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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A genese do (neo)liberalismo... anotações históricas e confusões atuais

por Francisco Vidal (excerto) no Diário do Centro do Mundo


O neoliberalismo não é nenhum recém-nascido. Ele surgiu como um movimento teórico, político e ideológico de contestação frontal e radical às sociedades do capitalismo avançado do segundo pós-guerra, marcadas por intervenção estatal na economia, políticas redistributivas e alguma harmonização das relações entre classes, tudo isso num contexto maior de crescimento econômico e redução das desigualdades sociais. O Estado do Bem-estar Social (Welfare State) é a expressão máxima desse período, os “anos dourados” do capitalismo (1945-1973).

O “manifesto de lançamento” teórico do neoliberalismo é a obra “O Caminho da Servidão”, de Friedrich Hayek, publicado na Inglaterra, em 1944. Hayek era austríaco de nascimento e migrou para a Inglaterra, em 1931, aceitando o convite que lhe fora feito por Lionel Robins para lecionar na London School of Economics e, desse modo, fortalecer as barreiras liberais contra as investidas das teorias mais favoráveis à intervenção do Estado na economia.

A Grande Depressão mostrava então todo seu horror e o tiro de misericórdia na teoria econômica liberal viria pouco depois, com o surgimento e rápida ascensão do keynesianismo. De fato, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de John Maynard Keynes, publicada em 1936, oferecia respostas muito mais críveis e passíveis de aplicação relativamente aos graves problemas econômicos e sociais da época.

Mas Hayek teve a perseverança típica dos que acatam uma derrota sem, contudo, aceitá-la como eterna. Incapaz de vencer Keynes em campo aberto do “capitalismo organizado” e de um Welfare State já em formação, tratou de organizar uma aguerrida resistência. Convocou, em 1947, para a estação suíça de Mont Pèlerin, sob generosos patrocínios de empresários abastados, um encontro de notáveis intelectuais de ambos os lados do Atlântico, todos inimigos declarados do Estado social europeu e do New Deal norte- americano.

Além do próprio anfitrião, estiveram lá homens como Karl Popper (notabilizado por seus vitupérios contra Hegel em “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”), Milton Friedman (que viria a se tornar bastante conhecido não só dos norte-americanos, com seu “Capitalismo e Liberdade”, como também dos latino-americanos, pela formação de sucessivas levas de economistas, os chamados Chicago boys) e ninguém menos que Ludwig von Mises, antigo mentor do próprio Hayek e provavelmente o mais duro e intransigente liberal do século XX.

Desse encontro resultaria a criação da Sociedade de Mont Pèlerin, espécie de seita neoliberal altamente organizada e ramificada, com a missão de promover o combate sem tréguas ao intervencionismo, às políticas sociais e ao próprio caráter “organizado” do capitalismo. Se os socialistas já contavam há décadas com algumas internacionais, nascia naquele momento a Internacional Liberal. Hayek foi escolhido pelos seus pares como seu primeiro presidente, e “reinou” absoluto entre 1947 e 1961.

Sob sua batuta, a organização recém-criada dedicar-se-ia sistematicamente a promover encontros periódicos e, sobretudo, exercer influência sobre governos, burocratas, intelectuais em geral e a própria opinião pública.

Mais do que isso, a Sociedade de Mont Pèlerin viria a servir de “espelho” para diversos think tanks com a mesma matriz ideológica, criados em profusão a partir dos anos 1950, sobretudo no eixo anglo-saxônico do capitalismo. Por ironia, e não sem contradição, esse movimento de resistência neoliberal confirmaria, por analogia, uma máxima de Karl Polanyi em sua obra “A Grande Transformação”: enquanto o keynesianismo e o intervencionismo foram medidas práticas, adotadas pelos governos para conter a Grande Crise e retirar a economia e a sociedade da prostração, o neoliberalismo foi organizado e planejado.

A desregulamentação das economias e a consequente libertação do grande capital financeiro das amarras estatais, a partir dos anos 1970, minaram a continuidade virtuosa das políticas keynesianas e redistributivas. Posteriormente, o fim da Guerra Fria, com a dissolução do bloco soviético, concedeu ao neoliberalismo um caráter triunfalista e a chance de uma expansão inaudita.

Nesse contexto totalmente reformulado, o keynesianismo, a social-democracia clássica e o próprio Welfare State não foram páreos para os gurus neoliberais, Hayek à frente, seguido de Friedman.

Em seu “Institutos Liberais e Neoliberalismo no Brasil da Nova República”, Denise Gros descreve e analisa a teia de ligações entre os diversos think tanks liberais espalhados pelo mundo, bem como seus vínculos estreitos com grandes corporações e fundações privadas, não por acaso pródigas nas suas doações a esses organismos.

No Brasil, ao desembarque dessas instituições seguiu-se imediatamente a escolha da matriz (neo)liberal específica como eixo estruturante de ações, feita por seus mantenedores. O fato de que tal escolha tenha recaído sobre a chamada Escola Austríaca de Economia, reconhecidamente intransigente e avessa a qualquer igualdade produzida por intervenção estatal, por menor que fosse, é reveladora da natureza da direita empresarial nacional.

Reacionários como Mises, um dos grandes nomes dessa mesma escola e notabilizado por sua saudação ao fascismo europeu nos anos 1920, tiveram, enfim, seu momento de acolhida em terras tropicais.

Um debate entre o político Ciro Gomes e Rodrigo Constantino, um nome conhecido dos “cursinhos walita” neoliberais, já dava mostras do que a sociedade brasileira deveria aguardar. Acossado pelo ex-ministro sobre a existência factual de cartéis, oligopólios e mesmo monopólios que distorcem a “racionalidade” do sacrossanto mercado, o anedótico neoliberal saiu-se à la Mises: arguiu a célebre “soberania do consumidor”. Teoria pobre, miserável intérprete.

De todo modo, o recurso a Mises, desajustado spenceriano vivendo em pleno século XX, fornecia preciosa chave: o neoliberalismo tupiniquim já não se processava tão somente em cultos de determinadas “seitas”; aparecia publicamente, desavergonhado.

No fundo, no fundo, o neoliberalismo parece despertar ambiguidades, mesmo em seus oponentes. Ao mesmo tempo em que deve ser levado muito a sério, especialmente por suas deletérias consequências para as sociedades que, inadvertidamente ou não, o adotam, não deixa de ser risível enquanto pretenso campo do conhecimento.

A taxativa sentença “não há alternativa”, proferida pela confessadamente hayekiana Margaret Thatcher, contém um misto de cinismo e totalitarismo. Cinismo por razões óbvias, uma vez que é negada por todos os meios às classes subordinadas a chance de organizarem-se para resistir à investida neoliberal.

E totalitarismo porque, uma vez implantado o neoliberalismo, há uma tendência implacável para que toda e qualquer dimensão da vida social seja capturada por sua lógica estritamente mercantil. Espécie de versão tragicômica da atualidade mundial, o liberalismo revisitado das últimas décadas é o espírito deste tempo, a ideologia por excelência da acumulação capitalista mais brutal, geradora de imenso rastro de iniquidades sociais.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Passado o furacão, o que temos pela frente?...




pescado no Correio da Cidadania


Para quem está comprometido com a luta social e aspira a uma sociedade baseada na igualdade substantiva, a derrota de Aécio foi um alívio. Dos males, o menor, mas a vitória de Dilma não deixa nada a comemorar.

O saldo da campanha é tenebroso. Contratados a peso de ouro para manipular a opinião pública, marqueteiros venderam candidatos como mercadorias. Para diferenciar seus produtos, abusaram da ingenuidade da população. Magos da pirotecnia midiática, reduziram o eleitor a consumidor, criando expectativas que não se realizarão. Para desconstruir os adversários, exploraram medos que alimentam falsos antagonismos e envenenam o ambiente político.

Na falta de substância política, a eleição foi transformada numa briga de torcida. Em clima de caça às bruxas, as paixões foram levadas a um paroxismo descabido. O apelo à emoção foi proporcional ao descaso pela razão. A virulência das agressões mútuas foi em razão inversa às reais diferenças entre os contendores.

