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quarta-feira, 25 de março de 2015

O caso do promotor argentino Nisman - tem gato nessa tuba



por Angela Carrato, no Observatório da Imprensa


Nos últimos dois meses, os principais veículos de comunicação da Argentina, tendo à frente os diários Clarín e La Nación, não mediram esforços para sustentar manchetes contra o governo de Cristina Kirchner envolvendo a morte do procurador federal Alberto Nisman. Encontrado com uma bala na têmpora direita em seu apartamento, em 18/01, véspera da data em que iria apresentar relatório final sobre o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), acontecido 20 anos antes, o caso passou a ser apresentado como “o cadáver” que iria por fim ao governo.

No relatório, Nisman, mesmo sem qualquer prova, denunciava a presidente Cristina Kirchner, seu chanceler, Héctor Timerman, e outras pessoas do primeiro escalão, por terem feito um acordo que previa a venda de grãos aos iranianos e o fornecimento de petróleo iraniano à Argentina, em troca de que o governo argentino “acobertasse”‘ acusados pelo atentado no qual 85 pessoas morreram e centenas ficaram feridas. A acusação serviu para que setores oposicionistas, capitaneados pela mídia, passassem a utilizar pesada artilharia contra a Casa Rosada.

Na primeira semana de fevereiro, o Clarín subiu tanto o tom que, a partir de um sofisma, acusou a presidente de “assassina”. O jornal considerou que se era responsabilidade do governo garantir a segurança do procurador e se isso não aconteceu, a presidente era responsável, portanto assassina. O fato mereceu do chefe de gabinete da presidente, Aníbal Fernández, a foto que ganhou manchetes em todo mundo: ele rasgando algumas páginas daquele diário que, como qualquer argentino sabe, é visceralmente de oposição ao kircherismo.

A partir de então, o assunto começou a dividir as opiniões, pela ausência de indícios de que Nisman pudesse estar certo e também porque as investigações ganharam novo rumo. Pouco depois da “Marcha do Silêncio”, oficialmente convocada por procuradores colegas de Nisman, para lembrar um mês de sua morte, em 18/02, que reuniu 50 mil pessoas (número que a mídia tentou inflar para 500 mil), informações inconvenientes aos oposicionistas, em meio a muitas cortinas de fumaça, começaram a vir a público.

A principal delas, praticamente ignorada pelo Clarín, diz respeito a uma conta conjunta não declarada que Nisman mantinha nos Estados Unidos, com o técnico em informática Diego Lagomarsino. Este técnico foi a última pessoa a vê-lo com vida e também quem lhe emprestou a arma calibre 22 encontrada junto ao seu cadáver. Além da descoberta de que Lagomarsino é, na realidade, funcionário do serviço de informações argentino, contratado irregularmente por Nisman, não consta que fossem amigos a ponto de possuírem conta conjunta no exterior. Situação no mínimo estranha que foi noticiada apenas pelo diárioPágina/12 e pela TV Nacional, a emissora pública argentina.

Outra contradição, propositalmente ignorada pelo Clarín, diz respeito às disputas dentro do serviço de informações. O setor está longe da unidade, com uma parte expressiva leal ao governo e outra, menor, possivelmente ainda com vínculos e vícios dos tempos da ditadura. Esta parte está entre os suspeitos de terem interesse na morte de Nisman, diante do potencial de desgaste que poderia representar, em ano eleitoral, para um governo que vem sendo implacável na denúncia e criminalização de antigos torturadores.

Para continuarem ignorando esta possibilidade, Clarín e La Nación não deram importância a outras declarações de Lagomarsino segundo as quais Nisman não só havia dispensado sua segurança pessoal, como pediu que lhe arranjasse uma arma para defender suaschicas. Como suas filhas, duas adolescentes, estavam no exterior e ele próprio dispensara proteção oficial, a quem temia?

Bênção e desculpas

Mesmo subtraindo tais informações aos argentinos, Clarín e La Nación não conseguiram evitar que fatos novos, dando conta da estreita relação e subserviência de Nisman aos interesses norte-americanos, passassem a ser conhecidos. Veiculado por Página 12, e também disponível no livro do jornalista argentino Santiago O’Donnell, Politileaks (Editora Sudamericana, 2014), outro perfil de Nisman, diferente do herói que morre (ou é morto?) em prol de uma boa causa, começou a vir a público.

À venda em qualquer livraria de Buenos Aires, o livro de O’Donnell, a partir dos segredos revelados pelo WikiLeaks, dedica um de seus 22 verbetes a Nisman. Nele, o procurador aparece como uma pessoa fraca, medrosa e que antes de tomar decisões importantes a respeito de seu trabalho, ia pedir benção à Embaixada dos Estados Unidos. Os e-mails e telegramas disponibilizados pelo WikiLeaks mostram que o governo dos Estados Unidos “impulsó y alentó la investigación de los sospechos iraníes acusados de haber cometido el atentado en 1994”. Mais ainda, o livro revela que diversos funcionários norte-americanos mantiveram numerosos contatos com Nisman.

Nestes encontros, insistiram que o promotor deveria deixar de lado outras pistas e concentrar-se apenas na iraniana, com Nisman sempre se mostrando solicito diante destes pedidos e conselhos. A título de exemplo, em 2006, com três semanas de antecedência em relação à divulgação oficial, Nisman informou à Embaixada dos Estados Unidos que o juiz Rodolfo Canicoba Corral iria processar os suspeitos iranianos. Pela função que ocupava, não poderia ter antecipado esta informação para outro governo. Pior ainda. Em maio de 2008, Nisman telefonou tantas vezes para a embaixada dos Estados Unidos para desculpar-se por não ter avisado sobre o pedido de prisão que havia feito para o ex-presidente Carlos Menem que “a sede diplomática escribió tres cables distintos dando cuenta de las sucesivas ampliaciones del pedido de desculpas” (O’Donnell, p.260).

Quando o assunto já dava sinais de esfriar na Argentina, eis que a revista brasileira Veja publica, em 14/03, matéria sob o título de “Chavistas confirmam conspiração denunciada por Nisman”. A matéria (se é que pode ser assim chamada) bem ao estilo do jornalismo marrom que Veja tem praticado, não dá nomes às fontes. É, no entanto, farta em adjetivos e insinuações, ao mesmo tempo em que tentar criar uma conexão entre a morte de Nisman, a presidente argentina e supostos interesses do governo da Venezuela ligados à obtenção de tecnologia nuclear.

“Cheiro” de intriga

A matéria, não assinada, parece redigida por alguém com mente criativa e forte inspiração em livros e filmes de espionagem. Caso contrário, como aceitar que uma revista, que em outros tempos já foi séria, possa publicar algo que cheira às intrigas plantadas na mídia pelo serviço de inteligência dos Estados Unidos, magistralmente reveladas pelo jornalista Tim Weiner?

Em Legado de Cinzas (Record, 2008), Weiner traça a história da CIA desde seu começo em 1945, antes mesmo de terminada a Segunda Guerra Mundial, até meados de 2006, quando o livro foi concluído. Vencedor do prêmio Pulitzer, o autor, que durante 20 anos cobriu as atividades da CIA para o jornal The New York Times, explica que uma das especialidades dos dirigentes da CIA sempre foi cultivar editores, colunistas de jornais, homens de TV e rádio, além de seduzir congressistas e políticos, dentro e fora dos Estados Unidos. Como escreve Weiner, referindo-se a Allen Dulles, um dos mais festejados ex-dirigentes da CIA...

“Dulles mantinha contato estreito com os homens que dirigiam o New York Times, o Washington Post e as principais revistas semanais da nação. Podia pegar o telefone e editar um furo de reportagem, assegurar-se de que um correspondente estrangeiro irritante fosse afastado, ou contratar os serviços de homens como o chefe do escritório da Time em Berlim e o correspondente da Newsweek em Tóquio. Era costume de Dulles plantar histórias na imprensa” (Weiner, p.99).

Ao que tudo indica, Veja, depois do festival de mentiras que tem pregado aos seus leitores em matéria de política nacional, dedica-se agora a ações de igual porte na América do Sul, coincidentemente plantando notícias que envolvem dois governos com posturas críticas aos Estados Unidos: Venezuela e Argentina. Valendo-se de informações atribuídas a venezuelanos exilados nos Estados Unidos, a semanal da editora Abril, acusa Cristina Kirchner de ter sua campanha eleitoral em 2007 financiada pelo Irã em troca da impunidade para os terroristas que atacaram a entidade judia e apoio ao programa nuclear iraniano. Mais ainda, numa salada temática que deixaria perplexos autores de best sellersde espionagem como Ian Fleming e John Le Carré, reúne ingredientes tão mirabolantes como armas nucleares, conspirações, segredos, venezuelanos, argentinos e iranianos.

Veja não deixou, sequer, de adicionar, como manda o figurino, pitadas de pimenta à estória, envolvendo a então embaixadora da Argentina na Venezuela, Nilda Garré, apresentando-a como “amiga íntima” do falecido presidente venezuelano, Hugo Chávez, com quem teria vivido cenas tórridas à la 50 tons de cinza ao mesmo tempo em que intermediava assuntos relativos a questões nucleares entre os dois países. Garré, que é a atual representante da Argentina na Organização dos Estados Americanos (OEA), reagiu tão logo tomou conhecimento da publicação.

Namoradas e verba pública

Em carta enviada à Veja, exigiu direito de resposta, em meio impresso e digital, com o mesmo espaço e destaque dado ao assunto pela revista. Citando a Constituição brasileira e também o que determina a OEA sobre liberdade de expressão, dá mostras que pretende ir fundo para garantir seus direitos. Com isso, Veja, que já está às voltas com processos no Brasil envolvendo calúnia, difamação e manipulação dos fatos, também pode vir a ser processada no exterior.

Aqui, a resposta de Garré foi publicada, por enquanto, apenas pelo site Carta Maior (www.cartamaior.com.br). Na Argentina, mereceu destaque na edição de domingo (22/03) do Página/12 que, em artigo assinado por Horácio Verbitsky, faz um apanhado das mais recentes informações sobre o caso Nisman. Informações que, curiosamente, Veja e quase toda a mídia brasileira fazem questão de continuar ignorando.

Nem Veja nem jornais como O Globo e Folha de S.Paulo publicaram uma linha sequer sobre o fato de que as apurações sobre a morte de Nisman incluíram, nas últimas semanas, informações que os adversários de Cristina Kirchner preferiam que jamais fossem divulgadas. Imagens recolhidas no celular do promotor o mostram em discoteca cercado por namoradas. Mais ainda: ele pagava contas em motéis e viagens em primeira classe para si e suas namoradas com verba pública. Verba que custeava igualmente a vida que mantinha, viajando com frequência para locais paradisíacos do Caribe e morando em um luxuoso apartamento em um dos pontos mais nobres de Buenos Aires, o bairro de Puerto Madero. Detalhe: a maioria das viagens se deu em períodos de trabalho, quando deveria estar cuidando das investigações do atentado à Amia.

