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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Vamos em frente com coisas mais sérias: Brasil "com vantagem"



Entrevista concedida à Carta Capital, transcrita pelo blog Democracia & Politica



“Um dos mais respeitados professores da Universidade Harvard, titular de Política Econômica Internacional da “Escola John F. Kennedy”, o economista de origem turca Dani Rodrik integra um grupo consistente (e crescente) de analistas críticos aos programas de austeridade adotados na Zona do Euro. "O que acontece na Europa é um assalto à democracia", define.

Autor de “Has the Globalization Gone Too Far” (1997), “One Economics, Many Recipes” (2007) e “The Globalization Paradox” (2011), Rodrik concedeu a entrevista a seguir em seu escritório em Cambridge antes da polêmica sobre o erro de cálculo cometido pelos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff em estudo a respeito da relação entre endividamento e crescimento econômico, na verdade um libelo em defesa das políticas de austeridade preconizadas por conservadores e aplicadas na Europa com os resultados até aqui conhecidos. Um dia antes da entrevista, o acadêmico postara, no entanto, o seguinte comentário no Twitter sobre o lançamento de "Austerity: The History of a Dangerous Idea”, do diretor dos programas de graduação em Relações Internacionais e Estudos de Desenvolvimento da “Universidade de Brown”, Mark Blyth: “Foi preciso um cientista social para denunciar a insanidade das políticas econômicas baseadas na austeridade”.

Segundo o economista, a era dos “milagres econômicos” passou, o crescimento das economias tende a ser mais lento, mas os países com forte mercado interno e projetos de inclusão social estão em melhor posição para avançar. “O Brasil segue como uma dessas nações”, afirma.

Rodrik será o principal palestrante do 1º Fórum de Economia promovido pela revista “CartaCapital”. O seminário acontece na terça-feira 7, no Hotel Renaissance, em São Paulo, a partir das 9 da manhã. Após sua exposição, o economista responderá a perguntas do ex-ministro Delfim Netto e de Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial de “CartaCapital”.

Leia a seguir a íntegra da entrevista, concedida a Eduardo Graça:

Carta Capital: O senhor escreveu há um ano que países como Brasil, Índia e Coreia do Sul estão em posição melhor do que os demais para enfrentar os novos desafios econômicos globais. Continua a ter a mesma opinião sobre o Brasil?

Dani Rodrik: 
Sim. Obviamente o Brasil não teve um ano bom em termos de crescimento econômico. Mas não acho que deveríamos ser obcecados com variações anuais do PIB. Deveríamos, na verdade, estar prontos para crescimentos menores globais nas próximas décadas. O contexto global será menos propício a expansões econômicas significativas, se compararmos com o cenário dos últimos 25 anos. Mesmo países cujas economias vão relativamente bem experimentarão ventos bravios. Nesse contexto, países com grande mercado interno, que investem na inclusão social e se beneficiam mais de um dinamismo real de sua economia do que da súbita entrada de capital e dos humores do mercado, no âmbito de uma democracia robusta, estarão em melhor posição para atravessar os tempos duros. O Brasil, há um ano e hoje também, segue como uma dessas nações.

Não se pode julgar a economia de um país por um ano ruim, como o senhor diz. Mas há a percepção neste momento de que o Brasil deixou de ser um favorito do mercado. O senhor vê razão para essa mudança?

Os humores das finanças globais e dos investidores internacionais variam muito. A pergunta aqui é: como os investidores brasileiros, os empresários brasileiros, os industriais brasileiros, veem a economia nacional? Tenho certeza de que eles terão uma série de queixas, mas eu pediria que refletissem sobre essa questão de forma global. Eles estariam em situação melhor na Rússia, na Turquia, na Venezuela?

O índice de desemprego no Brasil bateu um recorde histórico de baixa e a inflação se mantém em patamar um pouco incômodo. Economistas do país defendem aumentar o desemprego para conter os preços. O que o senhor acha?

Discordo completamente dessa linha de raciocínio. As políticas sociais implantadas pelo Brasil nas últimas décadas são importantíssimas, por vários aspectos. Primeiramente, elas são uma resposta coerente às demandas sociopolíticas da sociedade brasileira. Elas também constroem paulatinamente legitimidade para o modelo democrático brasileiro. Esses são dois objetivos de suma importância. Além disso, elas fortalecem as credenciais econômicas do Brasil. Repito: há um novo cenário econômico global em que o peso do mercado doméstico é cada vez maior. Quanto mais consumidores, quanto maior a classe média, mais diversa e saudável sua estrutura econômica será. A estratégia de crescimento econômico brasileiro precisa necessariamente passar pelo fortalecimento dessa nova classe média. É claro que toda essa transformação precisa se dar em cenário fiscal sustentável, mas não vejo os níveis de dívida no Brasil ingovernáveis. A não ser que o Brasil cresça muito pouco, mas muito pouco mesmo, nos próximos anos, não vejo sinais no horizonte que justifiquem essas medidas.

Segundo o senhor, chegamos ao fim da era dos milagres econômicos e de agora em diante o crescimento será fruto de investimento cada vez maior em capital humano. O Brasil tem grave problema educacional. É um empecilho, não?

Sim. Crescimento econômico como aquele registrado no Brasil e outros países nos anos 60 e 70 não haverá mais. Foi uma espécie de crescimento sem grande esforço. Você poderia colocar um trabalhador rural com pouquíssima educação em uma fábrica de sapatos e, imediatamente, triplicar a produtividade e o lucro. Só era necessário algum capital de investimento para as fábricas. No Brasil, esse investimento, como sabemos, deu-se com uma alta carga protecionista. Esse caminho acabou. O tipo de trabalho que gera crescimento hoje necessita muito mais especialização e consistência de investimento de capital. Além disso, exige uma série de regulamentações e instituições muito mais sofisticadas do que no passado. O crescimento não será imediato e precisará, em sua maioria, vir do setor privado em cooperação com os setores públicos. Vejo, cada vez menos, uma demarcação clara de onde se é público, onde se é privado.

Um dos tópicos debatidos no mais recente encontro dos chamados BRICS, na África do Sul, foi a criação de um Banco Mundial dos países emergentes. Também se falou de uma opção ao FMI. Qual o significado dessas iniciativas?

São propostas inegavelmente importantes e que podem ter impacto na economia global. Mas gostaria de ver o foco dos BRICS na geração de novas ideias e novas estratégias de desenvolvimento voltadas especificamente para mercados emergentes. Os BRICS deveriam deixar de se pautar pelo mercado financeiro e pelos fluxos de capitais e investimentos. A economia global não precisa de mais instituições de financiamento. Da perspectiva dos mercados emergentes, é preciso mais e melhores ideias. Precisamos do enfraquecimento da hegemonia das instituições criadas pelos países desenvolvidos, inclusive desta em que estamos, Harvard, em oferecer ideias que os demais necessariamente discutem, seguem, aplicam. Já é tempo de os BRICS terem confiança para contribuir de forma decisiva no universo do pensamento econômico e social. Não precisamos de mais um fundo de investimentos, e sim de linhas de pensamento diversificadas daquelas do “centro”.

Como o senhor vê o efeito do impasse ideológico entre democratas e republicanos na maior economia do planeta?

O efeito dessa batalha é extremamente debilitante para a economia norte-americana. E é muito difícil para um observador local não se mostrar pessimista ante essa disputa ideológica divorciada da realidade, dos fatos. Por outro lado, precisamos levar em conta a longa tradição política americana do pragmatismo. Essa característica possibilita certa margem de movimentação distante do asfixiamento ideológico de Washington. Desde os anos 80, os Estados Unidos eram vistos como um paraíso fundamentalista do livre-mercado. No dia a dia, você percebe o pragmatismo no tamanho da intervenção do Estado, em níveis federal, estadual e local, na economia do país, em colaboração com o setor privado. Vê-se esse pragmatismo na prática, por exemplo, no estabelecimento de uma política industrial nacional, com incentivos a novos empreendimentos e a projetos inovadores. Minha esperança é de que a tradição do pragmatismo fale mais alto do que o impasse ideológico.