O eleitor foi sistematicamente ludibriado. As divergências existentes entre as duas alas do Partido da Ordem são secundárias e circunstanciais. Os que hoje estão com o PT – Sarney, Maluf, Collor, Kátia Abreu – estavam ontem com FHC e Collor e anteontem serviam a ditadura militar. Amanhã podem perfeitamente debandar para o PSDB. À exceção de alguns extremados, os que mandam de fato – o capital internacional e a plutocracia nacional – estão muito bem servidos nas duas candidaturas. Basta ver o rio de dinheiro investido em ambas.

A completa desconexão do debate eleitoral com a realidade transformou o país num manicômio. Surpreendido pelo antagonismo entre petistas e tucanos, um desavisado que desembarcasse de paraquedas poderia até imaginar que o Brasil vive uma situação pré-revolucionária, quando, na verdade, o que está em questão é exatamente a conservação do status quo. A eleição foi apenas para escolher quem comandará a reciclagem do capitalismo liberal implantado por Collor 25 anos atrás. Nada mais.

O clima apocalíptico que tomou conta do segundo turno é despropositado e faz lembrar as legendárias guerras entre as famílias Sampaio e Alencar pelo controle da prefeitura de Exu no século passado. Para os que se alinhavam com o clã Sampaio, a vitória de um Alencar poderia, de fato, ter consequência real (e vice-versa), mas, para os que não faziam parte da corriola e estavam condenados a ralar para sobreviver, o resultado era indiferente. As famílias alternaram-se durante décadas no poder sem que a miséria se modificasse.

Deliram os que imaginam que o país está na iminência de uma ruptura institucional. Não há movimentação golpista algum, nem à direita nem à esquerda. A única conspiração em curso é aquela que une as duas facções do Partido da Ordem contra o povo, patente na cumplicidade de ambas com a política de contra-insurgência preventiva para conter o conflito social e na irmandade na hora de arquitetar tenebrosas transações.

A briga de foice é um teatro e faz parte do jogo eleitoral. Quando é conveniente, o antagonismo é imediatamente suspenso. Quem se esquece da idílica cena de Haddad e Alckmin, descontraídos num requintado restaurante de Paris, em junho de 2013, poucos meses depois de terem trocado cobras e lagartos na renhida disputa pela prefeitura de São Paulo? Enquanto o pau comia solto nas ruas de São Paulo tomadas por jovens trabalhadores que lutavam contra o aumento das tarifas de transporte público, prefeito e governador estavam perfeitamente entrosados na política de repressão aos protestos e na estratégia de negociação com os gangsters que controlam os megaeventos internacionais.

Destituída de substância, a polarização entre as duas alas do Partido da Ordem só serviu para degradar o ambiente político. O brasileiro sai da campanha mais descrente nos políticos e sem nenhuma consciência sobre as causas de seus problemas e suas possíveis soluções.

Ninguém pode banhar-se duas vezes na mesma água do rio. O segundo governo Dilma não será uma repetição do primeiro. Pela força das circunstâncias, será mais conservador e truculento. As condições objetivas e subjetivas que o determinam deterioram-se, estreitando sensivelmente o raio de manobra para acomodar, através da expansão do emprego, do aumento dos beneficiários das políticas compensatórias e da cooptação dos movimentos sociais, as mazelas de uma modernização canhestra, que aprofunda a dependência e o subdesenvolvimento.

Na economia o cenário é sombrio. Os problemas acumulados na farra de consumo de bens conspícuos impulsionada pela especulação internacional têm consequências. O aumento da dependência externa deixa a economia brasileira à mercê dos humores do mercado internacional. O agravamento da crise mundial, que entra no seu sétimo ano sem perspectiva de solução, não abre espaço para o crescimento. A ameaça de movimento de fuga de capitais sujeita o país ao xeque-mate da dívida externa. Nesse contexto, as pressões da grande burguesia globalizada para que o Brasil realize uma nova rodada de ajustes liberais empurra a política econômica para a absoluta ortodoxia. As veleidades neodesenvolvimentistas são coisas do passado. O próximo Ministro da Fazenda será escolhido diretamente pelo mercado e estará mais próximo de Armínio Fraga do que de Guido Mantega.

No âmbito da sociedade, a perspectiva é de crescente convulsão. A modernização mimética que copia os estilos de vida e padrões de consumo das economias centrais agrava os problemas fundamentais do povo. A frustração generalizada com um cotidiano infernal acirra os ânimos e polariza a luta de classes. Sem vislumbrar saída para o circuito fechado que transforma a vida do trabalhador num pesadelo sem fim - na fábrica e fora dela -, o brasileiro torna-se um barril de pólvora prestes a explodir. O aumento da violência e o fim da paz social prenunciam um futuro de grandes tensões e crescente turbulência social.

Nas altas esferas da política, a classe dominante afia as garras para enfrentar o conflito social. A crise do sistema representativo reforça o consenso a favor de soluções repressivas para a inquietação social, aumentando a pressão a favor da criminalização da contestação social como pressuposto da estabilidade democrática. O giro conservador da opinião pública, o aumento assustador da bancada de deputados da direita mais desqualificada e a mobilização de uma classe média histérica deslocam o status quo sensivelmente para a direita. Contestado pela juventude que foi às ruas protestar contra os desmandos dos governantes, o sistema democrático brasileiro assume descaradamente seu caráter de classe e se afirma abertamente como uma democracia de segregação social. A liberdade política é privilégio exclusivo da plutocracia e se manifesta concretamente na possibilidade de escolha entre alternativas integralmente comprometidas com os parâmetros da ordem.

A presidente retoma seu posto no Planalto em frangalhos. Antes mesmo de assumir o segundo mandato, sua credibilidade já se encontra comprometida pela gravidade das denúncias que apontam a cumplicidade direta do Planalto com esquemas de corrupção arquitetados pela alta cúpula dos partidos da base aliada. Desta feita, não haverá um período de lua de mel. Ávida para voltar ao governo federal depois da quarta derrota consecutiva, a oposição não dará trégua. Sem arsenal ideológico e programático para diferenciar-se qualitativamente do governo petista, só lhe resta sangrar Dilma do primeiro ao último dia de seu mandato.

Ninguém passa impune pelo pacto com o diabo. Sem capacidade de mobilizar a população e prisioneira de compromissos espúrios, Dilma ficará nas mãos da máfia que, a mando dos negócios, controla o Congresso Nacional. Vítima da própria covardia, que não lhe permitiu enfrentar a tirania dos magnatas da informação, será objeto diário da chantagem da grande mídia. Sem meios para defender-se, tornar-se-á ainda mais dócil às exigências do capital. Se ousar desafiá-lo, será imediatamente confrontada com o espectro do “impeachment” democrático. É o modo de funcionamento das democracias burguesas contemporâneas na periferia latino-americana do capitalismo.

Para quem se ilude com a possibilidade de uma tardia redenção do PT, a ressaca da festa democrática será monumental. A juventude romântica e os homens de boa fé seduzidos pelo canto de sereia do “coração valente” logo perceberão que foram logrados e sentirão na pele a ingratidão da presidente. Assim que a população for às ruas para protestar contra os descalabros do capitalismo selvagem, as disputas fratricidas entre as facções do Partido da Ordem serão suspensas. Como irmãos siameses, as duas alas do Partido da Ordem estarão monoliticamente unificadas, armadas até os dentes, para reprimir os manifestantes com brutalidade, como se fossem inimigos internos que devem ser aniquilados, como aconteceu em Junho de 2013, nas jornadas da Copa de 2014 e toda vez que o povo se levanta contra os privilégios dos ricos. Passado o risco iminente de descontrole social, as duas facções voltarão a engalfinhar-se pela disputa controle do Estado.

A falsa polarização entre a esquerda e a direita da ordem somente será superada quando a os trabalhadores não tiverem qualquer ilusão em relação à possibilidade de que o capitalismo possa ser domesticado, seja pelo PT ou por quem quer que seja. O capitalismo dependente vive da superexploração do trabalho e tem na perpetuação de um grande estoque de pobreza um de seus pressupostos. A situação torna-se ainda mais grave quando a sociedade enfrenta um processo de reversão neocolonial que solapa a capacidade de o Estado fazer políticas públicas.