Depois destas revelações, o centro de Buenos Aires amanheceu, na semana retrasada, com centenas de cartazes ironizando a “Marcha do Silêncio” e a tentativa dos oposicionistas à Casa Rosada de compararem a morte do procurador ao atentado que sofreu a revista Charlie Hebdo, em Paris. Sob a foto de Nisman com as namoradas em uma festa se pode se ler, nestes cartazes, a pergunta: “Je suis Nisman?” Parte da população e também familiares das vítimas do atentado à Amia têm dado mostras de insatisfação com a cobertura tendenciosa realizada pela maior parte da mídia argentina. Tanto que as “Marchas do Silêncio” estão visivelmente perdendo adeptos. A mais recente reuniu pouco mais de 100 pessoas. Mesmo assim, a mídia, Clarín à frente, não demonstra intenção de render-se aos fatos.

Twitaço mundial

A artilharia do Clarín contra o governo de Cristina Kirchner mantém-se firme, em que pese a recente desmoralização de que a publicação foi alvo. Depois de anos denunciando corrupção nos governos Kirchner (Néstor e Cristina), foram atingidos em cheio pelo escândalo das contas suíças no banco HSBC (SwissLeaks).

Neste caso, não há como culpar o governo argentino ou qualquer outro “bolivariano” pelas informações, já que elas foram fruto do trabalho de um Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) com sede em Londres. O consórcio reúne profissionais de 65 países, que se debruçaram nos dados obtidos pelo WikiLeaks, e foram divulgados em primeira mão pelos jornais The Guardian (inglês) e Le Monde(francês). Segundo estes jornais, este pode ser o maior escândalo financeiro internacional de todos os tempos.

Este, aliás, é um ponto que parece unir a mídia argentina à brasileira, uma vez que aqui também os dirigentes do grupo Abril, da Folha de S.Paulo e a viúva de Roberto Marinho, entre outros 19 “barões” da mídia, igualmente figuram na lista dos correntistas da agência suíça do HSBC. Nos próximos dias deve começar a funcionar no Senado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o assunto, que envolve também políticos, jornalistas, empresários e artistas brasileiros.

Talvez por isso, mesmo contando com correspondentes em Buenos Aires, O Globo e Folha de S.Paulo têm publicado apenas parte da estória envolvendo os desdobramentos do “caso Nisman”. Somente informações e aspectos contrários aos atuais governos da Argentina e da Venezuela são divulgados, contribuindo para gerar confusão e infringir medo às populações destes países e também à própria população brasileira.

É importante observar, ainda, que estas pseudoinformações contribuem para dar contornos de realidade à postura do presidente norte-americano, Barack Obama, que, em 09/03, através de decreto, declarou a Venezuela como sendo uma “ameaça à segurança dos Estados Unidos”. Sob o argumento que o governo de Nicolás Maduro viola direitos humanos de seus opositores e está envolvido em corrupção, Obama pretendia complicar a situação da Venezuela e de alguns países da América do Sul.

Só que o tiro ameaça sair pela culatra. Além do apoio dos países da Unasul à Venezuela, estão chegado de todas as partes mensagens de solidariedade ao governo de Maduro e exigindo que o ocupante da Casa Branca mude de posição, com o assunto se transformando no tema do maior twitaço mundial já registrado. Em pouco mais de uma semana, dois milhões e 500 mil assinaturas contra o decreto de Obama foram coletadas e a meta dos organizadores do protesto virtual é chegar a 10 milhões de assinaturas. Diante de um número tão expressivo, será que, finalmente, intrigas e mentiras vão dar lugar à informação?

terça-feira, 24 de março de 2015

Biomassa e o efeito estufa



por Ruy Acquaviva, comentarista no blog do Nassif

A biomassa é formada por resíduos vegetais. O carbono contido nesses resíduos foi extraído da própria atmosfera através da fotossíntese e quando queimado retorna a ele, sem aumentar a quantidade total de carbono da atmosfera.

Combustíveis fósseis são aqueles retirados do subsolo, onde restos de plantas e animais do passado (a maioria do período carbonífero) foram cobertos de sedimentos e isolando assim o carbono que continham da atmosfera.

Se você empobrece um bioma, trocando uma floresta por campos limpos, há um ganho de carbono na atmosfera porque a biomassa total do campo é menor que a da floresta e o carbono contido nesse diferencial é geralmente queimado (não faz diferença se em usinas ou em queimadas) liberando esse carbono na atmosfera.

Mas se a biomassa é produzida com crescimento vegetal, ou substitui-se a queima improdutiva (por exemplo as queimadas) por queima produtiva, não há prejuízo do balanço total de carbono.

Pode até haver um efeito benéfico pois se a biomassa decompor anaerobicamente, soltando o metano produzido por esse tipo de decomposição na atmosfera, o prejuízo ambiental é maior, já que o metano é um gás de efeito estufa várias vezes mais potente que o dióxido de carbono.

A questão de escala é a chave. Quando se fala de aproveitamento de resíduos é necessário saber de quanta energia estamos falando.

Porém, mesmo sendo pouca, se for uma energia que seria desperdiçada e passa a ser aproveitada, temos um ganho. Pode não ser a salvação da lavoura, mas a dúvida é se é irrisório ou de alguma forma significativo.

Podemos lembrar que o bagaço de cana e a serragem de madeira das madeirieiras era queimado ao ar livre há algumas décadas atrás, quando se passou a queimar essa mesma biomassa em usinas para produzir energia, significou um avanço. Hoje pode-se pensar em formas mais produtivas de aproveitar esse resíduo, mas não se pode negar o avanço que o passo anterior representou.

sábado, 21 de março de 2015

Porque 15 de março foi uma piada de mau gosto





por Ion de Andrade, no blog do Nassif


Tenho tentado entender nesses últimos dias o sentido profundo do misterioso 15 de março. O 13 de março eu já entendi, são os “300 de Esparta” que despertam a nação. Foram muitos, porém maiores no significado que no número.

Mas o 15 de março mereceu para mim reflexão mais longa e doída, uma indigestão longa aliás.

Sei que há pessoas que foram às ruas contra a corrupção, por acharem que é fenômeno novo no Brasil ou que está maior do que nunca. Mas essas pessoas selecionam a sua indignação e minimizam a corrupção da direita, é triste ver jovens com indignação seletiva... Então , do 15 de março constato em primeiro lugar o fato de que não traz projeto de sociedade, divide-se a turba em torno de dois métodos de derrubada do poder: uns defendem o impeachment e outros a dita “intervenção militar constitucional” e a isso se resume a rasa elaboração intelectual de tão pujante movimento.

E não vão bem no que toca a essas propostas golpistas. O impeachment é proposta de baixíssima viabilidade, exigiria maioria que a oposição não tem e que o PMDB não parece disposto a conceder... a presidenta, honesta que é, teima em não ser atingida pela corrupção. Uma situação que obriga os líderes da oposição a triste romaria mendicante por toda parte em busca de enlamear a presidenta.

A Intervenção Militar Constitucional que parece coisa de lunáticos, é o que mais se aproxima do sonho fascista, ou seja, a ideia de um totalitarismo com ideologia orgânica ou a “democracia fascista” onde uma maioria governa pela força esmagando uma minoria despojada de direitos. Para isso, porém, seria necessário um grau de consenso tremendamente raro, um alinhamento vetorial de vontades que sequer existe no interior do próprio movimento. Pior que tudo, o fascismo poderia significar redução dos direitos de segmentos da classe média que estão se dando muito bem e que seriam obrigados a cumprir a agenda do Estado arbitral de Gramsci. Que tal reduzir os salários da magistratura e do Ministério Público, ou obrigar os médicos a trabalharem em distantes aldeias indígenas após os cursos? Ou acabar com a aposentadoria de juízes como punição suprema? É pouco provável que um regime realmente fascista no Brasil perdesse essa oportunidade...

De fato, como bem viu Gramsci, o fascismo é um Estado arbitral que tenta alicerçar-se sobre ideologia totalitária, ou seja, uma nova totalidade para além da dualidade classista, assegurando, aliás, ao proletariado algumas conquistas novas... Com Hitler os alemães tiveram o seu primeiro carro... Mas então, que concessões ainda quer fazer ao povo brasileiro essa elite patrimonialista que saiu às ruas? E que condição teria de ser base de sustentação de um Estado arbitral prenhe de ódios como é?...

Não, a aspiração da turba é a da Restauração de uma Supremacia que se foi, essa sim, para sempre. O Estado com que sonha não é o Estado fascista, é o Estado genocida precedido por uma limpeza moralista e farisaica de natureza física. Dizem realmente em toda parte que é preciso “fazer uma limpa”(????) o que seria isso?... o genocídio?... Ora, apesar de macabra, essa ideia não tem precedentes históricos que não sejam em tempos de guerra, quando uma nação subjuga a outra em disputa territorial do território estrangeiro como fez Hitler na Rússia ou do território pátrio como fez com os judeus, mas o espaço vital da nação está sempre no fulcro da ação genocida...

Então, trata-se do movimento de uma direita passadista, com tonalidades fascistas e sonho genocida, porém incapaz de ser base de um Estado arbitral, por aspirar à condição de ver restaurado o velho Brasil do apartheid. Uma das faixas aliás dizia isto: “Devolvam-me o meu Brasil”. Esse Brasil, entretanto se foi; ele pertence à história e nada há que possa ser feito quanto a isto. Um fascismo no Brasil de hoje não teria como não afirmar a inclusão social que converteu segundo dizem, os aeroportos em rodoviárias, não teria como não continuar a urbanizar as favelas e mocambos, não teria como excluir a juventude da escola...não teria como escapar da inércia da emancipação dos mais pobres que já está em curso com democracia, permitindo aliás, com eira e beira, a sobrevivência nababesca das castas de outrora, então para quê? Para perder o quinhão para tenentes fascistas? Ora, façam-me rir.

Em 64 havia uma disputa entre dois modelos de sociedade e a ditadura encarnou um modelo de desenvolvimento excludente, hoje absolutamente impossível. Contemporaneamente o movimento não parece ter motivações ou projetos de sociedade, de nação, de nada. [voltar atras e promover] A exclusão dos incluídos é tarefa impossível, até porque se converteu num mercado que gera dinheiro para boa parte da burguesia brasileira, o que leva a classe média à convulsão catatônica. Mas é interesse da burguesia também a expansão do mercado interno e a conversão dos shoppings em reduto de pardos. O jogo acabou senhores!...

Concluo essa primeira parte pela ideia de que o movimento não tem proposta de sociedade e não tem modelo de Estado para a governança.

..... 

A segunda ideia que emerge é a de que o movimento não tem lideranças que o articulem com o mundo real da política e do poder. Contemporâneo que é de um vazio de grandes nomes no campo conservador o movimento não tem ninguém que fale por ele. Isso não se cria, isso é sintoma da falta de propostas.

Observemos: na Venezuela a direita tem líderes orgânicos que representam o movimento. Na França a extrema direita tem uma líder emblemática de velha tradição fascista, Marine Le Pen, na Grécia a esquerda tem líderes, na Espanha idem. O movimento de 15 de março não tem líderes, e não me falem dos quatro jovens... O líder não é um detalhe. O líder é a semente fundadora de dado movimento e confunde-se com ele. Esse movimento é, portanto, “acéfalo” de nascença, é massa de manobra e não funda nova realidade. Na Ucrânia também o movimento foi acéfalo, razão talvez, porque o país vem dando provas de vulnerabilidade interna, caos e política externa errática e entreguista, cairá à primeira eleição decente.