Qual o papel das escolas de pensamento econômico dos EUA nessa guerra de ideias que atravanca o crescimento da economia americana?

Criticam-se os economistas por não termos visão estratégica, por nos tornarmos tecnocratas, menos visionários. Talvez isso seja bom. Economistas visionários tendem a causar mais danos do que avanços. O último grande visionário americano foi Milton Friedman, um senhor economista, que conseguiu mudar a política econômica global de forma decisiva, e de forma positiva em vários aspectos. Mas sua visão de um sistema de mercado em competição com o governo, da impossibilidade de um ser o complemento do outro, do Estado compreendido como inimigo do mercado, ainda nos custa muito nos dias de hoje. Espero que os economistas sejam os generais de um exército no rumo certo, mas não os vejo necessariamente como os líderes da batalha.

O senhor escreveu recentemente no Twitter, ao receber o livro “Austerity: The History of a Dangerous Idea”, de Mark Blyth, que “precisávamos de um cientista social para nos falar da insanidade das políticas econômicas de austeridade”. É esta a palavra correta, insanidade?

É difícil encontrar outra. É uma ilusão, baseada em atitudes morais e políticas independentes da economia. A economia é clara. Quem continuar a argumentar em favor de uma política econômica baseada em austeridade fiscal nos Estados Unidos, por exemplo, o fará por questões morais – quem pegou emprestado deve pagar, é sua vez de sofrer, similar à lógica dos alemães em relação aos espanhóis e gregos na Comunidade Europeia – ou por uma concepção política oportunista, a de se usar o momento econômico para diminuir o papel do Estado. É o uso político-ideológico da crise econômica.

O senhor acredita na inevitabilidade do tão falado declínio político e econômico dos EUA?

Declínio é um exagero e o futuro dos Estados Unidos passará pelo resultado dessa luta entre o pragmatismo e as ideologias conflitantes das quais falávamos há pouco. Mas sou otimista em relação ao futuro americano, especialmente se comparado com o Japão e a Comunidade Europeia. As novas descobertas de petróleo e gás natural são um fator importante. O país seguirá sendo um farol de inovação, diversidade e liberdade para o restante do planeta.

O BRICS fala em incrementar transações comerciais sem passar pelo dólar. O senhor crê que a moeda americana deixará de ser a unidade monetária padrão para negócios planetários no futuro?

Essa transformação é inevitável. O papel do dólar será diminuto, mas ele seguirá como uma das mais importantes moedas internacionais, fundamental para as reservas de muitos países. Esse declínio não terá, porém, grande relevância para a economia internacional.

O avanço militar da China e as tensões com seus vizinhos do Pacífico, mais do que a redução do ritmo de crescimento do país, podem ser um complicador para o cenário econômico global?

Politicamente, o avanço chinês representa a dissolução do cerco de segurança norte-americano no Pacífico e é reflexo do fim da ordem americano-europeia global. É um novo mundo onde a China não é apenas uma potência econômica, mas política e militar. O mistério é como a China exercerá sua influência global. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a hegemonia americana deu-se pela projeção de seu poder baseado em um sistema democrático interno. Foi, de certa forma, um exercício de poder liberal. Obviamente, quando impuseram a visão americana em instituições criadas nos Acordos de Bretton Woods, o beneficiário maior foram os Estados Unidos. Mas regras de transparência, de não-discriminação, foram princípios que beneficiaram todo o planeta. O receio é que os princípios chineses ignorem a ideia global, valorizem a falta de transparência, o aumento da burocracia, os acordos caso a caso, o que não beneficiaria a comunidade internacional. Brasil e Índia, os dois países democráticos do BRICS, são peças importantíssimas nesse tabuleiro. Quando Brasil e Índia usam seu poderio econômico de forma global, é importante perceber se eles estão de fato projetando os valores de suas vibrantes democracias. Para o futuro da economia global, seria fundamental que o fizessem.

Em seu mais recente livro, “O Paradoxo da Globalização”, o senhor defende a impossibilidade de países serem ao mesmo tempo democracias modernas, contarem com uma economia globalizada e manterem um senso de soberania nacional. O que observamos na Espanha, Portugal, Grécia e Chipre é a ausência de democracia nas decisões econômicas praticadas pelas lideranças desses países?

Sem dúvida, o que acontece na Europa hoje é um assalto à democracia. Quando elaborei esse tripé, há mais de dez anos, não poderia adivinhar a crise da Comunidade Europeia, um exemplo vivo do que propus. O que vemos nesses países é a entrega do poder decisório democrático a Bruxelas e Berlim, que não representam o destino dos cidadãos espanhóis, portugueses, cipriotas e gregos. É algo semelhante ao século 19, quando a política econômica estava em piloto automático, imposta pelas regras do padrão-ouro, não importando os índices de desemprego, a deflação ou o sofrimento dos trabalhadores rurais. Não havia como o Estado se mover. O mesmo se vê agora na Zona do Euro.

O estabelecimento de governos tecnocratas, como as experiências de Grécia e Itália, é uma solução possível para a crise?

Não. São experiências temporárias, não soluções de longo prazo. A democracia também serve a uma função econômica. Tecnocratas deslocados dos eleitores não são garantia alguma de estabelecimento de políticas que levem em conta o desejo da maioria. Você apenas joga com a sorte. A questão europeia é saber qual das três pontas do tripé se manterá. As economias da periferia continuarão a se submeter à ideia de que só há uma regra econômica possível, manter-se na Zona do Euro, seguindo as regras de Berlim e Bruxelas, como se estivessem no século 19? Ou a Comunidade Europeia será mais parecida com os EUA, terá um caráter mais federativo, em que o peso da realidade local será levado em conta? Infelizmente, essa janela para a grande transição europeia, neste momento, parece-me improvável, pois exigiria enorme investimento institucional e grande desapego de lideranças. A outra opção é a saída de alguns países da Zona do Euro, mais provável hoje.

Quais os impactos na economia mundial do encolhimento da Comunidade Europeia?

Seja qual for a solução encontrada, a Zona do Euro continuará a complicar o cenário econômico global. A saída de Grécia e Chipre, por exemplo, da Zona do Euro, após o choque inicial, pode ser boa tanto para a Comunidade Europeia quanto para a economia global.”

terça-feira, 30 de julho de 2013

E a Globosta capturou Chico Papa

por Paulo Henrique Amorim, no Conversa Afiada



O Bonner vai espargir essência de rosas no cenário, logo antes do jornal nacional.

Os homossexuais serão banidos da novela das oito.

O Boninho vai exigir recolocação do hímen das participantes do BBB, se necessário.

No refeitório está proibido servir cabelo de anjo.

O Na Moral do Bial vai substituir o tema da legalização da maconha por “as virtudes da monogamia” – com o mesmo entrevistado, o FHC.

As assistentes de palco do Faustão passarão a trajar o vestido da Cassia Kiss num dos Passos da Paixão.

As “meninas do Jô” terão que se confessar a ele, de público.

E um dos filhos do Roberto Marinho – talvez o primogênito – se recolherá, para sempre, a um convento em Capri.

Todas essas considerações se devem ao fenômeno da cobertura da Globo à visita do Papa.

Nem a TV do Vaticano seria capaz de tal proeza.

A Globo chegou ao extremo de dedicar ao Papa o mesmo tratamento que dedicou à doença infantil do transportismo, de forma a transformar o movimento numa tentativa de Golpe de Estado .


Por que a Globo chegou a essa devoção avassaladora ?