Do show de horror da eleição de 2014, sobra uma lição: para sair do antro estreito das escolhas binárias entre o ruim e o pior, é preciso que a esquerda socialista se unifique e entre em cena.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O risco Aécio - Brasil lacaio dos irmãos do Norte







por Fernando Branquinho, em seu blog





Aécio tem como aliados poderosos e que influirão no seu governo os "anti-"FORO de São Paulo", um segmento de direita identificado com a Guerra Fria, o macartismo e com os "ideais de 1964 e de sua revolução redentora". Isso significará, de imediato, a devolução de médicos cubanos, a retirada do Brasil de investimentos em Cuba, Venezuela, Uruguai, Equador e Argentina e a sabotagem ao Mercosul. Já os setores de direita pró-americana pressionarão para que o Brasil volte a ter as "relações carnais" com o Tio Sam, ou seja, manda quem pode, obedece quem tem juízo, e daí pode ressuscitar a ALCA. Ameaças aos nossos vizinhos e boicotes aos seus produtos também podem estar na pauta.

Somos sócios do BRICS com a China, Rússia, Índia e África do Sul, inclusive no seu banco que concorre com o Banco Mundial. O grupo quer uma redivisão geopolítica do mundo, buscando espaço ao sol em meio aos EUA e União Européia. O Brasil é uma peça fundamental nesse bloco, que vem peitando a hegemonia das grandes potências tradicionais. Com Aécio bastará uma só ordem de Washington para que deixemos ou sabotemos esse bloco e nos realinhemos caninamente com os EUA.

O Brasil tem sido autônomo na ONU e outros organismos internacionais. Denunciamos a espionagem norte-americana, defendemos o fim do boicote a Cuba, o fim da ocupação dos territórios palestinos por Israel e nos alinhamos na defesa de países pobres contra o imperialismo. Com Aécio tudo isso muda, e os EUA ganham ainda mais poder com a nossa submissão.

Boa parte das guerras em países produtores de petróleo tem apoio da Arábia Saudita. Cada país destruído em guerras civis tem a produção de petróleo limitada, o que mantém os preços do produto no mercado internacional. Os EUA buscam sair dessa dependência com novas formas de exploração e buscando petróleo barato em outras fontes. Patrocina o golpismo na Venezuela e Equador, grandes produtores no nosso continente, e terá em Aécio um sócio de peso no nosso pré-sal, acabando com o regime de partilha e facilitando a entrada de empresas americanas tanto em privatizações como nos leilões de concessão.

O Brasil tem lutado pela reformulação do Conselho de Segurança da ONU, atitude que confronta os EUA. Com Aécio isso acaba e os Estados Unidos se fortalecem.

Não dá para votar no Brasil por ódio ou questões intestinas. É preciso ver o estrago que a vitória de Aécio pode fazer ao equilíbrio de forças nas relações internacionais. Fazer o Brasil voltar a ser lacaio dos EUA muda muita coisa para pior no mundo todo, e isso é um bom motivo para não permitir que voltemos aos 502 anos que antecederam Lula e Dilma.

Afinal, quem criou o Plano Real?... anotações históricas



por Tiago Elias, pescado no Brasil 247


É aviltante ter que ouvir em pleno debate político nos dias que correm que Fernando Henrique Cardoso é o pai do Plano Real e a mãe de todos os programas sociais é Ruth Cardoso.

Sumarizando os fatos, as evidências empíricas abaixo desmistificam o proselitismo (da trupe Aécio Neves):

1 - Primeiro, tudo começou em 1989, quando o economista John Williamson, diretor do Institute for International Economics, entidade de caráter privado, convocou economistas liberais da América Latina, funcionários do FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo Ronald Reagan para avaliar as reformas econômicas em andamento na América Latina. O próprio Williamson rotulou o encontro de “Consenso de Washington”.Nesse encontro foram listadas uma série de reformas que os países em desenvolvimento deveriam adotar na área econômica para que entrassem em uma trajetória de crescimento autossustentável. Concisamente, elenco abaixo as propostas do receituário de Washington:

  • Disciplina fiscal – o Estado deve reduzir seus gastos, eliminando o déficit público;
  • Liberalização financeira – fim das restrições ao capital internacional e afastamento do Estado;
  • Privatizações – significa a venda de empresas estatais e o desmonte do Estado;
  • Desregulamentação da economia;
  • Desregulamentação trabalhista;
  • Liberalização do comércio exterior – significa redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, com objetivo de impulsionar a globalização da economia;
  • Eliminação das restrições ao capital externo;
  • Reforma tributária – maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade dos impostos diretos;
  • Taxa de câmbio competitiva e;
  • Propriedade intelectual.
Essas foram as exigências feitas pelas agências internacionais para a concessão de empréstimos do FMI.

O secretário de tesouro dos Estados Unidos, Nicholas F. Brady, apresentou um plano de renegociação da dívida externa de 32 países, entre eles o Brasil, mediante a troca da dívida anterior por novos bônus. Estes bônus contemplavam o abatimento do encargo da dívida através da redução do seu principal ou pelo alívio dos juros da dívida externa dos países em desenvolvimento. Esse plano ficou conhecido como Plano Brady – foi concebido para reestruturar a dívida e completou 20 anos no ano passado. Clique aqui para ver a notícia e conheça os detalhes técnicos aqui.

Nessa primeira etapa, fica comprovado que o primeiro passo para a implantação do Plano Real começou com os acordos do Plano Brady no final do governo Sarney (1988) e renegociações no final do governo Collor (1992). Vale destacar que, essa renegociação foi fundamental e indispensável para a consolidação e manutenção do Plano Real, pois restabeleceu as condições de liquidez, incorrendo na oferta abundante de financiamento internacional. Em contrapartida, os novos empréstimos estavam condicionados à realização de reformas e profundo ajuste fiscal conforme listado acima. As renegociações foram completadas no final do governo Itamar (1993/1994). Na prática, - resumindo de forma bem simplista -, as renegociações do Plano Brady consistiram num abatimento dos encargos da dívida, substituição das dívidas antigas por novas dívidas e renegociação dos prazos. Destaco que, sem essa liquidez externa exuberante, seria impossível promover a estabilização no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real teria fracassado. Qualquer economista respeitável sabe disso.

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2 - Segundo, no que tange ao campo ideológico, o Plano Real foi uma cópia descarada do plano de combate à hiperinflação na Alemanha em 1923 após a Primeira Guerra Mundial (Bresciani-Turroni, 1989).

Na época, o governo alemão convidou vários especialistas estrangeiros para combater a hiperinflação, entre eles estavam Keynes e o sueco Gustav Cassel. O governo criou uma nova moeda que serviria apenas como indexador, o rentenmark, que era indexado ao dólar. No Plano Real, o rentenmark virou a URV, também indexada ao dólar. Vale salientar que, a URV era uma unidade de conta e funcionava como indexador para contratos, permanecendo o cruzeiro real com a função de meio de pagamento.

A próxima etapa da estabilização do plano alemão foi o congelamento da taxa de câmbio. No Brasil, a URV começou a vigorar a partir do dia 1º de março de 1994. Entre primeiro de março e 30 de junho, o Banco Central fixou diariamente a paridade entre o cruzeiro real e a URV.

O terceiro passo da estabilização do plano alemão foi o nível de reservas internacionais existentes, que garantia a manutenção do câmbio fixo e garantia a demanda por moeda. No Plano Real, as reservas foram constituídas através das renegociações do Plano Brady, que por sua vez permitiu o financiamento dos déficits em conta-corrente. A Medida Provisória 542/1994 (Art. 3º) determinou a vinculação do Real às reservas internacionais.

O quarto e último fator importante para a estabilização do plano alemão foi a reforma fiscal da economia através do saneamento do déficit público. No Plano Real, refletiu na redução do gasto público, aumento da carga tributária e superávit primário.

Em 30 de agosto de 1924, a Alemanha promulgou a lei que introduziu o Reichsmark como moeda oficial alemã. Sua relação de paridade seria de 1 Reichsmark para cada 1 rentenmark.