Não quero minimizar os riscos de um movimento acéfalo servir a interesses que ele próprio desconhece, mas constato que é acéfalo e reconheço nisto uma fragilidade sintomática do vazio de propostas para a sociedade. De fato ninguém pode representar um projeto de sociedade que inexiste.

Surpreendentemente um milhão foram ás ruas e não há ninguém que seja capaz de falar por eles e de elaborar minimamente como se conectam ao mundo das representações sociais. Ecos de um passado que se foi, não têm conexão com o hoje. Estranhíssimo fenômeno... Mal saíram às ruas e parecem uma foto amarela na parede. A imagem que me vem quanto à origem desse movimento é a da corte portuguesa que chegou com Dom João VI, gente que se achava melhor que os nativos, que se deu o direito de tomar a casa das pessoas e que, verdadeiramente, ocupou a cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808... Os vejo herdeiros dessa velha tradição aristocrática e colonial.


Constato dessa segunda parte que o movimento não tendo projeto de sociedade tampouco produziu líder e que isso decorre do fato de que é um movimento que sonha com a restauração de um Brasil de apartheid que se foi para sempre, Brasil esse que nem o fascismo recuperaria...


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Outra coisa bem interessante é o seguinte: Há fundadas suspeitas de que há um dedo gringo no que está acontecendo no Brasil, sentimos isso em nossas tripas. Esse é naturalmente um risco incomum. Mas o Brasil é grande demais e o Estado aqui ampliado demais. De forma que esse agrupamento neocolonial financiado por forças externas conseguiu dar ao movimento um poder de fogo forte e inabitual, são recursos para viabilizar todo esse acúmulo de tensões que atravessou esses meses pós eleições de forma tão geral em todo o país. Admitamos, a força neocolonial nos administrou dose verdadeiramente cavalar. Raríssimos países suportariam.

O que acontece é que essa iniciativa estrangeira e golpista se converteu no Brasil em mais um lobby de interesses golpistas, mas são tantos os lobistas endinheirados e reaças no Brasil que logo, logo começarão a queixar-se do preço da gasolina... Esses lobistas, gringos e brasileiros não atuam sozinhos como se estivessem na casa da sogra, não.

Encontram no campo de batalha pátrio, que é a Sociedade Civil brasileira, as organizações populares e democráticas que ergueram na luta contra a ditadura boa rede de trincheiras e casamatas... Embora não possam propriamente ser chamados de lobby, esses agrupamentos de peso e respeitabilidade nacional se movem também para influir na formação da vontade coletiva apoiando a democracia. Então a força estrangeira e neocolonial de que ouvimos, é certo, os risos demoníacos, atua em terreno habitado por muitos atores autenticamente nacionais, que não se curvam e que formam opinião.

Poderíamos lembrar alguns de muito peso como a CNBB, a OAB, o MST, a CUT, mas também a ABI, mais recentemente o Clube de Engenharia do Rio, o velho Movimento Estudantil, mas também os sindicatos de professores de várias cidades, ou os petroleiros, dentre inúmeros outras entidades representativas de forças vivas da nação... Então isso aqui não é a Ucrânia, nem o Egito...

Concluo dessa terceira parte que a força gringa que agiu em todo o território pátrio azeitando a máquina de guerra da direita nacional, embora tenha melhorado a correlação de forças para eles, não foi suficiente para criar um fato novo que não conhecêssemos nas lutas democráticas que enfrentamos em situação incomparavelmente pior.

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Talvez tais forças estrangeiras queiram começar a matar pessoas, mas isto está fora da nossa tradição, seriam percebidos, identificados...

Minha conclusão geral é de que, apesar do esforço hercúleo, o movimento de 15 de março mostrou-se

a) incapaz de governar o Brasil e de propor política de alianças suficientemente larga para assegurar, em qualquer medida, a construção desse novo pacto social que está em curso e que tem na inclusão social a sua força mais incoercível. 
b) incapaz de compor um campo fascista, pois o fascismo, não poderia deter a emergência do proletariado, ao contrário teria que dela tirar força e a turba aristocrática nada tem e nada pode conceder e 
c) incapaz, por tratar-se de impossibilidade física, antes de histórica, de Restaurar a realidade excludente anterior, pois se desconhece a viagem no tempo... Concluo que o movimento não apresenta, por tudo isto, proposta de sociedade a serviço da qual a derrubada do poder estaria alinhada, não podendo, por isto, ter líder que o represente ou sustentabilidade política.

Antevejo duas evoluções possíveis considerando a ucranização do Brasil pouco provável: a) o movimento declina e se enfraquece ou b) desenvolve vertente terrorista, de vida curta pela nossa cultura pacífica que não é fato menor e que produziria imediato consenso e repulsa de grande monta. Não enxergo no movimento força ou consistência para a cronificação necessária ao projeto de sangria, embora é certo que tentarão fazer outras manifestações que podem até ser numerosas.

Cabe ao governo agora assumir a governança com firmeza e humildade e prosseguir conduzindo a nação ao destino democrático, justo, próspero e soberano a que todos nós brasileiros aspiramos. O único risco que corremos é o governo não governar, pois para isso foi eleito pela maioria.


Definitivamente o Brasil não é um país para iniciantes.

quarta-feira, 18 de março de 2015

O El Dorado - do ano 1500 até 15 de março de 2015




por Fabio de Oliveira Ribeiro, comentarista do blog do Nassif

O Brasil começou a ser colonizado por causa de um mito. Milhares de camponeses e aventureiros portugueses foram atraídos para a Colônia com esperança de encontrar o El Dorado, que seria uma cidade feita de ouro . Os índios, que não eram as bestas-feras descritas pelos cronistas portugueses, tomaram conhecimento do mito e passaram a utilizá-lo para desviar os violentos conquistadores de suas terras. Quando lhes perguntavam sobre o metal amarelo reluzente, os indígenas diziam aos portugueses que mais para adiante, no interior de Pindorama, havia uma serra cheia do metal (tema, aliás, explorado de forma magistral no filme Caramuru - que vale muito a pena assistir).






O sonho da riqueza fácil embaralhou a vida dos colonos e de seus bastardos nos tempos coloniais. Os pesadelos imperiais e republicanos não foram muito diferentes. Primeiro a riqueza fácil foi obtida com a produção de açúcar pelos "negros-coisas" moídos nas fazendas de cana. Para infelicidade geral, só no final do século XVII (1698) o ouro foi realmente encontrado numa região montanhosa no interior, que recebeu o nome de Minas Gerais (mas que também poderia ser chamada de El Dorado brasílico). Café, borracha, algodão e tabaco explorados com mão de obra escrava ou semi-escrava também realizaram os sonhos de alguns a custa do pesadelo de muitos.

O Brasil chegou ao século XX rural e com algumas indústrias. Saiu dele industrializado e com uma população urbana. O sonho de enriquecer rápido, porém, não foi esquecido. Ele está na origem de três comportamentos típicos e patológicos dos brasileiros remediados: sonegação fiscal, desrespeito à legislação trabalhista e pagamento/recebimento de propinas para obtenção/facilitação de vantagens contratuais. O “outro” nunca é encarado como um conterrâneo. O Estado é apenas uma fonte de riqueza fácil (idem para as empresas estatais, como sugerem os escândalos do Metrô SP e da Petrobras).

O mais novo El Dorado que atiça a cobiça dos descendentes dos colonos bestas-feras é o pré-sal. Este mar de ouro negro no subsolo do litoral brasileiro, prontinho para ser pilhado e depois bebido, comido e vestido... nos EUA e na Europa. A mentalidade de pirata explica não somente as contas de brasileiros no HSBC na Suíça, mas o desejo de exploração rápida e lucrativa desta poupança nacional. Ninguém ficaria suspeito se alguém conseguisse comprovar que alguns tucanos (peemedebistas e outros “istas” também) estão aceitando adiantamentos em dólar e em euro das petrolíferas norte-americanas para facilitar a entrada delas na exploração do petróleo.

Quando falam “O Petróleo é Nosso”, os oligarcas do sul e do sudeste que reiniciaram a Guerra de 1932 no dia 15/03/2015 (provavelmente porque desejam embolsar no todo ou em parte os trilhões de dólares do pré-sal) querem dizer “Este Petróleo será Meu”. O povo brasileiro não é uma categoria fundamental no pensamento individualista dos colonizadores e no dos seus descendentes. Razão pela qual a minoria quer governar e dá bem pouco valor aos votos dos brasileiros que elegeram Dilma Rousseff de maneira legítima, limpa e nas urnas.

O El Dorado é uma tentação. É também uma maldição. Muitos dos colonos que se internaram na mata em procura da cidade feita de ouro morreram de doenças tropicais que eles desconheciam, de picadas de cobras venenosas, devorados por onças e feridos por índios que defendiam seu território como podiam: fazendo emboscadas, disparando flechas e dardos mortais e correndo. Aqueles que enriqueceram, o fizeram à custa do sofrimento do índio, do negro, dos seus bastardos e, mais modernamente, dos seus trabalhadores semi-escravos, mácula degradante que carregaram e que transferiram e transferem aos seus descendentes.

A vergonha da riqueza acumulada desde o início do país, porém, não faz corar os “melhores brasileiros”, os que foram às ruas em 15/03/2015. Eles afugentam quaisquer sentimentos humanos, patrióticos e nacionais (não necessariamente nesta ordem) com uma racionalização e uma maldição “Este Petróleo será Meu”. E sonham menos com a deposição de Dilma Rousseff do que com o tilintar do ouro e o reluzir da prata que se quer facilmente obter para se poder enterrar num Banco distante, onde se pode usufruiu a boa vida longe dos olhos do povão.

Mas a paciência do povão sempre tende a diminuir. Quem conseguiu universidade, casa e carro, agora quer mais. A maldição do El Dorado, que o índio usava para afugentar o colono português de suas terras, inoculou-se enfim no povo brasileiro. E o povo vai às ruas para dizer “O Petróleo é Nosso” e tentam evitar as oligarquias sulistas e sudestinas de concretizar seu mantra “Este Petróleo será Meu”. Há cheiro de sangue, fezes, urina e tripas no ar. O El Dorado será enfim o barril de pólvora que explodiu na cara dos descendentes dos “senhores e doutores do Novo Mundo”. Melhor assim...

segunda-feira, 16 de março de 2015

O maior problema deste Bananal - Cleptocracia cronica






por Luiz Flávio Gomes, no blog do Nassif



A Nova República (pós-ditadura) está morta! Morreu no dia em que completou 30 anos (1985-2015). A massa rebelada nas ruas (mais de 2 milhões de pessoas, segundo estimativa das polícias militares) falou em impeachment, fora PT e muito (muito mesmo!) em "fim da corrupção". A causa mortis da Nova República decorre de uma série de complicações (econômicas, políticas, sociais, educacionais, eleitorais, "teatrais" etc.), mas a doença de maior eficácia mortífera chama-se cleptocracia, que significa:  Estado governado por ladrões pertencentes às classes dominantes e/ou reinantes, ou seja, as que dominam o poder econômico, financeiro, político e administrativo do País (esses 4 núcleos serviram de base para o Procurador-Geral dividir a criminalidade organizada "complexa" no petrolão).