Horas e horas de cobertura, sem encaixe comercial.

Dedicação exclusiva dos telejornais (sic).

O que deu na Globo ?

Converteu-se à Virtude ?

Botou Fé no Papa ?

E logo agora que é cercada pela Receita Federal e pelo ECAD ?

Aqui vão algumas explicações que não se comparam às dos “analistas do Papa” que a Globo exibiu nessa Olimpíada Papalina.

Não eram tantos quanto os “analistas de tabela” que a Globo usa para confirmar o placar dos jogos que exibe, com exclusividade.

A Globo, primeiro, precisa se aproximar do “jovem”.

Afinal, trata-se de uma Jornada da Juventude.

E, como se sabe, os jovens até 24 anos não assistem mais ao principal produto da Globo – a novela.

(Muito menos o que vem entre duas, o jn…)

Portanto, a simples passagem do tempo desmontará o “business plan” da Globo.

A Globo precisa demonstrar agilidade, capacidade de sair às ruas, se aproximar do espectador.

É o que está implícito na nova estratégia: detonar dinheiro para fazer coberturas ao vivo e mostrar que a Patricia Poeta é capaz de vestir uma capa Burberry na praia de Copacabana …

Sim, perto do povo, mas nem tanto …

A Globo precisa exibir seus microfones com logotipo, nas ruas.

E entre cristãos não precisaria encapuzá-los.

A Globo precisa se associar a uma ideia vencedora: a vinda do Papa.

E espinafrar os administradores públicos, com a anuência do prefeito do Rio, Eduardo Paes, que, como o Governador, governa para a colona (*) do Ancelmo.

(O Prefeito fez o serviço da Globo, ao dar “nota zero” à administração da Jornada: era o que a Globo queria ouvir.

O Papa é uma gracinha, mas o Brasil, uma m…)

A Globo precisa mostrar que é um dos pilares do Establishment, que é da elite, da Big House que governa.

E a Igreja é o Establishment no Brasil, por mais que o Papa seja um renovador, como diz o Mino .

A Globo é papalina.

E assim pretende se distinguir, se apartar dos evangélicos, os emergentes, os que ameaçam a já combalida hegemonia da Globo, quer dizer, da Igreja.

Há muito tempo a Igreja brasileira se desligou dos pobres.

Mesmo que Francisco queira ler o livro do Boff e não queimá-lo, os pontificados de João Paulo II e Bento XVI fizeram um estrago irremediável na Igreja progressista latino-americana.

Com o apoio irrestrito da Globo e seus cardeais.

Agora, a Globo pretende se associar ao progressismo – ainda por afirmar-se – de Francisco.

Mas, de uma forma que ela própria possa conduzir e interpretar.

Como fez com os ingênuos e espertos, esses que o professor Wanderley chama de niilistas.

Quando a Ilze Scamparini voltar a Roma – e o Papa a seguir -, a Globo vai dizer aos otários o que o Papa disse.

Por exemplo, vai dizer que quando ele fala em corrupção significa “Dirceu”.

Porque o propinoduto, a Privataria e a fraude na Receita não são propriamente “corrupção”, mas uma interpretação peculiar da Lei.

O progressismo do Papa ainda está provar-se.

O farisaísmo da Globo, não.

Prova-se a cada dia.

Com odor de rosas.


Em tempo: esse Bessinha …Vai ser excomungado !

Em tempo2: a audiência do Papa no horário nobre fez a alegria dos concorrentes da Globo …

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Esse não fez juramento de Hipocrates e sim de hipócrita



por Conceição Lemes, no Viomundo

Quem passa pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) nem precisa perguntar qual a posição da entidade sobre a “importação” de médicos estrangeiros.

O banner cobrindo praticamente toda a frente do edifício-sede sede, em Porto Alegre, fala por si só.



Com 15 mil associados — apenas estão fora da base Santa Maria, Rio Grande, Novo Hamburgo e Caxias –, seu presidente é o médico Paulo de Argollo Mendes. Há 15 anos no poder, ele reeleito para mais um mandato, o triênio 2013-2015.

Acordo ‘demagógico’ e ‘ideológico’’, classificou Argollo  em 7 de maio, dia seguinte à revelação do ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, de que o governo brasileiro negociava um pacto para trazer 6 mil médicos cubanos.

Em entrevista ao Viomundo, Argollo reforça: “Nós somos frontalmente contrários à vinda médicos estrangeiros, é enganação, pura demagogia. Se um médico estrangeiro cometer eventual barbaridade, quem vai pagar? É uma insegurança absoluta para o próprio paciente”.

Ele acrescenta: “O governo quer trazer médicos pela porta dos fundos, dispensando o Revalida [ Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos]. Eu fico achando que eles são incompetentes, pois se não fossem, o governo não evitava o Revalida. São médicos de segunda classe para tratar pacientes de segunda, porque é assim que o governo enxerga os pacientes do SUS”.

Felizmente, em tempos de internet, as máscaras caem muito rápido.

O presidente do Simers tem dois filhos médicos: Paulo Clemente de Argollo Mendes e Marco Antônio de Argollo Mendes. De 1997 a 2004, cursaram medicina no Instituto Superior de Ciências Médicas de Camagüey, em Cuba.

Naquela época, papai Argollo derretia-se em elogios a Cuba e à medicina cubana.





Documentos como o acima, obtidos pela Renovação Médica, possibilitaram a inscrição no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), de dezenas de médicos cubanos, sem prova de revalidação.

Em 2005, os filhos de Argollo formados em Cuba, em ações separadas, entraram na Justiça contra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, porque a UFRGS se recusou a validar automaticamente o diploma de médico de ambos.

Pleitos: registro automático do diploma independentemente do processo de revalidação e indenização de R$ 20 mil a título de danos morais sofridos. Na época, não existia ainda o Revalida. Cada universidade federal fazia a sua própria validação.

– Não é contrassenso o senhor execrar a “importação” de médicos, já que seus filhos estudaram em Cuba, entraram na Justiça para não fazer a revalidação do diploma no Brasil e ainda cobraram da Universidade Federal do Rio Grande do Sul R$ 20 mil por danos morais? – esta repórter questionou-lhe.

“Não”, diz candidamente Argollo. “Primeiro, porque eles validaram o diploma se eu não me engano em Fortaleza; foi a primeira universidade federal que abriu inscrição. Segundo, quando foram para Cuba, havia um acordo bilateral entre Brasil e Cuba para revalidação automática de diplomas. Enquanto eles estavam lá, o governo Fernando Henrique revogou esse convênio. Então, eles tinham o direito adquirido.”

Realmente, Brasil e Cuba eram signatários de um acordo, cujos Estados-Parte assumiram o compromisso de registro automático dos diplomas emitidos pelas instituições de ensino superior. No Brasil, a decisão foi promulgada pelo decreto presidencial nº 80.419, de 27 de setembro de 1977.

Porém, em 15 de janeiro de 1998, o Brasil comunicou à Unesco o término do pacto, que foi extinto exatamente um ano depois. Em 30 de março de 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) revogou o decreto nº 80.419/77.

Reiteradas decisões da Justiça Federal (AQUI, AQUI e AQUI) negaram os pleitos dos irmãos Argollo; a um deles o juiz determinou ainda o pagamento das custas e honorários advocatícios da outra parte. Alguns trechos delas:

A colação de grau do autor ocorreu em 2004 (fl. 31), ou seja, em momento posterior à revogação do Decreto Presidencial nº 80.419/77, de modo que inexiste direito adquirido ao registro do diploma independentemente de processo de revalidação.



…como, no caso, o demandante não possuía, ao tempo da edição do Decreto nº 3.007/99, o diploma expedido pela universidade estrangeira, não há como pretender valer-se das disposições da convenção internacional para eximir-se do cumprimento dos requisitos exigidos pela legislação pátria.