No Brasil, a Medida Provisória 542 de 30 de junho de 1994 determina que, no dia 1º de julho de 1994, no governo Itamar Franco, seja extinta a URV e o Real passa a ser a moeda oficial com curso legal em todo o território nacional, sendo um real equivalente a um dólar. Clique aqui e conheça a MP 542/1994. e o Diário Oficial da União (seção extra) do mesmo dia.

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O mais intrigante é que todos os livros de economia brasileira – pelo menos os que eu conheço – delegam a concepção do Plano Real às propostas de Andre Lara Resende e Pérsio Arida, ambos da PUC-RIO. Em 1984, as propostas ficaram conhecidas como “Larida”. O sistema é tão perverso e tão bem arquitetado que, a mídia dissemina a falácia do Plano Real. Agora, mais assustador são as universidades outorgarem esse engodo. É inaceitável ouvir que Fernando Henrique Cardoso criou o Plano Real. Itamar Franco morreu com essa mágoa de FHC e toda vez que dizem isso, ele deve se “revirar no caixão” de tanta tristeza. Não há como fazer revisionismo histórico!

Recorro à licença poética para uma rápida observação. Você deve ser perguntar: por que não fizeram antes? Também não sei. Provavelmente guerra de ego e questões políticas. O que realmente importa é que os “PHDeuses da economia” preferiram enveredar pela via dos sucessivos congelamentos de preços e planos fracassados de estabilização - Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Plano Collor I (1990) e Collor II (1991) -, essa triste fase legou ao Brasil uma década de atraso e altíssimos custos sociais, a famigerada década perdida.

Resumindo, o Plano Real foi oficialmente criado pelo Itamar Franco e sua concepção ideológica foi uma cópia descarada do plano alemão de combate à hiperinflação de 1923, e principalmente, pelo capital estrangeiro, através de empréstimos e renegociações de dívidas do Plano Brady iniciadas no governo Sarney em 1988.

Essa é a verdadeira história do Plano Real que a mídia esconde de todos os brasileiros!

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Para quem não entendeu ainda, o “segredo” do Plano Real estava na taxa de câmbio e na taxa de juros. Todos os preços eram convertidos para URV, que era indexada ao dólar na paridade de um real igual a um dólar. Por isso o dólar não poderia subir, senão a inflação iria disparar novamente. O problema é que o Brasil não fabrica dólares. O que fazer? Aumentou-se a taxa de juros overnight/Selic dos títulos públicos federais objetivando atrair dólares. Segundo o Banco Central, no final de 1994, o governo pagava 16,0% de juros aos credores dos títulos públicos federais indexados à taxa overnight/Selic. A dívida externa bruta era de 148,3 bilhões de dólares e a líquida equivalia a 2,51 vezes o valor de todas as exportações. Em 1995, Fernando Henrique Cardoso (FHC) assume a presidência, e aumenta os juros para níveis criminosos e proibitivos. A taxa overnight/Selic passou de 16,0% em 1994 para 37,8% em 1995. Ou seja, um aumento de 136,3% em relação ao ano anterior. Os juros continuaram a subir para inacreditáveis 45% segundo o Banco Central (clique aqui e confira), com picos de 70,1% em dezembro de 1998, segundo o IPEA (clique aqui e confira).

Na prática, a escravidão do povo brasileiro tinha acabado de começar. Essa é verdadeira luta do povo brasileiro, é o verdadeiro debate que a mídia esconde em detrimento dos abutres do mercado financeiro.



O “legado” do Plano Real.


Após os fatos históricos e as evidências empíricas supracitadas, demonstro a seguir etapa por etapa do desmonte do Estado e o verdadeiro “legado” do Plano Real impetrado pelo receituário do “Consenso de Washington”, FHC e sua trupe:

  • Primeiro, os neoliberais escancararam as portas do Brasil ao capital especulativo através da liberalização financeira e utilizaram esses dólares para segurar o câmbio;
  • Segundo, o resultado foi um câmbio super, hiper, megavalorizado, ao ponto de cada R$1 valer US$0,92 em 1995 (IPEA). Essa política arrebentou a indústria, pois as importações passaram a ser maiores que as exportações. O resultado dessa “hecatombe” foi que o saldo da Balança Comercial caiu para -133,3% em 1995 em relação ao ano anterior. No mesmo período, as transações correntes caíram para -922,2%, segundo o Banco Central.
  • Terceiro, como os neoliberais destruíram a indústria, consequentemente, houve desemprego em massa, passou de 5,1% em 1994, para 7,6¨% em 1995, que representou um aumento de 49% em relação ao período anterior. No final do governo FHC (2002), o desemprego chegou 11,7%. Entre outras palavras, combateram a inflação com desemprego. Engana-se quem pensa que foi erro de percurso, foi tudo muito bem planejado e premeditado, ou já esqueceram o escândalo da antena parabólica, onde Rubens Ricupero, em entrevista ao repórter da TV Globo, seu cunhado Carlos Monforte, debocha da população brasileira? Clique aqui e assista a repercussão no Jornal Nacional e aqui para mais detalhes (vixe... vixe...)
  • Quarto, os neoliberais promoveram a desnacionalização do país através das privatizações criminosas – caso de polícia – para fazer caixa e continuar segurando o dólar para garantir a reeleição.
  • Quinto, depois do escândalo da compra de votos para a reeleição (clique aqui para a matéria), em 1998, FHC negociou um préstimo de US$ 41 bilhões de dólares junto ao FMI (clique aqui) para continuar segurando o câmbio a qualquer custo, pois a reeleição seria em poucas semanas e uma catástrofe tinha que ser evitada. 

Essa combinação perversa de câmbio sobrevalorizado com altíssimas taxas de juros colocou a economia brasileira numa armadilha de crescimento, ensejando uma trajetória de crescimento cada vez menor, deterioração das contas externas, déficits crescentes no balanço de pagamentos, deterioração fiscal, expansão da dívida pública e estagnação da economia, refletida num PIB 0,0% em 1998 e 0,3% em 1999 (IBGE).

E daí se o Brasil está em frangalhos? Pelo menos a inflação está controlada, a reeleição foi garantida e Batemos a meta! Comemoraram os PHDeuses da economia neoliberal, FHC e sua trupe. Parafraseando, mataram o paciente para acabar com a doença!

Até a reeleição de 1998, a inflação estava 1,65%, e o dólar era 1,16. Depois da reeleição, o risco país bateu 1.779 pontos no dia 14 de janeiro de 1999. Assim, “inesperadamente”, o mercado financeiro ficou eufórico e começou uma rápida demanda por dólares e as reservas internacionais começaram a derreter.

Sendo assim, não havia mais como pegar empréstimos, não tinha mais o que privatizar, não existia mais indústria para destruir, a massa miserável já estava desemprega e a classe média destruída. Não restava outra alternativa a não ser liberar o câmbio ao "sabor do mercado”. Assim, o dólar saiu de 1,16 em 1998 para 1,91 em fevereiro de 1999 e continuou subindo até bater 3,62 em dezembro de 2002. (IPEA)

Percebeu a perversidade do sistema? Vou explicar: os abutres do mercado financeiro ganharam duplamente. Primeiro, ganharam bilhões com a explosão do dólar, pois a paridade de R$1=US$1 tinha ido para o espaço! Em seguida, ganharam mais alguns bilhões ao aplicar os reais trocados aplicando no mercado futuro, através dos títulos federais indexados a taxa overnight/Selic que teve pico de 70,1% em dezembro de 1998 e 68,2% em março de 1999. (IPEA).

Ho! Ho! Ho! O Natal chegou! Foi apenas uma doação de caridade natalina do FHC, Gustavo Franco, Pedro Malan e sua trupe ao “clubinho dos cacciolas e braganças”.

Segundo o fax trocado entre Bragança e a namorada, jogar na bolsa era como bater em criança! (clique aqui e relembre).



Os neoliberais PHDeuses da economia caíram na própria armadilha. Criaram um círculo vicioso e destrutivo de retroalimentação de dívidas. Desenvolveram uma política que nos legou uma dívida de 60,4% do PIB em 2002 segundo o Banco Central e colocou grilhões em cada cidadão. O PSDB escravizou o povo brasileiro!