A cleptocracia, como se vê, não significa qualquer tipo de corrupção ou de roubalheira (que é uma experiência nacional antiga). Trata-se da alta corrupção, da corrupção praticada por quem tem o poder de comandar grande parcela do orçamento público (do Estado brasileiro). Todos os governos da Nova República (governos de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma) ostentam a imagem de cleptocratas, ou seja, de ladrões (uns mais, outros menos, mas todos os governos receberam essa pecha ou pelo menos todos foram assim percebidos pela população).

Praticamente todos os grandes partidos políticos estão envolvidos com essa mais nefasta corrupção, que é praticada por quem tem o domínio da nação (econômico, financeiro, político e administrativo). Só com base na delação premiada do Delator-Geral da República (cleptocrata), que é o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, já são 7 (sete) os partidos dos políticos investigados pelo escândalo: PP, PMDB, PT, PTB, PSDB, SD e PSB. Considere-se, no entanto, que, até o momento, já foram 15 delações. Nas outras 14, feitas por Sub-Delatores-Gerais da República (cleptocrata), muitos outros políticos e partidos estão fartamente citados (já incluindo-se corrupção em outros setores, como o da energia).

Qual a grande farsa que a cleptocracia (especialmente a brasileira) derrubou? A de que haveria ruptura entre a economia (ciência econômica) e a política (ciência política). A tese é do final do século XIX e foi defendida por William Stanley Jevons, León Walras, Anton Menger e Antoine Augustin Cournot, na onda da revolução marginalista (veja Jaime Osorio, El Estado en el centro de la mundialización: 128-129). Para a economia política clássica, que se cristaliza na segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX, com François Quesnay, Adam Smith e David Ricardo, a reflexão econômica era inseparável da política, das classes sociais, das formas de apropriação da riqueza social. O que essa farsa tem a ver com a roubalheira na pátria mãe gentil?

Enquanto prosperou a velha tese da separação entre economia e política (entre o mercado e a democracia) só eram visíveis os corrompidos (funcionários públicos e políticos), não os corruptores (os donos do dinheiro e, em consequência, do poder econômico e financeiro). Com a cleptocracia abundantemente evidenciada nos mensalões (do PT e do PSDB) e, agora, no petrolão, mas acontece a mesma coisa no cartel do metrôSP, em Furnas - estes já parcialmente desvendados - e outros nem sequer tocados, como as outras companhias de energia (Eletrosul, Celesc, Copel Celpe, etc. etc.) e mesmo em empresas de telefonia (antigas estatais e novas privazadas. O fato novo é que agora algumas nessas falcatruas passaram a ganhar imensa visibilidade também os corruptores de alto calibre do mundo econômico e financeiro, que se unem frequentemente com o poder político e administrativo para, juntos, numa Parceria Público/Privada entre Poderosos (das classes dominantes e/ou reinantes) promover a Pilhagem do Patrimônio Público.

Trata-se da criminalidade organizada P7 (Parceria Público/Privada entre Poderosos para a Pilhagem do Patrimônio Público), cujos protagonistas ladrões sempre foram beneficiários do silêncio obsequioso de todos os criminosos do grupo (a máfia chama isso de omertà). Esse silêncio mafioso foi rompido pela primeira vez de forma sistemática pelos membros da criminalidade organizada P7. O resultado (ainda preliminar) já começou a aparecer: 16 empreiteiras atuavam em cartel na Petrobras (segundo o MP), 24 ações já foram iniciadas (19 penais e 5 cíveis), 11 empreiteiros estão presos (além de vários diretores e funcionários da Petrobras), 15 acordos de delação premiada já foram firmados, 54 pessoas estão sendo investigadas, dentre elas 35 parlamentares, dois governadores (Pezão-RJ e Tião Viana-AC) e um ex-governador (Sérgio Cabral) etc. Desfraldados os véus farsantes dos verdadeiros donos do poder (poder econômico e financeiro), sabe-se que o mundo da corrupção cleptocrata (corrupção de alto nível, dos poderosos) é muito mais imundo e profundo do que o povo brasileiro poderia imaginar.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Taí, a velha cumbuca que ninguém investiga... dados novos



pescado no Portal Metrópole, com informações da IstoÉ (sem link)


Uma conta bancária na Suíça, conhecida como "Marília", foi usada para movimentar as propinas que azeitaram os negócios da Siemens e da Alstom com governos do PSDB, em São Paulo. Por ela, transitaram cerca de R$ 64 milhões em propinas e os recursos foram gerenciados por homens da cozinha dos governos de Mario Covas, em São Paulo, e até do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Este é o tema de uma reportagem bombástica da revista Istoé, que acaba de chegar às bancas. Até agora, o procurador Rodrigo de Grandis reluta em denunciar tucanos indiciados pela Polícia Federal. Será que vai manter a conduta?

O Portal Metrópole revelou quem eram as autoridades e os servidores públicos que participaram do esquema de cartel do Metrô em São Paulo, distribuíram a propina e desviaram recursos para campanhas tucanas, como operavam e quais eram suas relações com os políticos do PSDB paulista.
Agora, com base numa pilha de documentos que o Ministério da Justiça recebeu das autoridades suíças com informações financeiras e quebras de sigilo bancário, já é possível saber detalhes do que os investigadores avaliam ser uma das principais contas usadas para abastecer o propinoduto tucano. De acordo com a documentação obtida com exclusividade, a até agora desconhecida “conta Marília”, aberta no Multi Commercial Bank, hoje Leumi Private Bank AG, sob o número 18.626, movimentou apenas entre 1998 e 2002 mais de 20 milhões de euros, o equivalente a R$ 64 milhões. O dinheiro é originário de um complexo circuito financeiro que envolve offshores, gestores de investimento e lobistas.

Uma análise preliminar da movimentação da “conta Marília” indica que Alstom e Siemens partilharam do mesmo esquema de suborno para conseguir contratos bilionários com sucessivos governos tucanos em São Paulo. Segundo fontes do Ministério Público, entre os beneficiários do dinheiro da conta secreta está Robson Marinho, o conselheiro do Tribunal de Contas que foi homem da estrita confiança e coordenador de campanha do ex-governador tucano Mário Covas. Da “Marília” também saíram recursos para contas das empresas de Arthur Teixeira e José Geraldo Villas Boas, lobistas que serviam de intermediários para a propina paga aos tucanos pelas multinacionais francesa e alemã.

Até 2003 conhecido como Multi Commercial Bank, depois Safdié e, a partir de 2012, Leumi Private Bank AG, a instituição bancária tem um histórico de parcerias com governos tucanos. Em investigações anteriores, o MP já havia descoberto uma outra conta bancária nesse banco em nome de Villas Boas e de Jorge Fagali Neto, ex-secretário de Transportes Metropolitanos de SP (1994, gestão de Luiz Antônio Fleury Filho) e ex-diretor dos Correios (1997) e de projetos de ensino superior do Ministério da Educação (2000 a 2003) na gestão Fernando Henrique Cardoso. Apesar de estar fora da administração paulista numa das épocas do pagamento de propina, Fagali manteria, segundo a Polícia Federal, ascendência e contatos no governo paulista. Por isso, foi indiciado pela PF sob acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Fagali Neto também é irmão de José Jorge Fagali, que presidiu o Metrô na gestão de José Serra. José Jorge é acusado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual de fraudar licitações e assinar contratos superfaturados à frente do Metrô.

Para os investigadores, a “conta Marília” funcionaria como uma espécie de “conta master”, usada para gerenciar recursos de outras que, por sua vez, abasteceram empresas e fundações de fachada, como Hexagon Technical Company, Woler Consultants, Andros Management, Janus, Taltos, Splendore Associados, além da já conhecida MCA Uruguay e das fundações Lenobrig, Nilton e Andros. O MP chegou a pedir, sem sucesso, às autoridades suíças e francesas o arresto de bens e o bloqueio das contas das pessoas físicas e jurídicas citadas. Os pedidos de bloqueio foram reiterados pelo DRCI, mas não foram atendidos. Os investigados recorreram ao STJ para evitar ações similares no Brasil.

O MP já havia revelado a existência das contas Orange (Laranja) Internacional, operada pelo MTB Bank de Nova York, e Kisser (Beijoqueiro) Investment, no banco Audi de Luxemburgo. Ou seja, “Marília” é mais um nome próprio no dicionário da corrupção tucana. Sabe-se ainda que o cartel operado pelas empresas Siemens e Alstom, em companhia de empreiteiras e consultorias, usava e-mails cifrados.

Os novos dados obtidos pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça dão combustível para o aprofundamento das investigações no Brasil. Além do processo administrativo aberto pelo Cade sobre denúncia de formação de cartel nas licitações de São Paulo e do Distrito Federal, outras duas ações sigilosas, uma na 6ª Vara Federal Criminal e outra na 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, apuram crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa. Além de altos funcionários do Metrô, como os já citados Lavorente e Fagali, as investigações apuram a participação do ex-secretário de Energia e vereador Andrea Matarazzo, em razão de contratos celebrados entre a Companhia de Energia de São Paulo (CESPE) e a Empresa Paulista de Transmissão de Energia Elétrica S.A. (EPTE).

Na documentação encaminhada pelo DRCI ao MP de São Paulo, a pedido do promotor Silvio Marques, também constam novos dados bancários de vários executivos franceses, alemães e brasileiros que tiveram algum tipo de participação no esquema de propinas. São eles os franceses Michel Louis Mignot, Yves Barbier de La Serre, André Raymond Louis Botto, Patrick Ernest Morancy, Jean Pierre Antoine Courtadon e Jean Marcel Jackie Lannelongue e os brasileiros José Amaro Pinto Ramos, Sabino Indelicato e Luci Lopes Indelicato, além do alemão Oskar Holenwger, que operou em toda a América Latina. Na Venezuela, Holenwger é citado junto a Mignot, La Serre, Morancy e Botto em investigação sobre lavagem de dinheiro, apropriação indébita qualificada, falsificação de documentos e suposta corrupção de funcionários públicos do setor de energia.

O apoio das autoridades de França e Suíça às investigações brasileiras não tem sido tão fácil, e a cooperação é mais recente do que se pensava. O Ministério da Justiça chegou a pedir o compartilhamento de informações ainda em 2008 – auge da investigação da Siemens e da Alstom. Mas não foi atendido. Os franceses lembraram que, nos termos do acordo bilateral, a cooperação só pode se desenrolar por via judicial. Dessa forma, foi necessário notificar o Ministério Público Federal para que oficiasse junto à 6ª Vara Criminal Federal e à 13ª Vara da Fazenda Pública. O compartilhamento só foi efetivado em dezembro de 2010.

