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* Aqui temos tolerância com a crítica, mas com o que não temos tolerância é com a mentira.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Um cerco à soberania nacional - 2



por Teresa Cruvinel, em seu blog na 247


O jornal americano The New York Times registrou com clara satisfação a prisão do almirante Othon Pinheiro da Silva, presidente afastado da Eletronuclear, apontando-o como chefe de um programa nuclear clandestino durante a ditadura e um “militar nacionalista” resgatado do ostracismo em 2003 pelo governo do presidente Lula.

Mas vejamos:

O programa nuclear brasileiro nunca foi clandestino, vinculando-se inicialmente a um acordo internacional com a Alemanha, que muito irritou os Estados Unidos. Foi o acordo que possibilitou a construção das usinas Angra I e Angra II. Mas Angra III já vem sendo construída com tecnologia nacional pela Eletronuclear, tecnologia desenvolvida a partir das pesquisas estratégicas realizadas pela Marinha. Estas sim, tratadas como segredo de Estado, tanto quanto as empreendidas pelos países ricos nesta e em outras áreas. Othon teve papel relevante neste processo, do qual é considerado como principal líder intelectual.

Como escreveu o economista e jornalista das antigas José Carlos de Assis: “o almirante Othon é um arquivo vivo de tecnologia. Foi sob sua coordenação que o projeto Aramar desenvolveu as super-centrífugas brasileiras que processam o urânio a custos 70% menores que outros países, inclusive os Estados Unidos, que sempre quiseram se apropriar da tecnologia brasileira”.

O programa nuclear brasileiro foi metaforicamente detonado por Collor, quando fechou o “buraco da serra do Cachimbo”, depósito de dejetos nucleares do programa, em sinal de sua paralização. E por Fernando Henrique, quando deixou o projeto Aramar definhar por falta de verbas. Lula, depois de empossado, visitou o projeto e de fato resgatou o almirante Othon ao resgatar o programa e retomar os investimentos na construção da terceira usina nuclear.

O Brasil foi privilegiado pela natureza com um potencial invejável para a geração de energia hidrelétrica, limpa e relativamente barata. Mas esta fonte está se acabando, quase todos os rios já foram devidamente explorados, forçando a construção de novas usinas na região Norte. Em algum momento, a energia nuclear, bem como a de outras fontes, como a eólica, será fundamental para o desenvolvimento nacional.

A prisão do almirante Othon, um homem de 76 anos, tem uma relação direta com as questões acima. A Lava Jato não apresentou até agora provas de que os recursos na conta de sua empresa sejam oriundos de corrupção. Ela presta serviços aos construtores das dezenas de pequenas hidrelétricas espalhadas pelo Brasil. Será preciso demonstrar a origem dos recursos. Mas culpado ou inocente, por tudo o que ele sabe e representa, não pode ser submetido à sanha dos procuradores e delegados por delações premiadas. O Estado brasileiro tem grande responsabilidade por seu destino, ao qual estão vinculados segredos da política nacional de defesa.

Mas até agora, não se ouviu uma palavra do Governo.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Um cerco à soberania nacional - 1



por Válber Almeida, comentarista no blog do Nassif

Qualquer pessoa que queira entender minimamente sobre o funcionamento do poder numa sociedade precisa considerar os seguintes postulados:

1. O poder não se orienta por interesses morais, religiosos ou emocionais;

2. Os interesses elementares que estão na base das ações dos poderosos são econômicos, políticos e estratégicos;

3. E, o poder é exercido por grupos organizados.

Portanto, não nos enganemos com o discurso moralista que promotores, delegados da PF e o juiz Sérgio Moro utiliza para tentar legitimar a Operação Lava-Jato. Isso serve para saciar a fome de catarse das massas, isto é, de purificação por atos "impuros" e sofrimentos através do auto-sacrifício ou do sacrifício dos outros. Mas este discurso não expõe as entranhas do poder, os interesses concretos por trás do grupo de poder que a comanda.

*****

Em termos concretos, os principais interesses que comandam a Lava-Jato são:

1. Em termos políticos: o interesse do PSDB e a direita mais conservadora do Brasil, remanescentes do escravismo, de voltar ao comando do executivo nacional.

2. Em termos econômicos: os interesses das grandes empresas petrolíferas norte-americanas e europeias de se apropriar do Pré-Sal, assim como das corporações de construção civil europeias e norte-americanas de se apropriar do gigantesco mercado de construção civil do Brasil.

3. Em termos geopolíticos: o interesse norte-americano de inviabilizar o avanço no desenvolvimento de tecnologia nacional de ponta em diversos setores, como o de tecnologia de defesa, de química (petroquímica) e cibernética.

4. Ainda na dimensão geopolítica, há a necessidade de fragilizar econômica e politicamente o Brasil para fragilizar os BRICS, único bloco geopolítico que surgiu nos anos 2000 com a proposta de contestar a ordem mundial monopolar norte-americana.

5. A fragilização do governo de centro-esquerda do Brasil também é parte de uma estratégia geopolítica para retirar do poder um grupo de viés nacionalista e que, em várias frentes, nacionais e internacionais, posicionou-se contra a hegemonia dos interesses imperialistas norte-americanos.

6. A prisão do Almirante Othon faz parte da estratégia de inviabilizar o avanço na tecnologia de defesa através do ataque ao programa nuclear brasileiro, aí incluído o domínio de toda cadeia de enriquecimento de urânio e a tecnologia do submarino nuclear.

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O grupo de poder que comanda a tal Operação e as táticas utilizadas por este grupo não deixam margem para dúvidas sobre o que estou falando. Sobre isso, considere-se:

1. Este grupo de poder, representado pelo PSDB, grandes empresas de mídia (Veja, Globo, Folha, Estadão) e partidos de oposição, como o DEM, é, historicamente, herdeiro da política colonial cujas linhas gerais são:

a) Alinhamento político, estratégico e econômico incondicional aos interesses norte-americanos e europeus;
b) Entrega substancial das riquezas nacionais mais importantes e estratégicas aos países imperialistas do norte do globo.

2. A operação Vaza a Jato não atingiu nenhum membro do PSDB e outros partidos de oposição, como DEM e PPS, mesmo com material indicando a participação de membros destes partidos (José Serra, FHC, Aécio Neves, Geraldo Alckmin, etc.- em esquemas de corrupção na Petrobras.

3. A operação Vaza a Jato  não foi a fundo nas investigações, buscando elucidar as raízes recentes dos esquemas de corrupção montados na estatal, que remontam ao governo FHC/PSDB.

4. Os Estados Unidos e países europeus têm se manifestado por meio da sua justiça oferecendo todo apoio à elucidação destes esquemas de corrupção na Petrobras, mesmo que, internamente, nestes países os esquemas de corrupção sejam bem maiores.

5. A proposta de Lei do senador tucano José Serra no Senado que retira o monopólio estratégico da Petrobras sobre o Pré-Sal, o que significa dividir ou, mesmo, entregar o controle estratégico desta imensa riqueza com/aos conglomerados norte-americanos e europeus.

Não há muita margem para dúvidas: a Operação Vaza a Jato é um tiro mortal sobre a soberania nacional porque afeta, fundamentalmente, os interesses nacionais mais estratégicos tanto em termos econômicos quanto políticos e geopolíticos. Essa operação pseudo-moralizante, que semanalmente, durante vários meses, toma conta do noticiário, anunciando prisões e delações seletivas, que, ao mesmo tempo que desgasta o PT e o governo Dilma (e blinda o PSDB), ataca também setores estratégicos da economia brasileira, como o petrolífero, de engenharia civil, defesa e de energia nuclear. Um estrago que dificilmente será recuperado a curto prazo. Todas as propinas reunidas no Brasil durante os últimos 30 anos não alcançariam uma fração dos prejuízos que serão causados pela Vaza a Jato. Anotem isso.

Os senhores neofeudais das terras de Tibiriçá (parte 2)



“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes” Albert Einstein

por Luiz Flavio Gomes, no JusBrasil

Minhas crônicas desta semana ainda não foram totalmente compreendidas. Somos, no entanto, verde-amarelos, logo, persistentes. Vamos ver a de hoje. Nós, os senhores neofeudais invisíveis (plutocratas, oligarcas cartelizados e, sempre que possível, ladrões cleptocratas do dinheiro público), atribuímos a culpa de toda corrupção a quem a merece, ou seja, ao Estado, às empresas estatais, ao petismo, aos agentes públicos e, particularmente, aos políticos. Só em parte, evidentemente, isso é verdadeiro. Nós, os verdadeiros donos do poder (financeiro e econômico), do mercado, das empresas e das corporações, também somos corruptos (mais precisamente, somos os corruptores). Mas nós não aparecemos. Somos invisíveis.

Faz parte do jogo do poder noticiar os corrompidos, não os corruptores. Dois exemplos:

1º) Veja o escândalo do ISS no município de São Paulo: a mídia mostra os fiscais corruptos, quase nunca nós, os corruptores. Esse é um dos mais eficientes truques do exercício do poder;

2º) Todos ouviram dizer que Eduardo Cunha teria recebido 5 milhões de dólares de propina. Você sabe quem teria pago essa propina? Pouca gente sabe. Os delatores dizem que foi a Samsung e a Mitsui.

As coisas estão mudando no Brasil em nosso desfavor. Sempre há cretinos que querem mudar as regras do jogo que sempre nos foram muito favoráveis. A instituição da impunidade tem tradição e merece respeito.

Se existe um campo em que nossa organização neofeudal vem conseguindo uma eficaz comunicação (doutrinação) com a população, esse é o da grande mídia, nossa fiel aliada na arte das manipulações. A regra de ouro é a seguinte: não é preciso propagar mentiras, basta não contar toda a verdade. O assunto corrupção é, como todos podem imaginar, um dos mais sensíveis para nós, porque pode implicar alguma vulnerabilidade para nossa estrutura (que os maldosos apregoam ser mafiosa). Vemos nisso uma calúnia e um exagero. Mas é inegável que neste campo da cleptocracia contamos com uma forte e triunfante tradição.

São mais de 500 anos de prática contínua, sendo Pero Borges, o primeiro corregedor-ouvidor-geral da Justiça, nomeado pelo rei em 17/12/1548, juntamente com Tomé de Souza, o Governador-Geral, um dos nossos baluartes inesquecíveis: foi nomeado para ca depois de ter surrupiado grande soma de dinheiro na construção de um aqueduto, em Elvas (no Alemtejo) (veja E. Bueno, em História do Brasil para ocupados, organizado por L. Figueiredo, p. 259). Para o cidadão comum e os neovassalos (neoservos ou neoescravos), que contam com 7,2 anos de escolaridade em média, no entanto, sempre é bom recordar: a História explica, mas não escusa. Dos deveres éticos e morais somente nós, os senhores neofeudais invisíveis, estamos dispensados.

Por meio da corrupção já alcançamos alguns trilhões de dólares ao longo desses cinco séculos de feudalismo (ortodoxo e neo). A corrupção, ao lado do parasitismo (extrativismo e exploração de tudo e de todos – veja Manoel Bomfim, A América Latina), são dois dos grandes esteios de sustentação dos nossos prósperos negócios. O Brasil não seria jamais oligarquicamente rico (com serviços públicos deploráveis) se não existissem tais fontes. A corrupção, no entanto, deve sempre ser noticiada como coisa do funcionário público, do Estado, das empresas estatais, dos políticos.