Resolução nº 1, de 28 de Janeiro de 2002, a realização de avaliação é necessária para verificar o real preparo do estrangeiro. Nesse sentido, deve o autor prestar a referida avaliação para obter a revalidação de seu diploma.

Conclusão: os filhos de Argollo são médicos ” importados” de Cuba e tentaram entrar pela porta dos fundos, já que não queriam validar o diploma no Brasil.

Será que, em função disso, a priori, os filhos mereceriam ser tachados de incompetentes e médicos de segunda classe, como o pai-sindicalista tenta carimbar hoje os “estrangeiros”?

Argollo, relembramos, acusou ainda o anunciado acordo Brasil-Cuba de ser “ideológico”.

Então, será que quando os filhos estudaram no Instituto Superior de Ciências Médicas de Camagüey, ele não sabia que o regime político de Cuba é o comunismo? Ou será que foi enganado pela propaganda vermelha?

O pior de tudo é o egoismo




por Paulo Moreira Leite, em seu blog na IstoÉ




O mais espantoso na mobilização dos médicos contra o plano do governo de contratar 12 000 profissionais para trabalhar em regiões pobres do país não é seu caráter egoísta.

Vivemos num mundo de ambições individuais exacerbadas e muita vontade de enriquecer. Adam Smith, um dos pioneiros no estudo do capitalismo, dizia já no século XVIII que o progresso de uma sociedade era fruto da soma de seus egoísmos individuais.

O problema é o caráter distorcido do debate. Os egoísmos não podem ser ilimitados nem beneficiar um lado só, pois podem criar patologias morais e sociais.

Resumindo um pouco o problema: os médicos querem que uma imensa parcela de brasileiros continue pagando as dores de um sistema de saúde desigual e ineficiente – na esperança de que os doutores possam proteger as carreiras e manter o modo de vida. Nascido e criado numa família de médicos em várias gerações, sou um admirador desses profissionais e respeito uma opção de vida que envolve uma inegável capacidade de dedicação a pessoas em situação de risco.

O debate não é este, porém.

O principal argumento das entidades médicas nada mais é do que uma forma de desviar a discussão para ganhar tempo e, com simpatia dos meios de comunicação e ajuda do STF, impedir uma medida que, sem resolver todos os problemas da saúde do país, pode trazer diversos benefícios palpáveis para a maioria da população – sem que se possa apontar uma única contraindicação.

Diz-se que não adianta contratar médicos sem melhorar a infraestrutura da saúde pública. É certo que é preciso construir novos hospitais, adquirir equipamentos e também reforçar equipes de apoio. Mas toda pessoa que já foi a um consultório num quartinho de periferia com uma criança doente no colo – pode ser na novela ou na vida real -- sabe a diferença entre encontrar um médico, recém-formado, gaguejante, e uma porta fechada.

O governo quer mandar médicos para lugares abandonados por nossos doutores. Detalhe: no pleno exercício de suas sempre compreensíveis ambições individuais e gozando de absoluta liberdade individual, os médicos não estão lá, nunca foram para lá e a maioria não pretende colocar os pés por ali. Não querem estes empregos – considerados ruins e sem perspectiva de ascensão -- que o Estado oferece e que tanta gente necessita que sejam preenchidos.

Para convencer uma parcela a mudar de ideia, o governo oferece um salário bom, de R$ 10 000, e tem a garantia de que as prefeituras vão garantir hospedagem e comida. Nada menos que 2500 prefeitos já deixaram claro que não apenas apoiam o programa mas exigem que seja encaminhado o quanto antes.

Não é uma solução perfeita mas a alternativa é o inferno atual como perspectiva. Com a saúde da população numa posição de dependência cada vez maior dos movimentos do mercado dos egoísmos, o país não só tem poucos médicos, mas eles estão mal distribuídos. Os cálculos mais otimistas das próprias entidades médicas dizem que seria preciso esperar dez anos para que o país tenha – na média -- o número adequado de médicos para a população. Os pessimistas falam em 20 e até 30 anos.

Por trás desses números, estamos falando de homens, mulheres e, especialmente, de crianças. São vidas humanas que poderiam ser salvas, todos os dias, pela presença de um médico – capaz de diagnosticar uma diarreia, um câncer a tempo de ser tratado, uma gripe que pode se transformar em pneumonia. Vamos esperar no mínimo dez anos para, teoricamente, ter uma situação um pouco melhor? Quantas milhares de mortes sem necessidade teremos até lá?


terça-feira, 23 de julho de 2013

The Weather is under change: Jethro Tull

Corporativismo médico brazuca é uma tragédia moral



Walquíria Leão Rego(*), no GGN

Nos dias tensos e intensos que o país vive nas últimas semanas em virtude da emergência de vários fatores, a incerteza sobre os destinos da economia e, em especial, as manifestações massivas dos jovens de classe média, abriram a caixa de Pandora do país, expondo seus males históricos e estruturais, entre eles, a precariedade absurda da mobilidade urbana das grandes metrópoles. O Movimento Passe Livre (MPL), que fez as primeiras convocações, teve uma adesão enorme e, com isto, tornou público o sofrimento cotidiano da ida e vinda ao trabalho de milhares de pessoas que padecem horas em trens, metrôs e ônibus superlotados, pagando caro por um serviço indigno.

A magnitude das manifestações pareceu a muitos um raio em céu azul. Penso que surpreendeu a todos. Ainda estamos ensurdecidos e perplexos com a forma como tomaram as ruas, e mais ainda com a violência da repressão policial que se abateu sobre elas, em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro, ampliando ainda mais o número de manifestantes. A geração de 1968 não teve como não se lembrar das pancadarias que viveu sob a ditadura militar a cada protesto coletivo realizado.

Os manifestantes escancararam a precariedade da prestação de todos os serviços públicos. No bojo da explosão reivindicatória, em que a questão da Saúde Pública compareceu fortemente, tornou-se público, ou mais difundido, o projeto governamental Mais Médicos, que se apresentara inicialmente como a necessidade emergencial de contratação de médicos estrangeiros diante da carência desses profissionais no Brasil. Logo mais, a proposta de inclusão de um estágio no SUS de dois anos, com certa semelhança à residência médica. Depois disto o governo anunciou a precedência nos contratos para médicos brasileiros, com salários de R$ 10.000, casa e alimentação para a família, desde que aceitassem trabalhar nas regiões brasileiras mais carentes destes profissionais. O que se viu diante dessas propostas? Passeatas de jovens estudantes de medicina contestando com veemência retórica e gestual o projeto governamental. Alguns cartazes exibidos foram escritos com dizeres de um grotesco assustador, além de escancararem preconceitos de várias ordens.

Um dos males de nossa caixa de Pandora reside na péssima formação cívica que guardamos como herança intocável de nossa formação. Habita soberana entre nós uma enorme ausência de qualquer coisa como espírito público e republicanismo. Aspecto ressaltado por todos os nossos clássicos. Imediatamente, mesmo se consideramos que o projeto foi apresentado de modo inábil, ou sem a devida discussão com a sociedade e com os movimentos sociais, a grande mídia não teceu nenhuma crítica à falta de civic culture dos nossos doutores. Ao contrário, em vez de se preocupar com a sorte dos sem-médicos, entrou em cena desqualificando completamente as propostas, e com isto reforçando o já poderosíssimo corporativismo médico.