A Suíça, ainda em março de 2010, solicitou a cooperação brasileira na apuração das denúncias lá, uma vez que parte do dinheiro envolvido nas transações criminosas teria sido depositada em bancos suíços. Os primeiros dados, relativos à empresa MCA e ao Banco Audi de Luxemburgo, chegaram ao Brasil em julho de 2011. Foram solicitadas ainda oitivas com determinadas testemunhas, o que foi encaminhado ao MPF em São Paulo e à Procuradoria Geral da República (PGR). Paralelamente, a Polícia Federal abriu o inquérito nº 0006881-06.2010.403.6181, mas só no último dia 25 de julho o procurador suíço enviou às autoridades os dados bancários solicitados, por meio de uma decisão denominada “conclusive decrees”, proferida em 14 e 24 de junho. Foi com base nisso que a Suíça já bloqueou cerca de 7,5 milhões de euros que estavam na conta conjunta de Fagali e Villas Boas, no Safdié. Tratou-se de uma decisão unilateral suíça e a cifra não é oficial – foi fornecida ao Ministério da Justiça por fonte informal. A Suíça só permite o uso dos dados enviados em procedimentos criminais.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Entenda as contas na Suíça




Bruno Lupion no UOL

Fetiche de milionários de todo o mundo e presença constante em enredos de cinema, as contas secretas em bancos suíços identificadas apenas por um código numérico foram extintas há mais de duas décadas.

As contas numeradas eram uma estratégia inigualável para manter a privacidade no começo do século passado. Naquela época, os registros eram feitos em papel e não havia computadores dotados de criptografia. Na década de 40, esse tipo de conta foi determinante para o sucesso dos bancos suíços.

A modalidade permitia que um advogado ou representante legal abrisse uma conta para seu cliente sem que o banco soubesse o verdadeiro dono do dinheiro

Esse tipo de depósito impessoal funcionou até 30 de junho de 1991. Naquele ano foi aprovada uma nova legislação obrigando os bancos suíços a saberem quem eram os donos verdadeiros do dinheiro depositado no país. Os titulares de contas secretas e numeradas, estimados à época em cerca de 30 mil clientes, tiveram até 30 de setembro de 1992 para informar seus nomes ou fecharem suas contas.

Os bancos suíços mantêm até hoje em sua cesta de serviços a possibilidade de abrir contas numeradas. Mas elas não são mais secretas por completo –o titular precisa comprovar sua identidade no ato de abertura da operação.

A diferença da conta numerada para uma tradicional é que o banco identifica o cliente apenas como um número. Poucos funcionários têm acesso ao nome real da pessoa por trás daquele número. Esse é o “benefício” atual das contas numeradas.

A assessoria de comunicação da “Swiss Bankers Association”, equivalente naquele país à Federação Brasileira de Bancos, respondeu assim na semana passada à pergunta sobre se é possível abrir uma conta numerada na Suíça:

“Sim, abrir uma conta numerada é possível. Mas note que uma conta numerada não pode ser confundida com uma conta anônima. Não há contas anônimas na Suíça”.

Em 1º.jul.2004, uma nova legislação anti-lavagem de dinheiro fechou ainda mais o cerco e obrigou os bancos suíços a identificarem os donos das contas numeradas em transferências bancárias internacionais.


PARAÍSOS FISCAIS
Um recurso muito utilizado hoje por milionários que buscam mais privacidade sobre suas fortunas é a abertura de empresas em paraísos fiscais. Nesses locais, cobra-se pouco ou nenhum imposto. Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e Luxemburgo são exemplos de nações que oferecem esses serviços.

Conhecidas como “offshores”, as empresas em paraísos fiscais se tornam as titulares oficiais das contas na Suíça no lugar das pessoas que preferem ter suas identidades preservadas. É o caso da família de Jacob Barata, o “rei do ônibus” no Rio, como revelado pelo UOL numa reportagem do Blog do jornalista Fernando Rodrigues.

O UOL relatou a mesma estratégia de uso de offshores por parte de pessoas da família Queiroz Galvão. Controladores das empreiteiras Galvão Engenharia e Queiroz Galvão, integrantes dessa família também aparecem como correntistas do HSBC em 2006 e 2007. O dinheiro deles é controlado por “offshores” sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas.

Há crescente pressão por transparência em paraísos fiscais, mas o sistema financeiro suíço ainda é considerado um dos mais fechados do mundo. O relatório “Financial Secrecy Index” de 2013 (última edição disponível) colocou a Suíça no topo do ranking de segredo bancário.

O ritmo de abertura das autoridades suíças à cooperação com outros países é lento e beneficia as nações mais poderosas, com os quais a Suíça tem maior interesse em manter boas relações comerciais e diplomáticas.

O Brasil tem um acordo de cooperação jurídica com a Suíça. Ele permite trocar informações e realizar atos processuais para investigar e punir pessoas acusadas de crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e terrorismo.

O tratado não vale para apurar sonegação de impostos ou evasão de divisas. Para buscar sonegadores que não cometeram crimes mais graves, seria necessário um acordo de cooperação fiscal entre as autoridades dos dois países.

Abaixo, algumas respostas para perguntas comuns sobre o funcionamento das contas na Suíça e como os governos podem agir para recuperar dinheiro obtido de forma criminosa depositado em bancos daquele país.

1) Para abrir uma conta na Suíça, é necessário ir pessoalmente ao banco?
Não necessariamente. Tudo pode ser feito por meio de um procurador legalmente constituído. Esse representante, entretanto, terá de identificar de maneira completa o titular da conta. Em alguns casos, a conta pode ser aberta em uma agência do banco no Brasil. Em algumas situações, para clientes muito ricos, o banco envia um funcionário, diretamente da Suíça, para coletar os dados.

2) O banco suíço ou o governo da Suíça perguntam ao correntista sobre a origem do dinheiro?
Informar a origem do dinheiro não é um requisito obrigatório para todas as pessoas que abrem conta em bancos na Suíça. Mas, se o banco desconfiar que aquele dinheiro tem origem criminosa, a instituição deve perguntar ao cliente a origem dos fundos, seus negócios empresariais e sua situação financeira.

O banco também pode solicitar documentos que comprovem a origem do dinheiro, como o contrato de venda de um imóvel, uma declaração de um banco estrangeiro ou o recibo de venda de ações.

É prerrogativa do banco decidir se o cliente é suspeito. Essa avaliação de risco é obrigatória. Está determinada no artigo 6º da lei suíça contra lavagem de dinheiro (conhecida como “AMLA”, acrônimo de Anti-Money Laundering Act).

O banco ou o funcionário que não avaliar o risco do novo cliente, ou que identificar o risco, mas não solicitar informações sobre a origem do dinheiro, está sujeito a multa ou pena de prisão. A Associação dos Bancos Suíços tem hoje 310 bancos filiados.

3) Ao depositar o dinheiro, o correntista paga alguma taxa ou imposto (mensal ou anual) sobre o saldo? Se o dinheiro for aplicado, há imposto sobre o rendimento?
Os bancos suíços cobram taxas de administração dos recursos depositados, que variam de acordo com a instituição. Não incide imposto sobre o saldo das contas.

Os rendimentos financeiros das contas de brasileiros no exterior são tributados pela Receita Federal e devem ser declarados. O imposto é pago no momento de resgate de aplicação.

Brasileiros com depósitos superiores a US$ 100 mil no exterior também devem declará-los anualmente ao Banco Central. Quem não fizer isso está sujeito a multa de até R$ 250 mil.

4) Se o governo do Brasil suspeitar que um contribuinte brasileiro cometeu crime de sonegação fiscal ou praticou evasão de divisas, é possível pedir a quebra de sigilo bancário ao governo da Suíça? Há alguma hipótese em que a Suíça aceita quebrar o sigilo?
O Brasil e a Suíça têm um tratado de cooperação jurídica em matéria penal. Esse acordo não vale, entretanto, para os casos de sonegação fiscal ou evasão de divisas, que não são considerados crimes na Suíça.

O tratado permite que autoridades de ambos os países troquem informações e realizem atos processuais para investigar e punir pessoas acusadas de crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e terrorismo. Se houver fundamento, a Justiça suíça pode determinar a quebra de sigilo, compartilhar os dados ou até repatriar os recursos ao Brasil.

Essa cooperação já foi utilizada em casos famosos, como o do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo Robson Marinho, suspeito de receber propina da multinacional francesa Alstom, e do ex-prefeito Paulo Maluf, acusado de corrupção e desvio de verbas públicas.

A Suíça já demostrou que não aceita colaborar com o Brasil em casos de sonegação fiscal ou evasão de divisas. Em 2006, o Ministério Público Federal brasileiro recebeu documentos enviados pelos suíços para investigar suspeita de corrupção, mas denunciou Paulo Maluf por evasão de divisas. O episódio provocou um incidente diplomático.

Insatisfeita com o uso dos dados para finalidade diversa da combinada, a Suíça ameaçou suspender o tratado de colaboração com o Brasil. Pressionada, a Promotoria brasileira acabou solicitando à Justiça o arquivamento da ação.

5) Se o governo do Brasil não tem acordo de cooperação fiscal com o governo da Suíça, como será possível obter os dados do caso SwissLeaks?
É inútil as autoridades brasileiras tentarem obter do governo suíço os dados dos 8.667 correntistas do Brasil que mantinham contas na agência de “private bank” do HSBC em Genebra, na Suíça, nos anos de 2006 e 2007.

Ocorre que esses dados foram retirados do HSBC por um ex-funcionário da instituição, Hervé Falciani. Ele entregou todo o acervo de informações (cerca de 106 mil contas bancárias de dezenas de países) para o governo francês.

O Fisco da França homologou os documentos entregues por Falciani como provas para processar cidadãos franceses acusados de sonegação fiscal e evasão do divisas –além de outros crimes.

O governo francês também compartilhou os arquivos do HSBC com vários países desde 2010. A Bélgica, por exemplo, já recuperou cerca de US$ 500 milhões de cidadãos daquele país que mantinham contas no HSBC da Suíça.

6) O governo do Brasil pode requerer ao governo da França acesso aos dados do HSBC que deram origem ao SwissLeaks?
Sim, pode.

7) Se a França tem compartilhado os dados com outros países desde 2010, por que até o início de 2015 o governo brasileiro não havia requerido os dados?
Não se sabe.

À época, em 2010, a mídia divulgou amplamente que a França estava compartilhando os dados. O caso à época ficou conhecido como “Lagarde list”, pois a então ministra da Economia da França, Christine Lagarde (hoje diretora-gerente do FMI), entregou parte dos dados para o governo da Grécia tentar combater a evasão de divisas. Depois disso, os franceses só forneceram as informações a países que demonstraram interesse.

8) Os dados fornecidos pelo governo da França poderão ser usados como prova judicial no Brasil, para que sejam processados por sonegação fiscal ou evasão de divisas os que cometeram esses crimes ao manter contas no HSBC da Suíça?
Essa pergunta ainda não tem resposta definitiva.

Primeiro, será necessário entender como o governo francês conseguiu homologar como verdadeiros os dados recebidos por meio de Hervé Falciani.

Em seguida, será necessário verificar se a Justiça no Brasil acolherá essa chancela do governo francês.

Advogados de brasileiros que tinham contas no HSBC suíço afirmaram ao Blog que utilizarão a teoria dos “frutos da árvore envenenada” para defender seus clientes. Essa doutrina diz que documentos obtidos de forma ilegal não podem servir como prova –logo, se Falciani furtou esses dados do HSBC, eles não poderiam motivar um processo. A palavra final será dos tribunais.

