmo assunto: "O pensamento militar brasileiro".

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/militar2.html

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  2. Muito bom esse apanhado histórico, Elvis... ainda ñ li todo, mas até onde cheguei me pareceu de "buen sonido"...

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