Quando se divulga que mais da metade dos parlamentares eleitos em 2014 tem problemas com a Justiça (clique aqui para ver a lista dos políticos e suas implicações policiais ou judiciais), isso reforça nosso discurso: oferecemos a prova de que eles é que são os exclusivos corruptos (não nós). Trata-se de uma propagação massiva do discurso da antipolítica (somente os políticos não valem nada: essa é a mensagem diária). Dizemos que a corrupção está indissoluvelmente (e exclusivamente) ligada aos políticos. Nós, os senhores neofeudais corruptores, continuamos na sombra. O poder é exercido dessa maneira.

Eis uma amostra do nosso discurso (O Globo 26/7/15: 18): “Grande peso do Estado na economia explica a corrupção: a Polícia Federal, desde 2002, faz mais operações contra os criminosos do colarinho branco porque a corrupção aumentou muito no Brasil. E por que a corrupção aumentou? Basta ver os dois maiores escândalos dos últimos tempos: mensalão e petrolão. Em ambos o epicentro reside nas empresas estatais. A corrupção é imensa no Brasil em razão da grande participação do Estado na economia, sendo as estatais eficazes gazuas de arrombamento de cofres públicos; essas empresas oferecem múltiplas oportunidades de falcatruas; o petrolão lulopetista é a prova concreta de que há uma relação direta entre estatização e corrupção; nestes 13 anos de poder lulopetista um grupo político voraz encontrou nessas empresas amplas oportunidades de financiar, com caixa dois, seu projeto político e eleitoral; sem essa grande participação do Estado em setores que movimentam muito dinheiro, não haveria como o PT e aliados se financiarem com propinas”.

Não precisam falar mentiras, bastam as meias verdades. Não se joga a culpa em nós, os corruptores, sim, nos corrompidos. Não se fala de dezenas de países estatalistas (como os escandinavos) onde tudo funciona bem, com baixíssima corrupção. Isso acontece em virtude do capitalismo distributivo (que é uma palavra impronunciável aqui). A lógica é controlar a patuleia (as massas rebeladas) com informações rasas. Jamais botar o dedo na estrutura do poder. O buraco é mais em cima. Mas Ícaro sabe que não pode se aproximar do Sol.

14 destinos paradisíacos para todos que acham que "o Brasil é uma merda"



por Izaías Almada, no Viomundo do Azenha

Há poucas semanas uma dessas celebridades que fazem novelas na Rede Globo, de quem não me lembro o nome, deitou falação contra o fato de ter que pagar um imposto na alfândega sobre um computador trazido dos Estados Unidos (pronunciado, talvez, com a boca cheia de empáfia). Foi defendida por um colega, outra celebridade, essa já com alguma idade (por isso me lembro do nome), o ator Miguel Falabella, que teria dito qualquer coisa sobre o fato de que nós brasileiros devemos apoiar o contrabando sim, pois todo mundo anda roubando no governo, logo… São falas e atitudes de um Brasil incivilizado que, aqui entre nós, já encheu o saco.

Por qual razão muitos desses “reclamões” não vão embora do país? O que é que estão esperando? Tenho várias dicas de países que os receberiam de braços abertos.

Mas antes gostaria de fazer referência e comentar um pouco sobre outros dois fatos que têm a ver com essa mesma questão. O primeiro deles diz respeito à Sra. Marcelo Odebrecht e sua ironia por ter que receber em casa há algum tempo atrás uma sindicalista e pensou em oferecer a ela uma marmitex. Fiquei pensando: caramba, essa gente ganha rios de dinheiro com as mais variadas maracutaias dentro e fora do Brasil, poderiam aprender a tratar melhor seus semelhantes, mas a viseira cultural e ideológica é tão grande, sem falar do preconceito de classe, que não conseguem. O dinheiro por vezes é muito, mas a sensibilidade é mínima. Não adianta.

O segundo caso tomou algumas poucas páginas da mídia, mas ainda assim foi lembrado: até hoje os policiais ingleses que mataram o cidadão brasileiro Jean Charles em Londres “por engano” ainda não foram julgados. A Inglaterra, com certeza, entra no imaginário de muitos brasileiros, alguns até advogados, como sendo um daqueles países do “primeiro mundo” que praticam a justiça com seriedade. Sim, desde que o réu não seja latino, afrodescendente e pobre. Aliás, está aí um bom país para os brasileiros que acham o Brasil uma merda, procurarem. Em São Paulo, por exemplo, o táxi até o aeroporto de Guarulhos é baratinho em relação a muitos outros problemas do Brasil.

Mas vamos à lista para esse pessoal do “Brasil é uma merda”, lembrando que os outros membros dos BRICS não devem ser lá muito boas opções para visitarem, por suposto, Rússia, Índia, China e África do Sul. Ainda assim, sobram muitos, muitos…

1 – Alemanha: país que imortalizou os campos de concentração e acaba de deixar a Grécia de joelhos, por sinal o berço da democracia há 2500 anos, o que não deixa de ser até certo ponto uma atitude emblemática nos dias que correm. A maioria da população é branca de olhos azuis e fala alemão, que é difícil para turistas, mas também o inglês.

2 – Bielorrússia: recomendo tirar informações no Google.

3 – Canadá: belíssimo país que tem por costume aceitar estrangeiros para estudar e trabalhar. No inverno, a barra é pesada e são seis ou sete meses de frio intenso, com ursos a caminhar pelas ruas de algumas pequenas cidades. Normalmente exigem – o governo, não os ursos – formação superior dos imigrantes, entendendo-se por isso conhecimento razoável do que se propõem a fazer e não apenas o diploma que nunca se sabe se foi comprado, comportamento de muitos dos que acham o Brasil um horror…

4 – Dinamarca: país escandinavo em cujo inverno o sol costuma aparecer durante quatro horas por dia ou pouco mais. E isso dura vários meses. Não dá para pegar uma corzinha no final de semana. A língua e a escrita são complicadas para quem pratica a lei do menor esforço.

5 – Espanha: país caliente de “lindas mujeres”, mas vivendo já há alguns anos forte crise econômica, com grande desemprego de jovens. Crise pior que a do Brasil, “esse país de merda”… Lá existem alguns partidos novos de esquerda, como o Podemos e para muitos de nossos emigrantes “talvez não seja o caso”. Na Catalunha e nos Países Bascos a língua falada é mais complicada.

6 – França: povo organizado embora um tanto chauvinista. Ainda usam muito perfume no lugar do banho e gostam de andar ao lado dos alemães nas questões européias. Discriminam um pouco os africanos, os árabes e os sulamericanos, mas isso é o de menos para os brasileiros de elite, educados e civilizados que sentem saudades da ditadura. E da feijoada, quando estão fora do país.

7 – Guatemala: país de grande tradição golpista no passado, hoje mais calmo. Mas sempre se pode aprender um pouco.

8 – Holanda: país belíssimo, com seus diques e cidades limpíssimas, seus habitantes costumam falar vários idiomas. Estiveram lado a lado com os ingleses na colonização da África do Sul, deixando naquele país grandes saudades. Esse fato histórico criou o líder Nelson Mandela que chegou a presidente depois de 27 anos na prisão. Há, contudo, liberdade controlada no uso de drogas para os golpistas mais exaltados.

9 – Indonésia: Recomenda-se muito cuidado com o que levam nas malas (geralmente são muitas para a tentativa de contrabando no retorno). Lá existe a pena de morte por fuzilamento.

10 – México: Normalmente uma bela opção, sempre e quando se tenha em mente que o país está sitiado por cartéis do narcotráfico.

11 – Portugal: Ao lado da Grécia e da Espanha, vive grande crise econômica e social, tornando difícil a absorção de mão de obra estrangeira. E será sempre bom conseguir informações com brasileiros que lá vivem há mais tempo, em particular dentistas, publicitários e o pessoal da construção civil, para sentir como os portugueses andam tratando os “brasucas”.

12 – Suíça: Se for cliente do HSBC ou tiver conta em outro banco e não declarada ao fisco no Brasil é sempre bom tomar algum cuidado, pois há sempre o risco de extradição para os EUA. É possível conseguir boas informações com os advogados de Marin.

13 – USA: no Brasil conhecido apenas como Estados Unidos, esse país lidera a lista dos sonhadores, dos revoltados on-line e dos revoltados fora de linha, na expectativa de que acabem com Lula, Dilma e o PT. Mas Miami é uma bela cidade. Trata-se de um lugar propício e de clima ameno, onde se encontram grandes fortunas levadas de Cuba, Argentina, Venezuela, Bolívia e outros países sulamericanos com tendências ao bolivarianismo.

14 – Venezuela: país do bolivarianismo. Sei que muitos torcerão o nariz, mas penso que vale a pena ver uma ditadura de perto. Ver o “ódio” que os venezuelanos têm a Chávez e Maduro. Podem contratar viagens (excursões) no Congresso em Brasília e pedir os senadores Aécio, Caiado e Aloysio Nunes como guias pela cidade de Caracas. E não se esquecerem de levar exemplares da Veja, do Estadão, da Folha e do Globo, pois há uma crise de papel higiênico no país.

Enfim, todo cidadão tem o direito de ir e vir. Alguns, entretanto, se não quiserem regressar será um alívio para o Brasil.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Os senhores neofeudais das terras de Tibiriçá (parte 1)









por Luis Flavio Gomes (*), no blog do Nassif



De que maneira nós, os senhores neofeudais donos do poder (financeiro e econômico), estamos encarando Eduardo Cunha?... Poucos políticos têm apetite pelo exercício do poder como ele. Não é o detentor do poder supremo neofeudal, que nos pertence. Nós somos as classes dominantes mais poderosas e chegamos aonde chegamos porque temos o poder de “comprar” (sempre que possível) os mandatos dos parlamentares (financiando suas pródigas campanhas políticas). Eduardo Cunha na estrutura geral do poder é detentor de um micropoder (como dizia o filósofo francês Michel Foucault), mas é pertinaz e bombástico.

Acusado por um dos delatores da Lava Jato (Júlio Camargo) de ter recebido 5 milhões de dólares em propinas (o dinheiro teria saído das empresas Samsung e Mitsui), redobrou seu ódio (e, assim, aumentou seu protagonismo) contra o governo petista de Dilma assim como contra o Procurador-Geral da República (Janot). Agora promete uma agenda bombástica para agosto e já fala abertamente no impeachment da presidente (presidenta) Dilma (cuja popularidade está virando um raquítico traço). Tudo isso está sob a análise do nosso clube. Nada será decidido, a não ser por nós mesmos.

Para se saber se Eduardo Cunha vai ou não incendiar o governo petista assim como o país, se vai mergulhar ou não na tese do impeachment, é preciso voltar a Foucault e perguntar o seguinte: quem são os verdadeiros donos do poder? Os agentes dos micropoderes ou os detentores do poder político, atrelado ao Estado? Ou ambos? Foucault, diferentemente de Hobbes, por exemplo, descatacteriza o Estado (no caso do Brasil aqui entramos nós, os senhores neofeudais) como fonte única do poder sobre os indivíduos (sobre as classes dominadas). Confere mais relevância aos micropoderes, que se produzem a cada instante, em todos os pontos, em todas as relações (de pais e filhos, de médico e paciente, de chefe e subordinado, professores-alunos, confessor-penitente, psicanalista e paciente etc.). São muitas as instituições que nos auxiliam na tarefa de “amansar” os indivíduos, consoante um padrão de disciplina. Isso vem desde o Iluminismo (século XVIII). Mas a pergunta mais importante é a seguinte: é o Estado (por meio de nós, os senhores neofeudais) que domina as massas ou são os micropoderes que fazem isso? Para Foucault são fundamentalmente os micropoderes que dominam. De acordo com essa teoria, portanto, Eduardo Cunha seria muito mais poderoso do que aparenta. Mas as aparências podem enganar.

