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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Quem é o senador Roger Pinto Molina



por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho


Nossos colunistas políticos são uma piada. Agora deram para endeusar um político boliviano corrupto e um diplomata irresponsável. Noblat, num texto de opinião publicado hoje no Globo, empilha uma quantidade incomensurável de asneiras, alinhavadas numa sintaxe deprimente, para comparar a situação do corrupto aos milhões de judeus torturados e mortos em campos de extermínio nazista. Já na Folha, Cantanhade compara diplomata irresponsável, que botou em risco a vida do asilado, à José Bustani, o corajoso membro do Itamaraty que enfrentou o império ao afirmar, enquanto diretor da agência de armas químicas da ONU, a Opaq, que o Iraque não possuía armas de destruição em massa. Enquanto Bustani, como bom diplomata, tentou evitar uma guerra, Eduardo Saboia quase criou uma; o irresponsável produziu justamente aquilo para o qual um diplomata é regiamente pago para evitar: um conflito diplomático.


Vale a pena ler o texto abaixo, onde o internauta Marcelo Zero explica quem é Roger Pinto Molina.

Alguns Esclarecimentos Sobre o Caso do Senador Róger Pinto Molina

Marcelo Zero

1 – O senador Róger Pinto Molina, latifundiário dono de milhares de hectares de terras, é um político da direita boliviana que fez a sua carreira no Departamento de Pando, que fica localizado na região da chamada Media Luna (meia lua) boliviana. Essa região do Leste da Bolívia é dominada pelas planícies férteis e pelas jazidas de hidrocarbonetos, e constitui a parte mais próspera e rica daquele país. Já a região dos Andes é, hoje em dia, menos dinâmica e mais pobre.

2 – Essa região é também a mais etnicamente miscigenada, em contraste com a região andina, na qual predomina a população de índios aimarás e quéchuas. Muitos habitantes brancos da Media Luna chamam a população indígena dos Andes com o nome pejorativo de “kollas”. Há, na Bolívia, uma divisão não apenas política entre as duas regiões (a Media Luna e a Andina), mas também racial.

3 – É justamente nessa região que está localizada, com maior intensidade, a oposição política ao governo Evo Morales, que tem profundas raízes na região andina e na população indígena, majoritária no país (64%).

4 – Com a ascensão de Evo ao poder, os prefeitos dos departamentos (equivalentes a governadores) dessa região da Media Luna acabaram por instituir um movimento autonomista, que alguns chegaram a definir como eminentemente separatista. A pressão sobre o governo Evo e a iminência de um processo de guerra civil levou à convocação de um referendo revogatório, em 2008.

5 – O mandato de Evo Morales foi, no entanto, confirmado com 67% dos votos válidos.

6 – Esse resultado levou os governadores da oposição a iniciar uma série de protestos e a intensificar o movimento autonomista. Os apoiadores de Evo reagiram, exigindo a obediência à Constituição e o respeito às leis federais.

7 – Na região de Pando, o prefeito Leopoldo Fernandez, padrinho político do Senador Róger Pinto, formou milícias estatais armadas para ajudar a promover a “autonomia” do seu departamento. Em 11 de setembro de 2008, essas milícias enfrentaram uma marcha de camponeses fiéis a Evo Morales, na localidade de Porvenir. Houve uma chacina de indígenas, que deixou um saldo de 19 mortos e dezenas de desaparecidos.

8 – Essa chacina, conhecida como o Massacre de Porvenir ou o Massacre de Pando, foi investigada pela Unasul, que produziu, em novembro de 2008, um relatório classificando o massacre de “crime contra a humanidade”, conforme a definição da Organização das Nações Unidas.

9 – Pois bem, um dos crimes dos qual o Senador Róger Pinto é acusado tange justamente à sua provável participação nesse massacre. Róger Pinto, que havia sido prefeito da localidade de Porvenir, era o braço direito de Leopoldo Fernandez, acusado pela Justiça boliviana de ser o articulador do massacre.