9) No caso de brasileiros acusados de outros crimes (corrupção, lavagem de dinheiro etc.) o governo pode requerer os dados da Suíça?
Sim, nessa hipótese há colaboração entre os dois países.

10) Os dados de saldo bancário do SwissLeaks se referem a 2006 e 2007. Qual a chance de autoridades brasileiras saberem os valores depositados nessas contas antes de 2006 e depois de 2007?
Pequena. O correntista brasileiro deve ser investigado ou denunciado por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro ou terrorismo, e a Suíça precisa concordar em colaborar com as autoridades brasileiras.

Suspeitas de evasão de divisas ou sonegação fiscal não são suficientes para que a Suíça envie dados das contas às autoridades brasileiras.

A atitude da Suíça em relação ao Brasil é diferente da adotada com países mais poderosos, como o Reino Unido. Desde 2013, um tratado bilateral confere à autoridade fiscal bretã acesso aos dados de contas bancárias de seus cidadãos mantidas na Suíça. Os depósitos e seus rendimentos estão sujeitos ao pagamento de impostos ao Reino Unido.

A Suíça assinou em novembro de 2014 um tratado multilateral no âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que estabelece a troca automática de informações bancárias para finalidades fiscais. O Brasil também é signatário do texto e, em tese, poderá solicitar o intercâmbio de dados com autoridades suíças a partir de 2018.

A adesão da Suíça ao tratado foi comemorada pela OCDE, mas há diversas barreiras à efetiva colaboração em matéria fiscal. O Parlamento suíço ainda precisa aprovar o tratado e os legisladores locais estão sujeitos ao poderoso lobby dos bancos.

Mesmo que o texto passe pelo Legislativo, a Suíça poderá escolher com quais países signatários do tratado estabelecerá a cooperação. A tendência é privilegiar países mais influentes, com maior poder de pressão sobre os interesses suíços.

11) Qual foi o grande escândalo descoberto há alguns anos de contas de judeus que ficaram perdidas em bancos suíços?
Na década de 90, a comunidade judaica se organizou para localizar e reaver valores depositados por vítimas do Holocausto em bancos suíços que teriam sido incorporados ao patrimônio das instituições.

Uma comissão chefiada por Paul Volcker, ex-diretor do Federal Reserve (banco central dos EUA), foi constituída em 1996 e investigou por 3 anos os arquivos dos bancos suíços em busca de depósitos de judeus vítimas dos nazistas. Foram localizadas 54 mil contas possivelmente relacionadas a essas pessoas.

Em 1995, o Congresso Judaico Mundial moveu uma ação contra os 2 maiores bancos suíços, o UBS e o Credit Suisse. Em 1998, ambos fecharam um acordo e concordaram em pagar US$ 1,25 bilhão para vítimas do Holocausto e seus herdeiros.

12) Qual o tamanho da riqueza depositada em bancos suíços?
Em 2012, os bancos suíços administravam uma fortuna de cerca de US$ 2,8 trilhões. Naquele mesmo ano, a soma de todos os bens e serviços que o Brasil produziu foi de US$ 2,2 trilhões.

Don Quincas von Braboseira - além de tudo é... néscio!...



por Paulo Nogueira no DCM


Deu a louca no mundo. Ou, pelo menos, deu a louca em Joaquim Barbosa. No Twitter, ele conseguiu comparar o atual momento brasileiro às vésperas de duas revoluções, a Francesa e a Russa.

Nesta visão turvada e obtusa, é como se na França de 1789 a insatisfação revolucionária houvesse partido da aristocracia. E na Rússia de 1917 da corte czarista. Que JB era insuficiente em direito já sabíamos. Que era incapaz de articular frases que fizessem sentido, também. Mas que era analfabeto em história é uma novidade.

O Brasil de 2015 se aproximaria da França de 1789 e da Rússia de 1917 se os privilegiados estivessem na iminência de ser varridos.

Mas não!...

Os privilegiados brasileiros – cujo porta-voz é a mídia – se batem ferozmente para derrubar um governo popular. Na verdade, o Brasil de 2015 lembra, sinistramente, o Brasil de 1954 e o Brasil de 1964. A plutocracia, mais uma vez, se insurge contra a democracia. Repetem-se muitas coisas.

O demagógico e seletivo discurso anticorrupção, por exemplo. Aécio chegou a empregar uma expressão de Lacerda, o Corvo, contra Getúlio: mar de lama. Não pude notar se ele não ficou vermelho ao falar em mal de lama. Mas deveria. Aécio construiu um aeroporto privado com dinheiro público. Colocou, pelas mãos da irmã, dinheiro público nas rádios da família quando governador de Minas. Viu ser exposta a monumental roubalheira de seus eminentes colegas de PSDB no metrô de São Paulo. Agora mesmo, escapou por um triz de entrar na lista de Janot, da qual não escapou sua cria, Anastasia.

Mesmo assim, ele posa de Catão. Ou de Catão 2, dado que o Catão 1 é FHC, o homem que comprou a emenda de reeleição. Essa compra está toda documentada, nos detalhes mais patéticos, graças ao depoimento milimétrico de um comprado. O repórter que tratou solitariamente do assunto na era FHC disse, recentemente, que seu trabalho recolheu não evidências – mas “provas”.

Alguns personagens de 54 e 64 estão presentes em 2015, uma demonstração de quão pouco as coisas mudam no Brasil.

A Globo, por exemplo. Sabotou Getúlio, sabotou Jango, sabotou Lula e agora sabota Dilma. Neste longo percurso de sabotagem, os donos da Globo acumularam a maior fortuna do Brasil.

Se o Brasil vivesse uma situação parecida com a França e a Rússia pré-revolucionárias, como escreveu Barbosa, os Marinhos estariam de malas prontas para recomeçar a vida em outro país. Eles e todo o grupo que tanto tem feito, ao longo da história, para dar ao Brasil as feições classicamente definidas por Rousseau como as perfeitas para uma insurreirão popular: aquelas marcadas pelos “extremos de opulência e de miséria”.

Com diferentes nomes, figuras como Joaquim Barbosa participaram das tramas de 1954 e de 1964. Eram os mistificadores. Eles fingiam defender os interesses da voz rouca das ruas, mas na verdade estavam do lado dos poderosos, dos exploradores, dos predadores sociais.

Em 1789, para voltar ao início, Barbosa não derrubaria a Bastilha. Estaria do outro lado, como um fâmulo dos plutocratas.

terça-feira, 10 de março de 2015

Crise hídrica e falta de governança



entrevista de Eduardo Assad, no IHU


IHU On-Line - Qual é a atual situação do Sistema Cantareira? Quais as causas próximas e as distantes que afetaram o sistema?

Eduardo Assad – É uma sucessão de erros, e isso não vem de hoje. Há um dimensionamento muito bom do Sistema Cantareira para atender a cidade de São Paulo, mas acontece que, em primeiro lugar, houve uma expansão urbana muito grande no Sistema Cantareira e nos 12 municípios em volta dele. Essa expansão provocou a impermeabilização do solo, o que evita que a água infiltre e reabasteça os reservatórios. Essa é uma das situações mais complicadas. Por outro lado, houve um desmatamento muito grande em volta das nascentes e ao longo dos rios de toda a rede de drenagem da Cantareira, e esse desmatamento gerou erosão – há muita erosão e, portanto, a água escorre e não infiltra; logo, não reabastece o sistema.

Na discussão do Código Florestal, houve aquela questão sobre a proteção de Áreas de Preservação Permanente – APPs, que foi absolutamente inócua e ninguém levou em consideração a questão hídrica da biodiversidade, do ecossistema. Esse ecossistema que está em volta das matas ciliares e galerias é frágil. Se mexer ali, desregula todo o ecossistema e mata a nascente. Matando a nascente, não brota água, se não brota água, não é possível abastecer o sistema.

Mudanças climáticas

O outro problema é que estamos tendo um aumento muito forte das temperaturas no Brasil inteiro. Apesar de alguns colegas e do Ministro de Ciência e Tecnologia questionarem as mudanças climáticas, há um aumento crescente da temperatura e um aumento forte das ondas de calor, que provocam uma alta de evaporação. Então, se não tem vegetação, perde-se mais água para a atmosfera – e isso acontece com todos os sistemas, não somente com o da Cantareira. Além disso, todos os cálculos realizados para esse tipo de sistema de abastecimento urbano são feitos em cima de séries de chuvas estacionárias, são séries cujos valores oscilam em torno de uma mesma média ao longo de 40, 50 anos. Acontece que, podendo ou não ser efeito do aquecimento global, estamos mostrando que essas séries não são mais estacionárias e em muitos casos essa média está reduzindo.

Então, quando há alertas como esse, a primeira coisa a fazer é criar os planos de contingência – não quando a crise começa, mas cinco ou seis anos antes, prevendo uma possível crise, porque pode, sim, chover menos, e tudo tem indicado isso. Vou dar um exemplo real: em Campinas, nos últimos cinco anos, essa média despencou de 1.600 para 1.200 milímetros. No ano passado, choveu 900 milímetros em Campinas. Essa é uma quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido, quer dizer, houve uma redução muito forte da quantidade de chuva. Isso não significa que vai continuar assim, mas temos de ficar alertas para essa oscilação na quantidade de oferta de água e, em cima disso, criar os planos de contingência.

"Se não tem vegetação, perde-se mais água para a atmosfera – e isso acontece com todos os sistemas, não somente com o da Cantareira"

Desperdício de água

Outros problemas são da ordem da engenharia, tais como manutenção da rede, redução de perdas, controle correto de uso da água, campanhas de esclarecimento para a população sobre o uso da água. Fico impressionado porque não vejo nenhuma campanha do governo explicando para a população como tem de usar a água corretamente. Aliás, diga-se de passagem, parabéns à população de São Paulo, que está dando uma aula ao governo e mostrando como se faz para economizar água. A população está economizando por conta própria, sem orientação. A única campanha que se vê é a que está no metrô. O governo deveria estar fazendo, desde agosto, uma campanha muito grande, mas as ações estão acontecendo somente por conta da população.

Pela avaliação que fizemos, temos hoje na Cantareira mais ou menos 8.100 Km de rio, nos 12 municípios que circundam o sistema, e 34 mil hectares desmatados na beira dos rios. Não há sistema de abastecimento de água para uma cidade de 22 milhões de habitantes que suporte uma situação dessas.

IHU On-Line - Segundo notícias da imprensa, um estudo de 2009 da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp mostrou que não havia assoreamento na Cantareira. O senhor conhece esse estudo?

Eduardo Assad – Eu gostaria de ver esse estudo, porque as imagens de satélite mostram exatamente o contrário: muito desmatamento, e se não houvesse assoreamento, a água não estaria marrom. Quando se tem água marrom e não se tem água azul, é porque está vindo sedimento. E se está vindo sedimento, tem erosão. Não estou questionando esse estudo, mas gostaria de ver quais parâmetros eles utilizaram para dizer que não havia erosão.

IHU On-Line - O que o governo de São Paulo poderia ter feito para prevenir a crise? Quais medidas poderiam ter sido tomadas para minimizar os danos?

