Hoje recebi um daqueles esperados telefonemas de um
call-center querendo me empurrar uma nova empulhação qualquer. Para minha
alegria não era nenhum banco querendo me engrupir com um cartão de crédito, era
da Editora (1º de) Abril!... Maravilha!...
A menina quis me dar
50% de desconto numa assinatura da... ora,
ora... VEJA!?... de saída já tinha me avisado que “para minha segurança a
conversa estaria sendo” (gerúndio básico) gravada. Ótimo, pensei.
Deixei ela
desfiar um pouco a leitura da ladainha que recita, mas a interrompi para não
prolongar muito meu sofrimento e avisei que não conseguiria me convencer de me
tornar um assinante desse lixo (não expressei esse adjetivo em respeito ao seu
trabalho, suado, depois de 2 ou 3 conduções desde os subúrbios de São Paulo que
pode ser obrigada a enfrentar todas a manhãs e deixar seus filhos pequenos aos
cuidados de alguém), ao que me perguntou as razões de não gostar da linha
editorial de uma revista “que influencia empresários e pessoas importantes do
Brasil e do mundo (???)...” . Falei com gosto “Porque a Veja mente!...” De
pronto mudou a conversa e me disse que poderia me oferecer 50% de desconto para
qualquer outra revista da Abril... fui um pouco enfático e terminei nossa
conversa afirmando que não tem nada no mundo que me convença a assinar alguma
revista da Abril... Obrigada e boa tarde!.... desligou.
Em homenagem a essa abnegada funcionária da Editora 1º de
Abril (ou funcionaria de empresa sub-contratada, para dar o tombo PJ), vou transcrever
uma leitura com lupa de uma edição de Veja, que obviamente não li, mas acredito
em tudo que o analista descreve:
por Eloésio Paulo, no blog da revista Espaço Academico
Freud pode ter cometido muitos erros, mas seus grandes acertos vão garantir-lhe sempre um lugar de grande pensador. Um desses acertos é a postulação de que os atos falhos revelam verdades que talvez preferíssemos manter ocultas. A revista “Veja”, expoente maior do PIG (Partido da Imprensa Golpista), cometeu um desses lapsos na sua matéria de capa intitulada “As soluções instantâneas capazes de fazer o Brasil virar um foguete”.
A reportagem é dividida em 11 temas que vão da economia à educação, da previdência social às obras de infraestrutura. Cada um deles é dividido em quatro tópicos: “Que problema resolveria”, “Efeito positivo imediato”, “Quem é contra” e “Como convencer os incrédulos”. Pronto, aqui está o ato falho: quem discordar da revista e de seus ilustres entrevistados é “incrédulo”, não uma pessoa que pense criticamente, pois as “soluções radicais e eficientes” que eles propõem seriam baseadas em “estudos independentes, abrangentes, irrefutáveis (…) que podem ser encomendados ao Banco Mundial”. É o que diz Edmar Bacha, que tem o inegável mérito de ter sido um dos formuladores do Plano Real, mérito que, no entanto, está longe de transformar sua fala em revelação da Palavra do Senhor.
Evidentemente os que não crerem que o Banco Mundial é independente e irrefutável fazem parte dos infiéis a serem convertidos. E nem é necessário dizer que os entrevistados formam um coro muito afinado entoando a velha melodia liberal, aquela mesma que, abençoada pelo Banco Mundial, recentemente levou à quebra da Europa e à crise norte-americana, com a qual Obama imprimiu 600 bilhões de dólares pressas, pressionando para baixo, no mundo inteiro, o valor da moeda mais sem lastro que já existiu em qualquer galáxia. É que desde Nixon, sabem?, o lastro do dólar é unicamente militar, o que acaba dando alguma razão às atitudes de ditadores paranóicos como Castro e Chávez.
Ouvindo a voz divina no monte Sinai, a “Veja” produziu um quase-decálogo. Talvez para evitar essa comparação, os tópicos da matéria são 11. Sim, porque nem tudo é ato falho na revista: não chamemos assim a foto de Aécio Neves na página 36, maior que a da presidente Dilma, esta com o rosto acabrunhado e cara de piedade, enquanto o pré-candidato do PSDB é retratado sorridente, de modo a transmitir confiança e larga visão do futuro. A velha lição de Goebbels… Falamos da mesma revista que, nos idos de 1988, publicou na capa o então candidato Collor carregado em triunfo por populares alagoanos, com o título de “O caçador de marajás”, e há poucos anos, também na capa, caracterizou João Pedro Stédile, do MST, como o Diabo.