10 – Além disso, o senador Pinto tem uma vintena de processos na justiça comum da Bolívia, com acusações que vão desde corrupção e malversação de recursos públicos até desacato e difamação. Ele já tem uma condenação. Com efeito, ele foi condenado, em 25 de junho de 2013, pelo Tribunal Primero de Sentencia do Departamento de Pando a um ano de reclusão por ter desviado recursos públicos da Zona Franca de Cobija para a Universidad Amazónica de Pando, ente de direito privado. O desvio foi de quase 12 milhões de pesos bolivianos, algo em torno de US$ 1,6 milhão.

11 – Portanto, pela lei brasileira o senador Pinto já seria considerado um político “ficha – suja”.

12 – Observe – se que essa primeira condenação deu – se após um ano do senador Pinto estar refugiado na embaixada. Assim, na época do início de seu asilo diplomático não havia nenhum pedido de prisão contra ele, embora o senador estivesse proibido de deixar o país.

13 – A iniciativa de conceder asilo diplomático ao senador boliviano partiu do embaixador do Brasil em La Paz na época, Sr. Marcel Biato. Na realidade, a Chefe de Estado não foi consultada previamente sobre essa hipótese, que, uma vez concretizada, é de reversão muito difícil. Por tal razão, ele foi duramente criticado pelo governo boliviano, o qual alega que o embaixador não levou em consideração o fato do senador Róger Pinto ter vários processos contra ele na justiça comum. O governo boliviano alega que a concessão de asilo ao senador teria violado a Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954, celebrada no âmbito da Organização dos Estados Americanos.

14 – Com efeito, o artigo III da citada Convenção tem a seguinte redação:

Artigo III

Não é lícito conceder asilo a pessoas que, na ocasião em que o solicitem, tenham sido acusadas de delitos comuns, processadas ou condenadas por esse motivo pêlos tribunais ordinários competentes, sem haverem cumprido as penas respectivas; nem a desertores das forças de terra, mar e ar, salvo quando os fatos que motivarem o pedido de asilo, seja qual for o caso, apresentem claramente caráter político. As pessoas mencionadas no parágrafo precedente, que se refugiarem em lugar apropriado para servir de asilo, deverão ser convidados a retirar – se, ou, conforme o caso, ser entregues ao governo local, o qual não poderá julgá – las por delitos políticos anteriores ao momento da entrega.


15 – Pela mesma razão, o governo boliviano vinha se negando a fornecer o salvo conduto para que o senador fosse retirado em segurança da Bolívia.

16 – Saliente – se que o advogado do senador boliviano no Brasil, Sr. Fernando Tibúrcio Peña entrou com um pedido de Habeas Corpus Extraterritorial em benefício de seu cliente, no STF brasileiro. Nesse pedido, o advogado em questão solicitava, entre outras demandas:

a) determinar que a autoridade dita coatora seja compelida a colocar a disposição do paciente no prazo de trinta dias, contado da intimação do deferimento da ordem de habeas corpus e independentemente da concessão de salvo conduto e das garantias de praxe por parte das autoridades bolivianas, um veículo do Corpo Diplomático acreditado junto ao Governo da Bolívia, para que o paciente possa deixar o território boliviano e ver restabelecida sua liberdade de locomoção;

17 – Conforme o parecer da AGU sobre o assunto, “os pedidos formulados pelo impetrante não são juridicamente possíveis, isto é, se o governo brasileiro propiciar ao paciente o veículo requerido para que possa sair da Bolívia, estaríamos violando a ordem internacional, descumprindo decisões judiciais de tribunais bolivianos, que já decidiram que o paciente não pode deixar o país.” Ademais, o parecer da AGU também estabelecia que “uma decisão que determine a saída do senador Roger Pinto Molina da Embaixada sem a concessão de salvo – conduto e de garantias de segurança pelas autoridades bolivianas, por sua vez, impossibilitaria o Brasil de conceder qualquer forma de proteção jurídica ao senador, tornando sem qualquer efeito prático o asilo diplomático concedido, que desapareceria ipso facto”,

18 – Além desse parecer da AGU, havia também outros dois pareceres, do Itamaraty e da Procuradoria Geral da República, que iam na mesma direção.

19 – Em outras palavras, a posição do governo brasileiro de não retirar o senador da Bolívia sem um salvo conduto e as garantias de praxe era inteiramente secundada e apoiada pela AGU e pela Procuradoria Geral da República.