Eduardo Assad – Fazer o que o mundo todo faz. Nova York, por exemplo, comprou terras acima da cidade e as revegetou, começou a proteger as suas nascentes. No município de Extrema, em Minas Gerais, tem um trabalho muito bom sendo desenvolvido, onde quando ocorreram as primeiras chuvas, as águas voltaram a nascer nas nascentes. E é claro que quando se protegem as nascentes você consegue fazer isso. O Código Florestal prevê ações preventivas e, portanto, algumas delas já deveriam ter sido feitas, como, por exemplo, cercar as áreas ao longo dos rios, das matas ciliares para permitir a revegetação, e a proteção das nascentes para permitir que a água brote e, principalmente, evitar a perda de água, porque há uma perda acentuada de água por falta de manutenção do sistema. É complicado, porque pagamos um imposto altíssimo e não há manutenção no sistema de distribuição.

Essas coisas deveriam ser feitas. Por que não foi feito um plano de contingência? Todo mundo sabia que iria faltar água. Em dezembro de 2014 nós nos reunimos no Jardim Botânico, em São Paulo, e elaboramos a carta de São Paulo, que foi publicada na revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp, na qual apontamos a razão dessa crise. Agora, não criar saídas, não buscar financiamentos, não fazer planos com os municípios, não discutir melhor o zoneamento urbano para evitar expansão de condomínios em cima de áreas frágeis, tudo isso demonstra uma falta de governança deste e de todos os governos. Esse é um problema crônico do Brasil.

Além disso, em 2011 a Agência Nacional de Águas - ANA publicou um relatório em Brasília dizendo que em 2015 – e não era bola de cristal – haveria problemas de abastecimento em mais da metade dos municípios brasileiros, incluindo São Paulo. E ninguém fez nada. Então, para que servem esses estudos se eles alertam e ninguém faz nada? Nessa hora não devemos poupar críticas: sim, os políticos estão aí para resolver os problemas da população. Nós pagamos impostos para que os serviços públicos sejam bons, e não para ficar passando aperto e nesta situação de insegurança em função de serviços que não foram feitos. A situação é séria e não me interessa se a culpa é do partido A, B ou C. O que estamos vendo no Brasil é que todos os partidos têm, em suas gestões, problemas de desabastecimento de água.

IHU On-Line - O senhor está entre os especialistas que propõem o plantio de 30 milhões de mudas para recompor a mata ciliar em 34 mil hectares. Que resultado se espera com esse plantio e a partir de quando ele terá efeito sobre o Sistema Cantareira?

Eduardo Assad – Esse cálculo é baseado em estudos científicos. Fizemos um cálculo de plantar 800 mudas por hectare, mas um grupo em São Paulo propõe um pouco mais, principalmente na Mata Atlântica. Esse é o estudo completo, mas se você considerar que todos os 34 mil hectares estão na mesma situação de capacidade de resiliência e regeneração zero, então tem que plantar 30 milhões de mudas.

O professor Ricardo Rodrigues, que é especialista em regeneração, já falou que talvez não seja necessária a regeneração cheia, e que 50% do plantio já seria o suficiente. Assim, o restante da regeneração seria feito com 25% de replantio moderado, 25% de proteção, cercando algumas áreas. Existem seis ou sete técnicas diferentes para fazer essa regeneração, mas devido ao problema e a sua gravidade, sugerimos que se faça o plantio de mudas. Seguindo a conta do professor Ricardo Rodrigues, vão se plantar 20 milhões de mudas, mas eu estou propondo 30 milhões. Com essa revegetação e um cuidado em volta das nascentes dos rios, aos poucos a vegetação vai voltar. Se fizer a regeneração com novas mudas, a água volta em cinco anos. Se só cercar a área em torno das nascentes, vai levar mais tempo para a água voltar, por conta de outros fatores. Agora, é preciso fazer um plano detalhado para cada munícipio e detalhar como essas ações serão feitas, qual será o custo, quem vai pagar, etc.

Estou acompanhando um exemplo muito bom no Espírito Santo em torno do Programa Estadual de Ampliação da Cobertura Vegetal - Reflorestar, que consiste no financiamento da revegetação para o produtor rural. Então, se o produtor faz uma revegetação com plantio, eles financiam 7.600 reais o hectare e depois o agricultor vai receber um pagamento por serviço ambiental de 200 reais por ano. Se o produtor faz a regeneração natural, ou seja, cerca a área e deixa que a vegetação volte, eles pagam 2.400 reais e 191 reais por ano por serviços ambientais. Se o produtor faz um sistema agroflorestal, com produção em cima, ele recebe 8 mil reais, mas não recebe por serviço ambiental, porque terá movimentação. Ou seja, eles criaram um sistema em que é possível revegetar a área e o produtor recebe por isso. Por que não podemos fazer algo parecido em São Paulo?

Além disso, diversos programas de baixa emissão de carbono possuem, no seu programa de financiamento, recursos para a revegetação de matas de galerias e nascentes. Então, temos tudo na mão. Por que não se faz? Alguém tem de fazer um estudo detalhado e dizer como as coisas vão ser feitas. É só proteger as áreas de beira de rios para que elas não sejam invadidas e a água vai voltar. Tenho ajudado alguns produtores e, somente cercando em volta das nascentes dos rios, em um ano, a água voltou a brotar porque o gado deixou de pisar nas áreas de nascente. Mas qual é o problema de fazer isso? É por que não é obra? É por que não aparece? É por que político só faz obra em cima da terra e não embaixo? Isso é muito antigo, o mundo mudou.

O cálculo aproximado do professor Ricardo é de que o custo da revegetação seja de 200 milhões de reais. O governo está fazendo uma transposição de dois bilhões e meio. Só se pensa em obras neste país?

IHU On-Line – As duas principais propostas do governo de São Paulo são fazer a transposição do Rio Parnaíba do Sul e usar a água da represa Billings. Como o senhor vê essas propostas?

Eduardo Assad – Essas são soluções de engenharia. O paciente está na UTI, então é preciso alternativas de curtíssimo prazo para resolver a situação. A nossa sugestão, por outro lado, é de longo prazo e duradoura, é estruturante, e se fizerem o trabalho direito, vai durar para sempre, ao contrário das obras de engenharia que, como já estão mostrando, são iniciativas que se esgotam. Para ter a solução no curto prazo, essas obras têm de ser feitas, mas deve-se tirar água de onde tem, e o rio Paraíba do Sul está sem água. Esse problema está interconectado e se mexerem nisso desse jeito, a crise vai chegar no Rio de Janeiro.

"É como se fosse um mito o governo assumir que está com problemas"

Não sou contra soluções de curto prazo, mas o fato é que o governo deveria estar fazendo maior esforço em relação à manutenção e à redistribuição. Não se pode permitir, num momento de crise, perder 30% de água por problema de manutenção de rede. Em segundo lugar, temos de assumir que estamos em crise e fazer campanhas de economia de água, e não dar entrevistas dizendo para as pessoas comprarem mais uma caixa d’água. É como se fosse um mito o governo assumir que está com problemas.

IHU On-Line – O senhor iniciou a entrevista dizendo que a expansão urbana foi uma das causas que gerou a atual crise. O que fazer em relação a essa expansão?

Eduardo Assad – Esse é um problema crônico no Brasil. Há uma concentração de população nos grandes centros urbanos e essa expansão foi feita de maneira errada. Como podemos permitir que em Petrópolis morram mil pessoas porque o rio inundou e as casas estavam construídas em áreas de preservação permanente? Como podemos permitir um negócio desses? Mil pessoas morreram e nós esquecemos.

Em São Paulo acontece o mesmo: a cidade vai se expandindo. A questão imobiliária é um problema. Eu me pergunto se os estudos de zoneamento urbano são respeitados. Não sei dizer, mas estamos vendo um desordenamento no crescimento das cidades e a especulação imobiliária tem sido enorme. E é óbvio que nesse cenário vai faltar água, energia, hospitais.

IHU On-Line - Que medidas devem ser feitas agora para garantir o abastecimento urbano diante da oscilação da oferta de água por conta das chuvas?

Eduardo Assad – Primeiro, iniciar imediatamente a manutenção da distribuição na área urbana e isso inclui o início imediato da revegetação. Obviamente a transposição também é necessária, porque o paciente está na UTI, porque do contrário em julho não haverá água. Eu não sou contra a transposição, mas sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é olhar o problema de um lado só, quando vários pontos precisam ser observados. Tem gente comprando piscinas de plástico e carro-pipa. Quando se imaginou que chegaríamos a uma situação dessas? O governo do estado de São Paulo criou um comitê de crise e espero que ele olhe para todos os lados.

IHU On-Line - Que relações o senhor tem evidenciado e estabelecido entre mudanças climáticas e seus impactos aos recursos hídricos, à agricultura?

Eduardo Assad – Tenho trabalhado mais com os impactos das mudanças climáticas na agricultura. O que mais estudo é o parâmetro evapotranspiração, que equivale à evaporação do solo e transpiração das plantas. Com o aquecimento global essa evapotranspiração aumenta e tem efeito direto na oferta hídrica. Mais recentemente, um dos maiores focos de trabalho é na redução das emissões de gases de efeito estufa, na mitigação, que implica na revegetação ou sistemas de produção que sejam mais sequestradores de carbono, entre eles a revegetação de Áreas de Preservação Permanente - APPs, que tem duas vertentes importantes: sequestro de carbono e manutenção da água.

IHU On-Line – Há risco de crise hídrica em outros estados?

Eduardo Assad – O Rio Grande do Sul precisa abrir o olho, porque está numa situação muito crítica, além de Minas Gerais, parte da região de Goiás, sul do Maranhão, sul do Mato Grosso do Sul e a já crônica região do agreste nordestino e Bahia. A crise está geral, mas os mais críticos são os estados do Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.



Missão (quase) impossível - conviver com coxinhas




por Alan Souza, comentarista no blog do Nassif


É impossível para quem é de esquerda, como eu, manter amizade de qualquer nível com um coxinha. No máximo vai rolar um coleguismo, se a convivência de trabalho assim impuser, ou uma cordialidade padrão, no caso dos vizinhos. Mas proximidade real, amizade, isso se tornou impossível.

Tive e tenho amigos coxinhas. Dos que ainda tenho, hoje tomei a decisão de me afastar. Coxinhas mentem, mistificam, enganam e com seu papo melífluo escorado na nossa mídia igualmente mentirosa acabam por arrastar para suas indignações aqueles que mais ganharam com os governos do PT - os pobres.

No meu trabalho está sendo assim. A indignação seletiva dos coxinhas contaminou diversos terceirizados, pessoas pobres que sobrevivem com um salário de 900, 1000 reais por mês. Essas pessoas estão convencidas pelo discurso dos coxinhas, de que tudo está uma desgraça e o país era melhor com FHC. Estagiários que estudam graças ao FIES odeiam os governos do PT. Terceirizados que podem viajar e comprar um carro usado graças à estabilidade na economia acham que eram mais felizes quando estavam desempregados, no governo FHC. Servidores de nível fundamental, que estão podendo comprar uma casa pelo Minha Casa Minha Vida, acham melhor quando pagavcam aluguel. E por aí vai.