Todos conhecem no Brasil a força dessa corporação e a “eficácia de sua voz”, para usar um conceito do economista Albert Hirchsmann. É bom lembrar que os que tiveram o privilégio de estudar nas universidades públicas – infelizmente no Brasil ingressar em uma universidade pública, e muito mais em um curso de medicina, constitui um privilégio, e não um direito universal – tiveram seu curso pago com dinheiro de todos nós. È o povo brasileiro que paga os doutorados e pós-doutorados no exterior e o resultado deste investimento da nação foi excelente: temos ótimos médicos. A medicina brasileira não deve nada aos melhores centros médicos de excelência mundial. Contudo, no interior deste processo de formação de médicos de alta qualidade técnica se oculta uma grande tragédia. Essa medicina está concentrada nas regiões ricas do país e serve a pouquíssimos brasileiros, ou melhor, serve aos ricos.

Na outra ponta da nação existem milhões de brasileiros cujas vozes e grandes sofrimentos ninguém ouve, pois a grande mídia não fala deles, são invisíveis, são silenciados exatamente pela sua pobreza. Estes não têm médicos. Centenas de cidadezinhas não dispõem de nenhum profissional para socorros emergenciais e para salvar vidas. Estão alijadas do sistema de saúde porque são vítimas de uma mentalidade e de uma visão de profissão elitista e individualista. Existem outras formas mais nobres de enxergar a medicina – por exemplo, a de uma organização como Médico Sem Fronteiras, que enfrenta situações mais duras em países em guerra, como o Afeganistão e outros, totalmente desprovidos de qualquer estrutura de equipamentos médicos. Salvo engano, são considerados excelentes profissionais. Mas esta é outra história.

Em uma viagem de pesquisa, nos fundões da Bahia, entrevistei uma mulher que chegara aos 50 anos sem conhecer este personagem, o médico. Passara a vida em curandeiros/as e ingerindo as tais garrafadas “medicinais”. Nossa tragédia neste campo não para aí. A pergunta que temos na garganta é: por que os médicos agem de forma tão desumana, se recusando a sair das grandes e médias cidades para salvar vidas e, com isto, respeitar o direito mais elementar dos homens, o direito à vida?

Esta questão se desdobra na constituição de uma medicina sem alma, calcada em uma ideologia absolutamente mercantil da profissão. Tal processo formativo modela a expectativa entre os jovens candidatos a médicos, que se tornam pessoas, donas de atitudes e sentimentos desprovidas de qualquer compromisso com seus concidadãos, com seu país.

Justíssima a posição de vários deles de dizer que o crônico problema da Saúde Pública no Brasil não se resolve apenas com mais médicos, mas com investimentos vultosos em postos de saúde, hospitais e equipamentos médicos. No entanto, as pesquisas mostram que isso não é tudo. O jornal O Estado de S. Paulo exibiu em suas páginas uma reportagem, no dia 14 de julho/2013, com a seguinte informação: “Número de médicos não segue crescimento de infraestrutura. Nos últimos cinco anos, a infraestrutura de Saúde no Brasil cresceu em ritmo mais acelerado do que o número de médicos que atendem a população.” Ainda mais, demonstra graficamente a grande defasagem entre as duas variáveis. Ou seja, existem hospitais fechados por ausência de médicos dispostos a trabalhar neles e as populações dessas cidades têm de enfrentar viagens longas para ter acesso a uma consulta em uma cidade maior. Muitas destas travessias terminam com a morte precoce de pessoas que não suportaram a viagem. E as periferias e hiperperiferias urbanas têm a mesma carência de médicos. Tornou-se comum aos doentes esperarem horas, às vezes dias, depois de viajar nos malfadados ônibus lotados e chegarem aos postos de saúde e não encontrarem médicos.

Em suma, como começar a desatar, ou para ser mais precisa com a lenda, cortar o nó górdio da ausência de médicos? Puxando algum fio, pode ser pelo caminho mais carregado de interesses particularistas, ou seja, daqueles interesses voltados à reserva de mercado e à exclusividade da pratica médica para brasileiros que não querem se deslocar dos grandes centros, portanto um profissional escasso. Isto tem um nome: chama-se manutenção de privilégios corporativos e absoluta ausência de responsabilidade moral. Começa por não se colocar uma questão simples: devolver à sociedade que pagou os seus estudos alguma dedicação a ela.

Muitos médicos com quem converso há anos sobre isso atribuem esta atitude ao tipo de formação profissional que as atuais faculdades de medicina fornecem aos seus estudantes, ou seja, as escolas formam mentes excessivamente voltadas para o mercado, para as especialidades mais rentáveis, e ignoram as necessidades do País e de seu povo. Como se sabe, muitos países adotam a contratação de médicos estrangeiros, uma vez diagnosticada a carência destes profissionais. Vejamos os nossos dados sobre a distribuição dos médicos pelo território nacional. Segundo o Ministério da Saúde, existe no País 1,8 médico por mil habitantes, ao passo que na Argentina a fração é 3,2; no Uruguai, 3,7; em Portugal, 3,9, e na Grã-Bretanha, 2,7. Portugal, que tem 4 médicos por mil habitantes, tem um programa de atração de médicos cubanos, hondurenhos e costa-riquenhos para atender nas regiões rurais. Dezessete por cento dos médicos que atuam no Canadá são estrangeiros; em algumas províncias, o número chega a 60%. Lá se atrai o médico sem a validação do diploma.

A validação do diploma e o controle da qualidade dos profissionais estrangeiros contratados deve ser um quesito inegociável. Fora disto, e da constatação absolutamente verdadeira de que o financiamento a saúde permanece precário e insuficiente, as manifestações da corporação até agora só revelam uma coisa: tratam-se de posições corporativas, estreitas, egoístas e com facetas de insensibilidade moral e social assustadoras.

Que setor profissional recebeu a oferta de começar a vida na profissão com salários de R$ 10.000 – em alguns municípios até de R$ 20.000? Ainda assim, os doutores não consideram essas vantagens suficientemente atrativas para salvar vidas nos cantos mais pobres de nosso país e de nossas grandes cidades. A nota predominante é a recusa de servir às populações mais indefesas, mais carentes. Em outras palavras, os médicos se mostram incapazes de cooperar para a melhoria da qualidade de vida dos seus concidadãos.

John Stuart Mill dizia que um dos princípios cardeais do desenvolvimento da cidadania estava na formação de pessoas com “capacidade de cooperar” na busca de melhorias para a sociedade. O que estamos assistindo, por parte da corporação médica, com as louváveis exceções de sempre, é o oposto disto. Tem prevalecido o mais absoluto individualismo negativo, aquele que é totalmente indiferente ao sofrimento socialmente evitável de seus concidadãos. Com isto, predomina a miopia ética e social e a perda completa da capacidade de olhar o outro e suas necessidades. Trata-se de um caso – ou de mais um caso – de escancaramento de incapacidade cooperativa no país.

Outro grande autor, Antonio Gramsci insistia que se deter apenas no momento corporativo da ação coletiva significa que o interesse geral jamais será contemplado. O particularismo dos interesses se torna quase uma segunda natureza, que endurece as pessoas a tal ponto que a vida e a morte do outro passa a não fazer parte do seu universo mental.

Como na abertura da caixa de Pandora, que joga ao mundo todos os males, permaneceu no seu fundo apenas um elemento, a esperança. Mas, depois de assistir pela televisão que o grande número de inscrições para o concurso médico era maior que a oferta de vagas, e que paira no ar a suspeita da sabotagem dos doutores ao concurso, a esperança posta no fundo da nossa caixa de Pandora se metamorfoseou em pessimismo da indignação. O caso dos médicos pode se transformar em caso de polícia.

(*)professora titular de Teoria Sociológica da IFCH-Unicamp

FEBEPRIM - Festival de Besteiras de 1º Mundo








Um veterano apresentador da BBC deu o depoimento mais importante sobre o nascimento do filho de Kate Middleton e o príncipe William. Do lado de fora do hospital Saint Mary, onde a duquesa de Cambridge estava prestes a parir o herdeiro do trono, terceiro na linha sucessória, Simon McCoy dava plantão quando entrou ao vivo.