Nós, os senhores neofeudais, contestamos em parte a tese de Foucault, que por sinal é muito criticada no mundo filosófico (cf. Jaime Osorio, El Estado en el centro de la mundialización), porque desconsidera o poder político que vem “do alto, de cima”, conferindo protagonismo somente para aquilo que vem de “baixo” (das relações diárias). O poder para Foucault seria ascendente (vai de baixo para cima), enquanto a teoria predominante (que nós seguimos) afirma o contrário (o poder é descendente, porque começa em cima e vem para baixo, onde muits instituições nos auxiliam nessa tarefa disciplinatória).

A questão mais relevante (para nós) na teoria de Foucault é que caberia contra o exercício dos poderes apenas resistências isoladas (dos alunos contra os professores, das mulheres contra o machismo, dos empregados contra seus empregadores etc.). Pensamos que essa tese nos é extremamente útil, porque tolhe a possibilidade de as massas se rebelarem contra as bases da nossa formação social, que se condensam hierarquizadamente no ente chamado Estado (dominado, aqui, por nós, os senhores neofeudais). Para a preservação dos nossos interesses é muito conveniente que as resistências sejam dirigidas contra os micropoderes, sem que nunca levantem os olhos (ou tirem as vendas dos olhos) visando à transformação dos macropoderes (exercidos por nós, os senhores neofeudais).

É importante para nossos padrões de prosperidade que não exista nada de tangível em termos de macrodominação para se contestar (a teoria de Foucault esvazia, atomiza, dilui e indetermina o poder do alto, de cima). Isso nos é muito conveniente. Essa, aliás, é a técnica empregada pela nossa tradicional aliada, que é a grande mídia: ela jamais apresenta os problemas com a perspectiva macrossocial. A lupa da mídia é sempre microssocial (algo tangível, concreto, determinado). A responsabilidade pelos problemas é sempre a imediata (nunca dos verdadeiros detentores do poder, que ficam invisíveis). Se uma escola não educa, o problema é da direção, do emprego do dinheiro público, do gerenciamento etc. Nunca o problema chega no topo, ou seja, nunca afeta o nosso poder neofeudalista.

A corrupção é sempre do funcionário público e do político, não nossa, não dos poderosos econômicos e financeiros (ou seja: dos senhores neofeudais). A corrupção delatada contra Eduardo Cunha seria exclusivamente do Eduardo Cunha, não de quem teria pago as propinas para ele (aliás, os nomes das empresas corruptoras são quase sempre atomizados, diluídos, intangibilizados, escondidos). É assim que nós, os senhores neofeudais, continuamos sendo os donos do poder. O impeachment é assunto que nos compete. No tempo devido decidiremos.


(*) jurista, professor, foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A excelência dos taxis cariocas



por Gregorio Duvivier, na Folha de SP (vixe...vixe... acessível só pra assinantes), pescado no Nassif


Nós, taxistas, gostaríamos de protestar contra o excelente serviço prestado pela empresa Uber. Do jeito que a coisa anda, tudo indica que, em breve, todo passageiro vai querer respeito, conforto e educação.

Outro dia um passageiro veio me pedir pra abaixar o som. Imagine?... Aí você me pergunta: o carro é dele?... Não!... Então por que é que ele quer mandar no volume?... Se o motorista quer digitar no WhatsApp enquanto dirige falando no Nextel e ouvindo a rádio do pastor é um direito dele.

O mesmo sujeito perguntou se eu tinha uma garrafinha de água. Eu lá tenho cara de Sabesp?... Parei pra mijar no poste. Ele reclamou, disse que tava atrasado. Pelo amor de Deus. Sabe o que eu devia ter feito?... Mijado numa garrafinha!... Toma a sua água, tá feliz?... Daí passou um pivete e eu disse que eles tinham mais é que morrer fuzilados. O cliente ficou horrorizado. Pediu pra sair. Gente, "pivete tem mais é que ser fuzilado" é o nosso "bom dia". Nunca chocou ninguém. Daqui a pouco não vou mais poder ter saudades da ditadura. Aí acabou o assunto de vez.

Meu colega tava parado no ponto e veio um passageiro querendo ir pro subúrbio. O colega recusou. É direito dele: o colega simplesmente não estava com vontade de ir para o subúrbio, era muito fora de mão para ele, não iria ter passageiro para ele no subúrbio, enfim, uma porrada de razões. O passageiro chamou um Uber. Daqui a pouco não vai mais ser permitido recusar um passageiro só porque a gente não foi com a cara dele.

Existem duas possibilidades. Ou se investe em melhoria da frota e educação dos motoristas para que os táxis estejam à altura da concorrência ou se proíbe de vez a concorrência. Uma das opções é cara e demorada. A outra é vapt-vupt. A sorte é que o secretário dos transportes do Rio já garantiu que tá do nosso lado.

Gastei R$ 200 mil pra comprar meu alvará. Não foi fácil chegar até aqui. Alugo essa licença para um outro taxista que me paga R$ 150 por diária de 12 horas.

Ainda não paguei nem metade dos 200 mil e os locatários não estão conseguindo chegar nem na diária de 150. Daqui a pouco vão querer trabalhar de graça. E quem quebra sou eu.

Imagina que, de repente, o Rio resolvesse investir em metrô de qualidade. Ia ser um tal de companhia de ônibus decretando falência. Por isso que o metrô tá bom assim, mirrado. Vocês reclamam que o país tá subdesenvolvido, mas é isso que garante o emprego de muita gente.



Nota dos índios deste blogo:

O taxista retratado no texto está se comportando como os foguistas das locomotivas Baldwin no inicio do século XX. Seu futuro é promissor...

sábado, 25 de julho de 2015

As florestas e a produção de água

Rio Ano Bom - SBS-SC

por Osvaldo Ferreira Valente, originalmente no Jornal da Ciência (SBPC) e reproduzido no IHU

Ao longo da atual crise de abastecimento de água, temos presenciado o lançamento de propostas de soluções que nem sempre estão fundamentadas em conhecimentos científicos já disponíveis. Não há surpresa alguma quanto a este fato, já que ainda há um distanciamento, no Brasil, entre a academia e o público que tenta resolver questões práticas. Na hidrologia isso é mais do que evidente, pois o tratamento matemático que predomina nos trabalhos científicos torna a teoria muito complexa para a maioria dos técnicos de campo. Daí as tecnologias adotadas ficarem mais na esperança de um sucesso que poderá se transformar em futuras frustrações. Há, também, o risco das generalizações em situações cheias de especificidades locais e regionais, onde receitas de bolo não dão garantias de qualidades dos produtos. O “ouvir dizer” e o excesso de informações, que são usadas antes de se transformarem em conhecimentos, provocam riscos iminentes de fracassos.

Tenho visto constantemente em artigos, entrevistas e debates pessoas pregando o reflorestamento como única solução para aumentar a produção de água de mananciais de abastecimento. É um erro não considerar outras opções que tenham potenciais para produzir resultados em curto prazo. A princípio pode até haver uma lógica no raciocínio sobre os reflorestamentos, mas algumas pesquisas já realizadas no Brasil, contendo dados sobre produtividades de água em bacias hidrográficas florestadas, merecem consideradas. E é sobre isso que passarei a falar nos parágrafos seguintes.

Vou tomar como exemplos dois estudos feitos em áreas florestadas. Duas teses: a primeira de doutorado na USP (Câmpus de São Paulo, capital), defendida por Valdir de Cicco, em 2009, e a segunda de mestrado, também na USP (Campus de Piracicaba), defendida por Paulo Sant’Anna e Castro. As duas, ainda que com objetivos diferentes, mediram produções de água (deflúvios) em bacias hidrográficas florestadas. A segunda mediu, também, a produção em uma outra bacia vizinha da florestada e usada para exploração agropecuária.

O Valdir de Cicco (CICCO, 2009) estudou duas pequenas bacias hidrográficas: 1) A primeira de 36,7 ha, dentro doParque Estadual da Serra do Mar, Núcleo de Cunha- SP (Mata Atlântica); com floresta secundária formada a partir de 1974, quando a área de pastagem foi incorporada ao Parque, que tem área total atual de 315.000 ha. A rocha predominante é o gnaisse , o solo classificado como latossolo vermelho amarelo câmbico e a conformação geomorfológica de mares de morros; o clima é o Cwb (Köppen), com temperatura máxima media de 26o, mínima de 16o e precipitação anual média de 1.646 mm. 2) A segunda de 59 ha, dentro do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (Mata Atlântica) que tem área total de 526,38 ha, encravado na Região Metropolitana de São Paulo, com rochas, solos e clima muito próximos aos da bacia de Cunha. A produtividade de água no mês de agosto (mês mais seco) foi de 15,13 L/Km2.s, em Cunha, e de 6,26 L/Km2.s, em Ipiranga. Com base em discussão do autor da tese, é possível justificar as diferenças de produtividades de água entre as duas bacias por duas razões: 1) A bacia do Ipiranga está sob influência da ilha de calor da área metropolitana, que transfere energia para a área do Parque, possibilitando maiores taxas de evapotranspiração e, consequentemente, menores produtividades superficiais de água; 2) A bacia de Cunha convive com elevada umidade do ar e presença de nevoeiros, o que concorre para menores taxas de evapotranspiração e maiores produtividades superficiais de água.

O Paulo Sant’Anna e Castro (CASTRO, 1980) estudou duas pequenas bacias hidrográficas na região de Viçosa-MG (Mata Atlântica). A primeira com 114 ha, coberta com floresta secundária formada a partir da década de 1960, quando a área foi entregue à regeneração natural. E a segunda com 192 ha, vizinha da primeira, com exploração agropecuária e pequenos capões de matas que, somados, não passavam de 25% da área. Em ambas, a rocha predominante é o gnaisse e os solos são argilosos e foram classificados como latossolo vermelho amarelo distrófico, nas seções côncavas, convexas e nos topos; já nos terraços, receberam a classificação de podzólico vermelho amarelo câmbico. A geomorfologia é de mares de morros, a precipitação de 1.880 mm no período de estudo (1978/1979), temperatura média máxima de 26o, mínima de 15o e clima Cwb (Köppen). A produtividade superficial de água do mês de agosto foi de 2,4 L/km2.s, na bacia florestada, e de 8,5 L/km2.s, na com exploração agropecuária. E foi um ano hidrológico com precipitação acima da média para a região de Viçosa que é de 1340 mm/ano. Passados 35 anos, a floresta está mais densa, com árvores maiores e a produtividade superficial de água do mês de agosto, para a bacia florestada, tem sido nula. A explicação para as diferenças de produtividades pode estar no fato de que a bacia florestada comporta-se como uma ilha de atração de energia, rodeada por áreas secas e que por deficiência de umidade na região das raízes das plantas, menos profundas. É importante lembrar que a evapotranspiração depende da disponibilidade de água e de energia.

