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domingo, 15 de fevereiro de 2015

HSBC e os diamantes africanos

 

Por Joan Tilouine, no Le Monde Afrique – tradução deste blogo botoco

Em Bria, cidade região leste da República Centro-Africana, um funcionário de um escritório de compra de diamantes de uma empresa chamada "Badica"  descreve um cenário de terra arrasada. Os exploradores das minas e os compradores estrangeiros a trabalham em marcha lenta na área devastada pela guerra, onde as pedras, descobertas desde 1914 são o recurso principal e estão no centro das questões de poder.

Oficialmente em maio de 2013, dois meses após a derrubada do presidente François Bozizé por rebeldes muçulmanos do grupo Seleka, a Republica Centro-Africana perdeu a certificação KPCS - Kimberley Process Certification Scheme - um protocolo de certificação de origem de diamantes brutos para evitar a comercialização de pedras originárias de zonas de conflitos. Como o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu um embargo à exportação de "diamantes de sangue" da República Centro-Africana, nenhuma pedra pode ser exportada legalmente. Isso tem consequências sobre a situação econômica do país, prejudicada pelo conflito político-militar, mas promove uma continua atividade ilegal, a dos contrabandistas de diamantes.



Abdoulkarim Dan-Azoumi e seus esqueletos no armário

Com sede na capital Bangui, Badica é uma empresa liderada localmente por Mahamat Nour, um dos irmãos de um bem sucedido empresário e selfmade man Abdulkarim Dan Azoumi, seu verdadeiro controlador. Nascido na cidade de Bouar, iniciou suas atividades de contrabando com venda de cigarros antes de envolver toda sua família no negócio de diamantes, formando um grupo em torno da empresa Badica, da qual faz parte também a companhia aérea "Minair".

Atualmente com 76 anos, Dan-Abdulkarim Azoumi deixou a República Centro-Africana recentemente. De acordo com sua família, ele se estabeleceu há aproximadamente um ano (em meados de 2013) em Antuérpia, na Bélgica, a capital mundial de diamantes. Ali abriu uma subsidiária, de nome "Kardiam".

 

Mas às margens do rio Ubangui, que faz divisa entre a Republica Centro-Africana e a Republica do Congo, Abdulkarim Dan-Azoumi continua preso ao passado. Na Europa as instalações da sua empresa Kardiam em Antuérpia foram invadidas pela interpol em junho de 2014, ocasião em que foi preso, em função de um relatório da ONU divulgado em novembro, em que era acusado de ter ajudado a financiar o grupo extremista Seleka. Tanto em Antuérpia como em Bangui, Abdulkarim Dan-Azoumi está em apuros. Mas suas movimentações financeiras tomaram um rumo diferente, mais exótico, saíram de Genebra e migraram para o Panamá.

Gestores de ativos do HSBC não se importam com transparência, corrupção ou tráfego em curso no mercado anárquico de diamantes na Africa Central. Na verdade fazem qualquer coisa para cortejar os barões de diamantes da Antuérpia ou do centro africano a internar suas receitas de diamantes nos cofres suíços e abastecê-los de conselhos de mutretas fiscais.



O dinheiro vai para paraísos fiscais

De acordo com os documentos consultados pelo Le Monde Afrique, o primeiro acerto entre Dan-Abdulkarim Azoumi e um gestor de ativos do HSBC suíço aconteceu em setembro de 2005. Em um salão do Hotel Radisson Blu, na Park Lane, em Antuérpia, os dois homens se conheceram. O representante do banco manteve um encontro inicial com Abdulkarim Dan-Azoumi e depois se reuniu diversas vezes com delegações de dirigentes da empresa e membros do governo da Republica Centro Africana, incluindo um ministro. O mercador de diamantes está pronto para o jogo.

Muçulmano, casado com quatro mulheres, dezoito filhos, mas atualmente sustenta que só mantem duas esposas, Abdulkarim Dan-Azoumi revela que Badica também tem atividades ligadas ao comércio com a China, importando confecções populares que distribui em vários países africanos, o que também consta em seu cadastro de dados nos arquivos do banco suíço. Abdulkarim Dan-Azoumi também deu informações sobre as restrições fiscais que pesam sobre um de seus filhos, que atua na importação de telefones celulares para a África comprados em Israel e no Canadá. Uma das referencias em seu prontuário no banco é o comerciante de diamantes israelense que opera em Genebra, Michel Farah. Este ultimo, entrementes domiciliado em Dubai, é gestor da empresa Swiss Diam.