Visivelmente entediado, resolveu ser sincero e direto. “Muito mais coisas devem acontecer aqui, mas nenhuma delas é notícia. Até lá [o anúncio oficial], nós estaremos especulando, sem fatos.”

A “notícia” definitiva do nascimento é a seguinte:

  •  Uma mulher casada, em idade de ter filhos, deu à luz um menino.
  •  O acontecimento se deu após nove meses de gravidez.
  •  Ambos, mãe e criança, passam bem.
  •  Espera-se agora que o bebê cresça.

E então começa a ler, na maior, mensagens enviadas à emissora por telespectadores. “Vamos lá, BBC. As pessoas têm filhos o tempo todo. Dêem-nos o resto do noticiário”; “Que monte de besteira”. Evidentemente que ele concordava com todas elas.

McCoy não deu apenas uma aula ligeira de wit, a forma mais sofisticada de ironia, praticamente um patrimônio da Inglaterra. Se fosse no Brasil, provavelmente estaria na rua (é impensável Pedro Bial, por exemplo, fazer um desabafo do gênero num Big Brother, o maior amontoado de lixo desde a criação da conta no Twitter de Marco Feliciano).

McCoy fez o comentário mais preciso acerca da obsessão doentia com uma irrelevância — e, particularmente, com a família real inglesa. A cobertura da mídia de todo o mundo é inacreditável. A jornalista Tina Brown, do site Daily Beast, editora de quatro costados, se rejubilou com a performance de Kate: “Ela fez a coisa tradicional e nos deu um príncipe. Ela nos deu um rei.” Ainda bem que não era uma menina! Tina tomou as devidas cacetadas das feministas.

McCoy praticou jornalismo verdade. 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Corrupção - um problema histórico desde Don Sardinha

José Celso de Macedo Soares Guimarães

por José Celso de Macedo Soares Guimarães (1), em seu blog - artigo de 2009

Ao tratar deste assunto, hoje tão visível para os brasileiros,é necessário lembrar a origem do tema. O burocrata colonial português chafurdava-se na corrupção. O Ouvidor Geral, Pero Borges e o Provedor Mor, Antônio Cardoso de Barros, que aqui chegaram com Tomé de Sousa, foram acusados de desviar dinheiro do Tesouro Régio. O primeiro bispo do Brasil, Pero Fernandes Sardinha, foi acusado de perdoar pecados dos fieis em troca de dinheiro. O Tribunal da Relação da Bahia, primeiro Tribunal de Justiça do Brasil,criado em 1609, foi fechado em 1629 por corrupção.Não é de admirar, com tal origem, o que estamos vendo hoje no Brasil.Vou me ater, nestas linhas, apenas à corrupção no meio político, a forma de se elegerem e o comportamento de nossos políticos nas casas legislativas.Quais os maiores incentivadores da corrupção nos meios políticos?

Começo com o orçamento federal. A maioria dos orçamentos nos países civilizados é impositivo, isto é, verba no orçamento votada pelos parlamentares, tem que ser obrigatoriamente executada pelo executivo. No Brasil , não. O orçamento é apenas autorizável, isto é, verba posta no orçamento é gasta ou não, de acordo com a vontade do executivo. Aí começa a barganha. Deputado, no interesse de amparar seu Estado, o que é louvável, coloca no orçamento federal verba para ser utilizada no Estado.Mas, para ser liberada, depende da vontade do chefe do Executivo.Pois não, diz o Presidente: “Libero a verba desde que você vote a meu favor projeto tal”. Ai começa a corrupção de que é exemplo o “mensalão”. Por isto, afirmo que orçamentos votados nas casas legislativas não passam de peças de ficção, origem de grande corrupção. 

Para acabar com isto é necessário que os orçamentos federais, estaduais e municipais sejam impositivos,e não autorizáveis.Poderiam argumentar: congressista não tem categoria e coloca no orçamento previsões de receitas inexequíveis para satisfazer seus propósitos.Ai o problema é outro. A culpa é do eleitor que elegeu um irresponsável ou ignorante.

Mas, o que causa este problema é a iníqua distribuição dos tributos arrecadados entre União, Estados e Municípios. No Brasil, hoje,cerca de 70% dos impostos arrecadados vão para a União, 25% para os Estados e 5% para os Municípios. Isto destrói a Federação, e fonte da corrupção mencionada nestas linhas.Tivéssemos funcionando no Brasil a Federação , os orçamentos federais, estaduais e municipais espelhariam a realidade, não necessitando que os parlamentares se transformem em pedintes da Bolsa Federal, gerando a corrupção que hoje estamos vendo no Brasil.

Outro fator importante na geração da corrupção política no Brasil, é o sistema eleitoral. O atual sistema de votação proporcional obriga o candidato às Assembleias Estaduais e Câmara Federal a percorrer todo Estado, com considerável necessidade de recursos financeiros para cobrir gastos da campanha. Aí vem a corrupção. O candidato recorre a firmas particulares pedindo doações . E pensam que isto é de graça? Logo que a firma tenha algum interesse nos governos, vai cobrar do candidato o troco... Por isto sou a favor do voto distrital (2) que, alem de outras vantagens baratearia fortemente os custos de campanha, pois o candidato faria campanha somente no distrito em que for candidato.

Olhando o quadro político atual , no Brasil, estou tentado a ficar de acordo com Henri Beraud, jornalista francês: “Na política é difícil distinguir os homens capazes dos homens capazes de tudo".



NOTAS DESTE BLOG INDÍGENA:

(1) Almirante reformado, engenheiro naval, escritor, ex-presidente da Comissão de Marinha Mercante, depois SUNAMAM - Superintendência Nacional da Marinha Mercante, entre 1967 e 1969. Falecido em 29 de janeiro de 2012. É um dos poucos integrantes dos governos ditatoriais milicos que admiramos aqui neste blog. 

(2) concordo só parcialmente com a defesa do voto distrital, pois essa modalidade também traz vícios em seu bojo.