Usando estes dados de pesquisa na prática de produção de água, vale a pena discutir, como exemplo, a situação do Sistema Cantareira, que está presente cotidianamente na mídia e é responsável pelo abastecimento de grande parte da Região Metropolitana de São Paulo. Algumas pessoas e entidades têm sugerido, como solução, o reflorestamento de entornos de corpos d’água componentes do Sistema. Chegam a citar números, como 400 ha, por exemplo. Ora, como as bacias que compõem o Cantareira somam 2.280 km2, a área recomendada representa apenas 0,17 % do total. Além do mais, mesmo que tais matas ciliares viessem a se comportar como produtoras de quantidade de água, conforme o imaginário de muitos hidrologicamente desavisados, e com valores médios entre Cunha e Ipiranga, ou seja, 10,78 L/km2/s, nas épocas de estiagens, isso representaria um acréscimo de apenas 0,12 % da vazão outorgada, que é de 36.000 L/s.

Para ir um pouco mais além na análise do possível efeito do aumento da cobertura florestal em áreas das bacias contribuintes do Cantareira, poderão ser usados dados da Fundação SOS Mata Atlântica, mostrando que as florestas ocupam 21,5 % da área total das bacias e que são 5.000 km de cursos d’água, com parte deles, 1.190 km, já protegidos por matas ciliares, computadas nos 21,5 %. Como, em grande maioria, são cursos d’água com até 10 m de largura e em áreas com usos consolidados, pode-se adotar, para cumprimento do Código Florestal em vigor, uma faixa média de 40 m (20 m de cada lado dos cursos d’água) para recomposição da mata ciliar. Isso representaria um acréscimo de 152,4 km2, ou seja, 6,7 % da área de 2.280 km2, elevando a cobertura para 28,2 %. Mesmo que tais matas ciliares viessem a ter efeito positivo na produção de água, como acreditam muitos, e usando os 10,78 L/km2/s, o acréscimo não passaria de 4,56 % da vazão outorgada.

O mais certo, entretanto, e com base em fundamentos hidrológicos da produção de água na região Sudeste, é que, pelo menos nos primeiros 30 anos após os reflorestamentos, o aumento de cobertura florestal, através das matas ciliares, acarretaria uma diminuição das vazões de estiagens. Isso porque as árvores estariam em franco crescimento e com altas taxas de transpiração, pois ocupariam, em grande parte, áreas de contribuição dinâmica que tendem a ficar sempre úmidas; isso por serem zonas de ligação dos aquíferos subterrâneos com as nascentes e cursos d’água. Tal comportamento é corroborado por simulações feitas pelo pesquisador Paulo Guilherme Molin, (MOLIN, 2014) para a bacia hidrográfica do rio Piracicaba. Ele simulou, para sua tese de doutorado na ESALQ-USP, o aumento da cobertura florestal da bacia e sua ação na produção de água. Os estudos mostraram que, tomando por base o ano de 2010 e como horizonte o de 2050, quaisquer aumentos de cobertura florestal no intervalo considerado resultaria em redução das vazões dos cursos d’água, nos períodos de estiagens.

As informações apresentadas mostram, portanto, que é temerária a certeza, expressa com certa frequência, que oreflorestamento é a única alternativa para aumentar a oferta de quantidade de água de nossas bacias hidrográficas. Um horizonte de 30 anos talvez seja o mínimo para um equilíbrio ambiental floresta/hidrologia capaz de apontar uma produtividade de água em média confiável. Mas como a demanda é a curtíssimo prazo, teremos que adotar alternativas de manejo dos volumes de água recebidos pelas chuvas, conduzindo boa parte deles para os aquíferos subterrâneos e armazenando outros em represas e em reservatórios urbanos. Para privilegiar o armazenamento subterrâneo, há de se trabalhar com tecnologias alternativas ao reflorestamento e que aumentem a rugosidade das superfícies das bacias hidrográficas, dificultando a formação de enxurradas e favorecendo a infiltração de água no solo. Tais tecnologias já existem, comprovadas e economicamente viáveis.

Literatura Citada:

CASTRO, P.S. Influência da cobertura florestal na qualidade de água em duas bacias hidrográficas na região de Viçosa, MG. Piracicaba, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – USP, 1980. 107p (Tese de Mestrado)

CICCO, V. Determinação da evapotranspiração pelos métodos dos balanços hídrico e de cloreto e a quantificação da interceptação das chuvas na Mata Atlântica. Disponível aqui. Acesso em: 15 jun. 2015

MOLIN, P. G. Dynamic modeling of native vegetation in the Piracicaba River basin and its effects on ecosystem services. Disponível aqui. Acesso em: 15 jun. 2015

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Acordo Transpacífico (TPP) - mais uma arapuca a serviço da BigPharma




por Sarah Lazare, no CommonDreams


Com uma nova rodada de negociações do Acordo Transpacífico (TPP) prevista para o final do mês, o governo de Barack Obama busca impôr às nações em desenvolvimento políticas favoráveis à indústria farmacêutica tão ruins para a saúde pública que o próprio Obama as combateu nos Estados Unidos.

Citando vazamentos de versões do acordo, bem como membros do governo "a par da versão mais recente, de 11 de maio", o jornalista da Bloomberg Peter Gosselin relatou na sexta-feira que o acordo pode incluir disposições que devem aumentar os custos dos medicamentos, ao mesmo tempo em que dificultarão o acesso a medicamentos genéricos em todo o mundo: "Em jogo estão centenas de bilhões de dólares em custos adicionais que os consumidores podem ser obrigados a pagar se a aprovação de genéricos mais baratos se tornar mais difícil".

Nas negociações, Obama está apoiando as mesmas políticas pró-corporações que rejeitou em seu país.

"Negociadores americanos querem assegurar para os desenvolvedores de medicamentos avançados uma exclusividade de 12 anos sobre dados que poderiam ajudar os concorrentes a produzir versões semelhantes, mais baratas", escreveu Gosselin. Nos EUA, o governo Obama procurou reduzir esse prazo para sete anos.

Não para por aí. "Os negociadores também buscam meios de tornar mais fácil para as grandes companhias farmacêuticas garantir patentes ‘secundárias’ para reforçar o controle sobre os produtos", continuou Gosselin. Internamente, o governo Obama "propôs alterar a legislação americana para tornar mais difícil a obtenção destas patentes adicionais", explicou Gosselin.

Obama está disposto não apenas a impor essas políticas a outros países, como também a aprisionar os EUA a elas através do TPP.

Segundo Gosselin, “os negociadores dos Estados Unidos pressionam os países em desenvolvimento da região a se comprometer com um calendário de adoção das normas mais rígidas, para reverter as isenções anteriores que facilitavam o acesso aos medicamentos baratos”.

Obama tem enfrentado oposição oposição dos países envolvidos nas negociações. Ao mesmo tempo, a sociedade civil e movimentos sociais de todo o mundo também têm se organizado para demonstrar forte oposição ao acordo, através de protestos e cartas abertas. A resistência provavelmente seria muito maior se o conteúdo das discussões fosse público.

Em negociação desde pelo menos 2008, o TPP deve se tornar o maior acordo corporativo da história – ainda assim, tem sido negociado em extremo sigilo: quase tudo o que se sabe sobre ele foi revelado através de documentos vazados. O acordo inclui os EUA e 11 países do Círculo Pacífico – Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã, que juntos respondem por 40% do PIB do mundo.

A informação disponível, mesmo pouca, é desoladora. Em um vídeo recente, a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras afirma sem rodeios: "Como está hoje, o TPP promete ser o mais prejudicial acordo comercial no que diz respeito ao acesso a medicamentos”.

Como Common Dreams relatou anteriormente, o TPP seria uma dádiva para a indústria farmacêutica e uma ameaça para a saúde pública em escala global. O acordo também deixa os programas de saúde nacionais vulneráveis, incluindo o Medicare. O grupo de pressão da sociedade civil Public Citizen alertou recentemente: "As empresas farmacêuticas podem tentar aproveitar a linguagem geral do anexo (do acordo) para criar impasses ao Medicare e aos programas de saúde de muitos dos países envolvidos nas negociações do TPP”.

As preocupações com o acordo, no entanto, vão muito além do acesso a medicamentos, e grupos da sociedade civil alertam para as implicações do TPP para a própria democracia, o meio ambiente, e o poder das corporaçõres. Entre suas muitas disposições, o acordo inclui um sistema de "solução de controvérsias investidor-Estado" (ISDS, "investor-state dispute settlement") – formado por tribunais secretos que permitem que as multinacionais processem governos por perda de "lucro futuro esperado".


Tradução de Clarisse Meireles

domingo, 12 de julho de 2015

Show histórico na Escola Politécnica da USP - 1973 (só audio)



Em março de 1973, o estudante de geologia Alexandre Vannuchi Leme (que todos conheciam pelo apelido de "Minhoca") foi torturado e assassinado pelo governo militar que dominava o Brasil. Laí Abramo, que era conhecida de Gilberto Gil, convenceu o cantor a fazer um show em protesto contra a morte do estudante. A apresentação foi marcada para 26 de maio, um sábado à tarde. Gil canta durante mais de duas horas, inicialmente tentando aliviar o clima pesado, com músicas como “Chiclete com Banana”, “Senhor Delegado”, “Eu quero um samba”, mas o público quer mais — pede “Cálice”. Gil desconversa, diz que não se lembra bem da letra, mas um estudante pega um pedaço de papel e escreve a letra e entrega para Gil, que não tem então como não cantá-la. O interessante é que tudo isto está registrado em áudio, inclusive vários trechos de diálogo entre Gil e os estudantes presentes.

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Quem tiver tempo para ouvir o show inteiro vai ficar encantado. Com tudo!... É um documento histórico maravilhoso.  Musicalmente, Gilberto Gil em sua melhor forma; politicamente, a juventude brasileira, idem. Os diálogos entre o cantor e o público são espetaculares — deve-se compreender que a Poli estava cheia de arapongas do regime, prontos para entrar em ação a qualquer momento, se achassem que algo “subversivo” pudesse ameaçar a ordem.

Tudo lindo demais. O show, o momento, a luta. Coisas boas da Internet...




LISTA DA APRESENTAÇÃO:

  • Oriente
  • Chicletes com Banana
  • Minha Nega na Janela
  • Senhor Delegado
  • Eu Quero um Samba
  • Meio de Campo
  • Cálice
Gil conversa com o público
  • O sonho acabou
  • Ladeira da Preguiça
  • Expresso 2222
  • Procissão
Gil conversa com o público
  • Domingo no Parque
Gil conversa com o público
  • Umeboshi
  • Objeto sim, Objeto Não
Gil conversa com o público
  • Ele e Eu
  • Noite Morena
  • Cidade de Salvador
  • Iansã
  • Eu Só Quero um Xodó
  • Edith Cooper
  • Back in Bahia
  • Filhos de Gandhi
  • Eu Preciso Aprender a Ser Só
  • Cálice (Final)

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Lava Jato - um processo sem testemunhas, sem documentos, só delatores



por Rogério Maestri, no blog do Nassif


É muito interessante a estrutura da Lava a Jato, ela tem se baseado somente no testemunho de criminosos delatores e até agora não apareceu nenhuma testemunha [tampouco provas documentais].

Julgamentos em geral sempre trabalham com testemunhas e quem são estas pessoas?... são pessoas não envolvidas diretamente nos crimes que por ação própria voluntária relatam o que presenciaram de um crime. Muitas vezes o testemunho destas pessoas não é totalmente voluntário, ou seja, a polícia ou o Ministério Público se depara com alguém que apesar de não estar envolvida no crime não se dispunha espontaneamente em depor, intimada pela justiça esta testemunha relata os fatos e leva luz ao processo. Estas testemunhas não voluntárias, não se oferecem a depor muitas vezes por medo de represálias, ou por achar que o que ele sabia não era significativo para o processo ou até por simpatia ao réu. Logo este testemunho tem que ser levado em conta pois quem o faz não tem interesse direto na não revelação dos fatos criminosos.