20 – Mas não se tratava apenas, evidentemente, de mera questão jurídica. Essa questão era, sobretudo, uma questão de bom senso. O Estado que concede o asilo, acertada ou erradamente, isso não vem ao caso, torna – se, ipso facto, responsável pela segurança do asilado. Se o Estado em cujo território está o asilado se nega a conceder o salvo conduto, qualquer tentativa de retirá – lo desse território torna – se uma aventura insana, cujas consequências recairão exclusivamente sobre o Estado que concedeu o asilo. Não se trata de uma responsabilidade pessoal do embaixador em exercício, mas de uma responsabilidade de Estado, que recai pesadamente no Chefe de Estado e sobre toda a Nação. Em caso de violação da integridade do asilado, o Estado concedente é que é acionado em tribunais internacionais.

21 – Por conseguinte, quando o encarregado de negócios brasileiro em La Paz diz que assume a responsabilidade pela ação de retirar o senador da Bolívia, sem salvo conduto e as garantias devidas, ele está assumindo algo que jamais poderia ter assumido de modo pessoal.

22 – No caso específico da ação de retirar o senador da Bolívia, tratou – se, de fato, de uma aventura temerária, para dizer o mínimo.

23 – Para chegar ao Brasil, o senador percorreu, em carro diplomático brasileiro, durante longas 22 horas, 1.600 quilômetros de perigosas estradas bolivianas. Nessa autêntica Odisseia, poderia ter acontecido qualquer coisa. Por exemplo, o carro poderia ter sido parado em qualquer dos pontos de controle e o senador poderia ter sido preso por tentativa de fuga. Quem seria o culpado? O embaixador Sabóia? Não, o culpado teria sido o Estado brasileiro, que seria acusado de entregar o senador boliviano às autoridades que o perseguiam. O carro poderia também ter sido atacado por partidários de Evo Morales, causando até a morte do senador. Nesse caso extremo, a morte do senador seria, novamente, de responsabilidade única do Estado concedente do asilo, isto é, do Brasil.

24 – Essa responsabilidade pela vida e pela segurança do asilado é intransferível e irrevogável.

25 – Evidentemente, caso o governo boliviano tivesse concedido o salvo conduto, a coisa teria mudado inteiramente de figura, pois, nessa hipótese, o Estado boliviano assumiria a responsabilidade de assegurar a segurança do asilado até a sua entrada em território brasileiro.

26 – Mas além de se ter colocado em risco, de forma irresponsável, a segurança e a vida do asilado, há de se lamentar também, nesse caso, o fato gravíssimo da Presidenta da República só ter tomado conhecimento do acontecido, após o asilado já estar em território nacional, um dia inteiro após iniciada a aventura rocambolesca.

27 – Houve, assim, é óbvio, uma quebra de hierarquia, de ruptura da cadeia de comando e de confiança absolutamente inaceitáveis. Esses fatos se agravam quando levamos em consideração que qualquer embaixada possui mecanismos para criptografar mensagens sensíveis e urgentes.

28 – As alegações do encarregado de negócios de que a situação do asilado na embaixada estava se deteriorando não justificam colocar a sua segurança e vida em risco. Esses problemas poderiam ter sido resolvidos ou contornados por outros meios. É comum, nesses casos, trazer assistência médica especializada (que com certeza não lhe teria sido negada). Considere – se que não seria do interesse do governo boliviano e, muito menos, do governo brasileiro, que o senador Pinto cometesse suicídio dentro da embaixada.

29 – Assim sendo, não houve heroísmo nesse lamentável imbróglio. Houve, isto sim, uma clara irresponsabilidade, que comprometeu o Estado brasileiro e a vida e a segurança de um asilado, além da soberania da Bolívia.

30 – É provável que o justiça boliviana solicite, agora, a extradição do senador Pinto, com base nas duas dezenas de processos que há contra ele na Bolívia.

31 – O Brasil, como sempre, pautará a sua conduta no caso pelos princípios inscritos nas convenções internacionais e pelos cânones do direito internacional público, colocando a vida como bem maior a ser protegido.

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