domingo, 21 de julho de 2013

Muitos "doutores" e menos médicos


por Eliane Brum, na Época
O programa “Mais Médicos”, lançado pela presidente Dilma Rousseff, não vai resolver o problema do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas pode, sim, ser parte da solução. Ou alguém realmente acredita que colocar mais médicos nos lugares carentes do Brasil pode fazer mal para a população? Sério que, de boa fé, alguém acredita nisso? A veemência dos protestos contra o projeto de ampliar o curso de medicina de seis para oito anos e tornar esses dois últimos anos um trabalho remunerado para o SUS revela muito. Especialmente o quanto é abissal a fratura social no Brasil. E o quanto a parte mais rica é cega para a possibilidade de fazer a sua parte para diminuir uma desigualdade que deveria nos envergonhar todos os dias – e que, no caso da saúde, mata os mais frágeis e os mais pobres.
Para resolver o problema do SUS é preciso assumir, de fato, o compromisso com a saúde pública gratuita e universal. O que significa investir muito mais recursos. Em 2011, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 477 per capita em saúde. Menos do que vizinhos como Uruguai (US$ 817,8) e Argentina (US$ 869,4), por exemplo. E quase seis vezes menos do que o Reino Unido (US$ 2.747), cujo sistema de saúde tem sido apresentado como referência do projeto do governo. Hoje, falta dinheiro e falta gestão eficiente. Sem dinheiro e sem eficiência, duas obviedades, não se constrói um sistema decente. Mas, para investir mais dinheiro no SUS, é preciso tocar também em questões sensíveis, como o financiamento da saúde privada. Falta dinheiro no SUS também – mas não só – porque o Estado tem subsidiado a saúde dos mais ricos via renúncia fiscal. 
Um recente estudo do IPEA (leia aqui) mostrou que, em 2011, último ano avaliado, quase R$ 16 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelo governo, por dedução no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e desoneração fiscal da indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos. O que é, de fato, renúncia fiscal? Um pagamento feito pelo Estado: ele não desembolsa, mas paga, ao deixar de receber. Assim, quase R$ 16 bilhões, o equivalente a 22,5% do gasto público federal em saúde, deixaram de ser investidos no SUS para serem transferidos para o setor privado, numa espécie de distribuição de renda para o topo da pirâmide. Para ter uma ideia do impacto, é mais do que os R$ 13 bilhões que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirma que o governo está investindo em unidades básicas de saúde, pronto-atendimento e hospitais. Não é a toa que, entre 2003 e 2011, o faturamento do mercado dos planos de saúde quase dobrou e o lucro líquido cresceu mais de duas vezes e meia acima da inflação. 
O governo tem estimulado a população – e também os empregadores – a investir em saúde privada. Um plano de saúde privado tornou-se uma marca de ascensão social. A “classe C” ou “nova classe média” tem sido vítima de planos de saúde mequetrefes que, na hora de maior necessidade, deixam as pessoas desprotegidas. Como muitos já sentiram na pele, quando a coisa realmente aperta, quando a doença é séria e requer recursos  e intervenções de ponta, quem vai resolver não é a rede privada, mas o SUS, porque uma parte significativa dos planos não cobre os exames e tratamentos mais caros.  
Para que a solução seja estrutural – e não cosmética – é preciso acabar com as distorções e fortalecer o SUS. Sem dinheiro, o SUS vai sendo sucateado e se torna o destino apenas dos mais pobres e com menos instrumentos para reivindicar seus direitos. Assustada com a precarização do SUS, a classe média se sacrifica para pagar um plano privado, que tem sempre muitas letras miúdas. Os trabalhadores organizados incluem saúde privada na pauta sindical, afastando-se da luta do SUS. Quem tem mais poder de pressão para pressionar o Estado por saúde pública de qualidade, portanto, encontra saídas individuais – que muitas vezes vão se mostrar pífias na hora da urgência – ou saídas coletivas, mas para grupos específicos, no caso dos empregados com planos empresariais. 
Enquanto sobrar distorções e faltar dinheiro, o SUS não vai melhorar. Não vai mesmo. Neste sentido, tem razão quem afirma que o programa “Mais Médicos” é demagogia. Mas apenas em parte.
Acrescentar dois anos ao curso de medicina e tornar esses dois últimos anos um trabalho remunerado no SUS, uma das mudanças previstas para iniciar em 2015, pode ser um aprendizado. E rico. Não só da prática médica como da realidade do país e da sua população, o que não pode fazer mal a alguém que pretenda ser um bom médico. Para que isso funcione, tanto como formação quanto como atendimento de qualidade à população, é preciso que exista de fato a supervisão dos professores e das faculdades. E essa é uma boa causa para as entidades corporativas e para as escolas de medicina.  
Hoje, um dos problemas do SUS é a fragilidade da atenção básica: o que poderia ser resolvido nos postos de saúde ou pelo médico de família e que consiste em cerca de 90% dos casos acaba indo sobrecarregar os hospitais, que deveriam ser acionados apenas para os casos mais graves. A distorção provoca problemas de atendimento de uma ponta a outra do sistema. Por outro lado, entre os avanços mais significativos do SUS está o Programa Saúde da Família (PSF), um dos principais responsáveis, junto com o Bolsa Família, pela redução da mortalidade infantil no país. Mas faltam médicos para esse programa. A atuação dos estudantes de medicina poderá fazer uma enorme diferença. E isso não é pouco num país em que os filhos dos pobres ainda morrem de diarreia e de doenças já erradicadas nos países desenvolvidos. 
A obrigatoriedade de trabalhar dois anos no SUS tem sido considerada por alguns setores, como as entidades corporativas, uma violação dos direitos individuais do estudante de medicina. Será que não poderia ser vista, além de um aprendizado, também como uma contrapartida, especialmente para quem estudou em universidades públicas ou foi beneficiado com bolsas do Prouni? O Estado, o que equivale a dizer toda a população brasileira, incluindo os que hoje não têm acesso à saúde pela precariedade do SUS, financia os estudos desses estudantes. Não seria lógico e mesmo ético que, ao final do curso, os estudantes devolvessem uma mínima parte desse investimento à sociedade? Para os estudantes das escolas privadas, o projeto prevê a liberação do pagamento das mensalidades nestes dois últimos anos. Mas sempre vale a pena lembrar que também há financiamento público das particulares, na forma de uma série de mecanismos, como renúncia fiscal para as filantrópicas e para as que aderiram ao Prouni.
Os estudantes de medicina serão remunerados pelo trabalho e pelo aprendizado. O valor mensal da bolsa ainda não está definido, mas a imprensa divulgou que será algo entre R$ 3 mil e R$ 8 mil. Ainda que seja o menor valor, que outra categoria no Brasil pode sonhar em ganhar isso antes mesmo de se formar? E mesmo depois de formado? Por que, então, uma resistência tão grande? 
Por causa do abismo. A maioria dos estudantes de medicina vem das classes mais abastadas, como mostrou a Folha de S. Paulo de 13/7: na Unesp (Universidade Estadual Paulista), apenas 2% cursaram colégio público, contra 40% no geral; na USP (Universidade de São Paulo), 20% dos estudantes têm renda familiar superior a R$ 20 mil, não há negros na turma que ingressou em 2013. Historicamente, a elite brasileira não se vê como parte da construção de um país mais igualitário. Pelos motivos óbvios – e porque está acostumada a receber, não a dar. Assim, ter seus estudos financiados pelo conjunto da população brasileira é interpretado como parte dos seus direitos – não como algo que pressupõe também um dever ou uma contrapartida. Dever e contrapartida, como se sabe, são para os outros.
Não fosse esse olhar sobre si e sobre seu lugar no país, seria plausível que trabalhar os dois últimos anos do curso no SUS pudesse ser uma boa notícia para quem escolheu ser médico. Fosse até desejável. Primeiro, porque está ajudando a levar saúde a uma população que não tem. E, neste sentido, pode fazer a diferença, algumas vezes entre viver e morrer. Segundo, por participar da construção de um país mais justo, o que implica deveres ainda maiores a quem recebeu mais. Receber mais – melhores escolas, melhor saúde, melhores oportunidades – não significa que tenha de continuar recebendo mais, mas que precisa dar mais, já que a responsabilidade com quem recebeu menos se torna ainda maior. Terceiro, porque é inestimável a oportunidade de conhecer as dores, as necessidades e as aspirações das porções mais carentes do Brasil, não só pelo aprendizado médico em si, mas pelo que essa população pode ensinar sobre um outro viver. 
Tornar-se médico – e não apenas um técnico em medicina – não passa pela capacidade de escutar o outro como alguém que tem algo a dizer não apenas sobre seus sintomas, mas sobre uma visão de mundo singular e uma interpretação complexa da vida? 
Ao ler a maioria das críticas sobre o programa, o que chama a atenção é a impossibilidade de seus autores se verem como parte da construção de um SUS mais forte e eficiente, o que significa ser parte da construção de um Brasil melhor para todos – e não só para uma minoria. No geral, o que se revela nitidamente é um olhar de fora, como se tudo tivesse que estar pronto, em perfeitas condições, para que só então o médico atuasse. Mas é no embate cotidiano, no reconhecimento das carências e na pressão por mudanças que o SUS será fortalecido, como tem mostrado em sua prática uma parcela dos médicos tachada – às vezes pejorativamente – como idealista. Nesse sentido, também os estudantes de medicina e seus professores farão uma enorme diferença ao estar no palco onde esse embate é travado. Ao estar presentes – promovendo saúde, denunciando distorções e pressionando por qualidade – mais do que hoje. 
Acredito que a vida da maioria só muda quando os Brasis se aproximam e se misturam. Tenho esperança de que esse programa – se bem executado, o que só pode acontecer com a adesão e o compromisso de todos os envolvidos – possa ser inscrito nesse gesto. O conjunto de medidas do “Mais médicos”, que inclui também a atuação de profissionais estrangeiros em áreas carentes, já promoveu pelo menos um impacto positivo: colocou o SUS no centro da pauta nacional. Seria tão importante que os protagonistas desse debate superassem a polarização inicial entre governo e entidades médicas para fazer uma discussão séria, com a participação da população, que pudesse resultar no acesso real da maioria a um sistema de saúde com qualidade. E seria uma pena que essa oportunidade fosse perdida por interesses imediatos e menos nobres, tanto de um lado quanto de outro. 
É grande o debate sobre se faltam profissionais ou se eles estão mal distribuídos. O que me parece é que não faltam doutores no Brasil – o que falta são médicos. São muitos os doutores que ainda nem sequer se formaram, mas já assumiram o título e o encarnam num sentido profundo. O SUS terá mais chance quando existirem menos doutores e mais médicos trilhando o mapa do Brasil.  