As dívidas seqüestraram os sonhos dos brasileiros e o progresso do país! Bonança para os abutres e restos para saúde, educação, segurança, infraestrutura, saneamento e salário digno. Um país lindo e rico, mas carente de tudo, pois a sociedade está infantilizada e afogada no ópio da ignorância. (Clique aqui e veja para onde vai o seu dinheiro). Esse foi o verdadeiro “legado” do Plano Real!

O ódio dos sicários da plutocracia é que o sistema de concentração de renda, abismo social e mendicância entrou em declínio. O status quo foi confrontado e o “exército industrial da reserva de miseráveis” sofreu uma baixa de 36 milhões de brasileiros que saíram da extrema pobreza e mais de 40 milhões ascenderam à nova classe média. Não existe mais ninguém comendo calango e nem implorando para lavar a latrina da casa grande por qualquer R$10,00!

É vergonhoso e revoltante o projeto de Aécio Neves de gerar desemprego para acabar com a inflação.

É vergonhoso e revoltante ouvir o PSDB proclamando o fim da valorização real do salário mínimo com a desculpa do custo da produtividade.

É vergonhoso e revoltante o PSDB querer entregar o pré-sal às multinacionais. (Clique aqui e veja).

É vergonhoso e revoltante querer acabar com o FGTS e precarizar as relações do trabalho através da desregulamentação trabalhista.

É vergonhoso e revoltante querer acabar com o Programa Minha Casa Minha Vida via redução da participação dos bancos públicos na economia.

É vergonhoso e revoltante vocês atentarem contra a previdência com a falácia do déficit previdenciário com o objetivo de privatizá-la.

***************

As propostas neoliberais se resumem a isso. Vergonha e mais vergonha.

Não evoluíram, não aprenderam com os erros, não aprenderam com a história e insistem na retórica do estado mínimo e na “mão invisível do mercado”.

Não se conscientizaram que há uma simbiose entre Estado e mercado. Vocês deveriam reverenciar o Estado, pois sem ele o capitalismo teria acabado desde de 1929.

O sistema socialismo para os ricos e capitalismo para os pobres está falido. Está comprovado que, quem estabilizou a economia foi o povo brasileiro com muito sacrifício e altíssimos custos sociais.

Vocês são os verdadeiros detratores do Brasil. Nunca defenderam a sociedade brasileira. Mais uma vez vocês querem seguir o receituário recessivo e retrógrado do imperialismo Americano. Suas propostas são recomendações destrutivas do FMI (clique aqui e veja) e OCDE. (Clique aqui e veja)

Vocês são os verdadeiros assassinos econômicos e inimigos da pátria. São blindados por uma impressa monopolista, facista, racista e pró-sionista.

Aécio Neves, você é uma fraude e cada palavra sua é pura demagogia e um atentado à verdade. Todos os impropérios, dissimulações e mentiras estão e serão desmistificados sob à luz da verdade.

Vocês estatizaram e socializaram todos os crimes cometidos contra o patrimônio público. A dívida externa virou interna, os devedores tornaram-se credores e o povo brasileiro foi escravizado pelas dívidas. Vocês subverteram os valores éticos e morais da sociedade brasileira em detrimento de um projeto de poder da nova ordem mundial.

Você e o PSDB deveriam pedir perdão ao povo brasileiro pelos crimes de lesa-pátria e lesa-humanidade!

Aécio Neves, vocês não vão recolonizar o Brasil! O país não vai andar para trás. Vocês deveriam ter vergonha de botar a cara na televisão.

Aécio Neves e PSDB, quem conhece não vota! Acorda Brasil!...

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A cultura do ódio, a cegueira branca e os idiotas


por Rafael Araujo, no Feicebúq

O termo "idiota" era usado para designar aqueles indivíduos na Grécia antiga que preenchiam os requisitos para o exercício da cidadania, mas que não se ocupavam da coisa pública, que se interessavam apenas por seus projetos pessoais. Trata-se do cidadão privado, aquele que se dedica ao desenvolvimento de uma habilidade pessoal e deixa de lado a cidade, deixa de ocupar-se com a pólis. O termo acabou, como muito acontece, ganhando outras conotações. Mas se mantivermos em mente seu sentido atual e o significado de origem, perceberemos quão útil e apropriado é chamar de idiota aquele que se interessa apenas pelo seu trabalho, deixando de lado a política e a cidadania.

Tenho estado bastante curioso por compreender o fenômeno do antipetismo que estamos vivendo nessas últimas semanas de campanha eleitoral. Certamente há quem tenha boas razões para votar no candidato do PSDB, Aécio Neves, e elas devem ser respeitadas; mas há uma questão mais profunda que tem ocorrido com o fenômeno do antipetismo, um ódio nada propositivo que tem tomado conta das pessoas e revela um problema mais complexo, que a mim, como cientista social, interessa especialmente.

O ódio ao PT precede os escândalos de corrupção, de modo que atribuir o ódio a isso seria uma explicação insuficiente. Durante a campanha de segundo turno, graças ao fato dos dois candidatos terem chances reais de chegarem à presidência da república, o fenômeno se agravou. Arriscarei aqui algumas linhas e espero que sejam motivo de reflexão a quem esse texto chegar.

O ódio ao PT pode ser examinado pelo menos a partir de três grupos de causas:
 
1) o desenvolvimento histórico dialético ocorrido no Brasil desde a colonização e a forma como a luta de classe se constituiu no país; 
2) a presença hegemônica da mídia tradicional e o poder simbólico que possui; e 
3) a incapacidade de pensamento da população e o seu modo dicotômico de situar-se no mundo.

A primeira causa está na explicação histórica da forma como nossa sociedade foi construída, sob os alicerces da casa grande e da senzala. Os argumentos de Gilberto Freyre, e de tantos outros autores que se prestaram a estudar a formação da sociedade brasileira, indicam uma explicação para o fato de ainda sentirmos a presença do patriarcado em nossa pele, o resquício de um senhorio que se sente proprietário de tudo, que quer ver a todos sob controle. Esse princípio não desapareceu, ele foi modificando-se ao humor do tempo, adaptando-se aos avanços tecnológicos e aos ares da modernidade, mas em nenhum momento o sentimento de inquietação do senhor ao ver seus escravos festejarem na senzala deixou de existir. Essa especificidade da sociedade brasileira, que vem junto da miscigenação e da pluralidade cultural, não foge da lógica descrita no pensamento dialético. Existe um ódio de classe que mantém dois grandes grupos distintos e coesos no discurso, mas um único grupo que concentra a propriedade. Esse ódio de classe é difícil de aceitar nos tempos que vivemos. Já não se fala em comunismo senão como uma quimera, o capitalismo representa um sistema tão absoluto que a própria luta de classes fica obscurecida. Nesse contexto, falar de ódio de classe parece um devaneio, mas não é. O conceito é ainda preciso por reunir tantas práticas irrefletidas e contraditórias pelas quais estamos passando. É justamente pela sua negação que demonstra sua eficácia.

A ideologia se dissipa em discursos e práticas, come pelas beiradas, demarca territórios e realiza distinções sociais. Ao reconhecermos as significativas mudanças ocorridas no país nos últimos anos, vemos o ódio se acirrar como uma resposta espontânea à perda de distinção e de privilégios de determinado grupo social. Nesse sentido, a modificação na estrutura de classes e o passado patrimonialista seria uma possibilidade de explicação do ódio, mas não a única. Diante dessa realidade, o idiota é aquele que se interessa pela recuperação de seus privilégios, pelo sucesso de seus projetos pessoais, assumindo uma perspectiva individualista e burra ao mesmo tempo. Individualista porque perde de vista a coletividade de cidadãos que se beneficiaram com as mudanças, e burra porque acredita que as melhorias sociais são ações independentes, que não o afetam positivamente. Essa burrice que leva alguns a praguejarem contra o suposto assistencialismo do governo ignora a base de discussão dos direitos humanos e o modo como ocorre a dinâmica do capital, baseada essencialmente na produção e no consumo.

