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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Dia da Mudança



cronica de autoria do meu amigo Henrique Fendrich, no Novos Cronistas da Internet


É dia de mudança, afinal. Moramos numa região alta em que venta muito. É comum que as casas sejam destelhadas. Também as árvores costumam derrubar os seus galhos. Outro dia, caiu um deles justamente em cima da nossa antena parabólica. Foi um baita prejuízo. Minha mãe não suporta mais passar por isso. Quando o vento é forte demais, e vem a tempestade, ela tem medo do que possa acontecer. E então faz orações para a santa. Há inclusive uma simpatia que consiste em fazer uma cruz com farinha, ou algo do tipo, em cima da mesa. E assim passamos, enquanto lá fora venta, chove, troveja.

Mas não mais, pois hoje mesmo nos mudamos. Até que ficamos bastante tempo aqui – todos os meus treze anos. Conheço toda a vizinhança. Quer dizer, ultimamente vieram alguns moradores novos, que eu não conheço tão bem. Mas por aqui sempre estiveram os meus amigos. Do outro lado da rua, o meu melhor amigo. Na casa ao lado, a minha primeira amiga – eu tinha quatro anos. Depois a gente cresceu e se separou. E há os amigos que moram em outras ruas, mas sempre aqui por perto. É bem verdade que nos últimos tempos eu pouco tenho conversado com eles. Estou me mudando daqui e não fiz as pazes com meu melhor amigo. A gente brigou, e já faz tempo. Mas nem sei o que houve. Sei apenas que um dia eu não fui mais em sua casa, ele não foi mais na minha, e fomos repetindo isso ao longo dos dias, até que nos acostumamos com a situação.

De vez em quando o irmão dele vem aqui em casa. Mas tem só uns cinco ou seis anos. Não é a mesma coisa. Tenho passado a maior parte do tempo sozinho mesmo. Quer dizer, ultimamente arrumei um cachorro. A gente nunca teve um cachorro, mas eu arrumei o cachorro do vizinho pra mim. É um vira-lata pequeno, criança ainda, e todo branco. Mora na casa ao lado. Supostamente, ele estaria preso ou amarrado – na pior das hipóteses, deveria estar solto mas dentro do terreno dos nossos vizinhos. Mas aquele cachorro não conhece limites ou fronteiras. Não tem um dia que não escape até a nossa casa. E eu aproveito a ocasião para brincar com ele – raros cachorros brincam mais do que esse. Jogo até futebol com ele. E basquete. É um bom companheiro. Agora há pouco, brinquei com ele pela última vez. A gente vai se mudar e eu vou perder o meu novo amigo. Paciência.

Sou meio bobo e por isso fico pensando em todas as coisas que estou fazendo pela última vez nessa casa. Fui tomar banho e pensei nisso – a última vez que estava tomando banho ali. Não sei até que ponto o sentimento era natural, mas eu realmente me emocionei. Deu vontade de chorar. Ali, embaixo do chuveiro. Não sei bem o motivo. Um pouco era mesmo saudade e outro tanto era vontade de sentir mais saudade. Alguma coisa deve mudar em mim junto com essa mudança. Estou saindo do lugar da minha infância. Acho que foram essas coisas que me deram vontade de chorar – e eu não me fiz de rogado, e chorei.

Enfim. Meu pai está me chamando. Tenho que ajudar a levar coisas para o caminhão. As coisas pequenas, claro. As minhas coisas de criança estão subindo naquele caminhão também. Onde as deixarão? Elas só fazem sentido nessa casa. Mas vamos lá. Vou aproveitar ao máximo as coisas que farei aqui pela última vez. Talvez eu queira guardar bem na memória. Um dia, quem sabe, eu até escreva algo sobre isso.

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