A desfaçatez de “Veja” é particularmente escandalosa nas soluções infalíveis dadas para a educação. Uma senhora chamada Maria Helena Guimarães Castro, que ostenta o glorioso título de ex-secretária da Educação de São Paulo – e, como se sabe, a educação pública paulista tornou-se uma verdadeira maravilha em sua gestão –, propõe concentrar o poder nas mãos dos diretores de escolas, que seriam diretamente responsabilizáveis por resultados negativos do aprendizado. Nenhuma palavra sobre a qualificação dos professores. Sobretudo, nenhuma palavra sobre salários decentes, apesar de todos saberem que na Finlândia e no Canadá, países sempre citados como exemplo de educação eficiente, a carreira de professor ser uma das mais disputadas, e evidentemente não por aqueles lugares terem sido abençoados com um número maior de jovens vocacionados ao martírio: professores, lá, ganham bem, são respeitados pela sociedade e têm uma carreira na qual é possível crescer como profissionais e como seres humanos.
É claro que figuram na reportagem propostas boas, como a dos “castigos” para políticos, que se tornariam inelegíveis se determinadas metas econômicas e sociais não fossem cumpridas. Mas “Veja” se esquece de que, na democracia brasileira, nenhuma solução “radical e eficiente” é possível sem passar pelo Congresso, que costuma não ser nada radical (felizmente) e nem um pouco (ó, lástima!) eficiente. Talvez a revista tenha saudade da ditadura, por sinal apontada por Raul Velloso, mais um economista, como a idade de ouro dos investimentos no setor de transportes: naquele tempo era possível fazer as coisas de uma canetada, e exatamente por isso a rodovia Transamazônica, até hoje sem asfalto, é um ótimo exemplo de eficiência administrativa. Além disso, todos sabem que na ditadura não havia roubalheira, não é mesmo?
O brilhante democrata Armínio Fraga, tão importante na história política do Brasil, propõe a solução mais criativa: as mães poderiam votar, nas eleições, tantas vezes quantos filhos menores de 16 anos tivessem. O argumento é que só as mulheres teriam uma visão de futuro, dada a sua responsabilidade pela felicidade dos filhos. No mundo de Armínio não existem, supostamente, mães que jogam filhos recém-nascidos no bueiro, nem pais que dedicam a vida à felicidade das crianças que puseram no mundo. Esse é o mundo da economia fundamentalista; nele tudo é muito claro e previsível. É pena que a realidade seja tão diferente, e que mais uma vez, para fazer vingar a regra tão visionária imaginada pelo ex-presidente no Banco Central, fosse necessário aprovar uma lei no Congresso Nacional, onde o consenso é tão difícil e onde as barganhas passam necessariamente por ilustres políticos muito queridos de “Veja”.
Enfim, a revista nos dá um exemplo magnífico do jornalismo tal como se pratica hoje no Brasil. Manda às favas qualquer pretensão de imparcialidade, assume-se como partido político informal, demonstra abertamente que a comunicação de massa é um negócio e nada mais. Seria, por sinal, bem instrutivo verificar quantas das cabeças coroadas, entre as que opinam na matéria em questão, têm ou tiveram alguma ligação com o governo Fernando Henrique ou outras administrações do PSDB. De cabeça é possível citar quatro: Gustavo Franco (cuja gestão no Banco Central foi um desastre) e os citados Bacha, Armínio Fraga e senhora Guimarães Castro.
É um belo serviço esse que “Veja” presta à sociedade brasileira. Na maioria impraticáveis numa democracia, as sugestões apontadas, e especialmente o método usado para coligi-las, evidenciam o quanto o jornalismo está longe de ser o que as pessoas comuns imaginam. Apesar da urticária que a revista semanal dos Civita tem ao PT, em momentos assim ela se ombreia com o partido de Lula, o qual talvez tenha sepultado para sempre, no Brasil, a infeliz ideia de que um partido pode ser uma congregação monolítica de pessoas honestas e bem-intencionadas, capaz, por isso mesmo, de deter o monopólio da Verdade.
P.S.: Numa incrível demonstração de sua parcialidade, a Veja estampou em sua próxima edição, de 16/01, nada menos que dez cartas sobre as soluções mágicas. Nove delas elogiando e concordando, uma apenas – e muito timidamente – discordando da reportagem.
Não li a reportagem, não assino a revista, mas não seria o caso de valorizar pelo menos a *tentativa*? Em vez de fingir que está tudo bem?
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