A segunda causa é a cobertura que os meios de comunicação têm realizado dos fatos cotidianos de nossa política. Essa cobertura corresponde às expectativas desse mesmo eleitorado idiota, porque estão interessados no consumo das informações. São empresas, e como tal procuram o lucro. Se os espectadores, ouvintes e leitores são a resultante histórica de um longo processo de despolitização e banalização da política, esse discurso será reforçado a todo custo, com o claro intuito de manter o índice de audiência e vendas. O fato de essas informações serem voltadas para o consumo já revela sua natureza: são informações efêmeras, voltadas ao desaparecimento. Não são informações que articulam o conhecimento do mundo, que acrescentam criticidade e contribuem para o estabelecimento do homem no mundo. Essas informações de superfície, que em nada aprofundam a realidade política, cumprem o papel de serem mercadorias consumíveis. São, portanto, oportunidades de distração do homem de si mesmo, ou dito de forma mais direta, são fontes de alienação.

Por exemplo, um dos temas que ocupou as propagandas eleitorais esse ano foi a “nova política” ou a sua versão atualizada, a "mudança". Os veículos de comunicação de massa e a população despolitizada trataram de propagar essa vontade do eleitorado. Ora, nem os mídia e nem a população em geral sabem como funciona a máquina do Estado. Não compreendem o funcionamento das instituições e o papel da burocracia. Não têm dimensão da rede de atores envolvida a cada processo decisório, as forças em disputa e o tênue equilíbrio que mantém a engrenagem funcionando. A população em geral, porque não se envolve com a coisa pública, não compreende o valor das instituições políticas e o fato de que essa complexa dinâmica é necessária para assegurar o mínimo de lisura ao sistema. Então, diante da crítica ao Estado cotidianamente construída pelos profissionais da mídia e repetida quase que de forma infantil pelo eleitor despolitizado, deduzimos que “a nova política” não passa de uma política sem corrupção. Esse é o máximo que essa parcela da população consegue definir como um programa de mudança, uma política sem corrupção. Essa reivindicação é mais do que justa. É tão justa quanto utópica, mas nem por isso deve deixar de ser buscada. Mas a rigor, essa vontade de uma outra política quando se resume a uma vontade de pôr fim a corrupção acaba por simplificar ainda mais as coisas e reforçar o afastamento dos indivíduos da coisa pública. O eleitor e cidadão passa a resumir todos os problemas ao problema da corrupção. Esse é o exato cálculo que a grande mídia faz: eleva-se a corrupção ao status de mal maior da humanidade. É isso que vemos nos comentaristas dos jornais todos os dias. Na sua tentativa de tutelar a opinião do espectador, ouvinte e leitor, acabam reforçando a ideia de que ao preocupar-se com a corrupção dos governantes ganha-se o título de cidadão. A fórmula é tão simplista que faz com que esse mesmo cidadão se esqueça dos tantos gestos corruptos que comete ao invadir a ciclovia; ao ultrapassar o semáforo vermelho; ao parar em local proibido ou em vagas para idosos; ao inventar atestados falsos para a sua declaração de ajuste de imposto de renda e tantas outras pequenas improbidades. A mesma irreflexão faz com que esses cidadãos combativos creiam piamente que o dinheiro que se perde com a corrupção e com o sustento de mordomias dos políticos seja mais do que suficiente para sanar todos os déficits da saúde, educação, mobilidade, violência e tantos outros pontos fundamentais para atingirmos o estado de bem estar social que desejamos. São contas simples que a simplificação do pensamento impede que sejam feitas.

A verdade é que a grande mídia soube selecionar muito bem os casos de corrupção a serem divulgados. Nos últimos debates a candidata Dilma Rousseff trouxe à tona alguns dos tantos escândalos que não foram investigados, o mesmo tem feito a mídia alternativa. Essa seleção realizada pela mídia tradicional foi muito eficiente na associação da corrupção ao partido dos trabalhadores, se valendo da contradição de que o mesmo partido construiu toda sua história sobre os alicerces da ética e no momento que se viu como governo acabou por jogar o jogo que ali estava e que tanto criticava. Ora, as pessoas não aceitam as contradições no dia a dia, vivem como patrulheiras umas das outras, fiscalizando seus discursos e atitudes na esperança de identificar os lapsos que serão cometidos. Isso é muito ruim, porque as ações passam a ser direcionadas a denegrir o outro com o simples objetivo de uns parecerem ser melhores que outros. As pessoas passam a fazer um cálculo de mazelas ao invés de potencializar suas virtudes.

Um processo semelhante ocorreu com o PT nos últimos anos. O ódio de classe e a cobertura dos meios de comunicação tradicionais conseguiram reduzir o problema da política à corrupção e associa-lo a um único partido. O eleitorado, se perguntado, reconhece que o problema da corrupção não é exclusividade de um único partido, mas o mesmo eleitorado usa dois pesos e duas medidas, penalizando apenas o PT. O idiota, nesse caso, é aquele que encontra nos “petralhas” um motivo para sua auto-afirmação, um mecanismo de enxergar-se como melhor e, ao mesmo tempo, de obscurecer os lapsos que comete no dia a dia. Além disso, é idiota aquele que não procura de forma ativa as informações sobre a trama da política e deixa-se informar pelos veículos de comunicação de massa. São esses mesmos veículos que vêem na simplificação e imparcialidade um negócio, uma fonte de renda, que estão construindo uma opinião pública frágil e, com isso, prestando um desserviço à democracia. A informação precisa descer às profundezas da política para que seja digna, do contrário se reduz a superficialidades e transforma o eleitorado em massa de manobra.

Por fim, a última causa que apresento para tentar compreender o ódio e a cegueira branca que estamos presenciando é a incapacidade de pensar, exatamente como Hannah Arendt a concebe. Há nos homens desses tempos sombrios uma incapacidade de situar-se entre o passado e o futuro. Dito de outra forma, em uma perspectiva complementar, o problema está no uso de uma racionalidade tradicional, tal como os frankfurtianos a descreveram, para enquadrar a complexidade do mundo a uma dicotomia moralizante. Tudo se resume a bem e mal, a certo e errado, a verdade e mentira. O leitor talvez se depare com esse argumento com espanto por não compreender o que há de mal nessa forma de enxergar o mundo. Esquece-se que nada na vida é tão simples e ambivalente e que, ao se enquadrar a realidade a uma forma tão reduzida, alimenta-se o risco da banalização.

Então, enxergar o mundo a partir de uma razão cartesiana implica ignorar a multiplicidade da vida. No fundo o que há nisso de perigoso é que a vontade de reduzir o mundo é no fundo a vontade de tê-lo sob controle. E nesse sentido, as ideias dos frankfurtianos não se afastam das de Hannah Arendt. Essa maneira que os homens aprenderam a olhar o mundo desde o platonismo revela um desejo de controle, uma vontade irascível de ter tudo e a todos sob comando e, diante dessa impossibilidade insuportável, resta produzir artificialmente uma realidade simples, perfeitamente controlada, para que a necessidade de iludir-se seja empreendida. Os nazistas souberam reduzir os problemas econômicos e sociais da Alemanha da primeira metade do século XX ao simplismo de uma única causa, problema cuja solução imediata estava na eliminação de todo aquele que não fosse ariano, que não fosse o povo eleito. Da mesma maneira se estrutura qualquer fundamentalismo religiosos e toda a barbárie que se seguiu ao esforço de resumir a fé a uma única verdade. Essa propensão do homem aos totalitarismos é, no fundo, o resultado de sua forma de pensar, realidade tão horrível e absurda quanto desconhecida e negada. Há no homem uma incapacidade de enxergar ao outro, mas também de enxergar a si mesmo. Mas há também um discurso iluminado, autoritário, que busca apoio a todo canto, que quer ser ouvido sem ouvir. Por isso a imagem da cegueira branca é tão apropriada para nosso tempo.

Não me parece exagero pensar que a emergência de fundamentalismos nos últimos meses seja algo tão distante do que vimos florescer na primeira metade do século XX. Temos crise econômica e social, temos crise de representatividade e temos uma mídia espetacular, bem armada para a formatação das consciências. Soma-se a isso as outras razões para o ódio levantadas anteriormente e temos um bom rol de explicações para compreender os linchamentos públicos, os discursos favoráveis à ditadura militar, o apoio a ideias injustificáveis como a esterilização de mulheres pobres ou a cura de homossexuais, e tantas outras tristes desqualificações dos discursos minoritários.

