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segunda-feira, 28 de julho de 2014

O genocídio em Gaza



Por Thalif Deen, da IPS/Envolverde



O esmagador poder de fogo israelense despejado sobre o movimento armado palestino Hamas no conflito atual em Gaza recorda a guerra da independência da Argélia (1954-1962), quando a França, a potência colonizadora, utilizou sua superioridade militar para atacar a insurgência. Enquanto a força área francesa lançava napalm sobre a população civil no campo, os argelinos recorriam a bombas artesanais escondidas nas bolsas das mulheres que eram deixadas em cafés, restaurantes e lugares públicos frequentados pelos franceses.

Em uma das cenas memoráveis do clássico filme de 1967, A Batalha de Argel, o líder da Frente de Libertação Nacional, Ben M’Hidi, é interrogado por um grupo de jornalistas franceses extremamente parciais. “Não considera que é um pouco covarde usar bolsas e cestas de mulheres para levar os artefatos explosivos que matam tanta gente inocente?”, perguntavam ao líder argelino algemado. “E não lhe parece ainda mais covarde jogar bombas de napalm sobre gente indefesa, que causam mil vezes mais vítimas inocentes?”, respondeu M’Hidi, acrescentando: “Naturalmente, se tivéssemos seus aviões de combate seria muito mais fácil para nós. Nos deem seus bombardeiros e fiquem com nossas bolsas e cestas”.

No atual conflito em Gaza, uma inversão de papéis encontraria o movimento islâmico Hamas armado com aviões de combate, mísseis ar-ar e tanques, enquanto Israel responderia apenas com foguetes de fabricação caseira. Mas, na realidade, o Hamas está totalmente superado em sua luta contra um dos poderes militares mais formidáveis e sofisticados do mundo, cujos equipamentos de última geração chegam gratuitamente dos Estados Unidos, mediante o chamado financiamento militar estrangeiro (FMF).

Segundo os últimos dados, o conflito que começou no dia 8 custou a vida de mais de 620 palestinos, em sua maioria civis, entre eles pelo menos 230 mulheres e crianças, e deixou mais de 3.700 feridos. Do lado israelense houve 27 soldados e dois civis mortos.

“É impossível imaginar a desproporção absoluta de poderes neste conflito, salvo para quem esteve na rua diante das tropas israelenses em Gaza, ou tenha dormido no chão sob um ataque aéreo, como fiz várias vezes, enquanto entregava ajuda em 1989, 2000 e 2009”, afirmou James E. Jennings, presidente da Consciência Internacional e diretor da organização Acadêmicos dos Estados Unidos pela Paz.

“Vi jovens que simplesmente fugiam baleados pelas costas por soldados israelenses equipados com subfuzis Uzi e uniformes blindados, e em 2009 e 2012 fui testemunha em Rafha da superioridade tecnológica de Israel na coordenação de sofisticados computadores, aviões não tripulados e caças F-15”, acrescentou Jennings. Os reiterados bombardeios apontam para os jovens que utilizam túneis para levar alimentos e remédios à população presa pelo embargo em Gaza, mas também atacam civis indefesos que fogem das hostilidades, destacou.

“Em meu trabalho visitei mulheres e crianças feridas nos hospitais de Rafah e na cidade de Gaza e ajudei a transportar cadáveres para seu enterro”, acrescentou Jennings. “É como atirar em peixes em um barril”, prosseguiu, em uma analogia para esta situação de capacidades militares tão assimétricas.

Os dados estatísticos evidenciam a ineficácia dos foguetes Qassam de fabricação caseira que o Hamas dispara, já que após mais de dois mil lançamentos apenas dois civis morreram do lado israelense. “É muito menos do que os oito norte-americanos mortos acidentalmente em 2013 vítimas de fogos de artifício nas comemorações do 4 de julho”, dia da independência dos Estados Unidos, destacou Jennings.

As armas norte-americanas no valor de milhares de milhões de dólares em poder de Israel foram adquiridas com subvenções não reintegráveis do FMF, segundo especialistas em defesa. Israel receberá um total de US$ 30 bilhões em ajuda militar de Washington nos dez anos transcorridos entre 2009 e 2018. O Serviço de Investigação do Congresso norte-americano indica que Israel é o maior receptor da FMF dos Estados Unidos, já que em 2015 receberá 55% do desembolso total dos subsídios de Washington no mundo. Essa quantia representa entre 23% e 25% do orçamento militar anual israelense.

Nicole Auger, analista militar que cobre Oriente Médio e África para a Forecast International, consultoria em assuntos de defesa, apontou à IPS que Israel importa quase todo seu arsenal dos Estados Unidos. Segundo ela, a prioridade de Israel é manter a superioridade aérea diante dos vizinhos da região, acima do poderio terrestre. Israel fez um pedido adicional de caças F-15I que se somarão aos 25 F-15ls (Ra’ams) de longo alcance que a Força Aérea Israelense já possui, junto com 102 F-16I (Soufas) de combate polivalente, acrescentou a especialista.

O arsenal militar de Israel também inclui dezenas de helicópteros de ataque, como o Sikorsky CH-53, recentemente equipado com o sistema de proteção IAI Elta Systems EL/M-2160, que detecta mísseis com radar e ativa medidas para desviá-los. Também atualizou sua frota de helicópteros de ataque Cobra AH-1E/F/G/S da Bell e Apache AH-64A da Boeing. Para sua defesa conta com a última versão do sistema antimísseis Patriot, PAC 3, e também possui bombas guiadas por laser Paveway, bombas de penetração BLU-109 e munições antibunquer GBU-28.

Jennings explicou à IPS os fatos que os meios de comunicação não costumam recordar ao cobrir a guerra entre Israel e Gaza. O direito à legítima defesa, defendido por Israel e seus aliados em Washington, nunca é mencionado com relação ao ocorrido em 1948, quando centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas casas e de seu território para serem trancados na maior prisão do mundo que é Gaza.

Em segundo lugar, o mundo mantém silêncio enquanto Israel, com a cumplicidade dos Estados Unidos e do Egito, sufoca os 1,7 milhão de habitantes de Gaza com um cordão sanitário brutalmente efetivo, o embargo quase total de bens e serviços, que em grande parte limita a existência de alimentos e medicamentos. “Estes são crimes de guerra, violações contínuas do direito internacional humanitário perpetuado durante os últimos sete anos, enquanto o mundo desvia o olhar”, enfatizou Jennings.

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