Agora o interessante que, enquanto na maioria dos processos judiciais há muitos que a figura da testemunha é presente, no processo da Lava a Jato a figura desta testemunha voluntária ou mesmo parcialmente obrigada pela justiça a testemunhar, ainda não apareceu. Temos dezenas de processos em diversos momentos, desde o início até a promulgação da sentença e em nenhum desses apareceu uma testemunha significativa que ajudasse a justiça. Nenhum motorista ou secretária que transportavam propinas, nenhum engenheiro que vendo os faturamentos das obras tenha achado algo estranho, nenhum contador que tenha desconfiado em sua contabilidade a irregularidade de alguma ação, ou qualquer coisa do tipo.

Na Lava a Jato temos um baseado em depoimentos de criminosos confessos que induzidos por seus advogados usam o instituto da delação premiada, ou seja, são criminosos confessos que para aliviar suas penas delatam outros criminosos. Porém a validade destes testemunhos não é a mesma que de uma testemunha normal que não tem nada a ganhar ou perder com seu depoimento. São o que no passado se chamavam acaguetes ou pequenos criminosos em que com alguma negociação levavam alguma vantagem no seu testemunho.

O processo Lava a Jato, mais parece uma ação contra uma organização criminosa em que cada um depõe a verdade que o incrimina menos. Seria como pegar todo o comando vermelho e premiar os chefes por estarem delatando seus subordinados ou companheiros de crime. Destes criminosos-delatores, que são réus confessos e que foram presos pela delação de outros, pode-se esperar tudo, principalmente daquilo que eles exerceram durante toda a sua ação pregressa: a mentira.

Um juiz da Suprema Corte disse com ironia e precisão, que jamais tinha visto um processo com tantas delações-premiadas, deixando implícito que a origem dos testemunhos era de criminosos confessos. Ou seja, quem não teve o pudor de roubar milhões dos cofres públicos e esconde-los longe dos olhos dos outros, é de se esperar o pudor de não omitir nada? Quem diz que estes criminosos não estão escondendo comparsas que guardam parte de seu Butim? Quem diz que estes criminosos não estão mentindo mais uma vez delatando pessoas que agradam seus acusadores?

São muitas perguntas que se pode fazer sobre a integridade de depoimentos de pessoas sem integridade nenhuma. E são muitas as perguntas sobre quem leva um prossesso somente lidando com criminosos.

Um criminoso-delator foi antes criminoso, e as circunstâncias levaram a serem delatores, porém quem garante que não continuam com a sua índole do início, a índole de um criminoso.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Dois anos depois da chegada do médicos cubanos, a midia bananeira NADA!...

O médico Juan Delgado é agredido por colegas em sua chegada; à direita, Dilma pede desculpas oficiais em nome do governo e do povo brasileiro.


por Cybara Menezes, no seu Socialista Morena


Há exatos dois anos, no dia 8 de julho de 2013, o Brasil foi tomado por uma onda de ira corporativista contra um projeto que visava ampliar a oferta de médicos especializados em saúde da família no País. Naquele dia, o governo baixou a MP (Medida Provisória) criando o programa Mais Médicos, que previa a importação de médicos de diversos países, inclusive cubanos. O CFM (Conselho Federal de Medicina) e a oposição ao governo tentaram, de todas as formas, impedir que os estrangeiros viessem suprir a carência de profissionais em áreas rejeitadas pelos médicos brasileiros.

Médicos cubanos chegaram a ser vaiados e insultados por colegas em sua chegada no aeroporto de Fortaleza (CE), em uma atitude que surpreendeu os dirigentes da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), parceira do governo federal no programa. “Nunca pensei que fosse chegar a este extremo de preconceito e até racismo, que fossem dizer que as médicas cubanas pareciam empregadas domésticas, que os médicos negros deveriam voltar para a África ou que eram guerrilheiros disfarçados”, lamenta o representante da OPAS/OMS no Brasil, Joaquín Molina.

Neste meio tempo, sempre que a mídia brasileira noticiou o programa foi para contar quantos cubanos fugiram para Miami ou os erros que porventura cometeram, ainda que nunca tenha se concretizado nenhuma condenação. Molina se queixa que, cada vez que era procurado pelos jornais para defender o programa, ganhava um parágrafo na reportagem, contra dez do presidente do CFM atacando a ideia. “Pessoalmente, acho que a mídia brasileira privilegia a notícia ruim. Nunca vi uma manchete positiva neste país”, critica.

Reuni neste post 10 pontos que a imprensa não destacou para que as pessoas possam conhecer melhor o programa Mais Médicos. Confira.

1. O número de médicos na atenção básica à população na rede pública do País foi ampliado em 36%: tinha cerca de 40 mil antes do programa e ganhou 14.462 profissionais, entre eles 11.429 cubanos e 1.187 com diplomas de outros países. A lei priorizou os brasileiros, mas apenas 1.846 se inscreveram na primeira convocatória. Este ano, a situação se inverteu e 95% das 4.146 vagas foram ocupadas por médicos brasileiros.

2. Além de serem reconhecidos como excelentes médicos de saúde da família, a principal vantagem dos médicos vindos de Cuba, segundo a OPAS, é que vieram todos de uma vez, em um pacote. Outra vantagem é que qualquer abandono que não seja por razões de saúde é coberto pelo governo cubano, que envia outro profissional sem nenhum custo adicional para o governo brasileiro. A OMS situa o sistema de saúde cubano entre os 39 melhores do mundo; o sistema de saúde brasileiro aparece na 125ª posição. Ao contrário dos brasileiros e profissionais de outros países, os cubanos também não escolhem para onde querem ir, é o ministério e a OPAS que decidem para onde serão designados.

3. Os médicos cubanos ganham R$3 mil por mês; os outros R$7 mil do salário previsto no acordo vão para o governo de Cuba. Ainda assim, o pagamento que recebem no Brasil é 200 vezes superior ao que receberiam em sua ilha natal. Além disso, os municípios arcam com todas as despesas: transporte, moradia e alimentação. Ou seja, o cubano praticamente não gasta o dinheiro que recebe.

4. Uma avaliação independente feita em 1.837 municípios revelou um aumento de 33% na média mensal de consultas e 32% de aumento em visitas domiciliares; 89% dos pacientes reportaram uma redução no tempo de espera para as consultas. Uma pesquisa feita em 2014 pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), baseada em 4 mil entrevistas em 699 municípios, revelou que 95% dos usuários estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o desempenho dos médicos. 86% dos entrevistados afirmaram que a qualidade da atenção melhorou após a chegada dos profissionais do Mais Médicos e 60% destacaram a presença constante do médico e o cumprimento da carga horária. Queridos por seus pacientes, vários médicos cubanos têm sido homenageados pelas câmaras municipais por seu trabalho no Brasil.

5. O programa cobre 3.785 municípios, sendo que 400 deles nunca haviam tido médicos. Os 34 distritos indígenas contam hoje com 300 médicos; antes não tinham nenhum. Entre os yanomami, por exemplo, houve um aumento de 490 atendimentos em 2013 para 7 mil em 2014, com 15 médicos cubanos dedicados à etnia com exclusividade. 99% dos médicos que atendem os índios no programa são cubanos.

6. Um dos trabalhos mais interessantes desenvolvidos pelos médicos cubanos nas aldeias indígenas é o resgate da Medicina Tradicional, com o uso de plantas. Na aldeia Kumenê, no Oiapoque (AP), o médico Javier Lopez Salazar, pós-graduado em Medicina Tradicional, atua para recuperar a sabedoria local na utilização de plantas e ervas medicinais, perdida por causa da influência evangélica. O médico estimulou os indígenas a buscar as canoas defeituosas e abandonadas nas beiras dos rios para transformá-las em canteiros de uma horta comunitária só com ervas medicinais, identificadas com placas e instruções para uso.(veja o vídeo ao final do post)

7. Ao contrário do que os jornais veiculam, os médicos e médicas cubanos não são proibidos de se casar com brasileiros. Existe uma cláusula que os obriga a comunicar os casamentos para evitar bigamia em seu país natal, segundo a OPAS. Os casos de romances entre médicos/as e brasileiros/as são numerosos. Houve até uma prefeita em Chorrochó, na Bahia, que se casou com um médico cubano.

8. Desde que o programa Mais Médicos começou, 9 médicos cubanos morreram: cinco por enfarto, 3 por câncer e 1 por suicídio (em 2014, um médico de 52 anos, ainda em treinamento, foi encontrado morto em um hotel de Brasília, possivelmente por enforcamento). Até agora, somente oito abandonaram o programa e deixaram o país rumo aos EUA.

9. O programa Mais Médicos virou modelo no continente e países como a Bolívia, o Paraguai, o Suriname e o Chile, que também sofrem com falta de profissionais, já planejam fazer projetos semelhantes.

10. Além do atendimento de saúde, o Mais Médicos inclui a ampliação da oferta na graduação e na residência médica e a reorientação da formação e integração da carreira. A meta é criar, até 2018, 11,5 mil novas vagas de graduação em medicina e 12,4 mil de residência médica, em áreas prioritárias para o SUS. Os municípios onde serão instalados os novos cursos de medicina foram escolhidos de acordo com a necessidade social, ou seja, lugares com carência de médicos.



segunda-feira, 6 de julho de 2015

Cunha e a miséria civilizatória

por Pepe Damasco, em seu blog

Nem nos mais sombrios períodos da ditadura militar, ou mesmo no Estado Novo varguista, a Câmara dos Deputados foi presidida por um deputado tão flagrantemente desqualificado para o cargo como Eduardo Cunha. Desprovido do mínimo de consciência democrática e convicção republicana, sua presença no comando da Câmara só contribui para degenerar e desmoralizar ainda mais um poder já mal visto pela população.

Ser conservador até a medula é o menor problema de Cunha. Em todas as democracias do mundo encontramos progressistas e conservadores, fisiológicos e republicanos, reacionários de direita e esquerdistas, liberais e estatistas. É do jogo democrático e expressa as diferentes correntes políticas e ideológicas da sociedade.

Os dois episódios ocorridos em menos de 15 dias, nos quais depois de derrotado Cunha tramou na calada da noite e repetiu a votação do mesmo tema no dia seguinte, não encontram paralelo na história do parlamento brasileiro. Tanto em relação à questão do financiamento das campanhas como na redução da maioridade penal, Cunha rasgou sem cerimônia o regimento da Câmara e atropelou as regras básicas que sustentam o funcionamento de qualquer parlamento : a palavra empenhada e os acordos firmados.

Sua mente deformada por um autoritarismo doentio desconsidera preceitos democráticos fundamentais. Ao impedir a entrada de pessoas nas galerias para acompanhar as votações, ele nada mais faz do que expressar seu desprezo pela participação popular e pelo fato óbvio de que a Câmara não pertence aos nobres deputados, mas sim ao povo que elege seus representantes. Pressionar deputados, portanto, é um direito do eleitor.

Cunha na presidência da Câmara é a consagração do atraso social e político. É um monumento à regressão civilizatória e um atentado permanente à laicidade do Estado. Haja vista a pauta das trevas que estimula, os projetos obscurantistas que desenterrou e faz tramitar na Câmara, alguns até em caráter de urgência. Para completar o desserviço à causa republicana, Cunha nomeou irmãos de fé evangélica para cargos-chave na estrutura da Câmara.