É nesse contexto que vejo o ódio ao Partido dos Trabalhadores aflorar tantos sentimentos brutais. A frase "odeio o PT" vem, em geral, seguida de uma profusão de preconceitos de classe, simplismos e preguiça de pensar. Da mesma maneira que o discurso irrefletido permite defender que o extermínio de delinquentes, homossexuais, judeus ou negros resultaria em um mundo perfeito, a extinção do PT seria a solução imediata para a política brasileira. Sem os “petralhas”, o Estado seria finalmente saneado, acabaria a farra dessa gente e, finalmente poderíamos voltar ao que era antes. O discurso é tão sem sentido e tão revelador que nos obriga a perguntar se o que tínhamos antes é o que queremos para agora. Como se o Brasil antes do PT chegar ao governo fosse uma grande propaganda comercial de margarina. Esquecemos rapidamente o país que construímos nos primeiros 500 anos de nossa história, repleto de desigualdades e imperfeições e as novas gerações, tão acostumadas à superfície e à velocidade da tela, não partilham de memória alguma.

Essa última causa é mais profunda e grave que o período eleitoral em si. É a fonte de bestialidades maiores, que evitam o avanço de causas progressistas. Por essa causa, a idiotice não é apenas uma condição passageira, uma escolha periférica entre cidadãos que dão as costas para a coletividade e mergulham no individualismo. A incapacidade de pensar faz com que a condição de idiota seja equivalente à condição humana. O grande perigo disso não está simplesmente em sermos idiotas, porque trata-se de condição reversível. O perigo está no fato de que os idiotas de hoje são portadores da cegueira branca. Sem a capacidade de pensar, de enxergar-se e de ouvir ao outro, dificilmente essa situação será revertida.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

História - Geopolitica e terrorismo no Oriente Médio



por Miguel Urbano Rodrigues, no Correio da Cidadania

O chamado Estado Islâmico, que se apresenta como refundador do Califado, é a última aberração gerada pela estratégia de terrorismo de Estado do imperialismo norte americano.

Essa estratégia surgiu como consequência de efeitos não previstos da execução do projeto de dominação perpétua e universal sobre a humanidade, concebido ainda em vida de Roosevelt, no âmbito do War and Peace Program, um projeto que identificava nos EUA o herdeiro natural do Império Britânico.

O Oriente Médio foi a área escolhida pelo Pentágono e o Departamento de Estado para a arrancada do ambicioso Programa, precisamente porque o Reino Unido, muito enfraquecido pela guerra, iniciou ali a sua política de retirada escalonada de bastiões imperiais no mundo islâmico.

Nas décadas seguintes, a CIA promoveu golpes na região com destaque para o que derrubou Mossadegh e restabeleceu no trono do Irã o Xá Reza Pahlevi.

O pântano afegão

A partir de 1980, o governo Reagan financiou e armou as organizações terroristas sunitas de Peshawar que combatiam a Revolução Afegã. Alguns dos seus dirigentes foram recebidos como heróis na Casa Branca como “combatentes da liberdade”; Reagan saudou-os como combatentes da liberdade e “novos Bolívares”. Os bandos desses heróis cortavam os seios de mulheres que não usavam a burca ou cegavam-nas com ácido sulfúrico.

Nessa época, o saudita Bin Laden interveio ativamente como aliado de confiança dos EUA (seu pai fora amigo da família Bush) nas campanhas que visavam a derrubada do governo revolucionário de Cabul.

Quando Mikhail Gorbatchov abandonou o Afeganistão e os 7 de Peshawar tomaram o poder no país, essas organizações desentenderam-se e iniciou-se um período de guerras fratricidas.

No final da presidência de Bush pai, os EUA, que tinham patrocinado a guerra de Saddam Hussein contra o Irã, reagiram à ocupação do Kuwait desencadeando a primeira guerra do Golfo, em 1991. Com o apoio de uma grande coligação avalizada pelo Conselho de Segurança, os iraquianos foram rapidamente derrotados. Bagdá foi submetida a bombardeios destruidores, mas Washington não se opôs a que Saddam permanecesse no poder.

No Afeganistão, cujo subsolo encerra recursos fabulosos, a situação assumiu aspectos tão caóticos, com os senhores da guerra a digladiarem-se, que Washington abriu a porta à entrada em cena dos Taliban, uma organização terrorista que a CIA havia criado no Paquistão como “reserva”.

Os autointitulados “estudantes de teologia” conquistaram facilmente o país e, instalados em Cabul, assassinaram Muhammad Najibullah, o último presidente legítimo, asilado na sede da ONU, e promoveram uma política de fanatismo religioso que fez regressar o país à Idade Média. Bin Laden, mudando de campo, surgiu então como aliado preferencial do mullah Omar, chefe espiritual dos Taliban.

Os EUA recolhiam frutos amargos da sua política agressiva contra o Islã e de apoio incondicional ao Estado sionista de Israel.

Mas foi somente em 2001, após os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, que a Casa Branca, onde então pontificava Bush filho, tomou a decisão de invadir e ocupar o Afeganistão. Bin Laden foi guindado a inimigo número 1 dos EUA e a Al Qaeda, por ele fundada, adquiriu na propaganda norte-americana as proporções de um polvo demoníaco, cujos tentáculos envolveriam todo o mundo islâmico.

Mas, contrariando as previsões de Washington, o povo afegão resistiu à ocupação do país pelos EUA e pela OTAN.

O presidente Obama, que prometera acabar com aquela guerra impopular, enviou para o país mais 120.000 militares. Sucessivas ofensivas de “pacificação” fracassaram e generais prestigiados foram demitidos. Anunciada para este ano a total retirada das forças de combate, a promessa não será cumprida.

Transcorridos 13 anos da invasão, a Resistência Afegã (que transcende largamente os Talibans) controla quase todas as províncias, com as tropas estrangeiras concentradas em Cabul e nas principais cidades. O país, devastado pela guerra, está mais pobre do que antes da chegada dos norte-americanos, mas a produção de ópio aumentou muitíssimo.

O assassínio de Bin Laden no Paquistão numa operação de comandos nebulosa, montada pela CIA e o Pentágono, não contribuiu, aliás, para melhorar a imagem de Obama.

Iraque, Líbia, Síria

Longe de extraírem lições da sua política para a região, os EUA desencadearam em março de 2003 a segunda guerra do Iraque, desta vez sem o aval da ONU. O pretexto invocado – a existência de armas de extermínio massivo – foi forjado por Bush e Tony Blair. Tais armas, como foi provado, não existiam.

Na invasão, foram utilizadas armas químicas proibidas pelas convenções internacionais. Crimes monstruosos foram cometidos e as torturas (incluindo abusos sexuais) infligidas pela soldadesca norte-americana aos prisioneiros iraquianos tornaram-se tema de escândalo de proporções mundiais.

Saddam Hussein foi executado após um julgamento sumário, com o aplauso de um governo fantoche. Mas, transcorrida mais de uma década, o Iraque regrediu meio século. Centenas de milhares de iraquianos morreram de doenças curáveis e de desnutrição.

Hoje, ocupado por dezenas de milhares de mercenários ao serviço de empresas mafiosas, o Iraque é na prática uma terra humilhada e ocupada, onde o poder real é exercido pelas transnacionais que se apropriaram do seu petróleo e do seu gás.

Incapazes de encontrar soluções para a sua crise estrutural, os EUA prosseguiram com a sua agressiva estratégia (ampliando-a) de dominação imperial.

A política de cerco à China e à Rússia intensificou-se. De documentos secretos do governo federal, tornados públicos por influentes mídias, constam planos para arruinar e desmembrar a Rússia, reduzindo-a a potência de segunda classe.

A multiplicidade de objetivos a atingir quase simultaneamente tem contribuído, porém, para que os resultados dessa política não correspondam às esperanças da Casa Branca.

As mal chamadas “primaveras árabes” foram ideadas para produzirem no Islã um efeito comparável ao das “revoluções coloridas”. E isso não aconteceu. No Egito, após uma cadeia de crises complexas e um golpe de Estado que derrubou o presidente Morsi, os EUA conseguiram o que pretendiam. No Cairo, ocupa o poder um governo militar do agrado do imperialismo norte-americano e que Israel encara com simpatia.