Coxinhas mentem - todos - e contaminam com suas mentiras. E não recuam nem diante da verdade. Uma dessas pessoas de quem me afastarei insiste em dizer que o roubo na Petrobrás foi de 88 bilhões, pois foi isso que a própria Petrobrás reconheceu em seu balanço. E por mais que eu mostre as petições do Janot falam em 1 bilhão, que o TCU fala em cerca de 1 bilhão e o juiz Moro não fala em nada, continua a sustentar isso. Por mais que eu argumente que se isso fosse verdade Janot utilizaria isso, o juiz Moro utilizaria isso, a pessoa sustenta a mentira. E diz que o Janot está cooptado pelos petistas e o juiz Moro com medo...

E aí eu chego à conclusão: não mentem por desconhecimento. Os coxinhas sabem que a corrupção na Petrobrás não foi de 88 bilhões, eles insistem em repetir isso por mau-caratismo mesmo. É por defeito moral, o mesmo de onde nasce a indignação seletiva. É pra enganar e cooptar incautos. Ainda que pra isso eles precisem ensinar esses incautos a amar o que os levará à miséria novamente, numa eventual queda do governo do PT. O nível de fealdade dos coxinhas chega a esse ponto.

Quando a mentira fica por demais evidente, o quando os argumentos fogem, meus ex-amigos coxinhas soltam a frase de força: "o Alan é petista!". Pronto, é o argumento-cláusula-pétrea da Constituição, irrefutável, irredarguível! Se quem contra-argumenta é petista, o que quer que ele fale é inválido. A norma fundamental de Kelsen desenhada por um coxinha.

Assim, desisti da tolerância, desisti da boa convivência, desisti da coexistência: vou cortar o papo com coxinhas e só vou dedicar minha amizade a quem é de esquerda como eu. Ou a quem for de direita mas tiver amor à verdade (tá dificílimo achar um, mas eu até acredito que exista, em teoria...). Ou a quem tiver ódio de política e for bom caráter. Prefiro um analfabeto político honesto do que um coxinha politizado.

sábado, 7 de março de 2015

Eduardo Cunha recebeu dinheiro da Bradesco Saúde na campanha e agora impede CPI dos Planos de Saúde - tá explicado!...






por Ivan Valente, no Feicebuq




Vergonhosamente, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), vetou a constituição da CPI dos Planos de Saúde (*). Em apenas um dia, o deputado Ivan Valente (PSOL/SP) coletou 201 assinaturas de parlamentares pedindo a CPI para investigar as irregularidades e abusos praticados pelos planos de saúde – que transformaram a saúde em mercadoria.

A alegação do presidente foi que a CPI não tem foco. Ou seja, ele desprezou a quantidade enorme de queixas nos Procons, com mais de 80% dos casos revelando ilícitos contratuais das operadoras. Desprezou ainda as práticas abusivas cometidas pelas empresas contra médicos e demais trabalhadores da saúde, além de outras dezenas de reclamações sobre procedimentos, baixa remuneração, aumentos abusivos acima da inflação, violação de autonomia legal dos profissionais de saúde para obter mais lucros com menos serviços e adiamento indeterminado dos processos – que na Justiça os consumidores ganham em 88% dos casos. Num universo de pelo menos 50 milhões de cidadãos prejudicados por esta conduta, Eduardo Cunha diz que a CPI não tem foco.

Os motivos de Eduardo Cunha, na verdade, são outros. Ele precisa explicar porque, como relator da Medida Provisória 627, fez uma emenda anistiando multas dos planos de saúde em 2 bilhões de reais. Ou seja, de cada mil multas, as empresas pagariam apenas vinte. Que beleza para os comerciantes da saúde!Dilma acabou vetando o dispositivo.

Agora, na prestação de contas ao TSE, o deputado Eduardo Cunha declarou ter recebido 250 mil reais da Bradesco Saúde. E o Código de Ética Parlamentar é bem claro no seu Artigo 5º “Atenta contra o decoro relatar matéria de interesse específico de pessoa que tenha contribuído para campanha eleitoral”.


Nota (*)  - isso foi 3 dias antes de ser arrolado no listão do Petrolão.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Raio X do nosso Bananal - porque precisamos de uma reforma política. Sai?...

bico de pena de Rogelio Naranjo


por Samuel Pinheiro Guimarães, na Carta Maior

O custo total das campanhas da última eleição foi de 5 bilhões de reais. A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema de corrupção.

Há um clamor público, uma revolta de todas as classes da sociedade, contra as revelações de corrupção. Quando terá começado a corrupção? Quem são os culpados? É um fenômeno exclusivamente brasileiro ou do mundo subdesenvolvido ou humano em geral? A quem interessa? Ocorre apenas no setor público? Será uma característica inata da sociedade brasileira?

Os incidentes de corrupção que a operação Lava Jato vêm desvendando e que vazam para a imprensa, sem provas e a conta gotas, por quem deveria preservar o sigilo das investigações e a reputação dos acusados (mas não culpados por que não foram julgados) estariam relacionados com o financiamento de campanhas eleitorais. O sistema de financiamento de campanhas eleitorais está vinculado à representação de interesses econômicos no Legislativo e no Executivo. O caso do Judiciário é um tema a parte, ainda que de grande interesse.

O candidato Aécio Neves gastou em sua campanha eleitoral, de acordo com as declarações ao TSE, cerca de 201 milhões de reais. A candidata Dilma Rousseff gastou cerca de 318 milhões de reais. O custo total das campanhas para presidente, governador, senador e deputado foi de cinco bilhões de reais.

De onde vieram esses recursos? Certamente (ou muito raramente) não vieram da fortuna pessoal dos candidatos, mas sim de doações, principal ou quase exclusivamente, de grandes empresas privadas.

O custo das campanhas é extremamente elevado devido aos custos de produção e de veiculação de programas de televisão, das viagens (de jato, aquele lavado) que se fazem necessárias devido à extensão territorial do país, dos custos de material de propaganda e de sua distribuição.  O objetivo dos que defendem o financiamento privado das campanhas eleitorais está vinculado à principal característica da sociedade brasileira que é a concentração de renda e de riqueza.

A concentração de renda é, em geral, estimada a partir dos rendimentos do trabalho conforme declarados à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE.

Os rendimentos do capital, isto é os lucros, os juros, os aluguéis, são subdeclarados na PNAD e a Secretaria da Receita Federal não publica esses dados de acordo com a sua distribuição por faixa da população, ainda que sem quebra de privacidade dos declarantes do Imposto de Renda.

A estimativa é de que os rendimentos do trabalho correspondam a cerca de 48% da renda nacional.

O salário mínimo é de 788 reais, o salário médio do trabalhador brasileiro é inferior a 2.300 reais por mês e 90% dos brasileiros ganham até cinco salários mínimos por mês.

São 13,7 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família. Isto significa que cerca de 50 milhões de brasileiros tem rendimento mensal inferior a 77 reais. Por outro lado, há, no Brasil, cerca de 46 bilionários e 10.300 multimilionários, estes com patrimônios pessoais superiores a 23 milhões de reais.

Muitos são os mecanismos de concentração de renda e de riqueza. Entre esses mecanismos estão às taxas de juros, o sistema tributário, os créditos do Estado a empresas e o sistema de aluguéis. Quanto mais elevadas às taxas de juros “autorizadas” ou permitidas pelas autoridades monetárias maior a transferência de riqueza de devedores, que são a enorme maioria da população, para os credores privados, detentores do capital, e do Estado para os seus credores.

O sistema tributário pode ser regressivo ou progressivo. O sistema se diz regressivo quando a maior parte dos impostos arrecadados provêm da maioria da população, sem distinção de seu nível de renda (imposto sobre o consumo, por exemplo) e se diz progressivo quando os indivíduos detentores de maior riqueza ou de mais alto nível de renda pagam mais impostos mesmo em proporção a sua riqueza ou renda. É fato que um sistema regressivo de tributação concentra renda e riqueza. As isenções de impostos, as restituições e as desonerações para empresas ou indivíduos acentuam a concentração de renda.

Os créditos fornecidos pelo Estado privilegiam em geral as maiores empresas e, portanto, seus proprietários que são os indivíduos mais ricos da sociedade. A leniência do Estado para com a evasão de tributos ou com seu não pagamento (por exemplo, pela não criminalização da evasão, pelo parcelamento e perdão das dívidas tributárias) também concentra renda e riqueza. São brasileiros os proprietários de 530 bilhões de dólares depositados em paraísos fiscais. A concentração de renda e de riqueza em mãos de uma ínfima minoria da população brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema democrático e sobre os episódios de corrupção. Os indivíduos detentores de riqueza e renda tem interesse em preservar os mecanismos de concentração e interesse em que não surjam instrumentos legais (leis ou programas) que desconcentrem riqueza e renda.

Ora, as normas (as leis) que definem a estrutura e o mecanismo de riqueza, propriedade e renda (legislação trabalhista, tributária, monetária, da propriedade rural e urbana, etc.) são elaboradas no Legislativo, eventualmente no Executivo e cada vez mais no Judiciário.

Em um país de grande concentração de riqueza e renda, de elevado grau de urbanização, de grande penetração dos meios de comunicação, de sistema democrático e eleitoral relativamente livre de fraudes, seria natural que a enorme maioria da população (que é pobre ou no máximo remediada) elegesse a maioria dos representantes no Congresso, que deveriam ser como ela pobres e remediados e, portanto, legisladores dispostos a redistribuir a riqueza e a renda ou pelo menos a minorar os mecanismos de concentração.

Não é isto o que ocorre. A ínfima minoria milionária e bilionária tem, assim, de procurar instrumentos para influir no processo político para evitar esse tipo de legislação e de ação redistributiva no Executivo. Essas, quando ocorrem, são taxadas de comunistas, socialistas, nacionalistas, e hoje em dia de bolivarianas.

1 - O primeiro e mais importante desses instrumentos é o financiamento privado (empresarial) das campanhas eleitorais.

2 - O segundo instrumento é o controle dos Partidos para que estes escolham como seus candidatos indivíduos que sejam favoráveis à sua visão (isto é, daquela minoria) da sociedade, ainda que não sejam eles mesmos, do ponto de vista pessoal, detentores de riqueza e renda elevadas.

3 - O terceiro instrumento é o controle dos meios de comunicação para convencer a população das deficiências do Estado, do caráter corrupto dos candidatos dos Partidos e das políticas populares (isto é, daqueles comprometidos com programas de reforma social que leva à desconcentração de riqueza e renda).

4 - O quarto instrumento é a campanha permanente dos meios de comunicação de desmoralização da atividade política, do Estado e dos políticos para manter a maioria do povo afastada da política. Uma das formas de manter o povo afastado da política seria a aprovação do voto facultativo como se este fosse apenas um direito e não um dever.

A campanha pela reforma política deve se concentrar no tema central do financiamento empresarial das campanhas, que é a verdadeira fonte de corrupção e de controle oligárquico, não democrático, da sociedade por aqueles que concentram o poder econômico e controlam os meios de comunicação.

Os representantes das forças conservadoras no Congresso Nacional já se empenham para votar o projeto que consagra o financiamento privado, isto é, empresarial, das campanhas eleitorais.

A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema fundamental de corrupção do processo político que tem como objetivo impedir a desconcentração de riqueza e renda que torna o Brasil um dos países mais injustos do mundo.