Em 1993, o eleitor brasileiro foi convocado a decidir através de plebiscito se desejava continuar no regime presidencialista ou mudar para o parlamentarismo. Ganhou o presidencialismo com mais de 70% dos votos. Só alguém que padece de um déficit abissal e insanável de compromisso democrático pode tramar contra a vontade da população brasileira e articular a votação de uma emenda parlamentarista pela Câmara. E o PIG noticiou essa movimentação golpista de Cunha da forma mais natural. Também é aquela história : de onde menos se espera ... é que não vem nada mesmo.

Enrolado na Lava Jato e com um histórico alentado de denúncias e processos judiciais, Cunha, com seu telhado de vidro gigantesco, conta com o apoio da mídia mais canalha do planeta para solapar o governo da presidenta Dilma, inclusive, pausa para risada como diz o Paulo Nogueira, fazendo cobranças de natureza ética e moral.

O problema é que Cunha não está só. Ele cavalga impulsionado por um sentimento de intolerância e de ódio que hoje envenena o Brasil. Os 300 e poucos votos que o golpe da redução da maioridade obteve na noite desta quarta-feira, 1 de julho, são reveladores de que para a Câmara dos Deputados o céu é o limite para a liquidação dos direitos mais comezinhos da cidadania.

Diante da preocupação extrema com o presente e com o futuro do país, não há como não lembrar da seguinte pergunta metafórica : quem sai vencedor numa corrida entre um tubarão e um cavalo ? Depende, é claro, da raia de disputa, se no mar ou na terra. Ou seja, nesse Congresso democratas e progressistas perderão todas. Mas, nas ruas, na sociedade e nas redes têm chances de virar o jogo. Não há tempo a perder.

Um Golpe de Estado e suas consequências - Honduras 6 anos





por Eric Draitser e Ramiro S. Funez, no Counterpunch
tradução de Emerx e pescado no blog do Castor


28 de junho último foi o sexto aniversário do golpe militar em Honduras – o dia em que um governo de esquerda democraticamente eleito foi derrubado por uma camarilha de generais, políticos de direita e latifundiários apoiados e treinados pelos Estados Unidos. Seria mais correto chamar aquilo de “Golpe Silencioso”, principalmente por ter acontecido sem repercussão da mídia, que o cobriu apenas para espalhar mais desinformação que verdades. Hoje, seis anos depois (e depois da perda de vidas inocentes e de bilhões de dólares), este vergonhoso momento da história recente permanente amplamente esquecido.

  • Talvez por conta da persistente euforia sentida pelos não conservadores e pelos chamados progressistas nos meses que se seguiram à eleição e à posse de Obama.
  • Talvez por conta da ainda recente crise econômica e da tormenta do resgate financeiro.
  • Talvez simplesmente por conta do velho desrespeito imperialista e neocolonial pela América Latina e pelos direitos dos povos suficientemente desgraçados para viver no “pátio traseiro dos Estados Unidos”.

Seja qual for a razão, o fato é que o governo Obama e todos os que apoiaram o golpe naquele momento e agora são cúmplices da presente e contínua tragédia social, econômica e política de Honduras.

Mas por que trazer isso à tona agora ao invés de se limitar a celebrar o aniversário do golpe?... Pra começo de conversa, porque um dois principais participantes e beneficiários do golpe foi a provável candidata do Partido Democrata às presidenciais: Hillary Clinton.

Também porque, longe de ser um episódio discreto do sórdido passado imperialista dos Estados Unidos, o golpe e seu legado continuam a ser as forças motoras da sociedade e da política em Honduras. Seus participantes e beneficiários estão no governo ou passaram ao setor privado e continuam a se enriquecer em detrimento dos pobres e dos trabalhadores do país.

O governo golpista de Honduras continua engajado numa brutal campanha de limpeza étnica contra comunidades minoritárias para seu próprio benefício e para o benefício de seus patrocinadores dos Estados Unidos e de outras partes do mundo.

Talvez o mais importante nisso tudo seja o fato de que o golpe de 2009 revela até que ponto os Estados Unidos permanecem um poder imperial e neocolonial na América Latina e nos refresca a memória quanto ao que países como Venezuela, Bolívia e Equador estão enfrentando. Isso ilustra nos termos mais implacáveis o custo humano das políticas de Washington, não em livros sobre um período histórico, mas em imagens e vídeos de um país hoje sob sua bota. Isso nos recorda o quão real esta luta permanece.

O Golpe e o apoio dos Estados Unidos

Em 2006, a eleição de José Manuel Zelaya, conhecido como “Mel” por seus amigos e apoiadores, foi um divisor de águas na história de Honduras. Um país que, como seus vizinhos, vitimado por uma sucessão de governos de direita patrocinados pelos Estados Unidos, havia finalmente eleito um homem cujas políticas priorizavam o povo e não os interesses empresariais ou militares. Embora originário de uma rica família e apesar de ter sido eleito pelo Partido Liberal, Zelaya deu uma significativa guinada à esquerda depois de assumir suas funções.

Não apenas Zelaya cometeu o pecado mortal de forjar laços com o então presidente Hugo Chávez, sua Aliança Bolivariana para os Povos da América e PetroCaribe, mas ele também desafiou o status quo ao prometer representar os pobres e as classes trabalhadoras num país tradicionalmente dominado por militares e latifundiários.

Como jornalista, autor e ex-conselheiro da Missão Permanente das Nações Unidas, Roberto Quesada disse a Counterpunch, numa entrevista exclusiva:

Zelaya chegou ao poder montado num partido tradicional, mas ele mudou as políticas do Partido Liberal dele fazendo um partido do povo. Ele transformou o palácio presidencial numa casa do povo... Pela primeira vez, os sem voz foram ouvidos... Ele queria introduzir a Quarta Urna. Pela primeira vez, o povo hondurenho iria decidir sobre uma mudança de constituição, já que aquela de 1982 só favorecia a direita e não os interesses dos hondurenhos e das hondurenhas.

E assim teria acontecido em 2009, em Honduras, um país que, a exemplo da Venezuela, da Bolívia, do Equador, e da pioneira Nicarágua, se libertaria democraticamente da hegemonia corporativa e empresarial dos Estados Unidos. Mas isso era claramente algo que Washington, mesmo com um recém-eleito presidente da “Esperança” e da “Mudança” na Casa Branca, não podia tolerar. E é aí que entra a recém-nomeada Secretária de Estado Hillary Clinton.

Clinton admitiu desde então aberta e descaradamente seu papel central na legitimação, no apoio e no fornecimento de cobertura política para o ilegal e internacionalmente condenado golpe contra Zelaya. Como observou o colaborador de Counterpunch, Mark Weisbrot, Clinton declarou claramente em seu livro Hard Choices que:

Nos dias que se seguiram [ao golpe], falei com a Secretária [Patricia] Espinosa no México… Combinamos um plano para restaurar a ordem em Honduras e garantir que eleições justas e livres pudessem ser organizadas rápida e legitimamente, o que tornaria a discutível a questão Zelaya.

No que consistia exatamente o plano? Além de fornecer cobertura diplomática ao não chamar aquilo claramente de golpe de Estado, Clinton apelou para seu velho sócio Lanny Davis e para Bennett Ratcliff, que sussurraram doçuras aos ouvidos direitistas de Washington e de Wall Street, produzindo inclusive um risível op-ed no Wall Street Journal, abrindo caminho para “eleições” em Honduras, com o objetivo de, como disse Clinton, “tornar a questão Zelaya discutível”.

O próprio Davis explicou isso numa entrevista dada poucas semanas após o golpe:

Meus clientes representam o CEAL, o Conselho empresarial da América Latina, [seção Honduras]... Eu não represento o governo e não dialogo com o presidente [interino] [Roberto] Micheletti. Meus principais contatos são [os bilionários] Camilo Atala e Jorge Canahuati. Orgulho-me em representar empresários que estão comprometidos com o primado da Lei.

De fato, Davis expôs candidamente seu papel de agente de uma poderosa oligarquia financeira e de latifundiários que, até a eleição de Zelaya, sempre havia controlado firmemente as rédeas do governo de Honduras.

Essencialmente, Clinton e seu capanga tiveram um papel chave para facilitar um golpe ilegal contra um governo democraticamente eleito em benefício de seus amigos bilionários de Honduras e da agenda geopolítica dos Estados Unidos na região.

Apesar da retórica populista de sua presente campanha presidencial, Clinton tem diligentemente trabalhado em favor da direita, das forças antidemocráticas da América Latina e em favor do Império de maneira geral. É óbvio que nada disso é surpreendente para quem vem acompanhando o que fazem Clinton e o imperialismo estadunidense nesse campo.

Da mesma forma, em nada surpreende o papel dos Estados unidos no treinamento e no apoio aos generais hondurenhos que conduziram o golpe daquela manhã de junho de 2009. Como observou naquele momento o Observatório da Escola das Américas - School of the Americas Watch (SOAW):

(...) o golpe de 28 de junho em Honduras foi conduzido pelos graduados da Escola das Américas Gen. Romeo Vásquez Velásquez, chefe do Estado- Maior Conjunto das Forças Armadas de Honduras, pelo Gen. Luis Prince Suazo, chefe da Força Aérea…

O Col. Herberth Inestroza, Procurador das Forças Armadas, veterano da Escola das Américas, justificou o golpe militar e declarou numa entrevista ao Miami Herald:

(...) seria muito difícil para nós, com o treinamento que tivemos, estar em relação com um governo esquerdista. Isso é impossível.

Herberth Inestroza também confirmou que a decisão de dar o golpe partiu das Forças Armadas. Segundo informação que o Observatório da Escola das Américas obteve do governo dos Estados Unidos graças à Lei de Liberdade de Informação, Vásquez estudou na Escola das Américas pelo menos em dois períodos: primeiramente em 1976 e depois em 1984… O chefe da Força Aérea, General Luis Javier Prince Suazo, estudou na Escola das Américas em 1996.

A Escola das Américas (desde então rebatizada Western Hemisphere Institute for Security Cooperation, WHINSEC) é um instituto das Forças Armadas dos Estados Unidos localizado em Fort Benning, Georgia, de infame celebridade por graduar um verdadeiro "quem é quem" entre ditadores militares da América Central e da América do Sul, líderes de esquadrões da morte e outros fascistas de carteirinha que deixaram suas marcas sangrentas em seus respectivos países. Ela já foi chamada de “Escola dos Ditadores” e de “fábrica de golpes de Estado” e tudo indica que Honduras foi a vítima mais recente de seus ilustres alunos.

De fato, não foi a primeira vez que Honduras sofreu esse tipo de ação pois tanto o General Juan Melgar Castro (ditador militar, 1975-1978) e Policarpo Paz Garcia (chefe de esquadrões da morte e depois ditador militar, 1978-1982) foram graduados na Escola das Américas. Nem carece dizer, o legado dos Estados Unidos em Honduras é vergonhosamente sangrento.

Honduras: Pé de apoio das Forças Armadas dos Estados Unidos na América Central

Que ninguém se deixe levar pela crença de que os Estados Unidos deixaram de se envolver militarmente em Honduras depois do golpe de 2009. Com efeito, há apenas duas semanas, as Forças Armadas dos Estados Unidos anunciaram o envio de um contingente de Marines para Honduras supostamente para “fornecer assistência durante a temporada de furacões”. No entanto, a verdade é que os Estados Unidos estão simplesmente dando continuidade e até expandindo sua parceria militar e fazendo uma ocupação, de facto, de Honduras e de outros países chave na América Central.