Mas o balanço da intervenção militar na Líbia é desastroso. Derrubaram e assassinaram Kadafi, numa guerra de agressão imperial, viabilizada pela cumplicidade da ONU, guerra em que participaram ativamente a França e o Reino Unido, preparada com antecedência pela CIA e os serviços secretos britânicos e a Mossad israelense. Destruíram as infraestruturas do país para se apossarem do seu petróleo e do seu gás.
Mas o desfecho da operação criminosa não correspondeu ao previsto no organograma da agressão.

A Líbia é hoje um país ingovernável. Uma parte significativa dos “rebeldes”, treinados e armados pelo imperialismo para lutar contra Kadafi, passou a atuar por conta própria, em milícias que desconhecem o governo títere de Trípoli. O terrorismo tornou-se endêmico. O atentado terrorista contra a missão diplomática dos EUA em Benghazi confirmou o estado de anarquia existente e a incapacidade de Washington para controlar as organizações terroristas que o imperialismo introduziu no país. Do caos líbio não foram, porém, extraídos também os ensinamentos neles implícitos.

A escalada de agressões prosseguiu. A Síria foi o alvo seguinte. Washington repetiu a fórmula. Uma campanha midiática ampla e ruidosa demonizou o presidente Assad, apresentado como ditador brutal. Depois, “rebeldes” patriotas – muitos dos quadros são estrangeiros – iniciaram a luta contra o governo legítimo do país.

Contrariando as previsões da CIA, as forças armadas, unidas em defesa do presidente Assad, resistiram e as organizações terroristas, ostensivamente apoiadas pela Turquia e pela Arábia Saudita, sofreram severas derrotas.

Dezenas de milhares de civis, sobretudo mulheres e crianças, foram vítimas da guerra patrocinada pelos EUA.

Compreendendo finalmente que o plano elaborado em Washington estava a fracassar, Obama, numa guinada tática, informou num discurso ameaçador que tinha decidido bombardear a Síria.

A firme atitude assumida pela Rússia obrigou-o, entretanto, a recuar e a desistir da intervenção militar direta. Essa inocultável derrota política tornou necessária uma revisão da estratégia global dos EUA para todo o Oriente Médio.

Apercebendo-se de que haviam avaliado mal a correlação de forças, a Casa Branca e o Pentágono adiaram sine dia o projeto de agressão à República Islâmica do Irã, e abriram negociações sobre o tema nuclear com um governo que o imperialismo identificava como polo do “eixo do mal”.

A catástrofe ucraniana

A derrota sofrida pelo imperialismo na Síria coincidiu praticamente com o desenvolvimento de outro projeto imperial, mais ambicioso, que visava a integração, a médio prazo, da Ucrânia na União Europeia e na OTAN.

Dispenso- me de recordar, por serem amplamente conhecidos, os acontecimentos que conduziram ao poder em Kiev um governo neofascista após a derrubada do presidente Yanukovich. Era um aventureiro, mas havia sido eleito democraticamente.

Mais uma vez o plano golpista foi minuciosamente preparado em Washington.

Mas, novamente, a História seguiu um rumo diferente do previsto pelo sistema de poder imperial. A integração da Crimeia à Rússia demonstrou que o governo de Putin e Medvedev‎ não se deixava intimidar pela agressiva estratégia de Washington.

A recusa das populações russófilas do leste da Ucrânia a submeter-se aos golpistas de Kiev levou observadores internacionais a admitir que a ofensiva das forças armadas da Ucrânia contra os “separatistas” de Donetsk e Lugansk poderia ser o prólogo de uma III Guerra Mundial. Mas a prudência e serenidade de Putin contribuíram para uma redução de tensões na área, evitando o alastramento de um conflito que poderia ter trágicas consequências para a humanidade.

A crise persiste, mas a própria incapacidade militar do bando de Kiev conduziu ao atual cessar-fogo e às negociações de Minsk. Na Ucrânia, o tiro saiu também pela culatra ao governo dos EUA, cuja aliança com fascistas assumidos ilumina o desprezo pela ética política da administração Obama.

O pesadelo jihadista

Atolado no pantanal ucraniano, o imperialismo estadunidense (e os seus aliados) enfrenta nestes dias um desafio assustador para o qual sabe não ter solução.

Inesperadamente, uma organização de islamitas fanáticos irrompeu no noroeste do Iraque e em poucas semanas ocupou um amplo território naquele país e no norte da Síria.

Assumindo-se como intérpretes intransigentes da sharia, tal como a concebem, proclamaram a restauração do Califado árabe e declaram a sua intenção de promover a sua expansão territorial e espiritual.

Logo nas primeiras semanas, a passagem desses jihadistas por cidades e aldeias conquistadas ficou assinalada pela prática de crimes hediondos, inseparáveis do fanatismo exacerbado da seita jihadista.

O imperialismo sentiu que o empurravam para um impasse. Obama não pode aceitar a ajuda do governo de Bashar al Assad, nem a do Irã. Perderia a face também se recorresse a forças terrestres para combater os jihadistas depois de ter festejado como acontecimento histórico a retirada do Iraque das tropas de combate. Optou, então, pelo recurso a bombardeios aéreos.

Recebeu o apoio dos governos de Hollande e de Cameron, mas os especialistas do Pentágono acham que esses bombardeios, ditos “cirúrgicos”, terão uma eficácia muito limitada. Os jihadistas responderam degolando dois reféns britânicos em seu poder e ameaçam abater outros se os bombardeios prosseguirem.

É imprevisível no momento o desfecho do confronto. Mas os generais do Pentágono afirmam que o exército iraquiano e as milícias do Curdistão autônomo, aliado de Washington, não têm capacidade militar para derrotar os jihadistas.

Em Washington, a administração está mergulhada num pesadelo. A mídia mais influente, do New York Times à CNN, também.

Muitos quadros jihadistas são, afinal, provenientes de organizações terroristas criadas e financiadas pelos EUA para combater regimes que não se submetiam à dominação imperial. Alguns foram treinados por oficiais da US Army. O desconforto da mídia também é compreensível.

As guerras de agressão que atingiram o Afeganistão, o Iraque, a Líbia e a Síria foram precedidas de gigantescas campanhas de desinformação. Durante semanas, os povos dos EUA e da Europa foram massacrados com um tipo de propaganda que apresentava as intervenções militares como exigência da defesa da liberdade e dos direitos humanos em prol da democracia, contra a ditadura e a barbárie.

Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, afirmava que uma mentira repetida mil vezes é aceita como verdade. As técnicas de desinformação utilizadas na época parecem hoje brincadeira de crianças se comparadas com a monstruosa máquina midiática controlada pelo imperialismo para anestesiar a consciência dos povos e justificar crimes monstruosos.

O presidente Obama cumpre neste jogo criminoso o papel que lhe foi distribuído. Na realidade, o poder nos EUA está nas mãos do grande capital e do Pentágono. Mas isso não atenua a sua responsabilidade; a máscara não funciona, o presidente desempenha com prazer e hipocrisia a sua função na engrenagem do sistema de poder. Comporta-se na Casa Branca como inimigo da Humanidade.

Nos últimos séculos, somente a Alemanha de Hitler criou uma situação comparável, pela monstruosidade dos crimes cometidos, à resultante, hoje, da estratégia de poder dos EUA. Com duas diferenças fundamentais: a política do III Reich suscitou repúdio universal, mas apenas a Europa foi cenário dos seus crimes.

No tocante aos EUA, centenas de milhões de pessoas são confundidas pela fachada democrática do regime, mas os crimes cometidos têm dimensão planetária. Qual o desfecho da perigosa crise de civilização que ameaça a própria continuidade da vida na Terra?

Vivemos um tempo, após a transformação da Rússia num país capitalista, em que as forças da direita governam com arrogância em quase toda a Europa. Em Portugal, sofremos um governo em que alguns ministros são mais reacionários que os de Salazar.

Mas a Historia é, há milénios, marcada pela alternância do fluxo e do refluxo. O pessimismo e o desalento não se justificam. A maré da contestação ao capitalismo está a subir.