Medicina em Cuba na visão de 1º mundistas da Suiça



por Patricia Islas, no swissinfo

Três estudantes suíças foram fazer um estágio em um dos principais hospitais de Havana, em Cuba. Elas fazem parte de um grupo de cem estudantes da faculdade de Medicina de Genebra que participa de um programa de sensibilização à responsabilidade social dos médicos no exterior.

"Eu fiquei fascinada pela impressionante capacidade dos cubanos em avançar e resolver os desafios diários de uma vida difícil", disse Sofia Merlo (23 anos), uma das três estagiárias suíças do hospital cubano Hermanos Ameijeiras, em Havana.

Estamos na unidade de terapia intensiva de um dos principais hospitais de Cuba. Os médicos trabalham incansavelmente em casos de pacientes cujas vidas estão por um fio. Entre os lençóis de uma das camas, descobrimos um tênis de cano alto nos pés de um paciente imobilizado há vários dias.

"Na Suíça, usamos suportes especiais caros para manter o pé em pé. É muito importante para evitar que a pessoa caia de lado, provocando lesões graves. Aqui, onde há falta de equipamentos, o jeitinho cubano resolve o problema com estes sapatos”, diz Sofia.

Junto com sua colega Aurélie Wanders (22 anos) e Alexandra Stefani (23 anos), a estudante do terceiro ano da Faculdade de Medicina de Genebra realiza aqui sua "imersão na comunidade", tratando de um problema bem específico.


Combater infecções

Durante o estágio, as estudantes recolhem dados sobre como o pessoal da unidade de terapia intensiva implementa um programa para reduzir as infecções hospitalares, em colaboração com o Hospital Universitário de Genebra e a Organização Mundial de Saúde.

Embora o sistema de saúde cubano seja um dos melhores da América Latina, com indicadores comparáveis aos dos países desenvolvidos, a falta de higiene é um problema sério: 7% dos pacientes adquirem uma infecção hospitalar durante a hospitalização. Na UTI, essa proporção sobe para 30%.

Entre as causas dessas infecções, há o fato de que os profissionais da saúde não lavam as mãos adequadamente. Mas a falta de higiene é também uma consequência do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos contra Cuba. "Falta luvas de látex, máscaras e peças para aparelhos médicos”, observa Aurélie Wanders. “Os médicos cobrem a boca com suas tocas durante a ausculta de um paciente", completa.

"O bloqueio nos fecha as portas quando queremos comprar peças de reposição ou equipamentos”, lamenta Nora Lim, especialista em cuidados intensivos. “Os Estados Unidos ameaçam punir todas as negociações com empresas de Cuba. A importação de equipamentos nos custa mais do que em outros países", explica.


Ajuda suíça

A Suíça está entre os países que ajudam Cuba a lidar com as limitações encontradas no setor de saúde através da ONG MediCuba, que em 20 anos de serviço, tem financiado projetos para mais de 5 milhões de francos. Por exemplo, o Hospital Hermanos Ameijeiras recebeu recentemente 250 cateteres para lavagens bronco-alveolares e uma peça para um de seus ventiladores mecânicos, elementos essenciais para prevenir a pneumonia nos pacientes ligados a um respirador.

"MediCuba financia matérias-primas para a produção local de remédios e angaria fundos, em colaboração com organizações irmãs na Europa, para a compra de medicamentos, por exemplo, contra cânceres de infância", comenta o Dr. Nélido González, diretor-adjunto do Instituto de Oncologia de Cuba.

Quanto à Universidade de Genebra, o primeiro programa de cooperação com Cuba começou este ano. Decano da Faculdade de Medicina do Hospital Universitário de Genebra (HUG), Jérôme Pugin foi responsável em mostrar os porquês do uso do desinfetante para mãos desenvolvido em Genebra, mas agora produzido no estabelecimento cubano.

"Em nosso hospital, nós somos os pioneiros no uso deste método recomendado pela OMS e já é utilizado em países desenvolvidos", disse a doutora Lim, responsável local pela iniciativa. Já que uma pneumonia pode custar a vida de um em dois pacientes em uma UTI, esse programa é programa é crucial.

"Este projeto é baseado principalmente na fórmula à base de álcool criada pelo professor suíço Didier Pittet há 20 anos em Genebra. Um método simples que permitiu uma redução de 50% das infecções hospitalares em Genebra, de tal maneira que este ‘Modelo de Genebra’ foi tomado pela OMS em 2004 para ser difundido em todo o mundo", explica Aurelie Wanders, enquanto observa uma enfermeira cuidando de um paciente.

Não desistir

As três estudantes de medicina da Suíça disseram que se acostumaram com os recursos limitados encontrados no hospital de Havana. "O que temos aqui são excelentes médicos. Apesar de terem menos tecnologia e materiais, sentimos que eles são mais humanos, mais intuitivos e eles estão mais interessados no contexto do paciente”, diz Sofia.

"A experiência de tomar parte na vida de Cuba me permitiu sair da minha rotina confortável para amadurecer e aprender com os outros, o que é essencial para nossa futura profissão de grande responsabilidade. Este espírito de não ceder aos problemas e dar o melhor de nós mesmos como profissional vai nos acompanhar de volta à Suíça."


Saúde em Cuba

De acordo com o sistema comunista em vigor na ilha, os tratamentos são gratuitos e disponíveis para os 11 milhões de habitantes de Cuba. No entanto, existem diferenças de qualidade, devido à falta de recursos.

Cuba tem indicadores de saúde semelhantes aos de países desenvolvidos. Cuba, junto com o Canadá, tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa em todo o continente americano.

O país produz cerca de 70% dos seus medicamentos e importa o resto. No entanto, há escassez temporária de certos remédios.

Cuba colabora com cerca de 70 países na área da saúde, com o envio de pessoal médico cubano ao exterior ou a formação de estudantes de medicina em seu território. A venda de serviços médicos ao exterior é a principal fonte de renda para a ilha.

(Fonte: OMS e governo cubano)

sábado, 20 de julho de 2013

Siemens + PSDB = sacanagem da grossa (*)

(*) o blog botocudo aqui já se ocupou desse descalabro em outubro de 2011

por Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas, na IstoÉ

Um propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada
Ao assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações públicas na área de transporte sobre trilhos. Para vencerem concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão. O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse. Pelo contrário. Desde que foram feitas as primeras investigações, tanto na Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a vencer licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu 15 inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na Europa.
As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia. Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
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Além de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho. “A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator. As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados por empresa na licitação.
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Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio

de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No período em que as propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997. Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.
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Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de trens, além de concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também superfaturada. Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília. Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando um participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações. Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de preços em licitações.
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Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo. No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres públicos.