Num entrevista exclusiva para Counterpunch, a coordenadora da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) nos Estados Unidos e membro do Partido Liberdade e Refundação (LIBRE), Lucy Pagoada, explicou sucintamente:

O golpe nos forçou a despertar para a realidade de Honduras. Vivi em Honduras até os 15 anos de idade. Nunca tinha visto meu país tão militarizado quanto se tornou após 2009. Ele foi transformado numa grande base militar financiada pelos Estados Unidos. Eles têm até forças da Escola das Américas por lá. Houve vários níveis de violência e tortura contra a resistência e a oposição desde o golpe.

Segundo Pagoada e outros militantes tanto em Honduras quanto nos Estados Unidos, o país se tornou essencialmente um anexo das Forças Armadas dos Estados Unidos, atuando como um palco para toda uma variedade de operações militares de Washington na região.

Esta conclusão foi confirmada por um informe do North American Congress on Latin America (NACLA), que afirma:

O permanente crescimento da assistência estadunidense às forças armadas [de Honduras], [é] um indicador do apoio tácito dos Estados Unidos. Mas o papel dos Estados Unidos na militarização das forças nacionais de política tem sido igualmente direto. Em 2011 e 2012, o Drug Enforcement Administration’s Foreign-deployed Advisory Support Team (FAST)…instalou-se em Honduras para treinar unidades locais de política antidrogas e para ajudar na planificação e execução de operações de interdição de drogas. Apoiados pelos Estados Unidos, helicópteros equipados com armas de alto calibre desenvolvem operações dificilmente distinguíveis de operações militares típicas. Aliás, a população local se refere aos agentes do DEA e da polícia hondurenha como “soldados”.

Segundo o New York Times, cinco “comandos no estilo esquadrão” FAST foram enviados em várias regiões da América Central para treinar unidades locais de luta contra as drogas... Em julho de 2013, o governo hondurenho criou uma nova unidade de polícia de “elite” chamada TIGRES (Tropas de Inteligência e Grupos de Resposta Especial de Segurança). A unidade, que segundo os grupos defensores de direitos humanos é de natureza militar, bem como novas forças de polícia militar, tem recebido treinamento em técnicas de combate tanto pelas unidades de Forças especiais da Colômbia quanto por unidades militares dos Estados Unidos.

Para aqueles que têm um agudo entendimento de como os Estados Unidos apoiaram os esquadrões da morte na América Central nos anos 70 e 80, a descrição acima é de causar arrepios. Essencialmente, as forças militares dos Estados Unidos e seus agentes encobertos fornecem armas, treinamento e coordenam uma grande diversidade de unidades bem treinadas cuja função é aterrorizar comunidades cujo único crime, longe de qualquer envolvimento com drogas, consiste em ser de oposição ao governo ou em ter o azar de estar em terras cobiçadas pelos interesses empresariais apoiados pelos Clinton e seus comparsas.

Obviamente, a presença militar dos Estados Unidos tem uma dimensão regional, na medida em que Washington tenta usar seus recursos para reafirmar ou manter seu controle sobre toda a região, controle este que vinha perdendo desde a eleição de Hugo Chávez há 15 anos e da subsequente ascensão de Evo Morales na Bolívia, de Rafael Correa no Equador e de Daniel Ortega na Nicarágua. Mas, desde uma perspectiva estritamente hondurenha, essa cooperação militar existe para dar aos militares hondurenhos, tanto às forças de segurança quanto à Polícia, o necessário apoio para operações de limpeza étnica e assassinato de opositores políticos para que o país seja seguro para os “negócios”.

A limpeza étnica de Honduras em nome do lucro

As operações militares em Honduras têm como primeiro objetivo enriquecer os oligarcas que governam o país desde a derrubada de Zelaya, em 2009. O objetivo é uma limpeza étnica de primeira ordem, inclusive pela força bruta e pela expulsão, de maneira a liberar as propriedades para sua privatização. Um dos meios através dos quais isso tem lugar é criação das chamadas cidades-modelo, um programa que promove paraísos fiscais para terras roubadas das nações indígenas e privatizadas.



Uma das comunidades mais profundamente afetadas são os Garifuna, uma nação de afro-indígenas, em cujas excelentes terras que se estendem por centenas de milhas ao longo da costa caribenha; o governo corrupto do presidente Hernandez e seus patrocinadores financeiros de Tegucigalpa e dos Estados Unidos pretendem criar uma zona turística milionária.

Uma reportagem de TeleSur de 2014 informa que a comunidade Barra Vieja Garifuna está ameaçada de expulsão pelo governo hondurenho, que pretende privatizar suas terras em favor do

(...) futuro projeto turístico Bahia de Tela, que prevê a construção de cinco Indura Beach e Golf Resort. Numa aliança com o capital privado, o governo de Honduras detém 49 por cento das ações, enquanto 51% ficam em mãos do setor privado. 

A cidade de Nova Iorque acolhe hoje cerca de 250 000 Garifuna de Honduras, Nicarágua, Guatemala e Belize; eles veem com amargor como suas famílias e amigos que estão em Honduras continuam a enfrentar a perseguição conduzida por governos de direita ao serviço dos interesses financeiros dos Estados Unidos ou de qualquer outro lugar.

Obviamente, os Garifuna não estão sós em sua desgraça, já que muitas outras comunidades indígenas estão enfrentando uma indizível repressão nas mãos do governo militarizado de Honduras e da versão século XXI dos esquadrões da morte.Como relatou Lucy Pagoada em sua entrevista a Counterpunch:

Margarita Murillo, uma indígena, dedicou sua vida à defesa da terra e de seus trabalhadores. Ela foi assassinada: dispararam-lhe sete balaços em sua casa, no departamento de Yoro... Ela era uma líder da resistência.

Com efeito, o brutal assassinato de Murillo em agosto de 2014 foi outro pavoroso lembrete da guerra empreendida pelo governo hondurenho contra camponeses e povos indígenas que reagem à sua expulsão pelas elites empresariais.

Murillo, que havia sido recentemente eleita presidente da Asociativa Campesinos de Producción Las Ventanas, era advogada de seus camaradas indígenas e dos pobres; ela havia mediado uma disputa de terras entre famílias locais e um grupo de ricos latifundiários da região. Foi uma execução típica praticada por três mascarados.

O assassinato de Murilo foi muito mais que um simples crime motivado por uma luta fundiária localizada; foi antes uma clara advertência lançada contra o movimento de resistência em Honduras para significar que qualquer esforço organizado para reagir ao governo e aos ricos latifundiários que o apoiam terá de enfrentar a força bruta.

Esse é o tipo de mensagem que o povo de Honduras, particularmente quem viveu nos anos 70 e 80, entende muito bem. De fato, tal violência e o desespero que ela produz levaram muitos hondurenhos, particularmente membros da etnia Garifuna, a buscar uma vida melhor nos Estados Unidos.

Maria Vives é uma assistente administrativa de ministros da Give Them to Eat ministries of the Bronx Spanish Evangelical Church. Ela disse a Counterpunch:

Temos sopa de galinha e cestas básicas. Ajudamos pessoas em situação de emergência. Três mulheres Garifuna apareceram no verão passado e expressaram suas necessidades; elas estavam frustradas. Elas haviam sido pegas cruzando a fronteira puseram tornozeleiras nelas. Elas foram algemadas. (...) As pessoas ficaram sabendo que ajudávamos os necessitados e rapidamente apareceram quase 60 mulheres com suas crianças (...) Elas tinham várias razões para deixar Honduras. Por conta da violência, por exemplo: estavam matando muitas pessoas na vizinhança para se apropriar de suas terras. Algumas pessoas estavam apavoradas com medo de que seus filhos se juntassem a gangues. A partir de certa idade, as crianças são recrutadas por essas gangues. Sei de uma mãe que tem um de seus três filhos recrutado por um esses grupos.

A mídia-empresa, quando faz alguma cobertura dessa realidade, sempre fala na “crise da imigração infantil” de 2014, mas na realidade se trata de uma crise de refugiados. Aquelas crianças, acompanhadas ou não, estavam fugindo precisamente dessa violência que ora descrevo.

Garifuna, membros de outras etnias indígenas ou camponeses, aquelas crianças buscaram refúgio nos Estados Unidos para fugir dos horrores perpetrados contra eles em Honduras. Mas estes horrores, é claro, foram tacitamente aprovados e encobertos pelo governo dos Estados Unidos.

Ao celebrar o sexto aniversário do golpe de 2009 contra o governo legal de Honduras, devemos não apenas reconhecer neste evento outro vil exemplo do imperialismo estadunidense e de seu apoio a governos repressivos na América Latina. Devemos também reconhecer que aquele evento singular desencadeou uma série de eventos que levaram à crise social e política atual de Honduras.

Como nos disse Roberto Quesada:

Não podemos falar do golpe como se fosse algo do passado. O golpe continua e deixa o país num estado caótico.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A geopolítica do buraco negro financista




por Dmitri Orlov (*), no blog Club Orlov
pescado no redecastorphoto - tradução Vila Vudu (com algumas adaptações botocudas daqui)


Há algum tempo, tive o prazer de ouvir Sergey Glazyev – economista, político, membro da Academia de Ciências da Rússia e conselheiro do presidente Putin – dizer algo que confirmou muito bem o que sempre pensei. Glazyev disse que qualquer um que saiba matemática pode ver que os EUA estão à beira do colapso, porque a dívida interna norte-americana cresce exponencialmente. Não são palavras que político europeu ou norte-americano ande dizendo por aí em público, talvez nem sussurradamente na cama, porque nos EUA travesseiros têm ouvidos, e, se acontecer assim, o tal político receberá tratamento de Dominique Strauss-Kahn (cuja ilustre carreira terminou quando, numa visita aos EUA, foi falsamente acusado de estupro, e preso). Por essas e outras nenhum político europeu (e dos norte-americanos, então, nem se fala), pode jamais declarar o óbvio, por mais óbvio que seja.

A essa altura, os russos já sabem muito bem disso. Sim, manter diálogo e relações cordiais com europeus é importante. Mas que fique bem entendido que europeus não passam de fantoches dos EUA sem vontade nem poder para tomar decisões próprias. Melhor talvez falar com os norte-americanos diretamente? Infelizmente, também são fantoches. Funcionários do governo e políticos norte-americanos são todos fantoches controlados por lobbyistas de grandes empresas e oligarcas sinistros. Mas, aqui, o choque: esses também são fantoches, controlados pelos simples imperativos do lucro e da preservação da riqueza respectivamente. De fato, são todos fantoches de cabo a rabo, de cima a baixo. E no fundo, por baixo deles, há um gigantesco, eternamente em expansão, buraco negro financeiro.

Você gosta de seu buraco negro? Se não tem muita certeza de que gosta, deixe-me fazer-lhe algumas perguntas: Você gosta do fato de que seus cartões de crédito ainda funcionem, ou de poder ainda deixar dinheiro no banco e até pegar dinheiro num caixa de atendimento automático, ou de já estar recebendo ou algum dia, sim, receber uma aposentadoria? Você gosta de poder obter coisas úteis – comida, combustível, passagens de avião – em troca de meros pedaços de papel impressos com retratos de homens brancos falecidos? Você gosta de ter acesso à internet, de ter lâmpadas acesas, água na pia? Bem, se você gosta dessas coisas, nesse caso você também tem de gostar do buraco negro financeiro, porque é ele que torna possíveis todas essas coisas, apesar de você viver num país quebrado, falido, em bancarrota. Talvez seja daquelas relações de amor-ódio: você ama conseguir fingir que está tudo ótimo, mesmo você sabendo que não está, e quer curtir mais um pouco do business -como-sempre, antes que tudo vá prô inferno, seja só mais alguns dias, seja um, dois anos. Mas você odeia saber que é altamente possível que o buraco o sugue para o fundo, momento a partir do qual você estará sugado, digo, definitivamente ferrado.