Mas a conta recentemente aberta na Suíça por Dan-Azoumi Abdulkarim e também a de seu parceiro comerciante de diamante Mahamat Oumarou, este controlador da empresa "Sul Azur" tornou-se um pesadelo para o HSBC. "É uma conta cujos ativos não tem certificados de origem" revela um dos gestores de carteiras do HSBC, que ameaça fechar as contas cuja origem considera "questionável" (por pressão internacional). O que fazem então?... em Dezembro de 2005 sugerem "o benefício de uma empresa offshore." Ai promovem a transferência da agencia suíça de quase meio milhão de dólares para "Kampala Holdings SA", uma empresa de fachada criada ad-hoc no Panamá por Abdulkarim Dan-Azoumi. Assim o HSBC transfere fluxos financeiros de sua atividade de diamantes entre a Africa Central e Antuérpia e as passa para países da América Central, onde a regulação é muito branda - não há sequer um registro oficial de empresas offshore que operam por aquelas bandas. Bangui e Bruxelas parece que não ficaram satisfeitas com esse movimento.

Existe um outro protagonista importante no mundo dos diamantes centro africanos que constam no prontuário do HSBC consultado pelo Le Monde Afrique: A Société Centrafricaine du Diamant - "Sodiam". Esta empresa é a mais antiga no mercado de diamantes da Republica Centro Africana, em cuja conta suíça foi depositado 1,6 milhões de dólares em 2007. Esta sociedade é controlada por Raffi Arslanian, um comerciante de diamantes belga de ascendência armênia. Dirige a empresa com seu irmão mais velho Haik, que abriu seu primeiro escritório em Bangui, em 1969. Como CEO do grupo Arslanian Bros., fez fortuna com pedras em Angola, Serra Leoa, Congo e República Centro-Africana, sendo que os dois aparecem como titulares da conta bancária na Suíça em nome da Sodiam.

A Arslanian Bros. não respondeu aos questionamentos da reportagem. Autoridades de Bangui timidamente afirmam ter apreendido um carregamento ilegal em novembro de 2014 em que constavam 152 quilates em diamantes ilegais transportado por um piloto da Sodiam e grandes somas de dinheiro a bordo de um avião na pista do aeroporto da capital. De acordo com o International Crisis Group a exportação ilegal de diamantes da Republica Centro-Africana é feita via Camarões ou por Darfur, no sul do Sudão. "As duas empresas, Sodiam e Badica, sempre tiveram uma relação estreita com Bozizé, o presidente deposto. A Sodiam, ao mesmo tempo que cultivava relação com o poder estabelecido, também apoiava veladamente grupos rebeldes armados no nordeste do país” disse uma fonte conhecedora de detalhes internos. “A chegada ao poder do Seleka foi uma maneira para eles de superar as limitações do regime Bozizé e facilitar os seus negócios. "



Presença ilegal na Bélgica

Ao contrário da Badica, a Sodiam não se deu por achada com relatório da ONU, e mantem até hoje a compra de pedras brutas que continua a estocar (e eventualmente contrabandear). Isso acabou por causar a indignação de Abdulkarim Dan-Azoumi que denuncia concorrência desleal: "tivemos a desvantagem, má sorte por assim dizer, de ser muçulmanos e este relatório não é justo", se lamenta um elemento do seu grupo que aparentemente desconhece as tramoias dos circuitos financeiros da Badica.

A atividade suspeita dos enviados especiais do HSBC no mundo de diamantes de Antuérpia levou a uma investigação pelas autoridades belgas. "O banco não tinha licença para sua presença na Bélgica", diz um agente belga que trabalhou no caso de investigação no Hotel Carlton e no Radisson Blu, de Park Lane. Inquirido pela polícia judicial belga, o diretor jurídico do HSBC Private Bank, David Garrido, declarou em 29 de setembro de 2014 que não vê necessidade de informação sobre criação de empresas offshore sem nenhuma atividade real, como "Kampala Holdings SA" de Dan-Abdulkarim Azoumi e respondeu sem rodeios: "...isso não é ilegal e eu digo que é uma questão de direito civil adquirido".

De acordo com outro funcionário do banco, o objetivo era manter o cliente e os ativos. Entretanto o departamento interno do HSBS denominado MEDIS (Mediterrâneo, Europa e Israel) , que cuidava das contas dos mercadores de diamantes da Antuérpia, África e Israel, foi subitamente desativado no verão de 2013, depois de relatos de irregularidades feitos pela imprensa espanhola. Todos envolvidos no mercado de diamantes receberam instruções para fechar suas contas nas agencia suíça ou transferir seus fundos para outras unidades do grupo, tais como HSBC Tel Aviv, por exemplo, ou para empresas offshore pra mascarar suas movimentações.



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