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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Krupp - que fiasco!... e sobrou pra quem?...



Saul Leblon na Carta Maior

Celso Furtado dizia que o carrasco das nações no mundo globalizado era a perda dos instrumentos endógenos de decisão. Sem eles tornar-se-ia virtualmente impossível subordinar os interesses do dinheiro aos da sociedade. A reinvenção dessa prerrogativa seria quase uma pré-condição para regenerar a agenda do desenvolvimento no século 21. 

O fato de o Ministério do Planejamento no Brasil ter se reduzido a uma sigla ornamental ilustra o quanto a sociedade ainda se ressente desse difícil processo de reconstrução. 

O fiasco do projeto siderúrgico da Krupp (Tyssenkrupp) no país é mais uma evidência da visão arguta de Furtado, cuja pertinência histórica a ortodoxia nativa desdenha e inveja. Fundada em Essen, há 201 anos, a lendária siderúrgica alemã está se desfazendo de uma unidade no Rio de Janeiro.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico começou a ser planejada pela Tyssenkrupp em 2005; entrou em operação em 2010 e custou US$ 15 bi. A previsão de produzir cinco milhões de toneladas de placas de aço por ano revelou-se um fracasso. Não um fracasso qualquer.

O tropeço da gigante alemã no país condensa algumas coisas que os crédulos dos mercados racionais e autorreguláveis precisam aprender sobre o capitalismo.  A CSA nasceu como uma perfeita obra da globalização do capital. Nela, como se sabe, nações e povos figuram como mero substrato logístico ou entreposto de insumos baratos. Arcam com as externalidades do projeto e participam de forma lateral dos lucros... e são coagidos a engolir o grosso dos prejuízos quando ele ocorre. É o caso.

Num país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, a CSA foi erguida sobre um solo pantanoso, ao lado de um mangue, na Baía de Sepetiba, zona oeste do Rio de Janeiro. A escolha singular elevou em cerca de 60% o custo de implantação. Exigiu um exército de bate-estacas para as fundações que mobilizariam quase um terço da oferta desses equipamentos na região. Havia lógica, a do dinheiro, por trás da aparente excentricidade. Ocupar um terreno próximo à fonte de matéria-prima, trazida do Espírito Santo pela Vale do Rio Doce (sócia com 23% do capital), era uma motivação. A disponibilidade de um porto exclusivo para intenso movimento de embarques rumo aos EUA, outra.

Uma siderúrgica complementar à CSA foi erguida pela Krupp no Alabama. As placas brutas enviadas de Sepetiba seriam laminadas nessa unidade para abastecer o parque automobilístico norte-americano. A indústria automotiva dos EUA entrou em coma com o colapso da ordem neoliberal em 2008. A espiral recessiva desligou seus altos-fornos e criou um elefante branco no Alabama. A mesma condição foi estendida à siderúrgica gêmea brasileira.

Os impactos sociais e ambientais do projeto, porém, permanecem ativos.

Reportagem da Carta Maior durante a Rio+ 20, no ano passado, revelou que, entre outras 'externalidades', a localização inadequada contaminou o mangue e o mar com resíduos de metais despejados pela usina. A vida marinha, a pesca e o turismo local foram golpeados.

Em novembro último, a CSA foi multada em R$ 10,5 milhões de reais pela secretaria estadual de Meio Ambiente do Rio. Motivo: ter proporcionado aos moradores locais e à vida aquática um evento tóxico conhecido pelo nome poético emprestado aos fogos de artifício: 'chuva de prata'. Nem a população de Sepetiba, nem o Brasil, tampouco os metalúrgicos do Alabama têm motivos para estourar fogos diante do fiasco global da Tyssenkrupp.

stop loss (termo do mercado acionário que dispara ordens automáticas de vendas para evitar perdas) no monitor da empresa na Alemanha já decidiu como resolver o seu problema específico no Brasil. A Krupp decidiu vender o elefante branco a um grupo local e pressiona o BNDES a financiar o negócio da hora: uma planta ociosa num mundo que convive com um excedente de 500 milhões de toneladas de aço. O equivalente a 70% da produção anual chinesa. 

Quando o conservadorismo ataca o governo por 'eleger vencedores', grupos financiados com empréstimos favorecidos pela TJLP, o juro real negativo do BNDES, certamente não se refere a esses casos ilustrativos. Neles, os vencedores são os capitais globalizados cantados em verso e prosa pelos críticos do 'intervencionismo da Dilma'. 

O grande perdedor, menos lembrado, é justamente a nação, desprovida --ainda-- de planejamento público, bem como de salvaguardas estatais demonizadas pelos sacerdotes dos livres mercados. A Krupp seguiu a mais essa aventura do capital, como já aconteceu em outras oportunidades. A pioneira da siderurgia alemã não sobreviveria por dois séculos se não encarnasse a própria essência mutante do capitalismo. 

A mesma empresa que inventou o aro inteiriço das rodas de trens em meados do século XIX, distinguiu-se na fundição de canhões, que abasteceriam os exércitos alemães derrotados na Primeira Guerra. Sob o nazismo, o complexo Krupp não desperdiçaria oportunidades e sinergias.

2 comentários:

  1. Não foi exatamente o Lula que pressionou de toda forma a Vale para meter-se em siderurgia, quando a "imprensa golpista" já apontava excesso de capacidade no mundo?

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  2. Foi!... tiro no pé do Tomador de 51.

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