Nos EUA, até agora, o buraco negro tem sugado famílias individualmente consideradas (embora às vezes sugue cidades inteiras, feito Detroit, Michigan ou Bakersfield, Califórnia ou Camden, New Jersey). Com a ajuda da gangue das hipotecas fraudulentas, ele suga casas e as cospe de volta, oneradas por dívidas podres. Com a ajuda da indústria médica, ele suga gente doente e cospe os doentes de volta, falidos. Com a ajuda da gangue das universidades privadas, suga gente jovem cheia de esperanças, e cospe formados nas “especializações” mais ridiculamente inúteis e com as pernas e o espírito quebrados pela mais obscena dívida “estudantil” que se possa imaginar. Com a ajuda do complexo industrial-militar, suga praticamente qualquer coisa e cospe cadáveres, tragédias ambientais, terroristas e instabilidade global. E assim vai.

Mas o buraco negro financeiro pode também sugar países. Nesse momento, está ocupadíssimo tentando devorar a Grécia, mas está difícil, porque a Grécia é – adivinhem! – estado democrático. Esse fato surpreendeu os fantoches do buraco negro, que já começaram a clamar por “mudança de regime” na Grécia, para que a Grécia possa ser obrigada a render-se, antes de o buraco negro morrer de fome.

O processo pelo qual o buraco negro financeiro suga países inteiros é o seguinte. Se o buraco negro não encontra coisas suficientes para sugar logo de início, ele então põe os mercados financeiros em queda livre. Instrumentos financeiros de países que estejam longe do buraco negro – lá, na periferia – caem mais depressa. Em busca de “paraíso seguro”, o dinheiro flui para fora desses países e diretamente para dentro dos países “núcleo” firmemente agarrados em torno do buraco negro financeiro – EUA, Alemanha, Japão e uns poucos outros. O buraco negro devora esse dinheiro, mas logo novamente já fica com fome e quer mais. E, porque os países da periferia já estão agora financeiramente fracos demais para resistirem, podem ser facilmente convertidos em ração para buraco negro financeiro. A devoração começa quando o país é sobrecarregado com dívida externa que jamais poderá pagar, o que força o país-comida a “amortizar” só parcelas da dívida, que não pode deixar de pagar completamente, porque os empréstimos para pagar dívidas são como uma linha vital de abastecimento pela qual o país recebe... mais dívidas. E assim os bancos podem ser mantidos em funcionamento, os caixas de autoatendimento abastecidos, as lâmpadas acesas e tal e tal.

Para conseguir pagar parcelas da tal dívida, o país é forçado a desmantelar a própria sociedade e a própria economia. E lhe são impostos: o mais total ARROCHO e a privatização de tudo que haja à vista (e cada empresa privatizada é empresa a ser pescada para dentro do saco das dívidas impagáveis, ou só “amortizáveis” com mais dívidas); e o país é forçado a entregar a própria soberania, a qual, rendida, passa a pertencer a organizações transnacionais, como FMI ou BCE, todas diretamente envolvidas na alimentação e na prestação de serviços de atenção à saúde do buraco negro financeiro.

E quem comanda tudo isso? – você poderia perguntar. Se tudo é buraco negro, se não há outra coisa além de buraco negro financeiro, os fantoches encarregados de mantê-lo saudável e bem alimentado e as desgraçadas vítimas do buraco negro financeiro, nesse caso... quem toma as decisões? Bem, fato é que o buraco negro financeiro é racional. Embora também seja muito, muito estúpido. E o meio que conhece para fazer acontecer o que deseja que aconteça é destruir o cérebro e o coração dos seus fantoches – o que os torna incapazes de compreender certas coisas. Mas estupidez é faca de dois gumes, e ao servir-se dela para chegar mais rapidamente ao objetivo, o buraco negro financeiro distorce também o seu próprio objetivo.

Por exemplo, há pouco tempo, o buraco negro financeiro encontrou objeto grande demais, que quis sugar, mas não conseguiu. O objeto chama-se Federação Russa. Controla território imenso, farto em todos os tipos de recursos naturais que o buraco negro financeiro muito gostaria de privatizar e converter em empréstimos colaterais e sugar para dentro do bucho. Problema é que o lugar está cheio de russos, gente difícil, com a qual os fantoches do buraco negro não conseguem lidar bem. Os russos insistem que os fantoches se mantenham à distância, para lá daquela linha vermelha real bem ali, e, se se mexerem, eles engatilham a pistola e fim de conversa fiada.

É situação que exige negociação, mas o buraco negro financeiro é exemplarmente estúpido, como já disse, e só conhece uma tática de negociação. Ele ordena e põe-se à espera que o outro lado se renda. Se não se rende, vêm as pressões: sanções, ataques contra a moeda, transações financeiras tornadas impossíveis, de tão complicadas, confisco de propriedade do país resistente e por aí vai – e outra vez, é só esperar pela rendição. Se nem isso tudo funcionar, então o país é bombardeado até ser convertido em montes de ruínas, pela OTAN. Ou, caso a OTAN não queira participar, o país é bombardeado exclusivamente pelos EUA, até ser convertido em montes de ruínas.

Em geral funciona, embora não tenha funcionado no caso da Federação Russa. Mas o buraco negro financeiro é muito, muito estúpido e fica lá, só repetindo, só repetindo, só repetindo. De tanto que só repete, só repete, só repete, a mente dos fantoches-agentes se atrapalha mesmo, de verdade, a ponto de eles já não entenderem nem a repetição, repetição, repetição deles mesmos.

Por exemplo, todo mundo sabe que pressionar a Rússia não funciona: segundo a 3ª Lei de Newton, toda a ação produz reação igual e oposta, e a Rússia é grande demais e não adianta empurrá-la, que ela não se move nem um passo [...] Os russos até agradeceram pelas sanções, porque afinal apareceu boa razão para investirem no desenvolvimento da própria economia doméstica e na autossuficiência. Mas os fantoches-agentes, cujos cérebros já foram sugados pelo buraco negro financeiro, nada vêem, nem compreendem e ficam lá, empurra e empurra, fazendo naufragar, no processo, as próprias economias.

Mas se as sanções não funcionam, é tempo de recorrer à opção militar. Para isso, é preciso inventar um casus belli – um motivo para ir à guerra. Foi quando o buraco negro financeiro enlouqueceu completamente: “A Rússia invadiu a Crimeia!” – sim, sim, talvez tenha invadido há algumas centenas de anos, mas já há séculos a Rússia está lá, recentemente já há até acordo internacional sobre o caso, mas... E que importa tudo isso?! (Ah! E não há o que comprove que a Crimeia foi algum dia dada à Ucrânia, porque Nikita Khrushchev alterou toda a papelada, antes de entregar o presente). Não interessa! Não interessa! A Rússia invadiu a Ucrânia e pronto! E sim, sim, sempre, é verdade todos os dias que se escrevam com “d”, mas foi muito safadinha e retirou as tropas antes que alguém pudesse fotografar, uma fotinho, que fosse, deles, por lá. OK, OK, mas isso também não interessa, porque a Rússia está prontinha para invadir a Estônia, a Letônia e a Lituânia e, pode ser, também a Polônia. Mas... vai invadir como? Você... Você acha que é fácil como tomar um ônibus para o festival de música de Jūrmala? Pode ser que seja, mas, o festival já acabou e até os fãs de música que invadiram o país vizinho já estão de volta, dormindo em casa. OK, OK, também não interessa. E os fantoches-agentes só fazem repetir “invasão russa!”, “invasão russa!” sem parar. É o dano cerebral típico de quem vive muito próximo do buraco negro financeiro. Como esse sujeito (foto abaixo), por exemplo. Bate queixo sempre: “agressão russa!”, “agressão russa!”, enquanto puxa no teto simulando ordenha de sua vaca de pelúcia, tentando acalmar-se. Deus o ajude!



De volta ao mundo real: os infelizes fantoches-agentes do buraco negro financeiro não conseguem entender que, se se trata de Rússia, não há opção militar: o poder nuclear funciona aí como excelente argumento de contenção estratégica, é território muito bem defendido e não tem qualquer intenção agressiva contra seja quem for.

Mas os fantoches com a mente perturbada, nada veem, nem isso nem coisa alguma, e lá estão, empilhando os mais variados tipos de lixo militar obsoleto nas fronteiras da Rússia, e até já ameaçaram levar para a Europa os seus mísseis nucleares Pershing de alcance médio e obsoletos. São obsoletos, porque os russos têm agora o sistema S-300, com o qual podem neutralizar todos os Pershings. A opção militar tampouco funcionará, mas não conte aos fantoches-agentes – eles não suportarão informação dessa natureza, sem sofrerem novos danos neurológicos extensos.

De volta à Grécia: a pequena Grécia com certeza não é a poderosa Rússia, mas mesmo assim se recusou a capitular ante as exigências do buraco negro financeiro. Recebeu ordens para destruir completamente a própria sociedade e a própria economia, como condição para manter a linha de dinheiro de sobrevida que lhe enviariam o FMI e o BCE.

Muito inconvenientemente para o buraco negro financeiro e seus fantoches, a Grécia não é algum obscuro país “de 3º mundo”, povoado de gente de pele escura com quem o buraco negro financeiro não quer que a filha dele case: é país europeu e berço da civilização e da democracia europeias. A Grécia conseguiu eleger governo que bem que tentou negociar em boa fé, mas os fantoches-agentes não negociam – eles ordenam, ameaçam e machucam até que chegar onde querem, ou até que a cabeça deles exploda.

Vai ser interessante assistir ao que vem por aí.

Se o buraco negro financeiro conseguir sugar a Grécia, que país virá depois dela? Itália, Espanha ou Portugal? E, com o processo a continuar, quando chegará o momento em que gente em quantidade suficiente decida que basta?

Porque quando gente em quantidade suficiente decidir que basta, o buraco negro financeiro se encolherá. Não é buraco negro verdadeiro, feito de matéria tão densa que o seu campo gravitacional segura tudo, até a luz. O buraco negro financeiro é buraco negro fake, constituído da ganância combinada de todos.

No âmago dele só há ganância. Ganância envolta em medo por todos os lados e ele se autossustenta alimentando-se de medo, cada vez de mais medo.Se puder continuar a sugar pessoas, famílias, países inteiros, pode manter viva a ganância que tem no âmago. Mas se não puder, nesse caso a ganância também se converterá em medo, tudo se autoconsumirá e o buraco negro financeiro se terá autodevorado.

Espero que quando acontecer, todos os seus fantoches ruins-da-cabeça livrem-se dele, percebam o quanto estavam errados e quem sabem acham algo útil para fazer – criar ovelhas, plantar hortaliças, desenterrar berbigões (da lama)...



(*) Dmitry Orlov é um engenheiro russo-americano, nasceu em Leningrado (agora São Petersburgo) e se mudou para os Estados Unidos com 12 anos. Tem bacharelado em Engenharia de Computação e Mestrado em Lingüística Aplicada. Escreve regularmente no seu blog “Clube Orlov” e no EnergyBulletin.Net